quarta-feira, 14 de março de 2012

Fontes do Direito Comercial



No âmbito jurídico a palavra fonte possui diversos significados: como fontes históricas (Código de Hamurabi,Digesto); fontes de onde emanam normas jurídicas (Poder Legislativo). Contudo, a acepção que nos interessa é a de fontes formais, ou seja, meios pelos quais as normas jurídicas se exteriorizam.

A doutrina não é unânime na indicação das fontes formais do Direito. No entanto, o entendimento dominante é o que as reduz a duas: a lei e o costume. Alguns pensam que também o sejam a jurisprudência e os princípios gerais do Direito. Outros ainda incluem a doutrina e a equidade.

Mas, a jurisprudência não pode ser considerada fonte de Direito posto que sua finalidade não é a criação de normas e sim a interpretação e aplicação das leis. Assim também os princípios gerais de direito e a analogia que compreendem processos de interpretação da lei. E a doutrina, que embora transmita doutos ensinamentos, não cria normas jurídicas.

Em geral os autores costumam dividir as fontes do Direito Comercial brasileiro em dois tipos: primárias, principais, diretas ou imediatas, que são as leis comerciais; secundárias, subsidiárias, indiretas ou mediatas, que são as leis civis e os usos e costumes.

A legislação comercial é, com efeito, a fonte primária do Direito Mercantil. Nesse sentido já dispunham o art. 21 do Título único do Código Comercial e o art. 12 do Regulamento n. 737 quanto à obrigatoriedade da aplicação da legislação comercial por parte dos Tribunais ou Juízes. A legislação comercial compreende não apenas o Código Comercial, mas também as leis extravagantes que o modificaram ou o acresceram, conforme enumeramos no item 1.7.2.

Já as leis civis incluem-se entre a fontes secundárias do Direito Comercial, por isso que, sendo omissa lei comercial, o intérprete deve em primeiro lugar recorrer à legislação civil que, como norma subsidiária, passa a disciplinar a matéria do comércio (Regulamento n. 737, art. 2º). Entretanto, não há uma opinião unânime entre os autores quanto à inclusão das leis civis entre as fontes indiretas do Direito Comercial, a exemplo de Rocco, para quem a única fonte do Direito Comercial é a própria lei comercial.

Segundo Rocco, embora o Direito Civil se aplique em matéria comercial, isto não implica que dá ele lugar à formação de normas de Direito Comercial propriamente dito, mas simplesmente que, em alguns casos, disciplina também relações comerciais, por ser o Direito comum das relações privadas.

Para Rubens Requião, o Direito Civil não pode ser considerado fonte do Direito Comercial.
De acordo com o ilustre comercialista, o Direito Civil, como comum que é, aplica-se a todas as relações de Direito Privado sempre que não for afastado pelas regras de Direito especial, sem que, pelo fato, perca a sua natureza civil.

Existem, porém, casos em que a lei comercial invoca expressamente a lei civil, para determinar sua aplicação à matéria comercial, a exemplo dos arts. 121 e 428 do Código Comercial. Quando isto ocorre, disciplinando o Direito Civil contratos e obrigações mercantis, tem-se afirmado, como o faz Carvalho de Mendonça, acompanhado por Waldemar Ferreira, que a lei civil assim atuaria não como fonte subsidiária do Direito Comercial, mas como sua fonte direta. Na hipótese, diz-se que a lei civil deixa de ser norma subsidiária para integrar a lei comercial propriamente dita. Como Direito geral nele se há de buscar a norma que cobrirá a insuficiência em matéria do comércio, como pensa Dylson Doria.

De outro lado, embora sem a importância dos tempos medievais, onde o direito era basicamente consuetudinário, os usos e costumes ainda mantêm o seu tradicional prestígio, colocados que se acham entre as regras subsidiárias do Direito Comercial, ao lado da legislação civil.

Assim, os usos e costumes ocupam o segundo lugar entre as fontes subsidiárias do Direito Comercial, consoante prescreve o art. 2º do Regulamento n. 737.

A nossa lei estabeleceu a preferência da lei civil sobre os usos e costumes. Assim, havendo omissão da legislação comercial, o intérprete deve recorrer à lei civil e, só à falta desta, aos usos e costumes.

Não se trata, porém, como lembra Dylson Doria, de regra absoluta, pois casos há em que a própria lei comercial, para suprir-lhe a lacuna, manda aplicar os usos e costumes de preferência às leis civis. É o que dispõe o Regulamento n. 737, art. 22, in fine: "Os usos comerciais preferem às leis civis nas questões sociais e nos casos expressos no Código".

Também os usos e costumes preferem às leis civis, para sanar a lacuna da lei comercial, em matéria de sociedade mercantil (art. 291), na interpretação de contratos mercantis (arts. 130 e 131, n. 4), nas questões relativas a contratos de mandato mercantil (art. 154), de comissão mercantil (arts. 169, 176, 179 e 186), de compra e venda mercantil (arts. 199, 201 e 207, ri. 2), que são estes os casos expressos no Código.

Vale ressaltar que a nossa legislação comercial não distingue uso de costume. Assim é que, por exemplo, o Código Comercial usa indistintamente os vocábulos uso e costume, quando não se socorre de outras expressões, como uso e prática mercantil (art. 154), estilo e uso do comércio (art. 169), usos do comércio (art. 201), usos comerciais (art. 291). Entretanto essa distinção se faz tendo em conta que o uso é a simples repetição de fato da mesma espécie. Mas, se esse uso tem por objeto estabelecer relações jurídicas entre pessoas, transforma-se em costume.

Assim, Carvalho de Mendonça define os usos e costumes como sendo "as normas ou regras observadas uniforme, pública e constantemente pelos comerciantes de uma praça e por estes consideradas como juridicamente obrigatórias para, na falta de lei, regularem determinados negócios".

Dessa definição decorrem os dois elementos que os autores em geral têm apontado como necessários à formação do costume, vale dizer, para que o uso se transforme em costume: um material ou objetivo e outro psicológico ou subjetivo. O primeiro consiste na prática uniforme e constante de ato ou fato; o segundo se traduz na convicção de que esta prática corresponde a uma necessidade jurídica.

Para que adquiram cunho de legitimidade, porém, os usos e costumes devem reunir os seguintes requisitos especiais, consoante prescreve o Regulamento n. 737, art. 25: serem conforme aos princípios da boa fé e das máximas comerciais; não serem contrários às disposições do Código Comercial ou de lei comercial subsequente.
A proibição de serem os usos contrários aos princípios de boa fé e máximas comerciais tem um alcance de ordem moral, significando que não serão admitidos se, embora lícitos, não forem honestos. Por outro lado, vedando a possibilidade de serem os usos contrários à lei, o nosso Direito proscreve os usos "contra legem", só admitindo os que sejam "praeter legem".

Os usos e costumes podem ser classificados em dois grupos: usos propriamente ditos, também chamados usos legislativos ou de direito, que são os a que alude o art. 22 do Regulamento n. 737; usos interpretativos ou de fato, ou convencionais, como ainda são conhecidos, que são os que provêm da prática espontânea dos comerciantes em suas relações, decorrendo a sua eficácia da vontade presumida das partes que, por meio deles, se manifesta.
Na prática, nem sempre é fácil estabelecer a distinção entre tais espécies de usos comerciais. De uma maneira geral pode-se dizer que, se dois comerciantes em suas transações pagam as mercadorias em noventa dias após a entrega, a presunção é que, salvo cláusula expressa em contrário, pretendam agir sempre do mesmo modo, pelo que a qualquer deles não será dado alterar unilateralmente a cláusula contratual, assim fixada tacitamente, de acordo com aquele hábito. Nesse caso, diz-se que estamos diante de um uso convencional ou interpretativo. Mas, se esse mesmo uso se generaliza, a ele não se opondo qualquer disposição de lei, poderá transformar-se em uso comercial propriamente dito.

A distinção, apesar das dificuldades assinaladas, tem grande importância prática, pois enquanto o uso comercial propriamente dito, equivalendo à lei, obriga as partes, ainda que o ignorem, o uso interpretativo não prevalecerá se se prova que outra era a intenção dos contratantes.

Distinguem-se ainda os usos comerciais gerais dos locais, conforme vigorem em todo o território ou tenham a sua vigência restrita a determinada região ou praça.

Relativamente à matéria que regulam, os usos comerciais podem ser gerais ou especiais, consoante sirvam a todo ramo de comércio, ou se limitem a certa espécie deste.

Encarados em relação à posição que assumam em face da lei, os costumes classificam-se em três categorias: a) secundum legem, quando são mandados observar pela lei, para suprimento de lacuna que apresente; b) praeter legem, quando provêm da prática mercantil, e, na falta da lei, são aplicáveis para cobrir as suas lacunas; c) contra legem, quando são praticados em sentido contrário à lei.

Dando cumprimento a regra constitucional que inclui o registro do comércio entre as matérias da competência da União, a Lei Federal n. 8.934, de 18 de novembro de 1994, dispôs sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, estabelecendo, no art. 82, VI, que às Juntas Comerciais incumbe o assentamento dos usos e práticas mercantis.

Visto que o uso comercial se traduz numa regra de Direito, cumpre ao juiz aplicá-lo ainda que as partes não o tenham alegado. Contudo, pode acontecer que o juiz não o conheça, hipótese em que quem o invoca terá de provar a sua existência e vigência, como determina o Código de Processo Civil, art. 337: "A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim determinar o juiz".

Mas, se o uso já foi assentado, a sua prova far-se-á por meio de certidão extraída pela Junta Comercial; caso contrário, produzir-se-á por qualquer meio idôneo admitido em Direito.

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