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sábado, 30 de agosto de 2014

Já no tocante ao mérito, a r. sentença enveredou por senda tecnicamente equivocada.......

Acórdão na Íntegra APELAÇÃO CÍVEL N. 110538-4, DE ANDIRÁ.
Apelantes : Benedito Carlos de Oliveira e Outro
Apelado : ...........Relator : Des. Luiz Cezar de Oliveira

 AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUES PRESCRITOS - EMISSÃO PRO SOLVENDO - ENDOSSO INVESTIGAÇÃO DA CAUSA DO DÉBITO - PORTADOR QUE NÃO COMPROVA TER CRÉDITO EM FACE DO EMITENTE - DOCUMENTOS ORIUNDOS DE NEGÓCIO QUE NÃO CHEGOU A BOM TERMO - ALEGAÇÃO DE CONLUIO ENTRE ENDOSSANTE E ENDOSSATÁRIO - SENTENÇA QUE REJEITA OS EMBARGOS E CONSTITUIU O TÍTULO EXECUTIVO SEGUNDO OS VALORES DO PEDIDO - MOTIVAÇÃO ARRIMADA NO DIREITO CAMBIÁRIO - IMPROPRIEDADE - REFORMA E ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS - IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO MONITÓRIO.
 RECURSO PROVIDO.
 VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 110538-4, da comarca de Andirá, em que são apelantes, BENEDITO CARLOS DE OLIVEIRA e OUTRO, e, apelado, ILSIO RICCI.

 1 - Trata-se de apelação cível, tempestiva e preparada, sobre a sentença de fls. 136/142 que rejeitou os embargos à ação monitória, proposta pelo apelado em face de BENEDITO e respectiva microempresa (firma individual), para cobrança de cheques não pagos e enviados a protesto, constituindo de pleno direito o título executivo. Outrossim, condenou o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes na razão de 15% sobre o valor da causa.

 Para assim decidir, a MMª. Juíza a quo afastou as preliminares de impossibilidade de cumulações de pedidos em face da pessoa física e da firma individual de BENEDITO, com base no art. 573 do Código de Processo Civil, e de existência de equívoco no cálculo apresentado pelo embargado. No mérito, sustentou que: a. para BENEDITO, emitente dos cheques, eximir-se do pagamento deles, teria que comprovar o conluio existente entre o endossante e o embargado, o que não aconteceu; b. em virtude do princípio da inoponibilidade de exceções pessoais em relações cambiárias, BENEDITO não poderia alegar que comprou mercadorias do endossante e este não as entregou, nem devolveu os cheques, afirmando que os teria extraviado; c. não há prova da má-fé do embargado; d. o fato do endossante não ter cumprido com suas obrigações perante BENEDITO não o exime de pagar os cheques a terceiro que os recebeu de boa-fé; e. BENEDITO não se desincumbiu de desconstituir a presunção relativa de boa-fé; f. o fato do embargado ter ameaçado BENEDITO para que efetuasse o pagamento dos cheques não exclui a sua boa-fé; g. os cheques foram preenchidos e assinados por BENEDITO, sendo formalmente válidos; h. eventual inexistência de negócio deve ser discutida em ação própria entre o embargante e o endossante, Sr. Lazarim, inicial beneficiário dos cheques.

 Em síntese, BENEDITO alega, às fls. 144/153, que as provas, ignoradas pelo Magistrado, comprovam a má-fé na transação efetuada entre o apelado e o endossante dos cheques, Sr. Sérgio Donizete Lazarim, pois este havia declarado o extravio dos cheques, além de ter autorizado o apelante a sustar o seu pagamento, sendo possível na espécie a discussão da causa debendi. Pede, ao final, a reforma da sentença.

 Contra-razões às fls. 157/161, pelo desprovimento do recurso.

 2 - O pleito veio instruído com as peças de fls. 6/8, três cheques de emissão do embargante Benedito Carlos de Oliveira, de conta individual, dois deles na condição de micro-empresário, entregues pro solvendo - para sem apresentados em data posterior, todos prescritos.

 A MMª. Juíza singular decidiu acertadamente a preliminar, admitindo o duplo direcionamento do pleito monitório, desconsiderando a ociosa questão em torno da possibilidade de Benedito ser incluído no pólo passivo individualmente e como pessoa jurídica.

 Na verdade, inexiste a vislumbrada duplicidade, eis que não há desdobramento a decorrer do fato de se tratar de um micro-empresário. Confundem-se os patrimônios e interesses pessoais e da empresa, para o comerciante individual, cuja atividade é exercida mediante utilização ostensiva do seu nome.

 Já no tocante ao mérito, a r. sentença enveredou por senda tecnicamente equivocada, ao tomar como fundamento para a orientação que adotou, o regramento pertinente ao direito cambiário, quando se trata de cheques passados em garantia de negociação celebrada entre o apelante e o tomador originário, já nascidos sem os aludidos apanágios, os quais sucumbiram de vez, ao advento da prescrição, que lhes retirou a força executiva.

 Ficou aberta, obviamente, em tais condições, a investigação da causa debendi, que o devedor invocou minuciosamente em seus embargos, que a sentença, no entanto, desconsiderou por completo, optando por atribuir toda relevância à circularidade característica do cheque, para considerar legítima a posse ostentada pelo autor/apelado.

 Ora, se o portador recorreu à via monitória, foi precisamente porque estava munido de títulos não revestidos das referidas qualidades, que lhe assegurariam ingresso pela via executiva. Assim, opostos embargos com defesa relacionada à causa subjacente, imperioso fossem enfrentados em substância.

 Note-se que o apelante expôs claramente que os títulos foram entregues a um terceiro, Sérgio Donizete Lazarim, num negócio de aquisição de mercadorias (calçados) que não foram entregues. Os cheques deviam ser devolvidos, mas o apelante recebeu notícia de que haviam se extraviado. Houve bloqueio no Banco (fls. 31/32), queixa à Polícia (fl. 30) e o nominado terceiro expediu declarações compatíveis com as alegações do embargante, como se, ainda, dos documentos anexados à fl. 33.

 De tudo resulta que Benedito Carlos Lazarin não tem qualquer relação negocial com o autor/apelado Ilsio Ricci e a este nada deve. Note-se, aliás, que na defesa de suas pretensões creditícias, ILSIO em nenhum momento, ao impugnar os embargos ou posteriormente, cuidou de oferecer esclarecimento sobre o negócio pelo qual assumiu a posse dos cheques, não pelas mãos do emitente, mas através de Sérgio Donizete Lazarim, mediante endosso nominativo lançado no verso das cártulas. Era com este, portanto, seu vínculo.

 O primeiro cheque foi sacado em 20.11.94, contra o Bamerindus, no valor de R$1.044,00; o segundo e o terceiro foram emitidos em 16.11.94, contra o Banestado, no valor de R$640,00 cada um (fls. 6 a 8). Colhe-se dos versos respectivos, que a primeira apresentação daquele ao Banco sacado deu-se em 26.12.94, e a destes em 18 e 26.01.95.

 Os mencionados documentos de fls. 31 e 32, firmados por Sérgio Donizete Lazarim, demonstram que a alegação de extravio já fora manifestada em 16.12.94 e ensejado contra-ordem de pagamento aos Bancos. Porém, são com ela incompatíveis os endossos expressamente lançados nos cheques, o que sugere ser falso o conteúdo de tais documentos, decorrendo de manobra solerte entre Sérgio, com ou sem conluio com o atual portador.

 Na discussão sobre a má-fé, e quem estaria, na verdade, mancomunado para obter vantagem indevida, a composição do litígio, no contexto, deve favorecer ao embargante, na medida em que a prova evidencia não terem sido concluídas com êxito as relações mercantis que este mantivera com Sérgio, e os cheques, bem por isso, haviam sido inutilizados.

 De outro vértice, e principalmente, é certo que o autor/apelado não é credor do apelante, e sim de Sérgio Donizete Lazarim. Vale destaque, que aquiesceu em receber cheques pro solvendo, logo, sabendo que não tinham proteção do direito cambiário e estavam vinculados à causa de origem. Falta-lhe ainda mais o direito, se os acolheu depois da primeira ou segunda apresentação, pois já era certa a existência de óbices ao pagamento, nos Bancos sacados.

 Nas circunstâncias em que tomou os cheques, e na condição de portador atual destes, ILSIO tem possibilidade de agir, isto sim, contra quem lhos passou, por endosso expresso, e não em face dos apelantes.

 Enfim, impõe-se o acolhimento do pleito recursal, ao efeito de se reformar a sentença e acolher os embargos, julgando-se improcedente o pleito monitório, à conclusão de que o autor não ostenta crédito oponível ao apelante BENEDITO CARLOS DE OLIVEIRA.

 Do exposto:

 ACORDAM os desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.

 Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Bonejos Demchuk, revisor, e Domingos Ramina.

 Curitiba, 04 de junho de 2002.

 Des. Luiz Cezar de Oliveira

Presidente e Relator 

sábado, 23 de agosto de 2014

CVM processa Eike por excesso de otimismo em comunicados

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu processar o empresário Eike Batista e sete executivos da petroleira OGX pela divulgação de boletins exageradamente otimistas e omissos sobre a real situação dos reservatórios da empresa, podendo "induzir o mercado a erro".

De acordo com a investigação, dois executivos –Paulo Mendonça e Marcelo Faber Torres, respectivamente ex-presidente e ex-diretor de relações com investidores– são suspeitos ainda de, com a divulgação dos comunicados ao mercado (os chamados fatos relevantes), terem manipulado preços e, na sequência, vendido ações.

Segundo o processo da CVM, ao qual a Folha teve acesso, o relatório da investigação foi encaminhado ao Ministério Público Federal por trazer indício de crime de manipulação de mercado.

Procurado, o órgão não confirmou se abriu inquérito. O relatório não aponta de forma explícita os suspeitos.

As investigações começaram em julho de 2013, quando a OGX divulgou a inviabilidade de explorar, com lucro, os campos de petróleo Tubarão Tigre, Tubarão Areia e Tubarão Gato.

Ascensão e queda de Eike Batista

O boletim ao mercado contrariava fato relevante de março do mesmo ano.

O episódio derrubou as ações da empresa e levou à CVM inúmeras reclamações de investidores sobre as expectativas infladas pelos fatos relevantes.

As ações da OGX, que chegaram a R$ 23 em 2010, hoje, são negociadas abaixo de R$ 0,20.

A lei diz que fatos relevantes só devem ser divulgados quando puderem influenciar decisão de investir.

Segundo a CVM, entre 2009 e 2012, foram divulgados 54 fatos relevantes indicando a presença de hidrocarbonetos, com avaliações "notadamente otimistas acerca das descobertas".

"TEMERÁRIO"

Em consulta à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) para confrontar o otimismo dos documentos, a agência informou que o encontro de indícios de hidrocarbonetos não é relevante para estimar a produção de petróleo e disse ser "temerário" divulgar dados dessas descobertas.

Em 34 boletins, havia declarações otimistas de Mendonça, com expressões como "importantíssimo potencial", "surpreendeu positivamente", "qualidade excepcional dos reservatórios".

Como então diretor de relações com os investidores, Torres divulgava os fatos ao mercado.

A CVM descobriu que, dias depois de ao menos três divulgações, Mendonça e Torres venderam ações que haviam comprado de Eike Batista como parte de seu pacote de remuneração. Mendonça deixou a empresa em 2012.

CRISE

Após reconhecer a incapacidade de produção, a OGX mergulhou na crise e pediu recuperação judicial em outubro. Em junho, o plano foi aprovado pelos credores e pela Justiça, entrando em vigor.

Das estimativas iniciais de reservas que chegavam a 8 bilhões de barris de petróleo em 2009, hoje a empresa tem cerca de 260 milhões de barris.

Em sua defesa, Eike, presidente da OGX de 2009 a 2012, alegou que os fatos relevantes eram responsabilidade das áreas técnicas.

"Não é razoável o diretor-presidente, que acumulava o cargo de presidente do conselho de administração e era acionista controlador, eximir-se da responsabilidade sobre a divulgação de mais de 50 fatos relevantes", diz a CVM.

Eike, o atual diretor de produção, Reinaldo Belotti, e o ex-diretor jurídico José Roberto Cavalcanti são processados pelo "descumprimento do dever de cuidado e diligência" dos fatos relevantes daquele período.

Pela mesma infração, em relação ao fato relevante de março de 2013, respondem o ex-diretor financeiro Roberto Monteiro, o ex-presidente da OGX Luiz Carneiro e o ex-diretor de exploração Paulo de Tarso Guimarães, além de Cavalcanti e Belotti.

A CVM concluiu que a OGX sabia desde 2011, "preliminarmente", que o volume era muito diferente do inicialmente estimado, "indicando que a exploração das áreas seria mais complicada".

Como antecipou Folha em novembro de 2013, a empresa já tinha estudos em 2012 mostrando que a exploração das reservas não era lucrativa.

OUTRO LADO

Advogado de Eike Batista, Sérgio Bermudes disse que o empresário foi "levado pelo corpo executivo, composto dos mais capacitados profissionais, alguns dos quais vieram da Petrobras".

"Ele foi diligente o tempo todo, se esforçando para atrair investimentos e bons negócios para a OGX."

Bermudes não disse a quem se referia. Paulo Mendonça e Reinaldo Belotti são alguns dos profissionais que Eike tirou da Petrobras.

Paulo de Tarso Guimarães e José Cavalcanti não quiseram comentar. A OGPar (ex-OGX) disse que nem a empresa nem Belotti falariam.

Marcelo Torres e Luiz Carneiro não responderam aos recados deixados. A Folha não conseguiu localizar Mendonça e Roberto Monteiro nos telefones disponíveis.

Se condenados pela CVM, os executivos podem ser desabilitados para atuar como administradores por 20 anos e levar multa de R$ 500 mil.

Se o Ministério Público investigar manipulação de mercado e a Justiça aceitar denúncia, a pena dos culpados pode chegar a reclusão por oito anos e multa.

Eike responde a outro processo na CVM por suspeita de negociar ações com informação privilegiada e manipulação. Segundo a CVM, ele vendeu ações e fez postagens otimistas no Twitter sobre a OGX antes de a empresa divulgar a inviabilidade dos campos.

A Polícia Federal investiga o caso pois configura crime contra o mercado de capitais.

Endereço da página:

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/08/1504929-cvm-processa-eike-por-excesso-de-otimismo-em-comunicados.shtml

Links no texto:

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/18849-ascensao-e-queda-de-eike-batista#foto-176353

antecipou
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/11/1366029-ogx-de-eike-sabia-desde-2012-que-reservas-poderiam-ser-82-menores.shtmla

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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

MAH OI!!!!!!!!!!!!!!


Silvio Santos não respondeu a nenhuma das perguntas feitas. Em dado momento disse ao magistrado: ”Doutor, eu tenho a memória fraca. Não me lembro de nada [sobre a PanAmericano]”.


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Diretor de sociedade anônima não tem vínculo de emprego


  • O empregado eleito como diretor ou administrador de sociedade anônima passa a ser o representante legal da pessoa jurídica e, nessa condição, tem seu contrato de trabalho suspenso. Com esse esclarecimento, feito pelo juiz convocado Walmir Oliveira da Costa (relator), a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou agravo de instrumento a um ex-diretor do Banco Nossa Caixa S/A. O recorrente pretendia o reconhecimento do caráter trabalhista da relação mantida com a sociedade anônima.
  • A decisão do TST resulta na manutenção de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (com sede em São Paulo), que negou a existência do vínculo de emprego. Segundo o TRT paulista, o diretor foi indicado pelo Governo do Estado e aprovado pelo Banco Central e, na condição de representante da empresa, não poderia ao mesmo tempo ser empregado da sociedade que representava.
  • ?Note-se que o diretor foi indicado diretamente por dois governadores, sendo que o Estado de São Paulo detém a maioria do capital social integralizado do banco. Por outro lado, não se trata de trabalhador hipossuficiente, mas sim de homem integrado no mercado de capitais e um profissional técnico submetido à aprovação do Banco Central?, considerou a decisão regional.
  • No TST, o autor do recurso argumentou nunca ter sido eleito em assembléia de acionistas e, por isso, conforme a legislação das sociedades anônimas, não poderia ter ocupado cargo em órgão de direção da Nossa Caixa. Com base no organograma da sociedade, afirmou ter desempenhado cargo subordinado à vice-presidência do Banco.
  • O juiz convocado Walmir Costa registrou que o diretor não conseguiu demonstrar a existência de subordinação em sua relação profissional com a Nossa Caixa, requisito necessário à configuração da relação de emprego. O relator também afirmou que a decisão regional seguiu a jurisprudência do TST sobre o tema.
  • ?As relações entre a diretoria e o conselho de administração nas sociedades anônimas regem-se pelas diretrizes constantes da Lei nº 6404/76 e do estatuto da empresa, não caracterizando a subordinação jurídica nos moldes trabalhistas. O empregado eleito diretor da empresa tem suspenso o seu contrato de trabalho durante o exercício do cargo, em face da incompatibilidade da ocupação simultânea das posições de empregado e de empregador?, exemplificou ao reproduzir precedente relatado pelo vice-presidente do TST, ministro Rider de Brito.
  • O relator esclareceu, ainda, que para examinar se o cargo de diretor ocorria no regime de subordinação seria necessário reexaminar fatos e provas, procedimento inviável segundo a Súmula nº 126 do TST.
  • (AIRR 2797/2003-025-02-40.0)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Aspectos Jurídicos do "insider trading"

 O presente trabalho pretende ser a análise, a mais ampla que foi possível efetuar no momento, dos aspectos jurídicos que envolvem a figura do "insider trading".
Não se pretendeu de modo algum abordar as conotações mercadológicas, políticas, etc., que emanam de tal figura.
Embora se trate de um estudo de caráter jurídico, procurou-se torná-lo acessível a todos aqueles que, leigos neste campo, não estão afeitos ao trato da matéria jurídica.
Pessoalmente a par de todo o conteúdo e conclusões do presente trabalho, entendemos que será excessivamente árdua a tarefa da CVM em viabilizar detectações de operações de "insiders", haja vista a capacidade que os participantes do mercado têm, e desenvolverão, de, quando de seu interesse, evadir-se da real caracterização das operações que realizam.
Por outro lado, na razão direta da criação pela CVM de novas medidas coibitivas da prática de "insider trading", principalmente via setor tributário, ver-se-á ocorrer, ao menos durante algum tempo, o êxodo de determinados investidores do mercado de valores mobiliários.
De qualquer modo, não creio que tais fatos devam sequer desestimular a adoção de todas as medidas possíveis na prevenção (caráter educativo) e repressão (caráter punitivo) das operações de "insiders".

 
ASPECTOS JURÍDICOS DO "insider trading"
 
Introdução
I.1 "insider"
I.2 Informações Relevantes
I.3 Divulgação de Informações Relevantes
I.4 Outras Legislações
I.5 Procedimentos adotados na repressão ao "insider trading"

"Insider Ttrading"
II.1 Introdução
II.2.1 Qualificação do "Insider Trading" na Lei nº 6.404/76
II.2.2 Conseqüências do "Insider Trading" na Lei nº 6.404/76
II.3.1 Qualificação do "Insider Trading" na Lei nº 6.385/76
II.3.2 Conseqüências do "Insider Trading" na Lei nº 6.385/76
II.4.1 Qualificação do "Insider Trading" no Código Civil
II.4.2 Conseqüências do "Insider Trading" no Código Civil
II.4.3 Das Provas em Relação ao "Insider Trading"
II.5.1 Qualificação do "Insider Trading" no Código Penal
II.5.2 Conseqüências do "Insider Trading" no Código Penal

Da Influência da Jurisdição Administrativa na Jurisdição Penal

O "Insider Trading" em Outras Legislações

Conclusões Finais


INTRODUÇÃO

I.1 "insider"

Em termos puramente doutrinários, ignorando-se portanto a legislação vigente em cada país, "insider", em relação a determinada companhia, é toda a pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a "informações relevantes" relativas aos negócios e situação da companhia

Informações relevantes, doutrinariamente, são aquelas que podem influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores.

O Direito Brasileiro, por ora, ainda não definiu expressamente o que seja "insider".

No entanto, a Lei nº 6.404/76, nos arts. 155 e 157, combinados com 145, 160 e 165, ao tratar dos deveres de lealdade e de prestar informações, por parte dos administradores e pessoas a eles equiparados, implicitamente emitiu o conceito de "insider". Da mesma forma procedeu a Lei nº 6.385/76, quando estabeleceu que a CVM expedirá normas, aplicáveis à companhia aberta, sobre informações que devem ser prestadas por administradores e acionistas controladores.

Com efeito, do texto de tais dispositivos legais pode-se concluir, sem qualquer dúvida, que o legislador brasileiro admitiu como "insider", nos termos da definição doutrinária de início enunciada, as seguintes pessoas que, em razão de sua posição, têm acesso a informações capazes de influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia:
administradores – conselheiros e diretores da companhia (art. 145 da Lei nº 6.404/76);
membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da companhia, com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores (art. 160 da Lei nº 6.404/76);
membros do Conselho Fiscal (art. 165 da Lei nº 6404/76);
subordinados das pessoas acima referidas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76);
terceiros de confiança dessas pessoas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76) e
acionistas controladores (art. 22, inciso V, da Lei nº 6.385/76).

I.2 "Informações Relevantes"
Relativamente ao conceito, adotado pelo Direito Brasileiro, do que sejam "informações relevantes", acolheu ele idêntico conceito ao doutrinário, indicado no início deste trabalho (item I.1), ou seja: "informações relevantes são aquelas referentes a fatos, ocorridos nos negócios da companhia, que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão" (art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 155, § 1º).

I.3 Divulgação de "informações relevantes"

Relativamente a divulgação de "informações relevantes", adotou a Lei nº 6.404/76 o critério de obrigar os administradores e as pessoas a ele
 
equiparadas a divulgá-las prontamente – art. 157, § 4º (salvo expressa autorização em contrário da CVM – art. 157, § 5º).
Assim, o administrador (e pessoas a ele equiparadas: art. 145 – diretores e conselheiros; art. 160 – membros de quaisquer órgãos com funções técnicas) são obrigados a revelar, além de qualquer deliberação de Assembléia Geral ou dos órgãos de administração da companhia, qualquer "fato relevante, ocorrido nos negócios da companhia, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão".
Já a Lei nº 6.385/76, demonstrando igual preocupação com o processo de divulgação da informação relevante, enunciou, em seu art. 22, inciso VI, competir à CVM expedir normas aplicáveis às companhias abertas sobre a "divulgação de fatos relevantes, ocorridos nos seus negócios, que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia". Lembre-se ainda que à CVM cabe, nos termos do art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.385/76, "fiscalizar a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem e aos valores nele negociados.
 

I.4 Outras Legislações

No tocante à figura do "insider", e aos princípios de divulgação de informações relevantes, as legislações se comportam de modos diversos.
A legislação canadense, por exemplo, optou pela forma de enumerar expressamente as pessoas que considera "insiders". Já na legislação francesa, os "insiders" são enumerados em dispositivo cujo fim precípuo não é o de definir o "insider", mas sim o de estabelecer obrigações para as pessoas que têm "status" de "insider". Da mesma forma, nos EUA, não há expressamente uma definição legal do "insider", mas o art. 16 do "Securities Exchange Act" igualmente, estabelece, para as pessoas que indica (as quais têm a condição de "insiders"), obrigações especiais que por sua natureza se destinam a estes.
Já no que se refere a informações sobre fatos relevantes, também a legislação canadense, em ato administrativo, enumerou aqueles que devem ser prontamente revelados, bem como aqueles que devem, ser preliminarmente discutidos com a Comissão, antes de serem revelados.
Tanto na França como nos EUA, desconhecemos definição legal do que seja fato relevante. Nos EUA porém, a jurisprudência, no caso "Texas Gulf Sulphur Co.", definiu "fatos relevantes" como aqueles que podem afetar o desejo dos investidores de comprar, vender ou reter valores mobiliários de emissão da companhia.

 
I.5 Procedimentos adotados na repressão ao "Insider Trading"
 
Quatro pontos principais têm sido, cumulativa ou isoladamente, enfocados com o intuito de combater o uso da informação privilegiada: a proibição propriamente dita do uso da informação privilegiada, a enfatização do dever de informar fatos relevantes modificadores da vida societária, a vedação à prática de determinadas operações de mercado, bem como a feitura de relatórios esclarecedores da posição acionária de pessoas com possibilidades de conhecimento dos negócios internos da companhia.
Com a proibição ao uso da informação privilegiada visa-se proteger os investidores, que ignoram as condições internas da companhia, contra os possíveis abusos daqueles que as conheçam. O que caracteriza o uso da informação privilegiada é o aproveitamento de informações reservadas, sobre a sociedade emissora de valores mobiliários, em detrimento de outra pessoa, que com eles negocia ignorando aquelas informações. Tal prática representa iniqüidade, por parte de qualquer pessoa que se utilize de informações sigilosas, ou reservadas, para negociar títulos emitidos pela companhia com outras pessoas que as desconheçam. O objetivo desta proibição é evitar que pessoas, direta ou indiretamente relacionadas com a empresa, possam auferir ganhos patrimoniais extraordinários, através da prevalência do conhecimento de

atos ou fatos importantes, e reservados, sobre mutações essenciais na vida da companhia. Essas pessoas estariam intervindo no mercado em condições de superioridade em relação ao público em geral, sem acesso a tais informações.

O combate ao uso de informações privilegiadas pressupõe a existência de medidas que determinem uma ampla e completa divulgação das informações referentes a atos e fatos relevantes ocorridos no âmbito da companhia. Essas informações devem ser tornadas acessíveis a todos ao mesmo tempo, de forma a estimular a existência de um mercado justo, no que se refere ao acesso eqüânime às informações.

Razões de ordem ética embasam o dever de informar. Decorre este da necessidade de se impedir que alguém, prevalecendo-se da posição que ocupa, obtenha vantagens patrimoniais indevidas, em detrimento de pessoas que ignoram certas informações. Trata-se de um dever jurídico, atribuído aos administradores de companhia aberta, que encontra correspondência direta no direito subjetivo que têm os investidores de se inteirarem, não só dos atos e decisões provenientes da administração da companhia, como de todos os fatos relevantes que possam ocorrer em seus negócios.
Assim, o dever de informar configura-se como parte complementar e indispensável na repressão ao uso da informação privilegiada.
A vedação à prática de determinadas operações de mercado tem sido usada como medida auxiliar no combate ao uso da informação privilegiada. O fundamento para a adoção de tais proibições reside no fato de que as pessoas que administram a companhia, ou que com ela matêm íntimo relacionamento, podem ter uma visão global e prospectiva do seu desempenho, e, com base nesse conhecimento, operar no mercado com valores mobiliários de sua emissão, com uma superioridade não compartilhada pelos investidores do mercado em geral. Vedações de operar à vista dentro de prazos pré-estabelecidos têm também sido utilizadas como mecanismos repressivos no combate ao uso da informação privilegiada.

A obrigatoriedade da apresentação periódica de relatórios, desvendadores da posição acionária das pessoas diretamente ligadas à companhia, tem sido igualmente utilizada como medida preventiva no combate ao uso da informação privilegiada, pelo poder inibitório que possui. Trata-se de disposição relacionada ao dever de informar, e que visa proporcionar aos investidores o conhecimento da quantidade e qualidade dos valores mobiliários pertencentes àqueles que dirigem a companhia da qual participam, bem como das negociações por eles efetuadas com aqueles valores.


"insider trading"

II.1 Introdução

"Insider Trading" é qualquer operação realizada por um "insider" com valores mobiliários de emissão da companhia, e em proveito próprio, pessoal.
Convém que se esclareça, desde logo, que não constitui ilícito, em princípio, uma operação assim realizada pelo "insider". Somente se a operação se revestir de determinadas características é que se constituirá ela um ilícito.
Quanto a esta caracterização, bem como aos critérios de penalização de seus participantes, as legislações dos Países adotam os mais diversos princípios.

Em nosso País, o "insider trading", como ilícito, está nitidamente caracterizado na legislação, especialmente no art. 155 da Lei nº 6.404/76. Além disto, porém, tendo em vista que o "insider trading" é ato ilícito, outros dispositivos genéricos de nossa legislação, que ora protegem o mercado de ações, visando proteção patrimonial dos indivíduos e segurança social, são hábeis para enquadrar, e consequentemente penalizar, o "insider trading".
Analisaremos a seguir a qualificação e conseqüências da figura do "insider trading" perante a Lei nº 6.404/76, a Lei nº 6.385/76, o Código Civil e o Código Penal.

II.2.1 Qualificação do "insider trandig" na Lei nº 6.404/76.
Nos termos da Lei nº 6.404/76, art. 155, o "insider" constituirá um ilícito se o "insider" (vide conceito no item I.1 acima), negociando valores mobiliários de emissão da companhia, para si ou para outrem, tiver-se valido de "informação relevante" (vide conceito no item I.2 acima) no momento ainda não revelada ao público.

II.2.2 Conseqüências do "insider trading" na Lei nº 6.404/76.
Os §§ 1º e 2º do art. 155 da mencionada Lei impõem dois deveres e enunciam uma proibição para os administradores das companhias abertas e aqueles que se lhes equiparam:
o dever de guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento de mercado, capaz de influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários;
a proibição de valer-se dessas informações para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários, e
o dever de zelar para que subordinados e terceiros de sua confiança:

guardem sigilo daquelas informações;
não se valham dessas informações para obterem vantagem, para si ou para outrem, mediante compra ou venda de valores mobiliários.


A infração desses três itens, segundo o § 3º do mesmo art. 155, acarreta para o prejudicado o direito de haver indenização por perdas e danos dos infratores (administradores, conselheiros e diretores, membros de órgãos estatutários com funções técnicas e consultivas e conselheiros fiscais).
Este dispositivo é bastante amplo e responsabiliza sobremaneira as pessoas acima indicadas. Eis que estas respondem por atos seus, de seus subordinados, e de terceiros de sua confiança, e, no caso específico de "insider trading", por atos dessas pessoas e de outras a quem estas tenham transmitido essas informações. Isto resulta em abranger praticamente qualquer pessoa. Esta última categoria de pessoas o legislador as abrange, ao usar a expressão "para si ou para outrem".
Note-se que os dispositivos em exame pretenderam, a todo modo, garantir ao investidor a certeza de que, se prejudicado com a prática do "insider trading", teria a correspondente indenização em perdas e danos e, ainda, impor ao administrador o encargo de, a duras penas, impedir que isso ocorra.
Acreditamos, mais, que as mencionadas disposições tiveram o intuito de evitar que o investidor prejudicado ficasse à procura de quem responsabilizar pelo ato ilícito. Elas transferiram implicitamente este encargo para o administrador que, em etapa posterior, por sua vez, poderá reclamar o que pagou a quem efetivamente praticou o "insider trading". (Nos termos do art. 1524 do Código Civil, "o que ressarcir o dano causado por outrem, se este não for descendente seu, pode reaver daquele, por quem pagou, o que houver pago").
Como vemos, o art. 155 da Lei nº 6.404/76 revela o interesse de restaurar o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano, havendo uma nítida presunção legal no sentido de imputar ao administrador a responsabilidade civil pelo prejuízo.
Além do que, parece-nos que o legislador, cônscio da dificuldade que seria a prestação da obrigação "In natura", e visando assegurar estabilidade no mercado, previu, para a hipótese, a reparação do dano mediante o pagamento de indenização. Na realidade, o legislador, por razões lógicas e práticas, entre determinar a anulação da operação e a reparação do dano, mediante o pagamento de indenização, optou por esta última medida.
Concluindo, nos termos da Lei nº 6.404/76, o prejudicado num caso de "insider trading" tem o direito de haver, dos administradores das companhias e pessoas a eles equiparadas, indenização por perdas e danos.
Por último, resta abordar os aspectos relativos à comprovação do "insider trading", os quais, no entanto, examinaremos no item II.4.3.


II.3.1 Qualificação do "insider trading" na Lei nº 6.385/76

A Lei nº 6.385/76, embora não qualifique expressamente o "insider trading", atribui à CVM, e ao CMN, a competência para, a qualquer tempo, ampliar o conceito de "insider trading" enunciado pela Lei nº 6.404/76. Isto porque a mesma Lei cometeu àqueles órgãos a atribuição de "assegurar a observância de práticas eqüitativas no mercado de valores mobiliários" (art. 4º, inciso VII).
Ora, entendemos que os casos de "insider trading" representam inegavelmente práticas não eqüitativas no mercado, tendo em vista que o uso da informação relevante não divulgada, em conexão com a compra e venda de ações, gera um desequilíbrio de posições prejudicial a um dos participantes da operação, aos terceiros investidores, e à eficiência e credibilidade do mercado.
Assim a CVM, a seu critério, e com base no disposto no art. 18, inciso II, alíneas "a" e "b", da Lei nº 6.385/76, poderá, ao definir métodos e práticas que devem ser observados no mercado, bem como operações fraudulentas, vir a ampliar o conceito de "insider trading".


II.3.2 Conseqüências do "insider trading" na Lei nº 6.385/76

Nos termos da Lei nº 6.385/76, art. 9º, inciso V, compete à CVM apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de:

administradores;
acionistas de companhias abertas;
intermediários, e
participantes do mercado.

"Atos ilegais", para este efeito, são aqueles contrários à Lei nº 6.404/76 e à própria Lei nº 6.385/76.

"Práticas não eqüitativas" são aquelas nas quais não é reconhecido e respeitado por igual o direito de cada uma das partes.
Apurada, por inquérito, a realização de atos ilegais ou práticas não eqüitativas, por parte das pessoas acima mencionadas, pode a CVM puni-las nos termos do art. 11 da Lei nº 6.385/76.
Das punições ali previstas, porém, por ora, somente não seria aplicável a penalidade prevista para infração "grave", eis que é necessário antes definir-se o que seja infração grave. Assim, constatada a realização de um ato ilegal ou de uma prática não eqüitativa, a CVM somente poderia aplicar as penalidades de advertência e/ou multa.
Qualquer dos enfoques servirá de fundamento para que a CVM possa punir. Considerado o "insider trading" como "ato ilegal", no entanto, a CVM somente poderá punir os administradores e as pessoas a ele equiparadas (art. 160 da Lei 6.404/76), pois a ilegalidade do ato decorreria de violação do art. 155 da Lei nº 6.404/76, dispositivo este que considera como infrator somente os administradores. Regulada a matéria, seria, então, lícito punir qualquer das pessoas mencionadas no inciso V do art. 9º da Lei nº 6.385/76.
Quanto à admissão de provas no curso do inquérito e processo administrativo instaurado pela CVM, esclarece-se que serão aceitas todas as provas admitidas em direito (art. 12 da Res. 454/77 – BACEN). Mais adiante, ao comentarmos as conseqüências do "insider trading" perante o Código Civil, faremos uma exposição sobre Provas, exposição esta aplicável ao inquérito e processo administrativo da CVM.
Finalmente, esclarecemos que o mencionado inciso VI, do art. 9º da Lei nº 6.385/76, estabelece que as penalidades aplicadas por infração ao inciso V do referido artigo não excluem a responsabilidade civil e penal.
Assim, o prejudicado num "insider trading" poderá pleitear a reparação do dano, com fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76, ou com fundamento no art. 159 do Código Civil. Na primeira hipótese proporá ação contra o administrador, e na segunda contra quem lhe causou o prejuízo. Esta última será examinada mais adiante.
Quanto à responsabilidade penal, concluído o inquérito e constatado que há ocorrência de crime de ação pública, a CVM oficiará ao Ministério Público, para proposição da ação penal contra aqueles que no inquérito administrativo foram julgados culpados.

II.4.1 Qualificação do "insider trading" no Código Civil

Em nosso Código Civil, a despeito de não constar uma expressa definição de "insider trading", dois dispositivos contemplam a mecânica subjacente à figura do "insider trading".
Com efeito, os arts. 92, combinado com o art. 94, e 159, ao protegerem direitos subjetivos e patrimoniais, indiscutivelmente são aplicáveis a casos de "insider trading".

"Art. 92 – Os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for sua causa.
Art. 94 – Nos atos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade de que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela não seria celebrado o contrato.
Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar dano."

Entendemos aplicável o art. 94 acima transcrito, porque:

a) o ato de comprar e vender ações é um ato jurídico;
o "insider" intencionalmente silencia a respeito de fato relevante da empresa;
a parte prejudicada ignora este fato relevante;
há omissão dolosa quando "insider trading" intencionalmente omite o fato, e

a parte prejudicada não teria celebrado o contrato, se soubesse dos fatos relevantes que a outra parte dolosamente omitiu.
 
Quanto à aplicação da norma do art. 159, entendemos que, de igual modo, o artigo poderá servir de fundamento para a parte prejudicada pleitear indenização, porque no "insider trading":

existe um fato lesivo voluntário doloso, imputável ao agente por omissão;

existe a ocorrência de um dano, de caráter patrimonial, e

há relação de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.



II.4.2 Conseqüências do "insider trading" no Código Civil
Tendo em vista os dispositivos do Código Civil acima transcritos e comentados, resulta claro o direito que terá o prejudicado, numa operação de "insider trading", de:
ou propor a anulação da operação (arts. 92 e 94), ou
pleitear indenização por perdas e danos (art. 159).
Nesse sentido temos a opinião de Pontes de Miranda, em "Tratado de Direito Privado", vol. IV: "O dolo, que faz inválido o ato jurídico, também dá ensejo à incidência da regra jurídica do art.159". E mais adiante, o mesmo autor, ao tratar de pretensões concorrentes, ensina: "O dolo pode suscitar a anulabilidade do ato jurídico, como ato ilícito. Ali, dolo invalidamente; aqui, dolo ato ilícito absoluto ... Os sistemas jurídicos não fazem qualquer dessas pretensões exclusivas das outras".
De qualquer modo, quando o investidor optar por propor uma ação com fundamento num ou noutro artigo, 92 c/c 94 ou 159, deverá ele propô-la, obviamente, contra quem deu causa ao dano, o que na prática muitas vezes será difícil.
Por conseguinte, acreditamos que, na maior parte das vezes, o investidor escolherá propor a ação com fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76,
não se utilizando da opção a ele concedida pela lei civil. Isto é, proporá ele a ação de perdas e danos contra o administrador e/ou aqueles a ele equiparados, art. 155 da Lei nº 6.404/76, ao invés de propor a anulação da operação, art. 92 e 94 do Código Civil, ação esta que teria que ser intentada somente contra a parte que o prejudicou na operação.
Por outro lado, parece-nos que a aplicação do art. 92, combinado com o art. 94, desvirtuaria o sentido da regra consagrada no art. 155 da Lei nº 6.404/76 que, segundo expusemos, preferiu resolver a questão em termos de perdas e danos, evitando quebra da estabilidade do mercado de valores mobiliários.

II.4.3 Das provas em relação ao "insider trading"

Tudo o que até aqui foi exposto não surtiria qualquer efeito prático se não se pudesse legalmente provar a ocorrência do "insider trading". As características deste nos levam a crer que, em matéria de comprovar sua ocorrência, as presunções desempenharão relevante papel. É nesse momento, como adverte Moacyr Amaral Santos, em "Prova Judiciária no Cível e no Comercial", que se manifesta a importância das presunções, quando se trata de provar estados de espírito e intenções nem sempre claras e não raramente suspeitas, ocultas nos negócios jurídicos.
No "insider trading", onde se verifica uma omissão dolosa, o convencimento do juiz, na maior parte das vezes, será feito com base em indícios, que terão como conseqüência presunções, ou talvez até mesmo através de normas da experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (prova baseada na experiência – denominada prova "prima facie").
Três dispositivos do Código de Processo Civil nos autorizam este entendimento. O primeiro, art. 131, estabelece que o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. O segundo, art. 332, admite como hábeis para provar a verdade dos fatos todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos. E o terceiro, art. 335, dispõe que, em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece.
O novo Código, ao contrário do antigo, não dispôs expressamente que os atos de má fé poderão ser provados por presunção. A exclusão desse dispositivo, a nosso ver, ocorreu porque, em verdade, presunção não é prova no sentido estrito, e sim uma conclusão do juiz que, pelos dispositivos citados, é plenamente autorizada. Pontes de Miranda assim define presunção: "É a experiência dele, do juiz, derivada do que sabe sobre as coisas, das suas relações e coexistência, ou da localização que as estabelece". Em razão disso, é irrelevante o fato do novo Código de Processo Civil não se ter referido à presunção como prova de atos dolosos.
Tem sido objeto de preocupação de diversos autores a distinção entre indícios e presunções. Uns acreditam expressões sinônimas. Outros entendem que a primeira é usada em Direito Penal e a segunda no Direito Civil.
Da leitura de diversas opiniões citadas por Moacyr Amaral Santos, na obra mencionada, parece-nos acertado concluir que indícios são fatos acertos. Isoladamente despidos de valor, mas analisados em conjunto com outros fatos, conduzem a conclusões.
Já a presunção parte de um indício, um fato certo, sendo o juízo formado por um ou vários indícios, em relação a um fato certo. Em resumo, presunções são conseqüências deduzidas de um fato conhecido (indício) para chegar a um fato desconhecido.
Por outro lado, a doutrina é concorde em que as presunções devem ter as seguintes características: graves (relativa ao convencimento que as
presunções infundem), precisas (que não se prestam a dúvidas ou a contradições lógicas) e concordes (quando, tendo origem comum ou diferente, tendem, por seu conjunto e acordo, a estabelecer o fato que se quer provar). Em relação à concordância, vale dizer que, havendo mais de uma presunção, visto que não é o número, mas a qualidade e o peso das presunções que criam a convicção, podendo o juiz, baseado numa só presunção, concluir pelo fato que se pretende provar.
Pelo exposto, o juiz, quando formar seu convencimento baseado em presunções, deve atentar para que sejam graves, precisas e concordantes.
A falta de indícios, ou mesmo a dificuldade em estabelecer o nexo causal entre o dano e a culpa do agente, por sua vez, não impede que se faça justiça. A lei expressamente autorizou o juiz a decidir com base na experiência (circunstâncias evidentes e em geral facilmente perceptíveis).
Não cremos, porém, que seja necessário o uso de presunção fundada na experiência, em casos de "insider trading", visto que nesta hipótese há sempre indícios. Estes seriam, por exemplo, a constatação de compras e vendas de ações de determinada empresa efetuados imediatamente antes da revelação de um fato relevante da sociedade, por pessoas a ela vinculadas, ou vinculadas a estas. Deste indício, que é um fato certo, o juiz concluirá, por presunção, que houve um ato ilícito.
Por isso é que acreditamos que o juízo formado a respeito do "insider trading" será, na maior parte das vezes, extraído de presunções, já que a presunção é a prova característica dos atos dolosos, fraudulentos, simulados e de má-fé em geral.


II.5.1 Qualificação do "insider trading" no Código Penal

Das legislações consultadas, apenas a francesa considerou crime o "insider trading". É importante verificar até que ponto o "insider trading" é imoral e anti-social para justificar sua tipificação criminal.
É difícil distinguir onde termina o ilícito civil e onde começa o ilícito penal.
Para que se caracterize o ilícito penal, é necessário que exista o dolo, a má intenção, a consciência que possui o agente de que, com seu ato criminoso, está-se locupletanto ilicitamente do patrimônio da vítima, despojando-a de seus haveres, empobrecendo-a (José Antonio Pereira Ribeiro, em "Fraude e Estelionato").
O "insider trading" não é objeto específico de nenhum crime capitulado no Código Penal, e sequer na Lei nº 1.521, de 26.12.51 (crimes contra a economia popular).
Em relação a crimes envolvendo negócios com ações, temos, no art. 174, do Código Penal, o induzimento à especulação e, no art. 177, § 1º, inciso II e VIII, a manipulação fraudulenta, praticada por diretores, gerentes, fiscais ou liquidantes de companhias. Na lei que dispõe sobre crimes contra a economia popular, nº 1.521/51, no seu art. 2º, inciso IX, é capitulada como crime a tentativa ou a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas, mediante especulação, não havendo referência especial à especulação com ações e, no inciso VI e VII do art. 3º, verifica-se, igualmente definido como crime, o ato de provocar altas e baixas de preços de valores por meio de notícias falsas (falsidade das cotações – manipulações), ou o ato de dar indicações ou fazer afirmações falsas em prospectos para o fim de substituição, compra ou venda de títulos, ações ou quotas.
Do exposto, verifica-se que foram tipificados os crimes referentes à especulação e manipulação.
Em relação a "insider trading", nele não existe nem manipulação, nem especulação. De qualquer forma porém, no "insider trading" ocorre uma perda no patrimônio daquele que desconhecia a informação relevante. Há portanto, uma lesão de caráter patrimonial, cujo restabelecimento é matéria de direito civil, mas que, comprovado o dolo e a má-fé entrará no campo de direito penal.
Mas, como tipificar o crime, tendo presente o princípio de que não há crime sem lei que antes o defina?
A despeito da quase total ausência de análise da tipificação penal do "insider trading", um só caminho, a nosso ver, se oferece para tentar-se tal: sua qualificação como crime de estelionato, que é um crime que abrange enorme gama de situações.
Como estelionato, seria objeto de consideração o art. 171 do Código Penal, que dispõe ser crime o "ato de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento".
Bento de Faria, citado por José Antonio Pereira Ribeiro em "Fraude e Estelionato", ao comentar o citado dispositivo, entende que o delito se configura pela ocorrência dos seguintes requisitos:

que haja a obtenção ilegítima de uma vantagem, seja ou não econômica, visto como o objeto do delito é o conjunto de bens jurídicos suscetíveis de serem compreendidos no conceito genérico de propriedade;
que tal ocorra mediante o uso de qualquer artifício ou ardil, com a possibilidade de induzir o sujeito passivo a erro ou engano;

que a prestação feita por esse ao sujeito ativo seja voluntária, embora a conseqüência venha do engano;
que a manobra fraudulenta tenha influência sobre a determinação da vítima; e
que o sujeito passivo tenha sofrido qualquer prejuízo.

Do exposto, verifica-se que no "insider trading" existem todos esses requisitos.

A dúvida que persiste é se há estelionato por omissão dolosa. Francisco Campos, na "Exposição de Motivos do Código Penal", expede a seguinte consideração: "com a fórmula do projeto, já não haverá dúvida que o próprio silêncio, quando malicioso ou intencional, acerca do preexistente erro da vítima, constitui meio fraudulento característico do estelionato"...

No entanto, ao que consta, parece que, na jurisprudência, há somente um caso que se poderia denominar estelionato por omissão dolosa.

Acreditamos, porém, em vista das considerações constantes da Exposição de Motivos do Código, que a intenção do legislador foi enquadrar também estelionatos cometidos por "omissão dolosa".

De qualquer modo, vale lembrar que, não obstante acreditarmos na possibilidade de se propor ação criminal com fundamento no art. 171 do Código Penal, deverá ser examinada a conveniência de se enquadrar penalmente o "insider trading", e, optando-se por ela, é oportuno, a fim de evitar interpretações duvidosas, que se promova a inclusão no novo Código Penal, de dispositivo nesse sentido.

II.5.2 Conseqüência do "insider trading" nos termos do Código Penal

Tendo em vista, portanto, entendermos possível o enquadramento da operação de "insider trading" na figura penal de estelionato, e constituindo tal figura um crime passível de ação pública, deverá a CVM, sempre que constatada a ocorrência de operações deste tipo, oficiar ao Ministério Público para a propositura da ação penal, nos termos do art. 12 da Lei nº 6.385/76.
O Código Penal pune o estelionatário com pena de reclusão de um a cinco anos, e multa de Cr$ 1.000,00 a Cr$ 20.000,00. Em se tratando de criminosos primários, a pena de reclusão é substituída por detenção, podendo ser diminuída de um a dois terços, ou aplicada somente a multa.

III. Da influência da jurisdição administrativa na jurisdição civil e penal.
Muito se tem discutido sobre a influência recíproca das jurisdições civil, penal e administrativa.
No que tange à jurisdição administrativa, inquérito e processo administrativo CVM, por exemplo, que nos interessa mais de perto, esta jurisdição, embora de categoria diversa das civil e penal, tem plena liberdade em relação àquelas.
A instância administrativa pode aceitar fatos e circunstâncias apurados em outra jurisdição, mas dar-lhes a sua própria interpretação. É-lhe vedado, no entanto, declarar existente fatos negados em outras jurisdições, ou penalizar quem foi declarado estranho ao fato. Nada impede no entanto que, na esfera de sua competência, decida no âmbito restrito de suas atribuições. Suas decisões não são definitivas, pelo art. 153, § 4º, da Constituição Federal, o que quer dizer que, embora finais e

irrecorríveis na área administrativa, são possíveis de contestação na esfera judicial.


IV. O "insider trading" em outras legislações

Em outros países, a matéria é objeto também de dispositivos especiais. Na França e no Canadá, o "insider trading" é considerado ilegal. Mas ambas as leis são imperfeitas, à medida que, na França, o dispositivo não abrange acionista controlador e "tippees" – aqueles que recebem informações confidenciais dos "insiders", e, no Canadá, "tippees" e funcionários menos graduados.
Nos Estados Unidos, ao contrário, a regra 10 b 5, adotada no Release nº 343230 de 21.05.42, considerou ilegal o ato de qualquer pessoa que direta ou indiretamente omitir ou fizer declarações falsas ou incorretas sobre um fato relevante, em conexão com a compra ou venda de alguma ação.
Em vista disso, consideramos a previsão americana, que considerou ilegal o ato de qualquer pessoa, mais eficiente que as demais, já que abrange qualquer um que, na posse de informações privilegiadas, transacione com ações.
É válido ainda lembrar que, no direito americano, é considerado também violação à lei a operação de compra e venda de ações, feita pelo "insider", imediatamente após a divulgação da informação. No caso da Texas Gulf Sulphur Co., ficou dito que o "insider" deve aguardar que a notícia seja veiculada efetivamente através do meio de comunicação de maior penetração, ou seja, o teletipo (broad tape) do Dow Jones.
Finalmente, vale ressaltar que a França foi o primeiro país a considerar crime o "insider trading".


Conclusões finais

A ocorrência de "insider trading" acarretará o seguinte:

Inquérito Administrativo (CVM)

A CVM, por ora, vez que não há regulamentação específica, só poderá instaurar inquérito administrativo contra os administradores (diretores e membros do conselho de administração), membros de órgãos, criados pelo estatuto, com funções técnicas ou consultivas e membros do conselho fiscal. Constatada a infração, a CVM aplicará aos infratores as seguintes penalidades:

advertência;
multa;
suspensão do exercício do cargo de administrador de companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição de valores;
inabilitação para exercício dos cargos referidos na alínea anterior;
suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que trata a Lei nº 6.385/76, e
cassação da autorização ou registro indicados na alínea anterior.

Observação: No momento, só são aplicáveis as duas primeiras penalidades, (advertência e multa), já que as demais só o são em caso de infrações "graves", assim definidas pela CVM, que ainda não o fez e em casos de reincidência.

Ação civil

O prejudicado poderá propor:

a) ação civil contra administradores – conselheiros e diretores, membros de órgãos consultivos e técnicos criados pelo estatuto e conselheiros fiscais, para haver indenização por perdas e danos, em conformidade com o art. 155 da Lei nº 6.404/76;

ação civil, para haver perdas e danos, contra quem lhe causou o prejuízo, na forma do art. 159 do Código Civil ou

ação civil para anular a operação, contra quem omitiu dolosamente informações relevantes, no momento da realização da operação (artes. 92 e 94 do Código Civil).


Ação Criminal

A CVM, após concluído o inquérito e constatado ter havido crime de ação pública, no caso estelionato, deverá oficiar ao Ministério Público para a propositada da ação penal.


Prova do "insider trading"

Os indícios são elementos da maior relevância para a constatação do "insider trading", sendo através deles que se presumirá a ocorrência da operação. Deve ser reforçado o aspecto de que, somente com base em indícios que conduzem a presunções, a CVM e os juizes poderão concluir ter havido "insider trading", e consequentemente julgar e legitimamente penalizar os infratores.


Efeitos das decisões da CVM

As decisões da CVM não são definitivas, sendo passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário.

 

Rio, junho de 1978.

 

Norma Jonssen Parente
ADVOGADA
http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/Publ_600.asp

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

TRT - 2ª REGIÃO (SP) - Juiz do Trabalho
No âmbito da Lei das Sociedades Anônimas é correto afirmar que:
a) O direito do acionista em participar dos frutos da sociedade (lucros e acervo) e o de fiscalizá-los pode sofrer restrições em razão da participação societária.
b) O poder do acionista controlador pode aumentar, desde que de forma limitada.
c) Os direitos essenciais fixam os limites das posições de controlador e minoritários, podendo ser suprimidos aos acionistas por ato de vontade expresso nos estatutos ou em decisão assemblear.
d) O remisso não pode ser privado do direito de ingresso, ainda que não esteja em dia com o pagamento do preço demissão das suas ações.
e) O direito de preferência na subscrição de valores mobiliários não representa direito essencial do acionista.
Lei 6.404/74
SEÇÃO IV
Acionista Controlador
Deveres
        Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
        a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
        b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
        Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
        Art. 116-A. O acionista controlador da companhia aberta e os acionistas, ou grupo de acionistas, que elegerem membro do conselho de administração ou membro do conselho fiscal, deverão informar imediatamente as modificações em sua posição acionária na companhia à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, nas condições e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliários.(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)
Responsabilidade
        Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.
        § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
        a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;
        b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
        c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
        d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
        e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;
        f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;
        g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
        h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.  (Incluída dada pela Lei nº 9.457, de 1997)
        § 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.
        § 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.

Código Civil
 CAPÍTULO VIII
Das Sociedades CoLigadas
Art. 1.097. Consideram-se coligadas as sociedades que, em suas relações de capital, são controladas, filiadas, ou de simples participação, na forma dos artigos seguintes.
Art. 1.098. É controlada:
I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores;
II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas.
Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.
Art. 1.100. É de simples participação a sociedade de cujo capital outra sociedade possua menos de dez por cento do capital com direito de voto.
Art. 1.101. Salvo disposição especial de lei, a sociedade não pode participar de outra, que seja sua sócia, por montante superior, segundo o balanço, ao das próprias reservas, excluída a reserva legal.
Parágrafo único. Aprovado o balanço em que se verifique ter sido excedido esse limite, a sociedade não poderá exercer o direito de voto correspondente às ações ou quotas em excesso, as quais devem ser alienadas nos cento e oitenta dias seguintes àquela aprovação.

Uma questão de concurso

2013 - TC-DF – Procurador
A respeito da disciplina jurídica das sociedades por ações, julgue os itens que se seguem. O conselho fiscal é órgão da companhia responsável pela missão precípua de fiscalização, sendo, portanto, órgão de existência facultativa.
( ) Certo      ( ) Errado
CAPÍTULO XIII
Conselho Fiscal
Composição e Funcionamento
        Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.
        § 1º O conselho fiscal será composto de, no mínimo, 3 (três) e, no máximo, 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, acionistas ou não, eleitos pela assembléia-geral.
        § 2º O conselho fiscal, quando o funcionamento não for permanente, será instalado pela assembléia-geral a pedido de acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) das ações com direito a voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primeira assembléia-geral ordinária após a sua instalação.
        § 3º O pedido de funcionamento do conselho fiscal, ainda que a matéria não conste do anúncio de convocação, poderá ser formulado em qualquer assembléia-geral, que elegerá os seus membros.
        § 4º Na constituição do conselho fiscal serão observadas as seguintes normas:
        a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto;
        b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demais acionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplentes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitos nos termos da alínea a, mais um.
        § 5º Os membros do conselho fiscal e seus suplentes exercerão seus cargos até a primeira assembléia-geral ordinária que se realizar após a sua eleição, e poderão ser reeleitos.
        § 6o Os membros do conselho fiscal e seus suplentes exercerão seus cargos até a primeira assembléia-geral ordinária que se realizar após a sua eleição, e poderão ser reeleitos. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)
        § 7o A função de membro do conselho fiscal é indelegável.  (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

domingo, 17 de agosto de 2014

Ações S/A

Quando se fala em sociedades anônimas a primeira lembrança que se apresenta de que é uma sociedade constituída por ações, motivo pelo qual é de bom alvitre conceituar o termo ações que nas palavras de Rubens Requião:

…podemos conceituar as ações como um título de crédito ao mesmo tempo em que é um título corporativo, isto é, um título de legitimação que permite ao sócio participar da vida da sociedade, além de representar ou corporificar uma fração do capital social.

Observa-se que doutrinariamente há divergências em relação ser a ação um título de crédito ou não. No conceito abaixo se percebe que não há nenhuma referência quanto a essa questão, quando assim leciona Fábio Ulhoa Coelho:  “A ação é o valor mobiliário representativo de uma parcela do capital social da sociedade anônima emissora que atribui ao seu titular a condições de sócio desta”.

Denota-se, portanto, em análise aos conceitos descritos a complexidade do tema, cujo entendimento varia de acordo com o autor que descreve. Segue-se na óptica do primeiro doutrinador mencionado que se refere ao ser a ação um título de crédito, considerando que a ação é transferível, não tem por que não assim a considerar.

Segundo Rubens Requião, nas sociedades anônimas, as ações são consideradas de tríplice aspecto: a) como parte do capital social; b) como fundamento da condição de sócio; c) como título de crédito. Pertencem elas a categoria de bens móveis.

Diante deste parecer em relação ao direito societário é complexo determinar o valor da ação, por tratar-se de um título de crédito e pertencer à categoria de bens móveis deve a elas ser atribuído valor, pelo estatuto, após a constituição do capital social, e conforme a doutrina as ações são de valor nominal e sem valor nominal.

Ações com valor nominal

Refere-se a Ação que tem um valor impresso, estabelecido pelo estatuto da companhia que a emitiu.

As ações com valor nominal são aquelas que estabelecido o capital social, este é dividido pelo número de ações emitidas pela sociedade anônima.

Para melhor entendimento usamos exemplo de Fábio Ulhoa Coelho, que assim se profere:

Trata-se de simples operação matemática, em que o montante em reais do capital social é dividido pelo número de todas as ações de emissão da sociedade (independentemente de espécie ou classe). Se o capital social é, por exemplo, de R$ 5.000.000,00, e o número de ações emitidas 5.000.000, o valor nominal será de R$ 1,00.

Argumentam os doutrinadores que as ações com valor nominal são de maior garantia frente ao mercado. O artigo 13, da lei 6.404/76, menciona que é vedada a emissão de ações por preço inferior ao valor nominal. Observa-se, também, que a teor da legislação vigente (art. 11, § 3º da lei 6.404/76) o valor nominal das ações de companhia aberta não poderá ser inferior ao mínimo fixado pela Comissão de Valores Mobiliários.

Denota-se, que a função da ação com valor nominal é exatamente estabelecer ao acionista uma garantia contra a diminuição do seu patrimônio, que poderia ser motivada pela emissão de novas ações com preços inferiores, contudo, a lei veda a emissão de ações com preços reduzidos conforme descrito acima, isso significa que desta forma não pode haver a redução do capital relativo às ações já adquiridas ou subscritas.

Desta forma, mantém o capital social de acordo com a participação de cada um, o que é feito de nos próprios estatutos. Para saber se as ações de uma sociedade anônima, têm ou não valor nominal, é necessário somente a verificação do estatuto constitutivo da empresa.

Ainda, o cálculo pode ser feito com base no patrimônio líquido da sociedade, calculado pela fórmula Pl = Pf – Pi (patrimônio líquido = Patrimônio final menos patrimônio inicial). O valor patrimonial é calculado dividindo-se o patrimônio líquido pelo número de ações sendo que o valor encontrado não pode ser inferior ao valor mínimo estabelecido pela CVM.

 Ações sem valor nominal

Existindo as ações com valor nominal, pergunta-se: Afinal, o que é uma ação sem valor nominal, esse tipo de ação não tem valor? Tem valor sim, mas ao contrário das ações nominais este tipo de ação apenas não recebe um valor pré-fixado, pois se não tivesse valor não teria como ser a empresa uma sociedade anônima, posto que uma das características da Sociedade Anônima é ter fim lucrativo, portanto, uma sociedade de capitais.

Trata-se de Ação para a qual não se convenciona valor emissão, prevalecendo o preço de mercado por ocasião do lançamento.

A lei 6.404/76, em seu artigo 14, § único, consolida no direito brasileiro a ação sem valor nominal, nos seguintes termos:

Art. 14. O preço de emissão das ações sem valor nominal será fixado, na constituição da companhia, pelos fundadores, e no aumento do capital, pela assembléia-geral ou pelo conselho de administração (artigos 166 e 170, § 2º).

Parágrafo único. O preço de emissão pode ser fixado com parte destinada à formação de reserva de capital; na emissão de ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital, somente a parcela que ultrapassar o valor de reembolso poderá ter essa destinação.

Sobre esse tipo de ação Rubens Requião consegue em sua obra esclarecer perfeitamente o que ela representa na sociedade anônima a teor do que abaixo é citado.

…ao se dizer que a ação “não tem valor nominal”, não se quer significar que ela não tenha, ou não represente um valor correspondente à fração do capital social. Ela representa uma fração do capital social e, portanto, possui efetivamente um valor. Apenas não se expressa nominalmente, no seu texto, um valor. Consultando-se o estatuto, saber-se-á que o capital social foi divido em frações, e qual o valor relativo a essa fração tendo em vista a quantidade de ações emitidas.

Na verdade, as ações sem valor nominal assim são denominadas quando no seu texto não se faz contar o valor nominal, motivo pelo qual, quando da sua negociação o preço é determinado pelo valor de mercado.

Ressalta-se, que o valor dessas ações é flutuante, sem se fazer constar o valor nominal elas podem aumentar ou diminuir de acordo com o mercado, porém, nunca podem ser inferiores ao valor mínimo fixado pela Comissão de Valores Mobiliários.

Diante da flexibilidade que podem sofrer essas ações em consideração ao capital social, evita as chamadas bonificações, como ocorre nas ações com valor nominal, que amparadas por um valor pré-fixado, sobrevindo o aumento dessas ações, advém bonificações para os acionistas que não podem ficar no prejuízo.

Denota-se em relação a essas ações a preocupação dos doutrinadores referente a segurança jurídica e contábil do investimento, dentre as quais, segundo Modesto Carvalhosa:

a) O da falta de critérios adequados para o cálculo do número de ações que devem ser emitidas na hipótese de aumento de capital mediante incorporação dos lucros e reservas.

b)Não se exclui a possibilidade de manobras fraudulentas em detrimento dos demais acionistas, o que acarretaria a responsabilidade dos administradores e controladores.

Concebe-se que no Brasil as ações sem valor nominal são pouco utilizadas pelos motivos acima expostos, contudo, havendo provas de fraude em relação às mesmas sobrevém a responsabilidade contra a atitude na pessoa do fraudador.

Observa-se, ainda, que uma mesma sociedade anônima pode emitir ações com valor nominal e sem valor nominal ao mesmo tempo, a teor do art. 11, § 1º, quando descreve:

Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o capital social e estabelecerá se as ações terão, ou não, valor nominal.

§ 1º Na companhia com ações sem valor nominal, o estatuto poderá criar uma ou mais classes de ações preferenciais com valor nominal.

Ocorrendo disposição no estatuto de que o capital da sociedade anônima dispõe de ações da espécie ordinária nominativa sem valor nominal e da espécie preferencial nominativa, a sociedade poderia emitir novas ações ordinárias a preço inferior.

Quanto a esta disposição sobrevém uma crítica de Fábio Ulhoa Coelho, se referindo sobre a diluição do valor das ações preferenciais com valor nominal em caso de diluição das ações sem valor nominal, nos seguintes termos: “…em ocorrendo isso, a diluição atingiria, na mesma medida, também as ações preferenciais com valor nominal, tornando-se inoperante a garantia que o estatuto pretendeu conferir aos seus titulares”.

Classificação das ações

Numa sociedade anônima há três critérios para classificar as ações que são: espécie, forma e classe.

1) Espécies de ações

A espécie da ação é que leva em consideração a natureza dos direitos e vantagens do acionista e se manifesta em três critérios: ações ordinárias, ações preferenciais e ações de fruição.

1.1 Ações Ordinárias

Este tipo de ação é a que confere ao acionista os direitos de um sócio comum. O titular dessa espécie de ação não possui nenhuma vantagem nem se submete a qualquer tipo de restrição aos direito atribuídos aos sócios. Segundo Irineu Ballone além de concederem aos seus titulares, participação nos lucros da companhia (dividendos) e outros direitos comuns (ordinário = comum) a todos os acionistas, têm como principal característica à concessão do direito de voto nas decisões tomadas nas assembléias gerais, dando aos acionistas que as possuem o poder de deliberar sobre os destinos da companhia, de decidir sobre a destinação dos lucros, de alterar o estatuto, de eleger ou destituir diretores, etc.

O acionista que detém mais da metade desse tipo de ações é o controlador da companhia, motivo pelo qual, segundo Fábio Ulhoa Coelho, pode eleger os administradores, aprovar a maior parte de alterações estatutárias, decidir os assuntos de natureza geral do interesse da sociedade, etc.

Neste sentido, frisando as palavras proferidas pelo professor Mariano Gagliardo, em aula ministrada, “que dono de uma sociedade anônima é o sócio majoritário”, posto que as decisões em relação à companhia por ele são adotadas, por isso já denominado sócio controlador, enquanto que os sócios minoritários nada podem decidir, pelo contrário, ainda tem que haver a intervenção do Estado regulando através de normas os seus direitos.

1.2 Ações Preferenciais

A ação preferencial é aquela de que dá ao seu detentor um tratamento diferenciado em relação ao acionista possuidor de ação ordinária, cuja definição deve se fazer presente no estatuto da sociedade, fixando a preferência nesse tipo de ação.

Na conceituação de Fábio Ulhoa Coelho, Ações preferenciais são aquelas que atribuem ao titular uma vantagem na distribuição dos lucros da sociedade entre os acionistas. A natureza e a extensão da vantagem devem ser definidas pelo estatuto, que lhes deve assegurar, por exemplo, o recebimento de um valor fixo ou mínimo a título de dividendos.

Assim sendo, se num determinado exercício após o pagamento dos dividendos preferenciais mínimos a empresa não obter lucros para o pagamento dos acionistas ordinários, estes ficam sem nada receber, pois os lucros obtidos foram suficientes tão somente a satisfazer os acionistas preferenciais mínimos, a teor do que reza o estatuto.

Após o pagamento aos acionistas preferenciais, dos dividendos mínimos, caso sobrar lucros, porém, insuficientes ao mesmo valor do pagamento aos acionistas preferenciais, os acionistas ordinários receberão da companhia pagamento diferenciado de acordo com a espécie de ação obtida.

Contudo, caso os lucros da empresa forem suficientes naquele exercício ao pagamento dos acionistas preferenciais e também dos acionistas ordinários e a companhia ainda obtiver lucros sobrando, o pagamento dos dividendos serão realizados em igualdade para os acionistas, independente da espécie de ação que caracteriza seus titulares.

Outra vantagem conferida aos titulares de ações preferenciais é o dividendo fixo. Neste caso, a teor do que leciona Fábio Ulhoa Coelho, “aos titulares de ações preferenciais é assegurado dividendo fixo de 12% da parte correspondente do capital social”. E, mais uma vez, se os lucros da empresa forem suficientes somente para pagamento dos acionistas preferenciais de dividendo fixo, os acionistas ordinários nada recebem, porém, se os lucros forem suficientes também para pagar os acionistas ordinários, receberão o mesmo valor a título de dividendos.

Realizado o pagamento dos acionistas preferenciais em dividendos fixos e também dos acionistas ordinários e sobrando recursos na companhia, o valor correspondente será distribuído entre os acionistas ordinários, posto que os preferenciais já tiveram direito ao valor fixo conferido no estatuto, considerando, também, que a sociedade anônima não pode pagar ao acionista preferencial de dividendo fixo valor superior ao estabelecido no estatuto.

Outro tipo de vantagem nessa espécie de ação é o dividendo diferencial, a ser pago aos titulares de ações preferenciais pelo menos 10% superior ao valor atribuído aos acionistas ordinários, cujo dividendo só é devido em havendo omissão no estatuto quanto à vantagem do acionista preferencial em dividendo fixo ou mínimo.

Considerando que os titulares de ações preferenciais de uma companhia obtêm vantagens, em contrapartida, podem sofrer restrições fundadas ao direito de voto nas assembléias gerais, conforme prevê o art. 111 da LSA. Diante disso, o estatuto da companhia é que deve mencionar se há ou não essa restrição, sendo o voto restrito a esses acionistas os mesmos ficam excluídos da participação das decisões de interesse da companhia.

Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “O preferencialista sem direito de voto torna-se, assim, mero prestador de capital”.O preferencialista pode, portanto, exercer o direito de fiscalização quanto à administração da companhia sem direito de interferência. Porém, podem adquirir o direito de voto em algumas situações, as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.

Nota-se, portanto, vantagens e restrições quanto às ações preferenciais e em caso de não pagamento dos dividendos fixos e mínimos a teor do § 1º do art. 111, conforme acima mencionado, a cláusula estatutária é nula conferindo aos acionistas preferenciais o direito a voto.

1.3 Ações de Fruição

Segundo o professor da UNIP, Sidney Morbidelli, as ações de Fruição “São atribuídas aos acionistas cujas ordinárias ou preferenciais foram totalmente amortizadas”.

Por amortização, nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, entende-se:” a antecipação ao sócio do valor que ele provavelmente receberia, na hipótese de liquidação da companhia”.

O art. 109, inc. II da LSA, diz ser um direito essencial do acionista, participar do acervo da companhia, em caso de liquidação, cujo direito pode ser exercido em dois momentos: na efetivação da partilha, ou por antecipação, na amortização das ações.

Por esse motivo, no momento da liquidação os acionistas com ações, total, ou parcialmente amortizadas, não podem concorrer em igualdade com os demais acionistas, podendo, contudo, participar da distribuição líquida do capital social da companhia dissolvida, somente depois de assegurado o direito dos acionistas com ações não amortizadas e valor correspondente a estas, corrigido monetariamente, conforme prescreve o art. 44, § 5º, da LSA.

Quanto ao direito de voto dos titulares dessa espécie de ações depende do que deliberar a assembléia geral.

Segundo a doutrina, citada por Gecivaldo Vasconcelos:

Há, contudo, três hipóteses de restrição dos direitos societários dos acionistas com ações de fruição que não dependem de previsão estatutária ou deliberação assemblear, ou seja, restrições que alcançam todos os acionistas com ações integralmente amortizadas: a) concorrem ao acervo líquido da sociedade somente após a compensação em favor das ações não amortizadas; b) ao exercerem o direito de recesso, o reembolso das ações também é objeto de compensação; c) não têm direito ao recebimento de juros sobre o capital próprio.

A possibilidade de adquirir ações de fruição se dá quando a companhia ao invés de distribuir dividendos, resolve amortizar um lote de ações, isso ocorre geralmente por sorteio, pagando o valor nominal a seus titulares. Em seguida permite-se que aqueles antigos titulares adquiriram outras ações em substituição, as de gozo ou fruição. Cujas ações não representam o capital da empresa, e terão apenas os direitos que forem fixados nos estatutos ou nas assembléias.

2) Forma de Ações

Observa-se que até o ano 1990, admitia-se a forma das ações em nominativas, escriturais, endossáveis e ao portador. Com o advento da lei 8.021/90, as endossáveis e ao portador foram eliminadas e as companhias que possuíam essas duas formas de ações tiveram o prazo de dois anos para adaptação dessas ações em nominativas e escriturais.

Não obstante, encontrarmos ainda hoje na doutrina e inclusive na própria lei das sociedades anônimas a menção dessas formas de ações, segundo Fábio Ulhoa Coelho elas foram tacitamente extintas.

Por terem sido extintas por legislação não societária, acabaram permanecendo, na LSA, muitas referências a essas formas de ações. A revisão de 1997 eliminou parte delas, mas não revogou expressamente todos os dispositivos prejudicados com a abolição das ações endossáveis e ao portador (p. Ex., arts. 21,22, parágrafo único, 26, 112 e outros). Claro, esses dispositivos estão tacitamente revogados, desde 1990.

Assim sendo, temos hoje, a teor do art. 20 da LSA, que “as ações devem ser nominativas”, e quanto a esse aspecto dividem-se em nominativas e escriturais, cuja classificação se dá pela forma de transferência da sua titularidade.

2.1 Nominativas

Ações nominativas “São aquelas em que se declara o nome de seu proprietário”. São transferidas por termo lavrado no Livro de Registros de ações nominativas, recebendo o cessionário, novas ações, também com a indicação de seu nome.

Conforme se depreende do Art. 31, §1º e § 2º, da Lei das Sociedades Anônimas, a propriedade das ações nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no livro de “Registro de Ações Nominativas” ou pelo extrato que seja fornecido pela instituição custodiante, na qualidade de proprietária fiduciária das ações, cuja transferência opera-se por termo lavrado no livro de “Transferência de Ações Nominativas”, datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos representantes.

Prescreve o parágrafo segundo, que a transferência das ações nominativas em virtude de transmissão por sucessão universal ou legado, de arrematação, adjudicação ou outro ato judicial, ou por qualquer outro título, somente se fará mediante averbação no livro de “Registro de Ações Nominativas”, a vista de documento hábil, que ficará em poder da companhia.

Em relação a essas ações qualquer ato praticado anteriormente entre vendedor e comprador não surte efeito, uma vez que a titularidade somente se concretiza no momento do lançamento no livro específico escriturado pela companhia.

2.2 Escriturais

Por ação escritural, entende-se, segundo Fábio Ulhoa Coelho “é a que se transfere mediante registro nos assentamentos da instituição financeira depositária, a débito da conta de ações do alienante e a crédito a do adquirente.”

Conforme preceitua o Art. 34 e seus parágrafos, o estatuto da companhia pode autorizar ou estabelecer que todas as ações da companhia, ou uma ou mais classes delas, sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados.

No caso de alteração estatutária, a conversão em ação escritural depende de apresentação e do cancelamento do respectivo certificado em circulação.

Somente as instituições financeiras autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários podem manter serviços de ações escriturais. A companhia responde pelas perdas e danos causados aos interessados por erros ou irregularidades no serviço de ações escriturais, sem prejuízo do eventual direito de regresso contra a instituição depositária.

Inexiste, portanto, emissão de certificados nessa forma de ação, elas ficam em depósito e a cargo da instituição financeira e a propriedade se presume pelo registro na conta de depósito das ações em nome do acionista nos livros da instituição depositária, desde que autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários.

O Doutrinador Rubens Requião assim se profere quanto ao depósito dessas ações em Instituição financeira “Ela se opera nos moldes da vulgar conta de depósito bancário, com expressivas vantagens de economia de serviços e de custos operacionais”.