Processo 758822-7
Apelação Cível
Apelação Cível nº 758.822-7, da Comarca de Londrina - 2ª
Vara Cível APELANTE : Wilma Calegari de Souza APELADO : João Roberto Teixeira
Machado RELATOR : Juiz Substituto em 2º Grau Francisco Eduardo Gonzaga de
Oliveira (em substituição ao Desembargador Joatan Marcos de Carvalho)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. RECONVENÇÃO. NOTA
PROMISSÓRIA PRECRITA. AVAL. GARANTIA TIPICAMENTE CAMBIÁRIA. ILEGITIMIDADE
PASSIVA DA AVALISTA DECLARADA DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO
MÉRITO. - A prescrição prevista na Lei Uniforme não atinge o direito
representado pela nota promissória, mas apenas a ação de execução que a
assegura. Por isso, conquanto prescrita a ação de execução do título, pode o
credor valer-se do procedimento ordinário de cobrança (ou especial monitório).
- A ação monitória fundada em nota promissória prescrita está subordinada ao
prazo prescricional de 5 (cinco) anos de que trata o artigo 206, § 5º, I, do
Código Civil. - Prescrito o título que embasa o pedido, não provado o
enriquecimento ilícito do avalista, não há que se falar na obrigação cambial do
avalista que, como tal, é parte ilegítima para responder pelo pagamento da
dívida. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS. NOTA PROMISSÓRIA PRESCRITA. PROTESTO EM DESFAVOR DO AVALISTA.
AVAL. GARANTIA TIPICAMENTE CAMBIÁRIA. PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL PRESUMIDO.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS NESTE SENTIDO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ COMPROVADA.
ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. DEVER DE INDENIZAR. PREJUÍZO DEMONSTRADO.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. PODER JUDICIÁRIO Estado do Paraná TRIBUNAL DE
JUSTIÇA Apelação Cível nº 758.822-7
1. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por
Wilma Calegari de Souza contra sentença de fls. 107/114, proferida nos autos de
ação declaratória c/c indenização por dano moral, movida pela ora Apelante, que
julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para o fim de ordenar o
cancelamento definitivo do protesto e declarar que no caso não restaram
comprovados os danos morais. Em face da sucumbência recíproca, condenou as
partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, pro rata.
Condenou, ainda, a parte autora, diante do reconhecimento da
litigância de má-fé, ao pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, bem
como a reembolsar a parte ré as despesas por ela pagas referentes as custas
processuais e honorários advocatícios.
Julgou, também, prejudicado o pedido de cobrança do
reconvinte, em face do reconhecimento da prescrição e declarou extinto o
processo. Condenou o reconvinte ao pagamento das custas processuais inerentes à
reconvenção e honorários advocatícios, estes fixados me R$ 800,00 (oitocentos
reais).
Nas razões de recurso (fls. 115/121) Wilma Calegari de Souza
afirmou, em síntese, que: a) diante do reconhecimento da inexigibilidade da
nota promissória, deveria o magistrado singular reconhecer o ato ilício
praticado e condenar o apelado ao pagamento de danos morais; b) o recorrido
utilizou o seu CPF inapropriadamente para emitir a nota promissória; c) o
protesto do título com o número de seu CPF gerou anotações de seu nome nos
registros do SERASA e SCPC o que acarretou prejuízos; d) a condenação em
litigância de má-fé não pode prosperar, uma vez que a recorrente nada deve e
teve seu nome e CPF incluídos em uma nota promissória protestada; e) a parte
recorrida deve ser condenada ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios. Postula, por fim, o conhecimento e provimento do recurso para
reformar a decisão, nos termos da fundamentação.
O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo (fls.
122).
Conforme certidão de fls. 227-verso, a parte apelada deixou
transcorrer o prazo in albis, sem apresentar contrarrazões.
Após, vieram-me conclusos os autos.
É o relatório.
2. Presentes os pressupostos processuais, o recurso comporta
conhecimento.
A meu ver, as matérias de ordem pública não se sujeitam à
preclusão, podendo ser objeto de novo pronunciamento após proferimento de
sentença, independentemente de ter sido interposto recurso ou não.
Nesse sentido julgados desse E. Tribunal:
AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE
DETERMINA A SUSPENSÃO DO RECURSO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ATÉ JULGAMENTO
FINAL DO RECURSO ESPECIAL DE Nº 1.273.643/PR. MANUTENÇÃO. EXISTÊNCIA DE RISCO
DE DECISÕES CONFLITANTES EM DEMANDAS IDÊNTICAS. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA QUE PODE
SER CONHECIDA INDEPENDENTE DE PROVOCAÇÃO DAS PARTES E EM QUALQUER GRAU DE
JURISDIÇÃO. Tratando-se de matéria de ordem pública, cognoscível independente
de provocação das partes e em qualquer grau de jurisdição, há de ser mantida a
suspensão do recurso, pois pendente o julgamento do Recurso Especial de nº
1.273.643/PR, em que se discute o prazo prescricional das execuções de sentença
prolatada em ação civil pública. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 16ª
C.Cível - AR 909176-3/01 - Maringá - Rel.: Shiroshi Yendo - Unânime - J.
01.08.2012) (grifei)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA
- SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS, CAUSADOS POR VEÍCULOS AUTOMOTORES -
DPVAT - INDENIZAÇÃO POR MORTE - AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO OU PAGAMENTO PELA VIA
ADMINISTRATIVA - PRESCRIÇÃO - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - OCORRÊNCIA - ART. 206,
§3º, IX DO CÓDIGO CIVIL - PRAZO TRIENAL - CONTAGEM - ALCANCE DO ESTADO DE
INCAPACIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO - INOVAÇÃO
RECURSAL. 1. A prescrição é matéria de ordem pública, ou seja, pode e deve ser
analisada pelo magistrado em qualquer tempo e grau de jurisdição (Art. 193,
CC), podendo, inclusive, ser decretada de ofício (Art. 219, §5º, CPC). 2. Em
face da inexistência de pagamento administrativo, ou sequer requerimento, e
como o sinistro ocorreu já na vigência do Código Civil de 2002, torna-se
imperioso adotar a regra do artigo 206, §3º, IX, que estabelece prazo trienal
para a contagem da prescrição. 3. Muito embora, o art. 198 do Código Civil
estabeleça o impedimento da contagem do prazo prescricional para os
absolutamente incapazes, tal proteção se esvai quando a parte alcança o estado
de incapacidade relativa. 4. Não se conhece do recurso por incorrer em
inovação, quando inclusas, em suas razões, questões não decididas nem ofertadas
pela via adequada, o que obsta sua apreciação nesta instância, ou ainda, quando
matéria não tratada no pedido inicial. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E
PROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - AC 786343-2 - Pato Branco - Rel.: Rosana Amara
Girardi Fachin - Unânime - J. 01.09.2011) (grifei)
Dessa maneira, o fato de o magistrado prolator da sentença
ter acolhido tanto a alegação de prescrição do título de crédito embasado na
Lei Uniforme (prazo trienal) como a prescrição do crédito representado pela
nota promissória prescrita (art. 206, § 3º, inciso VIII do Código Civil) não
impede que tais matérias sejam novamente analisadas por este Tribunal.
Contudo, ainda que se reconheça a prescrição da eventual
pretensão da execução da nota promissória não se avista a prescrição do débito,
tal como concluiu o juiz, pois em relação a este o prazo prescricional é o do
art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Sublinhe-se ser inaplicável ao caso
dos autos a regra prevista no artigo 206, § 3º, inciso VIII, do Código Civil,
pois a ação de cobrança / reconvenção não tem fundamento na existência de
título de crédito, mas sim na existência de prova escrita da dívida.
Assim, considerando que a nota promissória foi emitida em
23/03/1999; quando estava em vigor o Código Civil de 1916, que previa, em seu
artigo 177, o lapso de vinte anos para prescrição de ações pessoais, contados
da data em que poderiam ter sido propostas.
Desde a emissão da nota promissória em 23.03.1999 até a entrada
em vigor do novo Código Civil em janeiro de 2003, não transcorreu mais da
metade do prazo de 20 anos (art. 2028 do CC). Aplicam-se, pois, as regras do
novo Código Civil.
Assim, tendo em vista que a lei nova reduziu o prazo exigido
para a prescrição (art. 206, § 5º, inciso I, CC - 05 anos) atendendo-se ao
princípio da segurança jurídica, do direito adquirido e da irretroatividade
legal, aplica-se o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, contado a partir da
vigência do Novo Código Civil, ou seja, 11 (onze) de janeiro de 2003.
Este é o critério adotado pela jurisprudência:
No caso em que a lei nova reduz o prazo exigido para a
prescrição, a lei nova não se pode aplicar ao prazo em curso, sem se tornar
retroativa. Daí resulta que o prazo novo que ela estabelece correrá somente a
contar de sua entrada em vigor (RT 343/510, RE 51.076).
AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE SEM
FORÇA DE TÍTULO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRAZO QUINQUENAL. REGRA
DE TRANSIÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECONVENÇÃO
IMPROCEDENTE COM TRÂNSITO EM JULGADO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. - A ação
de cobrança fundada em cheque prescrito está subordinada ao prazo prescricional
de 5 (cinco) anos de que trata o artigo 206, 5º, I, do Código Civil, a contar
da data de início da vigência de tal Codex. (TJPR, 6º Câmara Cível, Apelação
Cível 0761605-1, Rel.: Ângela Khury, Dj. 29.03.2012 - DJ 833) (grifei)
Assim, considerando que o Novo Código Civil entrou em vigor
em 11.01.2003 e a demanda foi ajuizada em 04.01.2008, a pretensão não se
encontra prescrita, pois o ajuizamento da reconvenção deu-se dentro do prazo
previsto que é de cinco anos, no termos do art. 206, § 5º, I, do Código Civil,
de onde se extrai: Art. 206. Prescreve: (...) §5º Em 5 (cinco) anos: I - a
pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou
particular.
É o raciocínio que se aplica no manejo de ação de cobrança
da dívida representada pelo título de crédito, como se constata do seguinte
acórdão do C. Superior Tribunal de Justiça:
Direito civil e processo civil. Ação monitória. Cobrança de
nota promissória prescrita. Emissão vinculada a boletim individual de
subscrição de cotas-parte de capital, em sociedade cooperativa.
Crédito decorrente da relação jurídica-base também
prescrito, com fundamento no art. 36, § único, da Lei nº 5.764/71.
Reconhecimento de sub-rogação do titular da nota promissória nesse crédito.
Impossibilidade de sua cobrança. Recurso não conhecido.
- É pacífica a jurisprudência do sentido de admitir a
cobrança de crédito decorrente de nota promissória prescrita pela via da ação
monitória.
- Todavia, nessas hipóteses, o crédito não se torna
automaticamente imprescritível, mas vinculado à relação jurídica-base.
- Se, do ponto de vista dessa relação jurídica, também
estiver prescrita a pretensão a cobrança, correta a decisão que a reconheceu.
Do voto da relatora, extrai-se:
É assente a jurisprudência do STJ
no sentido de que a prescrição de um título de crédito não impede a cobrança do
débito nele representado pela via da ação monitória. Todavia, o fundamento
dessa cobrança se altera. Antes da prescrição, a abstração da nota promissória
garantiria a cobrança com base exclusivamente nesse título. Após a prescrição,
porém, ele se converte em simples documento escrito indicativo da existência de
uma dívida, de forma que o fundamento da cobrança não é mais a cártula,
autonomamente, mas a dívida de que ela é prova. Tanto que já se pacificou a
jurisprudência desta Corte no sentido de que, com a prescrição do título de
crédito, o credor não poderá promover ação monitória em face do avalista, mas
apenas daquele que teria se locupletado ilicitamente com o não pagamento da
dívida (REsps nºs 549.924/MG e 457.556/SP, ambos de minha relatoria,
publicados, respectivamente, nos DJs de 5/4/2004 e 16/12/2002, além do REsp nº
200.492/MG, relatado pelo Min. Eduardo Ribeiro - DJ de 21/8/2000, entre
outros).
Tendo isso em vista, a prescrição
da cobrança tem de ser analisada, não à luz dos dispositivos relativos ao
título de crédito, mas da lei que regula a relação jurídica que lhe deu origem.
(STJ, REsp 682559 (2004/0121260-4 - 01/02/2006), Rel. Min. NANCY ANDRIGHI)
De fato, a prescrição como cambial não implica na prescrição
do direito pessoal de cobrança do crédito.
Com efeito, embora não haja sido formulado recurso do autor
reconvinte, nada obsta ao Tribunal em se tratando de matéria de ordem pública,
corrigir de ofício o equívoco do juiz, para afastar o reconhecimento da
prescrição do crédito.
Assim, como a reconvenção foi proposta em 04.01.2008, não há
que se falar em prescrição do crédito na espécie, merecendo reforma a r.
sentença neste tópico.
Veja-se que não se consumou a prescrição do crédito
representado pela Nota Promissória, contudo a executividade do título se
encontra prescrita, o que torna a apelante parte ilegítima para figurar no pólo
passivo da reconvenção, pois prescrito o título, desaparece a sua obrigação
como avalista.
Com efeito, a obrigação da avalista relaciona-se com a nota
promissória, e não com a dívida em si. Embora sirva de meio de prova da dívida
que ela personificou, estando a nota promissória prescrita, as obrigações
estritamente cambiárias que tiveram nela sua origem, estando tão somente a ela
vinculadas, têm o mesmo destino do título. Desta sorte, como não foi
demonstrado nos autos o locupletamento ilícito da avalista, ou a condição desta
de devedora solidária do débito, ela não possui legitimidade ad causam para
figurar no pólo passivo da ação de cobrança (reconvenção).
Nesse sentido é entendimento desse E. Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA -
CONTRATO DE DESCONTO DE TÍTULOS ACOMPANHADO DE NOTA PROMISSÓRIA. APELAÇÃO 1 -
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO AVALISTA QUE FIGUROU NO TÍTULO PRESCRITO
RECONHECIDA PELA SENTENÇA - INEXISTÊNCIA DE PACTUAÇÃO DE GARANTIA NO CONTRATO -
SOLIDARIEDADE QUE NÃO SE PRESUME - INTELIGÊNCIA DO ART. 265 DO CÓDIGO CIVIL -
SENTENÇA MANTIDA. 1. Sem embargo da possibilidade de manejar a via da ação
monitória para a constituição de um título judicial contra o devedor principal
constante da nota, não é admissível que o avalista do título permaneça
vinculado a este, mesmo após a prescrição. 2. A responsabilidade do avalista do
título de crédito chega a seu termo com o advento da prescrição, pois o aval é
um ato puramente cambiário, que tem por fito garantir o pagamento do próprio
título, sem guardar relação com a obrigação subjacente à cártula. Nesse
sentido, prescrita a pretensão cambiária, dá-se a liberação do avalista por
força da extinção do aval. 3. Inexistindo pactuação de solidariedade
obrigacional no contrato, não há como mantê-la em relação ao avalista do título
prescrito, até porque a solidariedade não se presume, conforme estabelecido no
art. 265 do Código Civil. 4. Recurso da instituição financeira conhecido e
desprovido. (...) (TJPR - 14ª C.Cível - AC 566814-6 - Foro Central da Comarca
da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Themis Furquim Cortes - Unânime -
J. 21.07.2010) (grifei)
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À
EXECUÇÃO - TÍTULO EXTRAJUDICIAL COM GARANTIA PIGNORATÍCIA - NOTA PROMISSÓRIA
(COM AVAL) VINCULADA A CÉDULA REPRESENTATIVA DE MERCADORIA - INEXISTÊNCIA DE
ANUÊNCIA DO AVALISTA COMO DEVEDOR SOLIDÁRIO NO CONTRATO - RESPONSABILIDADE DO
GARANTE UNICAMENTE SOBRE O TÍTULO CAMBIÁRIO E LIMITADO AO VALOR ALI CONSIGNADO
- PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA - PRAZO DE 03 (TRÊS) ANOS, COM BASE NOS ARTS. 70 E
77, DA LEI UNIFORME DE GENEBRA - ILEGITIMIDADE PASSIVA - CABIMENTO, POIS
INEXIGÍVEL O TÍTULO DO GARANTE - PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA DO AVALISTA -
AUSÊNCIA DE ENSEJO A SUA MANUTENÇÃO E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA - O AVALISTA NÃO
ESTARIA SUJEITO AS EXCEÇÕES DE IMPENHORABILIDADE DO ART. 3º, DA LEI 8.009/90 -
CONSTRIÇÃO DEVERIA OCORRER PREFERENCIALMENTE SOBRE O BEM (CABEÇAS DE GADO)
OFERECIDO EM GARANTIA, COM FULCRO NO ART. 655, §1º, CPC - INVERSÃO DA
SUCUMBÊNCIA - DECISÃO REFORMADA. I - O APELANTE NÃO SE CONFIGURA COMO DEVEDOR
SOLIDÁRIO NA PRESENTE RELAÇÃO JURÍDICA, UMA VEZ QUE INEXISTIU CLÁUSULA EXPRESSA
NESTE SENTIDO EM QUALQUER DOS DOCUMENTOS, A SABER, NA CÉDULA REPRESENTATIVA DE
MERCADORIA Nº 19795, BEM COMO NA NOTA PROMISSÓRIA E ANEXO. LOGO, O REQUERENTE
AVALISTA NÃO POSSUI RESPONSABILIDADE (SOLIDÁRIA) ACERCA DO ESTIPULADO
CONTRATUALMENTE, SEGUNDO SE DEPREENDE DO ENUNCIADO DA SÚMULA 26, DO STJ:
"O AVALISTA DO TÍTULO DE CRÉDITO VINCULADO A CONTRATO DE MÚTUO TAMBÉM
RESPONDE PELAS OBRIGAÇÕES PACTUADAS, QUANDO NO CONTRATO FIGURAR COMO DEVEDOR
SOLIDÁRIO.". II - EM RELAÇÃO À NOTA PROMISSÓRIA, DEVEM-SE APLICAR AS
MESMAS DISPOSIÇÕES CONCERNENTES À LETRA DE CÂMBIO, DESTE MODO O PRAZO
PRESCRICIONAL DO TÍTULO É DE 03 (TRÊS) ANOS, COM FULCRO NOS ARTIGOS 70 E 77, DA
LEI UNIFORME DE GENEBRA. ASSIM, EM QUE PESE A NATUREZA DO CONTRATO SEJA DE
OBRIGAÇÃO PESSOAL (SEGUINDO A PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA, COM BASE NO ART. 177, DO
ANTIGO CÓDIGO CIVIL), O TÍTULO CAMBIÁRIO AVALIZADO JÁ SE ENCONTRA PRESCRITO.
III - A PRESTAÇÃO DE AVAL NÃO SE ENCONTRA NO ROL TAXATIVO DE POSSIBILIDADES EM
QUE SE EXCETUA A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. IGUALMENTE, DEVE-SE
ATENTAR QUE O CONTRATO RELACIONA OS BENS DADOS EM PENHORA MERCANTIL, 223
CABEÇAS DE GADO, POR ESTE MOTIVO A CONSTRIÇÃO DEVERIA OCORRER PRIMEIRO SOBRE A
GARANTIA PIGNORATÍCIA, POR OBEDIÊNCIA A REGRA DO ARTIGO 655, §1º, DO CPC.
APELAÇÃO PROVIDA. (TJPR - 13ª C.Cível - AC 532830-5 - Foro Central da Comarca
da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Gamaliel Seme Scaff - Unânime - J.
01.07.2009) (grifei)
Assim, Wilma Calegari de Souza, que assinou o título somente
como avalista, figura como parte ilegítima para responder a presente ação de
cobrança (reconvenção), tendo em vista que, prescrito o título que embasa o
pedido, não provado o enriquecimento ilícito desta, desaparece a obrigação
cambial da avalista.
Com estas considerações, de ofício, declaro a ilegitimidade
passiva da apelante Wilma Calegari de Souza, e extingo o feito reconvencional,
sem resolução de mérito, com base no art. 267, IV, do Código de Processo Civil,
cabendo à parte reconvinte arcar com as custas do processo e honorários de
sucumbência, estes já fixados na sentença em R$ 800,00 (oitocentos reais),
devidos ao patrono da apelante.
Conforme o exposto acima, a prescrição do título de crédito
torna ineficaz a pretensão pecuniária contra a pessoa do avalista, motivo pelo
qual o protesto efetuado nos autos, em que consta o CPF da avalista (fls. 17),
evidencia o abuso de direito.
Assim, entendo que o protesto da nota promissória prescrita
foi indevido, pois prescrito o título desaparece a obrigação da apelante como
avalista.
Em suma, o credor não poderia, em hipótese alguma, permitir
que o protesto fosse efetivado em desfavor da avalista. Deveria diligenciar (e
monitorar as providências) para que o protesto do título apontado ocorresse
apenas contra o devedor principal, o que, entretanto, não fez.
Dessa forma, o protesto do título em questão realmente foi
indevido, devendo ser cancelado.
Por fim, quanto à indenização por danos morais erroneamente
o magistrado singular declarou que a recorrida não sofreu danos morais em
virtude do protesto da nota promissória, não fazendo, nesse sentido, jus a
indenização.
Entretanto, restou inequívoca a ocorrência do protesto
indevido de um título prescrito em desfavor da avalista, situação esta que
configura os chamados danos "in re ipsa", os quais independem de
prova do efetivo abalo moral da pessoa.
Pacífico o entendimento jurisprudencial neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE
CIVIL - DÍVIDA INEXISTENTE - PROTESTO INDEVIDO - ABUSO DE DIREITO - OCORRÊNCIA
DANO MORAL IN RE IPSA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - REDUÇÃO - NÃO CABIMENTO -
QUANTUM CORRETAMENTE FIXADO EM SENTENÇA RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO 1.
Sempre que a parte extravasar os limites para os quais o direito foi criado,
embora à primeira vista esteja exercendo direito seu, adentrará na esfera do
abuso de direito. 2. A obrigação advinda de danos morais manifesta-se in re
ipsa, ou seja, a responsabilidade do ofensor se opera pela simples violação do
direito, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto. 3.
Ao arbitrar o quantum da indenização por danos morais, devem
ser considerados: as circunstâncias do caso concreto, o alcance da ofensa e a
capacidade econômica das partes, não se olvidando que a indenização pecuniária
deve cumprir seu papel satisfatório/punitivo sem, no entanto, configurar abuso
ou provocar enriquecimento ilícito do ofendido. Recurso não provido. RECURSO
NÃO PROVIDO. (TJPR - 11ª C.Cível - AC 854101-9 - Londrina - Rel.: Gamaliel Seme
Scaff - Unânime - J. 04.07.2012) (grifei)
NULIDADE DE LETRA DE CÂMBIO E DANOS MORAIS. 1. EMISSÃO
IRREGULAR DA LETRA DE CÂMBIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. CONSEQUENTE
PROTESTO IRREGULAR. 2. DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. VALOR MANTIDO. 3.
COMPENSAÇÃO.
INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. 4. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA
MANTIDO. 5. LITIGÂNCIA DE MÁ- FÉ. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA. RECURSO
PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 13ª C.Cível - AC 828428-2 - Foro
Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Luiz Taro Oyama
- Unânime - J. 14.12.2011) (grifei)
Portanto, desnecessária é a demonstração efetiva do dano
moral, bastando o simples protesto indevido do título para que reste ele
configurado.
No que concerne ao quantum indenizatório, sabido é que o seu
valor deve ser fixado com moderação e razoabilidade para não gerar
enriquecimento ilícito a quem recebe. A respeito desse valor, Carlos Alberto
Bittar (Reparação Civil por Danos Morais. 3. ed. São Paulo: RT, 1993, p. 233)
leciona:
A indenização por danos morais deve traduzir-se em montante
que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o
comportamento assumido, ou evento lesivo advindo.
Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o
vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no
patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem
jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser a quantia
economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do
lesante.
Como também se sabe, não há norma legal que ampare a fixação
do quantum indenizatório, cabendo ao magistrado, sopesados os elementos do caso
concreto, arbitrar o valor da indenização por danos morais moderadamente,
observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Sendo assim, calcado nas particularidades do processo,
entendo que o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais) se afigura satisfatório,
evitando-se desse modo o enriquecimento sem causa do apelante e a ausência de
resposta à conduta do ora recorrido.
Necessário destacar que fixada a indenização em valor certo,
a correção monetária deverá incidir da data do arbitramento, na forma da Súmula
362, do STJ, que assim dispõe: Súmula 362: "A correção monetária do valor
da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento."
E no tocante aos juros moratórios aplica-se o que dispõe a
Súmula 54 do STJ: "os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em
caso de responsabilidade extracontratual". Dessa forma, determino que os
juros de mora incidam a partir da data do evento danoso.
Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL 1, 2 E 3. AÇÃO DE
CANCELAMENTO DE PROTESTOS INDEVIDOS C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. (...) II
- DANOS MORAIS. PRESCINDIBILIDADE DA PROVA. PROTESTO INDEVIDO QUE, POR SI SÓ,
GERA A PRESUNÇÃO DA OCORRÊNCIA DO DANO. III - VALOR DA INDENIZAÇÃO. PEDIDO DE
REDUÇÃO REJEITADO. IV - JUROS DE MORA. TERMO INICIAL A PARTIR DA DATA DO EVENTO
DANOSO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 54 DO STJ. (...) IV - Conforme a súmula 54, do STJ:
"Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual." (Súmula 54, Corte Especial, julgado em
24.09.1992, DJ 01.10.1992 p. 16801). (TJ/PR,
14ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 634.851-4, Rel. Des. Shiroshi Yendo, j.
18.08.2010).
Veja-se que diante da reforma da r. sentença, deve a parte
ré, ora apelada, arcar com a integralidade do pagamento das custas processuais
e honorários advocatícios
No que se refere à litigância de má-fé, em princípio, há que
se considerar que as partes agem com boa-fé, na busca do direito. A boa-fé é
presumida. A má-fé, que não se presume, pressupõe má conduta processual, com o
propósito evidente de prejudicar.
A propósito leciona Nelson Nery Júnior:
Conceito de litigância de má-fé.
É a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou
culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que
se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo
ser difícil ou impossível vencer, prolonga o andamento do processo
procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente,
são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no CPC 14".
(NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado e
Legislação Extravagante. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.
213.
Segundo o entendimento do STJ, para que a litigância de
má-fé seja configurada, é necessário que reste comprovado dano causado à outra
parte e dolo da parte por tê-lo provocado, dentro das hipóteses taxativamente
enumeradas no art. 17 do CPC.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ. RECONHECIMENTO. PRESSUPOSTOS. I - Entende o Superior Tribunal de Justiça
que o artigo 17 da Código de Processo Civil, ao definir os contornos dos atos
que justificam a aplicação de pena pecuniária por litigância de má-fé,
pressupõe o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado
por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de
proceder com lealdade.
II - Na interposição de recurso
previsto em lei, cujos defeitos se devem à inequívoca inaptidão técnica do
patrono da parte, não se presume a má-fé, para cujo reconhecimento seria
necessária a comprovação do dolo da parte em obstar o trâmite do processo e do
prejuízo da parte contrária, em decorrência do ato doloso. Recurso conhecido e
provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 418.342-PB, Rel. Castro Filho, DJ. 5.08.02, p.
337)
Com efeito, a dinâmica dos fatos denuncia que foi promovida
ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c indenização por danos
morais, sendo oferecida ao Judiciário falsa versão dos fatos, já que a parte
apelante figurava como avalista no título de crédito (ver nota promissória
acostada às fls. 78), porém afirmou que desconhecia a origem da cártula.
Nesse sentido, corretamente manifestou-se o magistrado
singular: No que se refere à litigância de má-fé, entendo que a autora alterou
a verdade dos fatos (CPC, art. 17, inciso II) quando alegou desconhecer a
origem da dívida referente à nota promissória, pois a cambial acostada às fls.
78 prova que a autora foi avalista do título, sendo oportuno destacar que na
resposta à reconvenção ela (autora) não impugnou a autenticidade de sua
assinatura na referida cártula (fls.111/112).
Com efeito, a má-fé da recorrente salta aos olhos, pois
tentou alterar a verdade dos fatos em juízo para prejudicar o apelado, devendo
referida conduta ser reprimida pelo Poder Judiciário, razão pela qual a r.
sentença deve ser mantida neste tópico.
Da analise dos autos, extrai-se que a indenização é
consequência da condenação em litigância de má-fé, nos termos do art. 18 do
CPC, in verbis: Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento,
condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre
o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu,
mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. § 1o Quando
forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na
proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que
se coligaram para lesar a parte contrária. § 2o O valor da indenização será
desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento)
sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.
Sobre a indenização devida pelo litigante de má-fé, em
comentário ao art. 18 do CPC, esclarece José Miguel Garcia Medina: I. Distinção
entre a multa e a indenização por litigância de má-fé. Embora tenham
pressuposto comum (a conduta daquele que age com má-fé), as sanções referidas
no art. 18 - multa e indenização por perdas e danos - têm requisitos distintos.
Assim, p. ex., a indenização por perdas e danos só têm cabimento se demonstrado
prejuízo, o mesmo não ocorrendo com a multa (cf. STJ, REsp 140.482/RS, rel. Min.
Sávio De Figueiredo Teixeira, 4ª T., 25.11.97) (MEDINA, José Miguel Garcia.
Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
57).
Portanto, verificada a litigância de má-fé o magistrado
singular pode fixar indenização por perdas e danos.
No caso dos autos, o prejuízo experimentado pelo réu será o
pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, motivo pelo
qual o magistrado transferiu tal ônus para a parte recorrente. Assim, nesse
aspecto a r. sentença deve ser mantida nos termos em que proferida, para que a
apelante reembolse a parte apelada as despesas referentes as custas processuais
e os honorários advocatícios, a título de indenização por perdas e danos,
diante da litigância de má-fé.
3. Ante o exposto, voto no sentido de declarar de ofício a
ilegitimidade da parte apelante para figurar no pólo passivo da ação de
cobrança/ reconvenção, extinguindo o feito sem resolução do mérito, e conhecer
e dar parcial provimento ao recurso de apelação cível, uma vez verificado o
protesto indevido e consequente dano moral.
ACORDAM os Magistrados integrantes da Décima Sexta Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos,
declarar, de ofício, a ilegitimidade da parte apelante para figurar no pólo
passivo da cobrança, extinguindo o feito sem resolução do mérito, e conhecer e
dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto relator.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador Paulo Cezar
Bellio (com voto), e dele participou a Desembargadora Maria Mercis Gomes
Aniceto.
Curitiba, 29 de maio de 2013.
FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA
Juiz de Direito Substituto em 2º Grau - Relator