sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

A extinção da punibilidade da pessoa jurídica em razão da morte do agente

 10 de dezembro de 2020, 18h57

Por José Rodolfo Bertolino

No presente texto, abordaremos o princípio da pessoalidade (intranscendência), previsto no artigo 5º, XLV, da Constituição Federal/88, em especial sua relação e aplicação jurisprudencial a pessoas jurídicas como agentes de crime. Referida disposição constitucional prevê que a pena aplicada não deve ultrapassar a pessoa do agente.

Segundo Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco [1]:

"A Constituição Brasileira conferiu tratamento amplo e diferenciado às questões associadas à pena e à execução penal. O inciso XLV do artigo 5º estabelece o caráter pessoal da pena, prevendo que a lei poderá dispor sobre obrigação de reparar e sobre decretação de perdimento de bens. (...) O princípio da responsabilidade pessoal fixa que a pena somente deve ser imposta ao autor da infração. O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar, por exemplo que 'vulnera o princípio da incontagiabilidade da pena a decisão que permite ao condenado fazer-se substituir por terceiro estranho ao ilícito penal, na prestação de serviço à comunidade'".

 

Tal máxima influenciou, de maneira direta, o estabelecimento da relação de causalidade de um delito, prevista no artigo 13 do Código Penal, a qual dispõe que o resultado de um crime é somente imputável a quem lhe tenha dado causa. Em outras palavras, a responsabilidade pela prática de infrações penais deve ser atribuída apenas àquele que tenha efetivamente praticado (seja por ato comissivo ou omissivo) a conduta, ou ainda que tenha eventualmente concorrido para a sua prática.

 

Pois bem. Estabelecido minimamente o conceito de relação de causalidade entre a conduta praticada e a pessoa do agente, avança-se para o tema central do presente texto: a extinção da punibilidade atribuída ao agente, em especial, de pessoas jurídicas.

 

Nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt [2], a pena não é o elemento do crime, mas, sim, consequência natural da prática de uma ação típica, antijurídica e culpável. Todavia, existem situações que obstam a aplicação e/ou a execução da reprimenda estabelecida para a conduta praticada. Em tais hipóteses, opera-se a extinção não do delito em si, mas, sim, do direito estatal de punir a infração cometida pelo agente.

 

O artigo 107 do Código Penal, em seus incisos de I a IX, dispõe todas as situações em que se deve operar a extinção da punibilidade, ficando o agente livre do cumprimento de qualquer tipo de medida. Aqui, destaca-se que "agente" se refere tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica (relembrando, claro, que a atribuição de responsabilidade criminal a entes morais é permitida apenas em questões relacionadas a crimes ambientais — artigo 225, §3º, CF/88).

 

Quando tratamos de uma pessoa física, a situação é simples, uma vez que o ciclo de vida de um indivíduo é conhecido por todos: 1) nascimento; 1) crescimento; 3) envelhecimento; e 4) morte. No entanto, e com relação a entes não naturais? Como se comprova a "morte" de uma pessoa jurídica?

 

Para obtenção da resposta, é necessário tecer breves comentários sobre referidos entes morais. A legislação brasileira não fornece uma definição específica sobre empresa, mas, sim, sobre o empresário (artigo 966, do Código Civil). Em termos leigos (não legais), empresa se resume a uma espécie de sistema econômico criado para oferecer à sociedade determinado produto e serviço. Sua "vida" é iniciada a partir de sua inscrição (CNPJ e inscrições estaduais) perante os órgãos estaduais competentes e registro de seus atos constitutivos (artigo 985, do Código Civil). Ora, se considerarmos que a vida está diretamente relacionada ao CNPJ, pode-se entender por a "morte" da pessoa jurídica quando se opera o cancelamento de sua identidade/inscrição no cadastro nacional e consequente perda de personalidade jurídica.         

 

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro (Código Civil e Lei das Sociedades Anônimas [3]), tal situação pode ocorrer nas hipóteses de incorporação — absorção de uma ou mais sociedades por outra —, fusão — união de duas ou mais sociedades para formação de uma terceira — e cisão — transferência de patrimônio para sociedades já existentes ou constituídas apenas para este fim.

 

O entendimento está, inclusive, consolidado na jurisprudência dos tribunais [4], representado abaixo por um julgado do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

 

"Processual civil. Incorporação. Sucessão processual. Agravo regimental interposto por terceiro (incorporador). Sociedade recorrida (incorporada) extinta. Demonstração posterior ao ato de interposição. Inteligência da súmula nº 115 do STJ, aplicada por analogia. Conforme disciplina a Lei nº 6.404, de 15/12/1976 (Lei das Sociedades por Ações), a incorporação — operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra — enseja a extinção da personalidade jurídica da sociedade incorporada, equiparando-se, para efeitos legais, à morte da pessoa física ou natural. (...) 4. Agravo regimental não provido" (STJ — 2ª T. — AgRg no REsp 89.557/RS — relator ministro Mauro Campbell Marques — DJe 27/10/2010).

 

Pois bem. Fixadas as hipóteses de "morte" da pessoa jurídica, passa-se a entender se (e como) referida situação jurídica pode ser interpretada quando relacionada ao Direito Penal. A situação é peculiar, controversa e vem ganhando espaço nos tribunais brasileiros.

 

Há quem diga que, por conta da possibilidade de sucessão de obrigações entre sociedades incorporadas, cindidas ou que foram objeto de fusão, é possível que a responsabilidade criminal também seja transmitida, logo, não haveria óbice ter como iniciada uma persecução penal contra uma pessoa jurídica que já "não existe mais". Tal situação, com a devida vênia, está equivocada, uma vez que, de acordo com o princípio da pessoalidade (ou instranscendência), a reprimenda penal jamais ultrapassará o limite da pessoa do agente (artigo 5º, XLV, CF/88), sendo vedada, de maneira expressa, a transposição/transferência de penas e de responsabilidade penal.

 

Ou seja, terceiros estranhos à empreitada criminosa não podem, em hipótese alguma, serem responsabilizados e objeto de punição pelo Direito Penal.

 

E não é só. Em se tratando de Direito Penal, deve-se observar o princípio da estrita legalidade, o qual obsta a utilização de analogia jurídica para criação de tipos penais incriminadores e/ou em malefício ao réu/acusado. Em outras palavras, se não existe dispositivo legal que permita a transferência de responsabilidade penal em casos de operações societárias (o que não existe em nosso ordenamento jurídico), tal hipótese jamais deve ocorrer.

 

O raciocínio contrário, no entanto, é permitido. Vejamos.

 

A Lei 9.605/98, que trata especificamente de delitos cometidos contra o meio-ambiente e da possibilidade de responsabilização criminal de pessoas jurídicas, é silente no tocante ao reconhecimento da extinção da punibilidade de agentes de crimes ambientais em razão da "morte" do agente. Tal situação nos leva diretamente a uma disposição geral de referida lei (artigo 79), a qual determina que, na ausência de normas legais específicas, aplicam-se subsidiariamente, por extensão, as normas previstas nos Códigos Penal e de Processo Penal.

 

Dessa forma, por analogia arrimada no artigo 107, I, do Código Penal, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão da morte do agente, nos parece extremamente possível o reconhecimento quando se trata de agente pessoa jurídica, sobretudo em razão da extinção de sua personalidade jurídica.

 

O Superior Tribunal de Justiça já se deparou com o tema (HC 283.807) e determinou a aplicação, por analogia, de referido dispositivo legal em situação em que se operou a extinção da personalidade jurídica de um ente moral, determinando o reconhecimento da extinção da punibilidade em razão da morte do agente:

 

"2. Preliminares 2.1. Da extinção da punibilidade em relação a pessoa jurídica. A despeito das várias preliminares suscitadas pela Iron Construtora e Incorporadora Ltda. e seu representante nas contrarrazões de fls. 408/453, constata-se que a empresa foi extinta por força de liquidação voluntária, inclusive com baixa de seu CNPJ, com se confere de fls. 458/459. Nessa hipótese, aplica-se analogicamente o artigo 107, I, do CP, para declarar a extinção da punibilidade, mesmo porque, como bem frisou o MPF às fls. 471/472, uma das consequências que lhe seria imposta diante de eventual condenação seria exatamente sua liquidação forçada, a teor do artigo 24 da Lei nº 9.605/98, valendo frisar que o MPF direcionou acusação também contra aqueles a quem reputa os verdadeiros dirigentes da empresa, sem prejuízo da apuração de responsabilidade, a princípio. Portanto, declaro extinta a punibilidade da denunciada Iron Construtora e Incorporadora Ltda.".

 

O Tribunal de Justiça do Paraná, recentemente, concedeu liminar, em sede de mandado de segurança [5], determinando a suspensão de ação penal intentada contra pessoa jurídica com base justamente na possibilidade de reconhecimento da aplicação do artigo 107, I.

 

O caso, que versa sobre a suposta prática do delito de poluição qualificada (artigo 54, §2º) por empresa incorporada por um grupo empresarial, tramita perante a comarca de Arapongas (PR), cuja materialidade delitiva, de acordo com o Ministério Público Estadual, restaria comprovada por fotografias. À época, a denúncia foi oferecida apenas contra a pessoa jurídica, não tendo a conduta sido imputada a nenhum dos sócios então responsáveis pela empresa.

 

Em sua decisão, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida pontuou que a perda da personalidade jurídica em razão da empresa ré ter sido incorporada altera sua capacidade e possibilidade de estar em juízo, de modo que não seria possível o exercício de qualquer pretensão penal contra referida empresa:

 

"Sob o aspecto da extinção da pessoa jurídica, a empresa ora incorporada (Agrícola Jandelle S.A.) perde a sua capacidade de estar em Juízo como polo passível de punição, inviabilizando-se o exercício de qualquer pretensão penal dirigida em desfavor daquela, obstando-se a punição da incorporadora (Seara Alimentos Ltda.) em face do princípio da intranscendência. Consigne-se que, em tese, se está extinta a pessoa jurídica (CNPJ 74.101.569/0008-56), há um fim — uma baixa —, e, com este fim, poderia entender-se que, por analogia, ocorreu a morte do denunciado, ocorrendo a extinção da punibilidade nos termos do artigo 107, inciso I, do CP. (...) Todavia, não obstante o supra relatado, determino, ao momento, e por cautela, tão somente a suspensão do trâmite do processo criminal nº 0000031-44.2012.8.16.0045 até o julgamento do mérito deste mandamus".

 

O entendimento do TJ-PR contrariou argumento levantado pelo Ministério Público Estadual de primeira instância, o qual alegou que a garantia constitucional levantada no caso (princípio da intranscendência) estaria sendo utilizada apenas para que a empresa denunciada se furtasse de eventual responsabilização criminal.

 

A decisão do eminente desembargador soa extremamente acertada, uma vez que, com base no exposto acima, é plenamente plausível reconhecer-se a extinção da punibilidade de um agente pessoa jurídica em razão de sua morte com base em interpretação analógica do artigo 107, I, do Código Penal. Além disso, não há que se falar, em hipótese alguma, em manobra evasiva, uma vez que a garantia está prevista no rol de princípios e garantias fundamentais da CF/88, pedra angular de um Estado democrático de Direito, e à defesa cabe a utilização de qualquer argumento que beneficie os interesses de seus clientes.

 

Não se pode olvidar também que, além da garantia constitucional que veda a transferência de responsabilidade, em se tratando de matéria penal, não se permite a incidência de obrigação propter rem, uma vez que, para fins de responsabilização e aplicação de eventual sanção, o elemento subjetivo da conduta ilícita praticada deveria ser demonstrado de maneira clara, e não presumido em razão de uma aquisição societária.

 

A Procuradoria-Geral de Justiça, ao se pronunciar em referidos autos, manifestou-se totalmente favorável à concessão da segurança e do reconhecimento da extinção da punibilidade da pessoa jurídica em questão. Referida manifestação ministerial, apoiada em julgado exarado pelo Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.251.697/PR), além de destacar que o princípio da intranscendência deve ser plenamente aplicado não apenas ao Direito Penal, mas também a todo e qualquer direito sancionador, pontuou, conforme destacado acima, a não incidência de obrigação propter rem no Direito Penal:

 

"Dito isto, pondero que no presente caso não se cogita de reconhecimento de trancamento de ação penal por inépcia da denúncia ou por ausência de justa causa, como aliás bem decidido no deferimento da liminar e exposto na contestação da Promotoria de Justiça (que adoto, neste aspecto, como fundamento deste parecer), porém merece redobrada atenção a questão que envolve a sucessão de empresas (...).

No âmbito civil já é pacífico que a obrigação de reparar dano ambiental é propter rem, aliás, neste último caso a Súmula 623, do Superior Tribunal de Justiça é clara ao dispor que: 'As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor'.

Por outro lado, no nosso ordenamento jurídico não se cogita de uma responsabilização administrativa e sobretudo criminal sob o pretexto de que a obrigação de reparar tem natureza propter rem, como querem o Juízo a quo e a Promotoria de Justiça".

 

Ou seja, em se tratando de Direito Penal, não é permitida sucessão corporativa, situação em que ocorre a transferência de passivos e ativos.

 

No julgamento de mérito, ocorrido neste dia 10 de dezembro, e conduzido pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, foi determinado, por votação unânime, o trancamento de referida ação penal. O entendimento firmado pela turma julgadora fui justamente pelo reconhecimento da extinção da punibilidade (pela morte do agente) em razão da extinção da pessoa jurídica acusada.

 

Segundo a turma julgadora, haveria óbice no reconhecimento da modalidade de extinção em situações em que fosse possível a comprovação de que determinada operação societária teria como único objetivo burlar eventual responsabilização criminal, o que não ocorreu no caso julgado.

 

Assim, conforme já dito acima, o tema ainda é controverso, e certamente ganhará cada vez mais espaço nos tribunais brasileiros, nos restando apenas aguardar e torcer para que as discussões sejam ricas em argumentos e que o entendimento seja cada vez mais consolidado.

 

[1] Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. — São Paulo: Saraiva Educação 2019.

[2] Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21 ed — São Paulo: Saraiva, 2015: p. 881.

[3] Artigo 227 a 229 da Lei 6.404/76 e artigo 1116 a 1122 do Código Civil.

[4] No mesmo sentido: TJ-SC Apelação Cível 0014854-54.2008.8.24.008, TRF 3 Apelação Cível 0011383-17.2013.4.03.6105, TJSC Apelação Cível 0000182-71.2013.8.24.0006.

[5] TJ-PR Mandado de Segurança nº 0038170-25.2020.8.16.0000.

José Rodolfo Bertolino é advogado, especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas e integrante do departamento jurídico da empresa JBS S.A..

 

sábado, 5 de dezembro de 2020

Disputa entre Gradiente e Apple pela marca "iphone" será objeto de mediação no STF


O ministro Dias Toffoli determinou a remessa do caso ao Centro de Conciliação e Mediação da Corte, criado este ano.


04/12/2020 17h31 

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1266095, em que se discute a exclusividade do uso da marca Iphone no Brasil, ao Centro de Conciliação e Mediação da Corte. O órgão, criado pela Resolução 697/2020, tem o objetivo de atuar na solução consensual de questões jurídicas sujeitas à competência do STF.

Registro

Em 2000, a IGB Eletrônica, dona da marca Gradiente, solicitou junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) o registro da marca Gradiente Iphone, para designar aparelhos celulares e produtos acessórios de sua linha de produção. O pedido foi deferido somente em 2008, e, em 2013, a empresa norte-americana Apple, fabricante do iPhone desde 2007, ajuizou ação contra a IGB e o Inpi visando à nulidade parcial do registro.

Sem exclusividade

O juízo da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro (RJ) julgou o pedido procedente e determinou ao Inpi que o concedesse “sem exclusividade sobre a palavra iphone isoladamente”.

A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que entendeu que o direito de uso exclusivo da marca não é absoluto. Segundo o TRF-2, é preciso levar em consideração o fato indiscutível de que os consumidores e o mercado, quando pensam em iphone, “estão tratando do aparelho da Apple”. Assim, o uso isolado da marca por qualquer outra empresa poderia causar “consequências nefastas” à Apple.

Fato consumado

No ARE, a Gradiente argumenta que, conforme registrado no acórdão do TRF, é incontroverso que o depósito da marca foi feito em 2000 e que o registro só foi deferido pelo Inpi em janeiro de 2008. “Nesse momento, o iPhone da Apple, lançado em 2007, já era uma febre mundial, muito em razão de enormes investimentos em publicidade”, afirma.

Segundo a empresa brasileira, o fundamento adotado para o acolhimento do pedido da Apple teria sido a existência de um fato consumado, e a definição do titular da marca teria levado em conta o critério da opinião dos consumidores. Para a Gradiente, esse entendimento do TRF “subverte completamente o sistema brasileiro de propriedade intelectual, substituindo o princípio da prioridade no depósito pelo do sucesso na exploração”.

Em junho, o ministro Dias Toffoli negou seguimento ao recurso interposto ao STF, assentando que a análise da causa demandaria interpretação da legislação infraconstitucional e reexame dos fatos e das provas, o que não é cabível em recurso extraordinário. Em seguida, a Gradiente interpôs agravo regimental visando à reforma da decisão monocrática.

Mediação

Ao suspender e processo e remetê-lo ao Centro de Conciliação e Mediação, Toffoli lembrou que o relator pode adotar essa providência em qualquer fase processual, para que sejam realizados os procedimentos a fim de buscar a composição consensual da lide. A decisão da remessa levou em conta que a questão discutida no recurso versa sobre direitos patrimoniais disponíveis.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Quarta Turma vincula dano moral a interesses existenciais e afasta indenização por frustração do consumidor

Ao reformar condenação por danos morais estabelecida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em favor de um cliente que ficou frustrado na compra de um automóvel, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu balizas para a configuração da ofensa real aos chamados interesses existenciais – aquela que, segundo o colegiado, pode efetivamente dar margem a indenização.

Segundo a turma, são interesses existenciais aqueles tutelados pelo instituto da responsabilidade civil por dano moral. Assim, na visão dos ministros, não estão abrangidos – ainda que possam ser lamentáveis – os aborrecimentos ou as frustrações na relação contratual, ou mesmo os equívocos cometidos pela administração pública, ainda que demandem providências específicas, ou mesmo o ajuizamento de ação.

"Essas situações, em regra, não têm a capacidade de afetar o direito da personalidade, interferindo intensamente no bem-estar do consumidor (equilíbrio psicológico, isto é, saúde mental)", afirmou o ministro Luis Felipe Salomão.

Alienação anterior

De acordo com o processo, o cliente adquiriu o veículo usado em uma loja e pagou parte do valor total por meio de financiamento bancário. Segundo o consumidor, o banco demorou 90 dias para enviar o contrato – período em que ele pagou as prestações normalmente. Quando procurou o despachante para fazer a transferência, descobriu que o carro estava alienado fiduciariamente a outra instituição financeira, o que tornava inviável a operação. Além disso, o cliente afirmou que o automóvel apresentou defeitos mecânicos.

Em primeira instância, o juiz declarou rescindido o contrato e condenou a loja e a instituição financeira a devolverem os valores pagos pelo cliente. O TJSP também condenou as rés, de forma solidária, ao pagamento de danos morais no valor de dez salários mínimos, por entender que ficaram comprovadas a frustração do comprador e a falta de interesse das empresas em resolver a situação.

Dano efetivo

Relator do recurso do banco, o ministro Salomão destacou que, embora o autor tenha dito que pagou três prestações por receio de que seu nome fosse incluído em cadastro negativo e o veículo sofresse busca e apreensão – o que poderia, de fato, levar a um abalo moral –, tais problemas não se concretizaram. Além disso, observou o ministro, não foram efetivamente comprovados os danos apontados no veículo.

Assim – disse o relator –, os danos morais reconhecidos pelo TJSP estão limitados aos dissabores do cliente por não ter rápida solução do problema na esfera extrajudicial, o que o levou a registrar boletim de ocorrência policial.

Ao descrever entendimentos divergentes nas turmas do STJ, o ministro ressaltou que o Código de Defesa do Consumidor estipula que, para a caracterização da obrigação de indenizar, não é decisiva a questão da ilicitude da conduta, tampouco o fato de o serviço prestado não ser de qualidade, mas sim a constatação efetiva de dano ao bem jurídico tutelado.

"Como bem adverte a doutrina especializada, é recorrente o equívoco de se tomar o dano moral em seu sentido natural, e não jurídico, associando-o a qualquer prejuízo incalculável, como figura receptora de todos os anseios, dotada de uma vastidão tecnicamente insustentável, e mais comumente correlacionando-o à dor, ao aborrecimento, ao sofrimento e à frustração", comentou.

Autonomia privada

Ainda com amparo na doutrina, Salomão afirmou que há risco em se considerar que os aborrecimentos triviais e comuns podem ensejar a reparação moral, "visto que, a par dos evidentes reflexos de ordem econômico-social deletérios, isso tornaria a convivência social insuportável e poderia ser usado contra ambos os polos da relação contratual".

Ao afastar os danos morais fixados em segunda instância e restabelecer a sentença, Salomão observou que, não havendo efetivo prejuízo aos interesses existenciais, a indenização de cunho moral acaba por encarecer a atividade econômica, com reflexos negativos para o consumidor.

"O uso da reparação dos danos morais como instrumento para compelir o banco e a vendedora do veículo a fornecer serviço de qualidade desborda do fim do instituto", declarou o ministro, destacando que não cabe ao Judiciário impor as limitações eventualmente necessárias à autonomia privada, pois isso poderia trazer consequências imprevisíveis no âmbito do mercado, em prejuízo dos próprios consumidores – principalmente dos mais vulneráveis.


REsp 1406245


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Violação de direito autoral não comporta discussão de culpa, diz STJ

 26 de agosto de 2020, 21h39

 Aquele que adquire, distribui, vende ou utiliza obra fraudulenta com o objetivo de obter proveito econômico também responde, solidariamente, pela violação do direito autoral, conforme disposto categoricamente na Lei 9.610/1998, sem que haja espaço para discussão acerca de sua culpa para a ocorrência do ilícito.

 Ilícito ocorreu na confecção de cartões telefônicos a serem usados em orelhões

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que uma empresa de telefonia responde pela violação de direito autoral por utilização de imagens sem autorização na confecção, venda e distribuição de cartões telefônicos. Mesmo que essas imagens tenham sido cedidas pelo município que seria homenageado na ação.

 No caso, a alegação da empresa foi que as imagens foram alvo de "Termo de Cessão de Direitos de Uso de Imagem" no qual o município em questão se declarou titular de todos os direitos relativos às obras.

 Relatora, a ministra Nancy Andrighi apontou que não a Lei dos Direitos Autorais não deixou espaço para indagação acerca da culpa do infrator.

 Por conta da dificuldade de provar a culpa do causador do dano, a ponto de interferir na efetiva prestação jurisdicional, associada à proteção que o legislador cercou os direitos autorais, não há como afastar a responsabilidade objetiva.

 Assim, aplicou o artigo 104 da norma, que indica que "quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável".

 "Reconhecido pela instância ordinária que o recorrido é o autor das fotografias, e que estas foram reproduzidas sem sua autorização, com intuito de lucro, pela empresa recorrente, a incidência da norma precitada é medida impositiva", concluiu a ministra Nancy Andrighi.

 Contagem da prescrição

Preliminarmente, o voto da relatora, seguido por unanimidade, definiu que não ocorreu a prescrição ao direito de indenização no caso, já que, em ilícitos extracontratuais, o surgimento da pretensão indenizatória ocorre com a ciência da lesão e de sua extensão, afastando-se a data do dano como marco temporal da prescrição.

 Clique aqui para ler o acórdão

REsp 1.785.771

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2020, 21h39

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A legenda alegou que a proibição de concessão dos serviços à iniciativa privada viola os princípios da livre concorrência e livre iniciativa.

REGULAÇÃO MACRO

Compete à União, e não ao estado, fixar regras gerais de saneamento, decide STF

 

A fixação de regras gerais de saneamento é competência da União, cabendo aos municípios definir se o serviço será prestado de forma direta ou por delegação. O entendimento é do Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade de trecho da Constituição do Paraná.

 

 

O julgamento, em Plenário Virtual, se encerrou na última terça-feira (4/8), com nove ministros acompanhando o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia.

 

A ação foi ajuizada pelo Partido Humanista em 2010 para contestar o parágrafo 3º do artigo 210-A da Constituição do Paraná, que vedava a prestação do serviço de saneamento por empresas privadas. A legenda alegou que a proibição de concessão dos serviços à iniciativa privada viola os princípios da livre concorrência e livre iniciativa.

 

De acordo com a relatora, houve a usurpação da competência do município para decidir sobre a forma de prestação do serviço de saneamento básico.

 

Cármen apontou precedentes no qual a corte entendeu que "os Estados-membros — que não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União ou o município) e as empresas concessionárias" (ADI 2.337).

 

Da mesma forma, o tribunal já entendeu que os Estado não têm competência para mudar as condições, "que, previstas na licitação, acham-se formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União e pelo Município, de um lado, com as concessionárias, de outro, notadamente se essa ingerência normativa, ao determinar a suspensão temporária do pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços concedidos (serviços de energia elétrica, sob regime de concessão federal, e serviços de esgoto e abastecimento de água, sob regime de concessão".

 

Vencido, o ministro Marco Aurélio relembrou que no julgamento de outra ação (ADI 1.842), ele apontou que "saneamento básico é o único serviço público econômico arrolado nas competências materiais compartilhadas entre todos os entes federativos, a teor dos incisos do artigo 23 da Carta da República". 

 

"A possibilidade de exploração econômica dos serviços, diretamente ou por delegação, mediante a cobrança de tarifas e taxas, representa elemento de natureza política", entende o vice-decano. Para ele, o exame dessas atividades "transcendem o mero interesse da população local".

 

O partido é representado pelo escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Para Arnoldo Wald e Marcus Vinicius Vita, a decisão "restabelece a livre concorrência e a autonomia do município para decidir qual a melhor forma de prestação do serviço de saneamento". 

 

"É absolutamente nula, pela decisão do Supremo, qualquer norma estadual que vede a possibilidade de outorga dos serviços de saneamento à iniciativa privada", complementou.

 

Clique aqui para ler o voto da relatora

Clique aqui para ler o voto divergente

Clique aqui para ler  a inicial

ADI 4.454

 

Fernanda Valente é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

 

Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2020, 8h24

terça-feira, 4 de agosto de 2020

AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS EM NOME DOS EXECUTADOS.

AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS EM NOME DOS EXECUTADOS. POSSIBILIDADE. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA PESSOA JURÍDICA QUE NÃO IMPEDE TAL CONSTRIÇÃO. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. DECISÃO MANTIDA.


Nada impede a constrição de quotas sociais, na medida em que não se está atingido os bens da sociedade, mas tão somente as cotas sociais de propriedade dos sócios.


Ademais, a medida em estudo encontra amparo legal no dispositivo processual previsto no artigo 835 do Código de Processo Civil.


Por outro lado, a recuperação judicial da pessoa jurídica também não impede a constrição judicial de patrimônio que pertence aos sócios.


Agravo não provido.

 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Impossibilidade de doação entre cônjuges casados em regime de comunhão universal de bens.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela impossibilidade de doação entre cônjuges casados em regime de comunhão universal de bens. O colegiado entendeu que, nessa hipótese, o produto da doação passaria a ser novamente bem comum do casal, visto que, em tal regime, tudo o que é adquirido se comunica. No caso analisado pela turma, a esposa cedeu cotas de uma empresa para o marido. Após a morte dela, seu irmão ajuizou ação para anular a doação. O irmão afirmou que a doação teve o objetivo de prejudicar a mãe deles, herdeira necessária – também falecida. Asseverou que a irmã foi casada no regime de comunhão universal de bens, de modo que a doação de patrimônio para o marido não teria qualquer eficácia, porque todo o acervo patrimonial pertence a ambos os cônjuges. (STJ, 8.7.19. REsp 1787027)

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Honorários 16 milhões

Por entender que a situação não se enquadrava nas hipóteses de apreciação equitativa previstas pelo Código de Processo Civil (CPC), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de um advogado a honorários de sucumbência de mais de R$ 16 milhões – montante correspondente a 10% do valor da causa. Em sua decisão, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que a solução da controvérsia pressupõe o exame dos limites mínimo e máximo estabelecidos no artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC) para os honorários advocatícios sucumbenciais, ressalvadas as exceções previstas nos parágrafos 3º e 8º do mesmo dispositivo legal. Segundo o ministro, não se tratando de processo que envolve a Fazenda Pública ou das situações de apreciação equitativa previstas pelo CPC – demandas em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo –, é necessário definir se o magistrado está vinculado às balizas estabelecidas no código. (STJ, 18.6.20. REsp 1711273)

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Laboratório terá de pagar ao espólio de uma paciente que desenvolveu compulsão por jogos ao usar remédio para tratamento da doença de Parkinson.

Responsabilidade civil – A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aumentou a indenização que um laboratório terá de pagar ao espólio de uma paciente que desenvolveu compulsão por jogos ao usar remédio para tratamento da doença de Parkinson. Ela dilapidou todo o seu patrimônio em decorrência do efeito colateral do medicamento – que não constava da bula na época em que ele foi utilizado. Diagnosticada com Parkinson em 1997, a paciente passou a usar o medicamento Sifrol, cuja dose foi aumentada por recomendação médica em dezembro de 1999. No período de julho de 2001 a setembro de 2003, ela desenvolveu o chamado jogo patológico e acabou perdendo mais de R$ 1 milhão. A compulsão terminou tão logo o uso contínuo do medicamento foi suspenso. (STJ, 12.6.20; REsp 1774372) Eis o acórdão. 

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Parcelas a vencer podem ser incluídas em execução de título executivo extrajudicial


É possível a inclusão de parcelas vincendas em ação de execução de título executivo extrajudicial, até que a obrigação seja integralmente cumprida. Para tanto, aplica-se a regra do artigo 323 do Código de Processo Civil, que se refere a processo de conhecimento (e não a execução). A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e foi unânime.

A decisão teve origem em execução de título extrajudicial ajuizada por um condomínio com a finalidade de cobrar de condômino inadimplente tanto as cotas condominiais vencidas quanto as que venceriam no curso da ação.

Em primeiro grau, o juiz negou o pedido, afirmando que seria necessária a emenda da petição inicial para que a execução somente contemplasse as dívidas já vencidas. Para ele, a ação de execução só poderia ter por base títulos líquidos e exigíveis.

A sentença foi mantida no tribunal de segundo grau, que acrescentou que a inclusão das parcelas vincendas de obrigações de trato sucessivo somente seria permitida no processo de conhecimento, e não no de execução de título extrajudicial.

Certeza, liquidez e exigibilidade

No STJ, o condomínio sustentou que, como medida de economia e celeridade processual, e tendo em vista que o pagamento das cotas condominiais é obrigação de trato sucessivo, seria cabível, mesmo na ação de execução de título executivo extrajudicial, a aplicação das normas do processo de conhecimento que permitem a cobrança de parcelas vincendas.

Alegou ainda a certeza, liquidez e exigibilidade das cotas vincendas, visto que a necessidade de cálculos aritméticos para determinar os valores devidos não retira a liquidez da obrigação, e a exigibilidade se define pelo vencimento de cada parcela.

Para a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, a jurisprudência da Corte é pacífica quanto à possibilidade de que as parcelas vincendas sejam consideradas implícitas no pedido, conforme artigo 323 do CPC. Contudo, a incidência do dispositivo em execução de título extrajudicial é controversa, "eis que o ajuizamento da ação executiva tem como requisito a liquidez, certeza e exigibilidade do título, que poderia ser afetada pela inclusão de parcelas ainda não vencidas da dívida de trato sucessivo".

Inovação do CPC
A magistrada lembrou que o CPC permitiu o ajuizamento de ação de execução para a cobrança de despesas condominiais, considerando como título executivo extrajudicial o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio, desde que documentalmente comprovadas, conforme dispõe o artigo 784, X, do referido diploma, segundo o qual é título executivo extrajudicial "o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas".

Com isso, passou a ser possível ao condomínio, para satisfazer tais débitos, valer-se tanto da ação de cobrança quanto da execução de título executivo extrajudicial.

Efetividade e economia
Nancy Andrighi salientou que o CPC, "na parte que regula o procedimento da execução fundada em título executivo extrajudicial, admite, em seu artigo 771, a aplicação subsidiária das disposições concernentes ao processo de conhecimento à lide executiva".

Da mesma forma, afirmou que o CPC dispõe, "na parte que regulamenta o processo de conhecimento, que o procedimento comum se aplica subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução (artigo 318, parágrafo único)".

A relatora citou ainda precedente da Turma em que o colegiado definiu que a incidência do artigo 323 do CPC/2015 no processo de execução de título extrajudicial encontra respaldo no artigo 780 da mesma lei, que permite a cumulação de execuções contra um mesmo executado, ainda que pautadas em títulos diversos.

"Esse entendimento privilegia os princípios da efetividade e da economia processual, evitando o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional, o que sobrecarregaria ainda mais o Poder Judiciário", afirmou. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.


Revista Consultor Jurídico, 26 de junho de 2020, 10h12

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Corte arbitral contraria Lei das SA e manda Petrobras indenizar acionistas


DECISÃO INÉDITA

Os atos de corrupção e informações falsas divulgadas pela Petrobras inflaram artificialmente o valor de suas ações. Assim, a estatal, e não os controladores ou administradores, deve responder pela queda dos papéis.

Com esse entendimento, um tribunal da Câmara de Arbitragem Brasileira (CAM), da B3, condenou, no fim de maio, a petrolífera a ressarcir os fundos de pensão Petros (de funcionários da Petrobras) e Previ (de funcionários do Banco do Brasil) pela desvalorização das ações devido à operação "lava jato". A ação arbitral foi movida pelo escritório Carvalhosa Advogados em nome dos fundos de pensão.

A decisão da CAM de ordenar que a Petrobras indenize os acionistas contraria a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976). Os artigos 117 e 158 da norma preveem a responsabilização dos controladores e administradores por atos praticados com abuso de poder ou que gerem prejuízos.

Em comunicado emitido nesta segunda-feira (22/6), a Petrobras afirmou que a decisão não é definitiva. Além disso, informou que buscará anular a sentença no Judiciário, em "razão de suas graves falhas e impropriedades, atestadas inclusive por renomados juristas independentes".

Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 24 de junho de 2020, 16h03

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Lei 14.010/2020 - Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).

Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
DISPOSIÇÕES GERAIS 
Art. 1º Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se 20 de março de 2020, data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Art. 2º A suspensão da aplicação das normas referidas nesta Lei não implica sua revogação ou alteração. 
CAPÍTULO II
DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA 
Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.
§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.
§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). 
CAPÍTULO III
DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO 
Art. 4º  (VETADO).
Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.
Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial. 
CAPÍTULO IV
(VETADO)
Art. 6º (VETADO).
Art. 7º (VETADO). 
CAPÍTULO V
DAS RELAÇÕES DE CONSUMO 
Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. 
CAPÍTULO VI
DAS LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS 
Art. 9º  (VETADO). 
CAPÍTULO VII
DA USUCAPIÃO 
Art. 10. Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. 
CAPÍTULO VIII
DOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS 
Art. 11. (VETADO).
Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.
Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração. 
CAPÍTULO IX
DO REGIME CONCORRENCIAL 
Art. 14. Ficam sem eficácia os incisos XV e XVII do § 3º do art. 36 e o inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, em relação a todos os atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
§ 1º Na apreciação, pelo órgão competente, das demais infrações previstas no art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, caso praticadas a partir de 20 de março de 2020, e enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, deverão ser consideradas as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19).
§ 2º A suspensão da aplicação do inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, referida no caput, não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, na forma do art. 36 da Lei nº 12.529, de 2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19). 
CAPÍTULO X
DO DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES 
Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.
Art. 16. O prazo do art. 611 do Código de Processo Civil para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terá seu termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020.
Parágrafo único. O prazo de 12 (doze) meses do art. 611 do Código de Processo Civil, para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. 
CAPÍTULO XI
(VETADO) 
Art. 17. (VETADO).
Art. 18. (VETADO). 
CAPÍTULO XII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 19. (VETADO).
Art. 20. caput do art. 65 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso I-A:
“Art. 65. ......................................................................................................................
............................................................................................................................................
I-A – dia 1º de agosto de 2021, quanto aos arts. 52, 53 e 54;
....................................................................................................................................” (NR)
Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 
Brasília,  10  de  junho  de 2020; 199o da Independência e 132o da República. 
JAIR MESSIAS BOLSONARO
André Luiz de Almeida Mendonça
Paulo Guedes
Tarcisio Gomes de Freitas
Walter Souza Braga Netto
José Levi Mello do Amaral Júnior
Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.6.2020.
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terça-feira, 19 de maio de 2020

Aval


Aval - Um cônjuge que apenas autorizou o outro a prestar aval, nos termos do artigo 1.647 do Código Civil (outorga uxória), não é avalista, e por isso não há necessidade de ser citado como litisconsorte em ação de execução. Basta a simples intimação. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um homem que pedia a anulação de ação de execução contra ele, ao argumento de que não foi observada a formação de litisconsórcio necessário com a sua esposa. (STJ, 14.5.20. REsp 1475257
 

terça-feira, 12 de maio de 2020

Divergência acerca da aplicabilidade do CDC à relação entre acionista e sociedade anônima.


RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DIVIDENDOS. INVESTIDOR. ACIONISTA MINORITÁRIO. SUCESSORES. SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL ABERTO. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS. AÇÕES NEGOCIADAS. RELAÇÃO EMPRESARIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INVIABILIDADE.
 
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
 
2. Cinge-se a controvérsia a perquirir se incidentes na relação entre o investidor acionista e a sociedade anônima as regras protetivas do direito do consumidor a ensejar, em consequência, a inversão do ônus da prova do pagamento de dividendos pleiteado na via judicial.
 
3. Não é possível identificar na atividade de aquisição de ações nenhuma prestação de serviço por parte da instituição financeira, mas, sim, relação de cunho puramente societário e empresarial.
 
4. A não adequação aos conceitos legais de consumidor e fornecedor descaracteriza a relação jurídica de consumo, afastando-a, portanto, do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
 
5. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários.
 
6. Recurso especial de ITAÚ UNIBANCO S.A. provido a fim de julgar integralmente improcedentes os pedidos iniciais. Recurso especial de DIAIR REMONDI BORDON e outros não provido. Embargos de declaração de DIAIR REMONDI BORDON e outros rejeitados.
 
(REsp 1685098/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 07/05/2020)