quarta-feira, 27 de junho de 2012

Princípios da novidade e da veracidade: conceituação e influência na obrigatoriedade de alteração do nome empresarial



O nome empresarial é o elemento de identificação do empresário individual ou de uma sociedade empresária no exercício de sua atividade empresarial.
O nome empresarial deve, obrigatoriamente, respeitar dois princípios insculpidos no art. 34 da lei 8934/94 (lei que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins) e na IN n. 104 do DNRC de 30/04/2007, quais sejam: o da veracidade e o da novidade.
Lei 8934/94, art. 34: O nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade.
IN n. 104 do DNRC, art.4º: O nome empresarial atenderá aos princípios da veracidade e da novidade e identificará, quando assim exigir a lei, o tipo jurídico da sociedade.


·         Princípio da novidade: O nome empresarial que será criado, deve ser diferente dos já existentes. Para tanto, deve ser feita uma busca prévia na Junta Comercial a fim de verificar se já há algum nome parecido ou idêntico ao que se pretende criar. Não havendo, pode-se realizar o registro do nome empresarial (CC art. 1163 e Lei 8934/94, art. 34).
CC art. 1163: O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro.
Parágrafo único: Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga.
Em decorrência deste princípio, não poderão coexistir, na mesma unidade federativa, dois nomes empresariais idênticos ou semelhantes (IN n. 104/2007 do DNRC, art. 6º).
Se a firma ou denominação for idêntica ou semelhante a de outra empresa já registrada, deverá ser modificada ou acrescida de designação que a distinga (conforme dispõe o parágrafo único do art. 1163 do CC).


·         Princípio da veracidade: Este princípio requer que a firma individual contenha o nome do empresário e a social, o nome, pelo menos de um dos sócios da sociedade empresária, revelando, tanto como firma ou denominação, seus sócios, sua responsabilidade, a atividade prevista no contrato social e a estrutura empresarial; não pode conter dados inverídicos.  Portanto, o nome empresarial deve estar de acordo com a realidade da atividade empresarial exercida – IN n. 104 do DNRC, art. 5º, § 2º: O nome empresarial não poderá conter palavras ou expressões que denotem atividade não prevista no objeto da sociedade -  (Ex: não há como colocar o nome “Drogal” em uma padaria, pois não corresponderia à realidade do tipo de atividade que é explorado).
Por  força desse princípio, não é permitido que se mantenha na firma social (em caso de falecimento, expulsão ou retirada de algum dos sócios), o nome deste, que não mais poderá mais figurar na composição do nome empresarial (CC art. 1165). Se ocorrer óbito, exclusão ou retirada do fundador de uma sociedade anônima, seu nome não precisará ser suprimido da firma social, desde que ele não se oponha e que a sociedade resolva manter inalterado o seu nome empresarial.
CC art. 1165: O nome de sócio que vier a falecer, for excluído ou se retirar, não pode ser conservado na firma social.
Em decorrência do princípio da veracidade, conforme dispõe o art. 1164, parágrafo único do Código Civil: O adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor.

  Ambos os princípios visam coibir a concorrência desleal e promover a preservação da reputação dos empresários, junto aos seus fornecedores e financiadores.

·         Casos de alteração do nome empresarial:

- Coexistência de nome registrado com outro inscrito anteriormente, idêntico ou  similar; que detém o direito de exclusividade, cabendo ao titular daquele sanar o erro do registro, promovendo alteração capaz de evitar confusão ou engano entre ambos, ficando sujeito, se omitir essa providência, à alteração compulsória e responsabilização por perdas e danos.
- Ocorrência de óbito, exclusão ou retirada de sócio cujo nome conste na firma; pois enquanto não for realizada a alteração, o ex sócio ou seu espólio continuam respondendo pelas obrigações assumidas.
- Alienação de estabelecimento; permitindo, expressamente, com autorização contratual do uso do nome do alienante (firma individual), que acarreta a modificação do nome empresarial, em respeito ao princípio da veracidade, com a permanência daquele, mas precedido do nome próprio do adquirente, com a qualificação de sucessor (CC, art. 1164 – “o nome empresarial não pode ser objeto de alienação”; parágrafo único: “o adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor”).
- Transformação, incorporação, cisão e fusão de sociedade; com o registro, quando for o caso, do novo nome empresarial e/ou do cancelamento do extinto.
- Mudança de tipo societário ou de graduação de responsabilidade; permanecendo a situação jurídica anterior enquanto não for efetivada a alteração.
- Alteração da categoria de sócio, quanto à sua responsabilidade pelas obrigações sociais, se seu nome civil figurava no nome empresarial (Fabio Ulhoa).


è Alguns casos de impossibilidade de registro de nome empresarial: 

- É vedado o registro de nome que apresente palavra ou expressão que seja atentatória à moral e aos bons costumes (IN n. 104/2007 do DNRC, art. 4º, p. único);
- Se incluir ou reproduzir, em sua composição, siglas ou denominações de órgãos públicos da administração direta ou indireta e de organismos internacionais (IN n. 104/2007 do DNRC, art. 7º);
- Se contiver expressão ou palavra indicativa de atividade não prevista no objeto social (IN n. 104/2007, art. 5º, § 2º);
- Quando não atender ao princípio da veracidade;
- De nome empresarial idêntico ou semelhante a outro preexistente e devidamente inscrito (com a intenção de proteger o nome empresarial e o interesse do empresário, para preservar sua clientela e seu crédito).


è Garantia de exclusividade de uso do nome empresarial:

 O nome empresarial é um dos direitos da personalidade do empresário individual ou coletivo, por identificá-los no exercício de sua atividade empresarial. Disso decorre a necessidade de protegê-lo.
Tal proteção visa coibir a concorrência desleal e uma possível confusão que poderia ser criada entre os clientes e fornecedores, no caso de existência de nomes iguais ou semelhantes. Essa proteção compete ao Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais.
 Para cumprir satisfatoriamente a função de identificar o empresário ou a sociedade empresária, o nome empresarial não pode dar ensejo a confusões e deve ser suficientemente distinto.
Para a proteção do nome empresarial, a lei diz ser suficiente que o empresário ou a sociedade efetue o registro na Junta Comercial. No entanto, como a Junta Comercial é um órgão estadual, tal proteção se dá apenas no âmbito do estado onde foi feito o registro (CC, art. 1166).
CC art. 1166: A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado.
 Para que essa proteção se dê em âmbito nacional, é necessário providenciar o arquivamento de pedido de proteção ao nome empresarial, nas juntas dos demais estados (CC art. 1166, p. único).
CC art. 1166, p. único: O uso previsto neste artigo estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial.
Quando ocorrer algum registro indevido, de acordo com o art. 1167 do CC, caberá ao prejudicado, a qualquer tempo, ação para anular a inscrição do nome empresarial feita com violação da lei ou do contrato. Nada impede, ainda, que o prejudicado pleiteie ação de indenização de reparação de perdas e danos decorrentes de utilização indevida de seu nome.





sexta-feira, 22 de junho de 2012

Aviso



- A prova está elaborada da seguinte forma: 3 questões escolhidas dentre as que foram apresentadas pelos grupos.
- São questões que devem ser respondidas em até 10 linhas apenas.
- Para uma melhor adaptação didática modifiquei muito pouco o teor das perguntas mantendo, no entanto, o conteúdo das mesmas para não perder o que foi exposto em sala pelos grupos.
- Vou manter a promessa dada em sala, pois necessário o cumprimento da promessa, ex vi dos artigos abaixo assinalados, todos do Código Civil.
  • TÍTULO VII
  • Dos Atos Unilaterais
  • CAPÍTULO I
  • Da Promessa de Recompensa

  •  Art. 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido.
  •  Art. 855. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa estipulada.
  •  Art. 856. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o promitente revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade; se houver assinado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o arbítrio de retirar, durante ele, a oferta.
  •  Parágrafo único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito a reembolso.
  •  Art. 857. Se o ato contemplado na promessa for praticado por mais de um indivíduo, terá direito à recompensa o que primeiro o executou.
  •  Art. 858. Sendo simultânea a execução, a cada um tocará quinhão igual na recompensa; se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão.
  •  Art. 859. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é condição essencial, para valerem, a fixação de um prazo, observadas também as disposições dos parágrafos seguintes.
  • § 1o A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados.
  • § 2o Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem, entender-se-á que o promitente se reservou essa função.
  • § 3o Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os arts. 857 e 858.
  • Art. 860. As obras premiadas, nos concursos de que trata o artigo antecedente, só ficarão pertencendo ao promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa.


- A prova será na 4a feira, portanto vcs têm tempo para reler o que ficou discutido em sala.
- Quem auxiliou nas aulas, com os grupos, receberá uma nota pela participação e, ainda, um muito obrigado do professor.
- Bom final de semana a todos.

Allaymer

DANO MORAL. PRESERVATIVO EM EXTRATO DE TOMATE.




A Turma manteve a indenização de R$ 10.000,00 por danos morais para a consumidora que encontrou um preservativo masculino no interior de uma lata de extrato de tomate, visto que o fabricante tem responsabilidade objetiva pelos produtos que disponibiliza no mercado, ainda que se trate de um sistema de fabricação totalmente automatizado, no qual, em princípio, não ocorre intervenção humana. O fato de a consumidora ter dado entrevista aos meios de comunicação não fere seu direito à indenização; ao contrário, divulgar tal fato, demonstrando a justiça feita, faz parte do processo de reparação do mal causado, exercendo uma função educadora. Precedente: REsp 1.239.060-MG, DJe 18/5/2011. REsp 1.317.611-RS, Min. Rel. Nancy Andrighi, julgado em 12/6/2012.

CITAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA.




A pessoa jurídica – ente evidentemente abstrato – faz-se representar por pessoas físicas que compõem seus quadros dirigentes. Se a própria diretora geral, mesmo não sendo a pessoa indicada pelo estatuto para falar judicialmente em nome da associação, recebe a citação e, na ocasião, não levanta nenhum óbice ao oficial de justiça, há de se considerar válido o ato de chamamento, sob pena de, consagrando exacerbado formalismo, erigir inaceitável entrave ao andamento do processo. Precedente citado: AgRg nos EREsp 205.275-PR, DJ 28/10/2002. EREsp 864.947-SC, Rel. Min. Ministra Laurita Vaz, julgados em 6/6/2012.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Direito Empresarial Título de Crédito Duplicata na Prática


APELAÇÃO CÍVEL Nº. 496.369-3, DE ANDIRÁ - VARA CÍVEL, FAMÍLIA E ANEXOS

Apelante : PEDRO ANTONIO DUARTE
Apelado: .....................
Relator: Des. LUIZ CARLOS GABARDO
Revisor: Des. JUCIMAR NOVOCHADLO


APELAÇÃO CÍVEL. MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO. PROTESTO POR FALTA DE PAGAMENTO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ACEITE. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. DUPLICATA. EMISSÃO. IRREGULARIDADE. OCORRÊNCIA. VINCULAÇÃO A MAIS DE UMA NOTA FISCAL-FATURA. NULIDADE.

1. As matérias não deduzidas no juízo singular não podem ser invocadas em sede recursal, sob pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição.

2. A vinculação do título à fatura, imposta no § 2º do artigo 2º da Lei nº 5.474/68, visa a evitar que a duplicata possa corresponder a mais de um negócio jurídico.

3. A nota fiscal emitida com características de fatura é denominada de "nota fiscal fatura" e está regulamentada no art. 19, § 7º, do Convênio de criação do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais, s/nº de 15.12.70.

4. Carece de validade, por falta de requisito essencial, a duplicata extraída em decorrência de mais de uma nota fiscal fatura.

5. Apelação parcialmente conhecida e, nesta parte, provida.

I - RELATÓRIO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível sob nº 496.369-3, da Comarca de Andirá - Vara Cível, Família e Anexos, em que é apelante PEDRO ANTONIO DUARTE e apelada ....................

Trata-se de recurso interposto contra sentença (ff. 182/193), mediante a qual a MM. Juíza julgou improcedentes os pedidos iniciais da medida cautelar de sustação de protesto e da ação declaratória de inexigibilidade do título c/c danos morais, ajuizadas por Pedro Antônio Duarte em face de ..................., condenando o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), de acordo com o art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

O requerente interpôs apelação (ff. 196/206), na qual alega, em síntese, que: a) a falta de aceite impede o protesto da duplicata por falta de pagamento; b) a emissão da duplicata foi simulada, uma vez que "a quantidade estabelecida pelas notas não são verdadeiras e não podem instruir a duplicata levada a protesto por falta de pagamento" (sic); e, c) a duplicata é nula, de acordo com art. 2º, §2º, da Lei nº. 5.474/68, por corresponder a mais de uma nota fiscal fatura.

A apelada apresentou contra-razões (ff. 211/214).

É o relatório.

II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido, exceto em relação à alegação de que "o protesto teve como fundamento a falta de pagamento, no entanto a duplicata deveria ter sido protestada por falta de aceite" (f. 197).

A alegação implica evidente inovação recursal, prática vedada pelo ordenamento jurídico, em razão da norma do art. 517 do Código de Processo Civil.

Neste sentido, observe-se o ensinamento de Amaral SANTOS:

"No sistema brasileiro se devolve ao Juízo do recurso o conhecimento das mesmas razões suscitadas e discutidas no juízo 'a quo'. Haverá no Juízo do recurso, um novo pronunciamento, um novo julgamento com base no mesmo material de que se serviu o juiz de primeiro grau. Os argumentos poderão variar, mas com fundamentos nos mesmos fatos deduzidos e nas mesmas provas produzidas no Juízo inferior. Daí segue-se que as questões de fato não propostas no Juízo inferior não poderão ser suscitadas na apelação. A não ser assim, as novas questões de fato seriam apreciadas e decididas com ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição". (In Primeiras Linhas...., vol. 3, pg. 115.)

Outrossim, em função do princípio da estabilização objetiva da lide, é vedada a modificação do pedido ou da causa de pedir após o saneamento do processo, conforme é a norma do artigo 264, parágrafo único, do Código de Processo Civil:

"Feita a citação, é defesa ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo".

Portanto, em razão do atual estágio da relação processual, não se pode admitir a modificação da causa de pedir para que passe a abranger, também, a eventual nulidade do protesto, por ter sido feito, em tese, em modalidade inadequada (falta de pagamento enquanto deveria ser falta de aceite).

- Da nulidade da duplicata como título de crédito

Aduz o apelante que as notas fiscais foram emitidas como "nota fiscal/fatura", razão pela qual não podem corresponder a uma única duplicata.

Assiste-lhe razão.

De acordo com a doutrina, a duplicata é título causal, que só pode ser extraída em decorrência de fatura que comprove a compra e venda mercantil ou a prestação de serviços.

No caso dos autos, como o requerido não apresentou a "fatura que comprove a relação de compra e venda mercantil" que permite a emissão da duplicata, mas apenas as notas fiscais e o recibo de entrega de mercadorias, conclui-se que o comerciante adotou o sistema NF-Fatura.

Esse sistema foi instituído pelo Convênio de Criação do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais, s/nº de 15.12.70, que criou a possibilidade de a nota fiscal servir como fatura, conforme se extrai do seu art. 19, § 7º:
"A nota fiscal poderá servir como fatura, feita a inclusão dos elementos necessários no quadro "FATURA", caso em que a denominação prevista nas alíneas "n" do inciso I e "d" do inciso IX, passa a ser Nota Fiscal-Fatura".

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça coaduna com este mesmo entendimento, conforme o voto a seguir transcrito, proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do REsp 450.628/MG, publicado no DJ de 12.05.2003, p. 306, e utilizado pelo doutrinador Fabio Ulhoa COELHO para esclarecer a questão:

"2. Nos termos da lei, na compra e venda mercantil com prazo não inferior a 30 dias, o vendedor extrairá fatura (art. 1º, caput, da Lei 5474, de 18.07.68), que discriminará as mercadorias ou indicará os números e os valores das notas parciais (§ 1º, art. 1º). Essa fatura 'é a conta de venda que o vendedor remete ao comprador'; não é título representativo de mercadorias, nem é título de crédito, mas é documento do contrato de compra e venda, e serve para a criação da duplicata (Rubens Requião, Curso, vol. 2, p. 491). A fatura é um documento que se destina a ser apresentado ao comprador, na entrega ou na expedição das mercadorias, e serve facultativamente à expedição de duplicata, que é o título de crédito. A nota de venda é exigível sempre que houver a compra e venda; a fatura, somente nas vendas a prazo a partir de trinta dias, enquanto a extração da duplicata é sempre facultativa, mas pressupõe a existência da fatura, pois na duplicata deve constar o número da fatura (art. 2o, § 1º, II). 3. Quando não há fatura, a rigor não poderia haver duplicata. No entanto, "Em 1970, por convênio celebrado entre o Ministério da Fazenda e as Secretarias Estaduais da Fazenda, com vistas ao intercâmbio de informações fiscais, possibilitou-se aos comerciantes a adoção de um instrumento único de efeitos comerciais e tributários: a 'nota fiscal-fatura'. O comerciante que adota este sistema pode emitir uma única relação de mercadorias vendidas, em cada operação que realizar, produzindo, para o direito comercial, os efeitos da fatura mercantil e, para o direito tributário, os da nota fiscal. O comerciante que utiliza NF-fatura não poderá, no entanto, deixar de emitir o documento em qualquer operação que realize, mesmo em se tratando de venda não a prazo. A distinção entre hipóteses de emissão facultativa ou obrigatória da relação de mercadorias vendidas, prevista pela Lei das Duplicatas, perde, assim, o sentido prático em relação aos comerciantes que utilizam a NF-fatura, pois a sua emissão é sempre obrigatória. Da fatura - ou da NF-fatura - o vendedor poderá extrair um título de crédito denominado duplicata. Se a emissão da fatura é facultativa ou obrigatória de acordo com a natureza da venda e se a emissão da NF-fatura é sempre obrigatória, a emissão da duplicata mercantil, por sua vez, é sempre facultativa. O vendedor não está obrigado a sacar o título em nenhuma situação. Mas não poderá emitir, também, letra de câmbio, diante de expressa vedação legal (LD, art. 2º). A compra e venda mercantil poderá ser representada por nota promissória ou por cheque, que são títulos sacados pelo comprador. Ao vendedor, no entanto, a lei só permite o saque da duplicata mercantil, nenhum outro título. A duplicata mercantil deve ser emitida com base na fatura ou na NF-fatura. Logo, sua emissão se dá após a de uma destas relações de mercadorias vendidas. Mas, embora não fixe a lei um prazo específico máximo para a emissão do título, deve-se entender que ele não poderá ser sacado após o vencimento da obrigação ou da primeira prestação" (Fábio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial, ed. Saraiva, 12ª ed., 2000, fls. 268/269) Grifou-se.

Ressalte-se que, apesar de a duplicata não mencionar o número das notas fiscais fatura, a vinculação entre elas é evidente, uma vez que as notas fiscais totalizam a soma de R$ 13.764,49 (treze mil, setecentos e sessenta e quatro reais e quarenta e nove centavos), valor este que corresponde exatamente ao da duplicata protestada no Cartório de Protestos de Andirá (f. 06).

Ocorre que, nos termos do art. 2º, §2º, da Lei 5.474/68, a emissão de duplicata deve se referir a apenas uma fatura ou Nota Fiscal/Fatura, conforme se destaca:

"Uma só duplicata não pode corresponder a mais de uma fatura".

Sobre o tema, Luiz Emygdio Francisco da ROSA Jr. leciona que1:

"A vinculação do título à fatura visa a evitar que a duplicata possa corresponder a mais de uma fatura (LD, art. 2º, §2º) porque cada fatura decorre de uma compra e venda ou de uma prestação de serviços, e a duplicata não pode ser vinculada a mais de um negócio jurídico".

A emissão, portanto, de apenas uma duplicata para representar vários negócios jurídicos infringe dispositivo expresso da lei regulamentadora, o que importa em ausência de requisito essencial para a sua emissão e, conseqüentemente, gera a nulidade do título.

Nesse sentido destaco a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"Duplicata: requisito essencial. Art. 2º, § 2º, da Lei nº 5.474/64. Condição da ação. Possibilidade de conhecimento de ofício pelo Tribunal. Precedentes da Corte. 1. A vinculação da duplicata a mais de uma fatura retira-lhe requisito essencial sendo inerente à condição da respectiva execução, daí que pode ser examinada diretamente pelo Tribunal, não violando o art. 300 do Código de Processo Civil.

2. Recurso especial não conhecido". (STJ - REsp 577.785/SC, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 17.12.2004 p. 527)

Logo, como restou demonstrado nos autos que a duplicata levada a protesto foi sacada em decorrência de mais de uma operação mercantil de compra e venda de materiais de construção (Notas Fiscais/ Faturas nºs 372, 373, 374 e 375), impõe-se o reconhecimento da nulidade do título de crédito.

Conseqüentemente, a análise da alegação de que a duplicata foi emitida de forma simulada, pois "a quantidade estabelecida pelas notas não são verdadeiras e não podem instruir a duplicata levada a protesto por falta de pagamento" (sic) resta prejudicada.

- Dos ônus de sucumbência

De acordo com o princípio da sucumbência, com o provimento da apelação, a requerida deve arcar com a integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados na sentença.

Do exposto, voto por conhecer parcialmente da apelação interposta por Pedro Antonio Duarte e, na parte conhecida, por dar-lhe provimento, para: a) reconhecer a nulidade da duplicata levada a protesto, por emissão irregular do título; b) afastar os efeitos da cambial, tornando definitiva a ordem de sustação concedida em liminar na ação cautelar n° 333/2001; e, c) condenar a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, de acordo com valor fixado na sentença.

III - DISPOSITIVO

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer parcialmente da apelação interposta por Pedro Antonio Duarte e, na parte conhecida, dar-lhe provimento, para: a) reconhecer a nulidade da duplicata levada a protesto, por emissão irregular do título; b) afastar os efeitos da cambial, tornando definitiva a ordem de sustação concedida em liminar na ação cautelar n° 333/2001; e, c) condenar a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, de acordo com o valor fixado na sentença.

Participaram da sessão de julgamento os Excelentíssimos Desembargadores HAMILTON MUSSI CORREA, Presidente, com voto, e JUCIMAR NOVOCHADLO.

Curitiba, 17 de setembro de 2008.



LUIZ CARLOS GABARDO
Relator


1 ROSA JR, Luiz Emygdio Francisco da. Títulos de Crédito. Editora RENOVAR. 5ªed. P. 684  

sábado, 16 de junho de 2012

Questão de concurso Público


A proteção do nome empresarial é assegurada
(a) com o arquivamento dos atos constitutivos da sociedade na Junta Comercial, ficando essa proteção circunscrita à jurisdição administrativa dessa mesma Junta Comercial.
(b) com o depósito do nome empresarial no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que confere exclusividade em todo o território nacional.
(c) mediante a simples utilização desse nome, de maneira continuada e uniforme, em todos os negócios da empresa, independentemente de qualquer arquivamento ou registro.
(d) desde que não seja idêntico ou semelhante a outro que venha a ser posteriormente depositado na mesma Junta Comercial.


Questão de concurso público


São atos pertinentes ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins:
(A) o arquivamento dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis, à exceção das cooperativas.
(B) o arquivamento dos atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil.
(C) a autenticação dos instrumentos de escrituração das entidades cooperativas.
(D) os atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis ou ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
(E) os documentos que não obedecerem às prescrições legais ou regulamentares ou que contiverem matéria contrária aos bons costumes ou à ordem pública.
Resposta: B
O “X” da questão
A alternativa correta é a B. Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins é o nome dado para a Lei 8934/94, ou seja, para a lei que regula a atividade exercida pelas Juntas Comerciais e pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC). A pergunta trata das atribuições da Junta Comercial, sendo assim, passamos a comentar as alternativas.
A alternativa A está incorreta, pois, de acordo com a Lei 8934/94, a Junta Comercial também cuida do arquivamento das cooperativas (artigo 32, II, a, da Lei 8934/94). Ressalte-se que, de acordo com o Código Civil (CC) de 2002, a cooperativa é uma sociedade simples (parágrafo único do artigo 982 do CC), e, como tal, deveria ser registrada no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas (artigo 998 do CC).
A alternativa B está correta, de acordo com o artigo 32, II, c, da Lei 8934/94, pois as sociedades estrangeiras, depois de autorizadas pelo representante do Poder Executivo Federal, precisam ser registradas na Junta Comercial.
A alternativa C está incorreta, pois a autenticação é da escrituração das empresas, e a cooperativa não exerce atividade empresarial.
A alternativa D está incorreta, pois os documentos pertinentes às sociedades simples, ou seja, não empresárias, são de competência do Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas (artigo 998 do CC).
A alternativa E está incorreta, pois os documentos que não obedecerem às prescrições legais ou regulamentares ou que contiverem matéria contrária aos bons costumes ou à ordem pública não podem ser arquivados na Junta Comercial (artigo 35, I, da Lei 8934/94).
Elisabete Vido, coordenadora da pós-graduação e professora de Direito Empresarial no Complexo Educacional Damásio de Jesus, palestrante, consultora jurídica, advogada, mestre em Direito, autora do livro “Manual de Direito Empresarial” (Editora Juspodium)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Sociedade em Conta de Participação



RECURSO ESPECIAL N° 168.028 - SP (1998?0019947-0)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:

O recorrente promoveu contra Qualitá Indústria e Comércio de Móveis Ltda., ora recorrida, uma Medida Cautelar de Sustação de Protesto onde obteve liminar para evitar o protesto e, posteriormente, a presente Ação de Rito Sumaríssimo Declaratória de Inexigibilidade de Título de Crédito, Cumulada com Pedido de Indenização por Danos Morais, afirmando que jamais firmara qualquer negócio com a ré, aqui recorrida, a ensejar a emissão da duplicata sem aceite contra si sacada e sem documento comprobatório do recebimento do serviço.

A ré?recorrida, por seu turno, alegou que referido título foi emitido em razão dela ter realizado serviços de mobiliamento em duas unidades de propriedade do autor?recorrente no Condomínio Edifício Morumbi Business Apart Hotel.

Esses serviços teriam sido contratados pela Conceito Assessoria e Hotelaria, sócia ostensiva da sociedade em conta de participação também integrada pelo autor?recorrente e outros proprietários das demais unidades de referido "flat", constantes do mencionado Condomínio.

E como esses serviços teriam sido realizados e por eles nada havia sido pago, a ré?recorrida sacou referida duplicata contra o autor?recorrente, levando-a a protesto.

Em primeiro grau a ação foi julgada parcialmente procedente para negar a indenização por danos morais mas para declarar nula e inexigível a duplicata cogitada, e dessa douta decisão extraio os seus seguintes fundamentos:

"Com efeito, a empresa Conceito, sócia ostensiva da Sociedade em Conta de Participação mencionada pela ré, estava impedida de assumir perante terceiros obrigações em nome pessoal dos participantes (cláusulas 7f - fls. 86).

Extrapolou a empresa suas atribuições, ao celebrar o contrato de fls. 63?66, posto que jamais foi representante do autor para a contratação, conforme consta do preâmbulo do instrumento mencionado.

Que não se invoque a teoria da aparência para justificar a celebração do contrato, visto que deveria a fornecedora exigir a demonstração da regular representação que a Conceito invocava, até porque para aceite cambial é necessário poderes expressos.

Consoante depreende-se da contestação, ao réu não era desconhecida a existência da sociedade em conta de participação da qual o autor é sócio oculto e, portanto, mais uma razão, para que exigisse a prova da representação do autor pela Conceito.

Ademais, é consabido que a sociedade em conta de participação, disciplinada pelos arts. 325 a 328 do Código Comercial, possui características próprias, dentre elas a de o sócio ostensivo assumir ilimitadamente as obrigações da sociedade, ao passo que os sócios ocultos não mantém qualquer relação jurídica com os credores por obrigações decorrentes do empreendimento comum.

Diante disso, deve a ré exigir o pagamento a que julga ter direito da sócia ostensiva Conceito.

Contudo, ainda que se possa admitir, "ad argumentandum" que poderia a Conceito, mesmo contra disposição expressa do contrato, assumir obrigação em nome do autor, estaria ela agindo como gestora de negócio e, em conformidade com o disposto no art. 1.331 do Código Civil é ela responsável perante a ré.

Assim, por todos os ângulos de análise, verifica-se que, efetivamente, não há relação juridica de natureza obrigacional entre o autor e a ré, pelo que o saque da duplicata é indevido. " (fls. 152?153).

A apelação do autor foi julgada prejudicada em face do apelo da ré ter sido provido, por maioria, pelas considerações a seguir transcritas:

"O autor diz que adquiriu as unidades n°s 118 e 214 do Condomínio Edifício Morumbi Business Apart Hotel, e que jamais os visitou, não sabendo assim se eles estavam decorados, ou não.

Como o próprio nome do empreendimento está a sugerir, trata-se de um empreendimento hoteleiro, pelo sistema denominado "Flat". Se o ramo a ser operado é o de hotel, com rateio aos condôminos que colocam os seus apartamentos no "pool", é necessário que estes estejam devidamente equipados com móveis. Logo, não vinga a alegação de que o adquirente não sabia se suas unidades estavam mobiliadas, mesmo porque vem recebendo pela ocupação das mesmas.

A finalidade da Sociedade em Conta de Participação, da qual o autor é um dos sócios, é de fazer com que o empreendimento hoteleiro funcione, com a aquisição de móveis e com a administração hoteleira propriamente dita. Assim, ao contratar com a empresa Conceito Hoteleira S?C Ltda, o autor deu autorização a esta para que assumisse compromissos, em seu nome, para que suas unidades funcionassem.

A cláusula 7.f do contrato mencionado, que diz que a sociedade não pode contrair obrigações em nome pessoal dos contratantes, existe em todos os contratos societários e diz respeito a obrigações estranhas ao empreendimento. Se a admitíssemos como válida também para a aquisição dos móveis e demais equipamentos que viabilizaram as unidades, chegaríamos à conclusão de que toda a contratação estava inviável e a empresa hoteleira nada poderia fazer em nome dos participantes, nem mesmo colocar o empreendimento em funcionamento. Ademais, a integração ao "pool" pressupõe o prévio aparelhamento do imóvel, de conhecimento do interessado. Assim sendo, entregues os bens móveis, segue-se a necessidade do pagamento.

A parte não pode, escudando-se em disposições legais aparentemente aplicáveis e cláusulas contratáveis (cujo espírito foi outro) deixar de cumprir obrigações que a ela cabe, pelo prisma do justo. " (fls. 221?222).

O autor ingressou com embargos infringentes no ponto referente à desconstituição da duplicata, que foram rejeitados fundamentalmente por não se tratar de duplicata fria e também porque seriam inaplicáveis os arts. 325 e seguintes do Código Comercial e a cláusula "7, f", do contrato, que proíbe o sócio ostensivo de contrair obrigações em nome pessoal dos sócios ocultos, porquanto, na visão de boa-fé da ré?recorrida, a contratação feita pelo sócio ostensivo vincularia o sócio oculto, pois o apart hotel estava em fase de preparação, as mobílias seriam para as suas unidades, de sorte que aquela cláusula que proibia o sócio ostensivo de contrair obrigações em nome pessoal dos sócios ocultos só teria aplicação quando já constituída a sociedade, vale dizer, quando já estivesse em funcionamento o negócio que motivou a constituição da sociedade em conta de participação, o que, na época, ainda não se dava.

O autor embargou de declaração reclamando manifestação sobre o não preenchimento dos aspectos formais da duplicata objeto do feito, que a tornaria nula. Buscou, ademais, manifestação sobre o fato superveniente trazido à baila na sede dos infringentes, referente a um laudo pericial extraído de uma outra demanda em que figuram no polo passivo a ora recorrida e no polo ativo a sócia ostensiva da referida sociedade, de onde teria resultado que a ré?recorrida não teria cumprido, naquela avença, referente ao mobiliamento de referido condomínio.

Esses declaratórios foram rejeitados pela afirmação de que a duplicata não seria fria e que não teria havido ofensa ao art. 1092 do Código Civil.

Daí o recurso especial em exame com base nas letras "a" e "c" do permissor constitucional por sugerida divergência com os julgados que indica e por alegada violação aos arts. 325 a 328 do Código Comercial, uma vez que, na sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo é o único que se obriga perante terceiros, ficando o sócio oculto obrigado apenas para com o mesmo sócio ostensivo nas obrigações por este firmadas para com terceiros; aos arts. 2o, § 1o, VIII, e 6o, § 1o, da Lei n° 5.474?68, em face da ausência de preenchimento dos pressupostos de validade da duplicata em comento; e ao art. 1092 do Código Civil, uma vez que não se pode exigir o cumprimento da contra prestação sem o cumprimento da prestação.

Sem resposta, o recurso foi admitido na origem.

Era o de importante a relatar.

Documento: 154179 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 22/10/2001

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Empresa e Responsabilidade Penal no Âmbito Ambiental



Acadêmica - Bruna Imazu

• O que é pessoa jurídica?

• Existem 2 teorias que explicam a natureza da pessoa jurídica:

Teoria da ficção:
- Originária do Direito Romano e aprimorada em 1840 por Savigny.
- Conceito: a pessoa jurídica é uma ficção jurídica, despida de personalidade. A pessoa jurídica não existe no mundo real, sendo tão-somente uma construção artificial com a finalidade de atribuição patrimonial, de modo que suas atividades não passam de atitudes tomadas pelas pessoas físicas, ou seja, seus membros que atuam em nome do objetivo coletivo.

Teoria da realidade:
- Conceito: a pessoa jurídica não é uma criação artificial, mas real e independente dos seus membros. Desta forma, quando várias pessoas se reúnem, para determinado objeto social, nasce um centro de interesses distintos dos individuais. A pessoa jurídica tem vida própria.

• Quanto à responsabilidade penal da pessoa jurídica:

Teoria da ficção:
- por ser mera ficção jurídica, a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada penalmente, restando apenas a possibilidade de punir seus membros (pessoas físicas).
- a pessoa jurídica não tem capacidade (de agir), consciência (da ilicitude) ou vontade e por isso não cometeria qualquer ação criminosa
- seria incapaz de cometer um crime, dependendo sempre dos seus agentes – humanos – para a prática de atos delituosos
- a solução para José Henrique Pierangelli seria a responsabilização dos administradores e diretores da empresa.


Pontos contrários a responsabilidade penal da pessoa jurídica:
1. Inexistência de responsabilidade sem culpa: aqueles que adotam a teoria da ficção dizem que a pessoa jurídica não possui vontade e, se um dos elementos para que haja o fato típico é a conduta por culpa ou dolo, inexistindo-a, não há que se falar em infração penal.
2. Desrespeito ao princípio da personalidade das penas: de acordo com o artigo 5º, XLV CF, a pena não passará da pessoa do ofendido; assim ao se admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica ter-se-ia que a condenação poderia atingir pessoas inocentes como sócios minoritários, acionistas (em uma S/A), que, por exemplo, votaram contra a decisão que originou o crime ou mesmo não tiveram participação na ação delituosa.
3. Impossibilidade de arrependimento: de acordo com o art. 59 CP, a pena tem como finalidade a reprovação e a prevenção da prática de infrações penais. Sendo a pessoa jurídica mera ficção, esta não seria intimidada ou reprovada, logo, não se atingiria os fins da pena.

Teoria da realidade:
- a pessoa jurídica, por ter vida própria, pode cometer crime mediante culpa ou dolo distintos das pessoas físicas
- às pessoas jurídicas seriam atribuídas sanções penais, diferentes das penas tradicionais (como a pena de reclusão) – por exemplo: a suspensão das atividades da empresa; sua dissolução

Pontos favoráveis a responsabilidade penal da pessoa jurídica:
- Primeiramente não se deve analisar a responsabilidade penal apenas no tocante a penas de reclusão de liberdade (“como uma pessoa jurídica – empresa - poderia ser presa?”), pois o Direito Penal atual prevê outros tipos de sanções, como a interdição, perda dos bens, fechamento da empresa (que são tão drásticas para a empresa quanto a privativa de liberdade)
- Em segundo lugar, não se deve ater exclusivamente a teoria tradicional do direito penal, qual seja, a necessidade da conduta voluntária e consciente para que haja o tipo penal e, portanto a infração (uma vez que, como bem apontado pela teoria da ficção, quem age com culpa ou dolo é a pessoa física, mas por detrás da pessoa jurídica).
- Quanto ao princípio da personalidade das penas, mesmo quando se trata de pessoa física, a sanção também atinge os que estão em sua volta (por exemplo: condenando um pai família, todos os membros irão arcar indiretamente com as consequências da decisão. Logo, isso também pode ser estendido à pessoa jurídica.
- Em relação à impossibilidade de arrependimento, este argumento já não se sustenta, visto que a empresa cada vez mais se preocupa com sua imagem (o que se observa com as propagandas e publicidade) não havendo como negar que o efeito intimidativo de uma sanção penal afetaria a vida social da empresa.


* Teoria da responsabilidade por reflexo ou ricochete
- concilia a teoria da ficção e da realidade quanto à responsabilidade penal da pessoa jurídica
- somente uma pessoa física é capaz de cometer uma infração
- a pessoa jurídica, incapaz ela mesma de dolo ou culpa, somente pode ser responsável por reflexo ou ricochete.


Responsabilidade penal da pessoa jurídica no Brasil (teoria da realidade)

- art. 173, §5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
- Prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídica, independente da responsabilização de seus dirigentes, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente.

- art. 225 CF: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
            § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

- Lei 9.605/98 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente
- em seu art. 3º: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
- Para que a pessoa jurídica possa ser responsabilizada criminalmente é preciso que o ato tenha sido realizado por pessoa que detém poder de representação, e que o fim seja o interesse da empresa, e não pessoal do agente.

- Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
- Há a responsabilidade penal cumulativa – a responsabilidade do ser coletivo não exclui a de seus diretores e administradores, uma vez que além da pessoa jurídica ser beneficiada, estes também podem se beneficiar indiretamente com o fato praticado.

- A referida lei em seus artigos 21 a 24, trata das penas aplicáveis às pessoas jurídicas:
            Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
        I - multa;
        II - restritivas de direitos;
        III - prestação de serviços à comunidade.
        Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
        I - suspensão parcial ou total de atividades;
        II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
        III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
        § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
        § 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
        § 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
        Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
        I - custeio de programas e de projetos ambientais;
        II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
        III - manutenção de espaços públicos;
        IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
        Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

Jurisprudências:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE.
DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO.
Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes).
Recurso especial provido.
(REsp 889.528/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 18/06/2007, p. 303)

É essencial considerar sobre a responsabilização criminal da pessoa jurídica, que ao apontar os sócios e dirigentes como possíveis responsáveis, seja apresentada com clareza a forma de participação destes na configuração do delito criminal. Exigência comum ao entendimento dos nossos tribunais: “Processual penal – Delito ambiental – Denúncia – Descrição da conduta – Ausência de nexo causal – trancamento da ação. 1) Tratando-se de suposta prática de crime em concurso de pessoas, mesmo diante de crime de natureza ambiental é indispensável que a denúncia descreva os fatos atribuídos a cada indiciado, esclarecendo o modo como cada um deles concorreu para o evento, sob pena de afronta a ampla defesa; 2) Não se pode atribuir ao representante da pessoa jurídica o dano ambiental, por não haver um nexo de causalidade entre sua conduta e o evento danoso; 3) Ordem concedida.” (TJAP – Acórdão:174807 – Des. Rel. Luiz Carlos).




Bibliografia

GOMES, Luiz Flávio (coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Ed. R.T., 1999.

KIST, Ataides. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Editora de direito, 1999.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2006.

VIEIRA, Patricia Ribeiro Serra (coord.). Responsabilidade civil empresarial e da administração pública. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2004.

OLIVEIRA, Roberto dos Santos de. A responsabilidade da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Disponível em: <http://www.correadesouza.adv.br/artigos/empresas-e-crimes-ambientais/> Acesso em: 26 maio 2012.
PERGUNTAS:

1. Explique qual a teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro, apresentando ao menos um fundamento.
R: Teoria da realidade: a pessoa jurídica não é uma criação artificial, mas real e independente dos seus membros. Desta forma, quando várias pessoas se reúnem, para determinado objeto social, nasce um centro de interesses distintos dos individuais. A pessoa jurídica tem vida própria, podendo portanto, ser responsabilizada penalmente.
A própria CF, em seu artigo 225 ao prever a possibilidade de aplicação de sanções penais às pessoas jurídicas, consolida a teoria da realidade, da mesma forma as leis nº 9.605/98, nº 8.974/95, nº 8.213/91.


2. Sabe-se que a lei 9.605/98 em seu Capítulo V prevê os crimes contra o meio ambiente. O rol das condutas previsto nessa lei é taxativo?
R: Não, pois a própria Constituição Federal não restringiu as condutas criminosas apenas aos definidos nesta lei, podendo existir outros diplomas legais que versem sobre a proteção ambiental. Tenha-se como exemplo a lei 8.974/95, que trata da proteção ao patrimônio genético.


3. Em relação à aplicação das penas à empresa quando do cometimento de infrações ao meio ambiente, quais os critérios que devem ser observados pela autoridade competente?
R: De acordo ao artigo 6º da lei 9.605/98, a autoridade competente deverá observar a gravidade do fato praticado e suas consequências (inciso I); os antecedentes do infrator, no caso se ele já deixou de cumprir normas ambientais (inciso II); e no caso de multa, a situação econômica do infrator (inciso III).