O
processo judicial que visa anular registro de marca concedido pelo
Inpi perante a Justiça Federal vem sendo tema de debate quanto aos
legitimados a figurar no polo passivo, bem como os efeitos de suas
manifestações e formas de ingresso na lide. Além disso, a natureza
jurídica do bem envolvido, o registro da marca, possui impactos e
efeitos em atos processuais como a composição, a possibilidade de
transigir sobre direitos marcários e os efeitos da revelia para a parte
que deixa de apresentar a devida contestação.
Com as recentes edições de portarias pela Justiça Federal do Rio de Janeiro
[1]
e a divulgação de artigos e estudos que indicam que o Inpi pode
transitar entre a figura de assistente para litisconsorte passivo da
demanda, a depender de seu posicionamento manifestado nos autos
[2],
passou-se a duvidar se o detentor de um registro de marca ou ainda um
terceiro interessado na nulidade de um ato do Inpi, como a manutenção de
indeferimento de um pedido de registro, pode, além de ser revel, sofrer
a aplicação dos efeitos da revelia.
Segundo Alexandre Freitas Câmara
[3],
revelia é simplesmente a ausência de contestação que deveria ser
apresentada pelo réu, sendo um fato processual que pode produzir efeitos
variados, tanto materiais quanto efeitos processuais. O efeito material
da revelia, de acordo com o artigo 344 do CPC, diz respeito à presunção
de veracidade do que fora alegado pelo autor. Porém, trata-se de uma
presunção
iuris tantum, admitindo prova em contrário quando o réu receber o processo no estado em que este se encontra.
É
sabido, portanto, que há uma diferença entre revelia e a aplicação dos
efeitos materiais da revelia.
Enquanto a primeira, conforme já
mencionado, é um fato processual, e a segunda implica em presunções de
veracidade acerca das alegações do autor. Porém, o artigo 345 do CPC
elenca hipóteses em que esses efeitos materiais da revelia não são
aplicados, como a apresentação de contestação por litisconsorte do réu
revel (obviamente quando há pluralidade de réus), nos termos do inciso I
do citado artigo.
Em ações de nulidade de registro de marca ou
que visam anular o indeferimento de pedido de registro baseado na
colidência com registro anterior de terceiro ou que tenha sofrido
oposição de terceiro, tem-se, como regra, uma pluralidade de réus: o
Inpi e o titular do registro anulando ou o titular de uma marca que
possivelmente conflita com a que se pretende obter registro. Nesses dois
casos, o Inpi pode concordar com o pleito autoral e figurar como
assistente do autor, ou concordar com o réu, defendendo o seu ato
administrativo e vir a integrar efetivamente o polo passivo.
Nesse
caso, sendo o Inpi considerado preambularmente réu (de acordo com os
mais recentes entendimentos da Justiça Federal do Rio de Janeiro), ao
apresentar contestação, a autarquia afasta a aplicabilidade dos efeitos
materiais da revelia ao particular que não apresentou tempestivamente a
sua própria contestação. Essa situação gera uma suspeita de que o réu,
titular do registro da marca anulanda, poderia apresentar sua peça de
defesa a qualquer momento, mesmo após o Inpi, quando a sistemática
atualmente adotada é a de o réu particular ofertar a sua contestação
somente depois que a autarquia se manifestar levando em consideração o
contraditório já instaurado.
Já há decisões que deixam claro que
os efeitos materiais da revelia não são aplicados ao titular do registro
quando o Inpi contesta a demanda, ou até mesmo quando o Inpi contesta
demanda de nulidade de outros atos, como o de indeferimento de pedido de
registro. Esse contexto nos leva a pensar que se o Inpi aderir ao polo
ativo da demanda, concordando com os argumentos e teses expostos na
petição inicial, haveria uma migração interpolar da entidade e, com
isso, restaria desconfigurada a pluralidade de réus e contestação a
ensejar o afastamento dos efeitos materiais da revelia.
No
entanto, mesmo que essa hipótese específica caso ocorra, o inciso II do
próprio artigo 345 do CPC, corroborado pelo Ofício Circular
00006/2016/GAB/PRF2R/PGF/AGU (muito utilizado para dispensar a audiência
de conciliação em ações dessa natureza), leva à conclusão de que a
questão acerca da validade dos registros marcários é de natureza
indisponível e, por isso, estaria impedida a aplicação dos efeitos
materiais da revelia ainda que hodiernamente possa-se entender que não
há pluralidade de réus nessas circunstâncias.
Ademais, em casos em
que um terceiro manifeste desinteresse na intervenção no feito que
busque anular um ato de indeferimento do Inpi e a autarquia fique como a
única ré, mesmo sem contestar, não haverá contra si a aplicação dos
efeitos materiais da revelia pela natureza indisponível dos direitos de
propriedade industrial.
Contudo, entendemos que deve haver uma
ponderação acerca da possibilidade de se manifestar nos autos e influir
no processo. Obviamente, não pode uma parte apresentar sua defesa
concentrada em uma contestação a qualquer tempo, mesmo em se tratando de
direitos indisponíveis, pois isso geraria insegurança dentro do trâmite
processual. O que se deve fazer, diante da complicadíssima presunção de
veracidade dos fatos alegados pelo autor, é uma análise caso a caso
para saber o que pode ser considerado como passível de ser descartado ou
desentranhado do processo — já que a revelia é a ausência de
contestação —, ponderado com o que não está suscetível de ser presumido
verdadeiro.
Nesse sentido, uma empresa detentora de um registro
marcário que tenha perdido o prazo para contestar e, intempestivamente,
protocolizou a sua peça de defesa, pode muito bem ter a sua contestação e
documentos que a acompanharam desentranhados dos autos, pois nesta
petição podem haver fatos e argumentos noticiados capazes de influenciar
na convicção do juízo. Contudo, os fatos alegados pelo autor e provas
produzidas deverão ainda ser objeto de análise do magistrado, uma vez
que, se o Inpi tiver contestado, estes estarão controvertidos e, caso a
autarquia também reste silente, a indisponibilidade do direito demandará
a valoração dos fatos, sendo permitido ao réu revel a produção de
provas para refutá-los.
Paulo
Armando Innocente de Souza é sócio no Daniel Advogados, pós-graduado em
Direito Processual Civil pela Escola de Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro (Emerj) e graduado em Direito pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).