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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

STJ aplica teoria da perda de uma chance e condena escritório de advocacia por desídia em ação

Por entender presentes os requisitos para a configuração da responsabilidade civil pela perda de uma chance, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu indenização por danos materiais contra um escritório de advocacia que, contratado para atuar em ação de prestação de contas, deixou o processo tramitar durante quase três anos sem qualquer intervenção, o que culminou na condenação dos clientes ao pagamento de quase R$ 1 milhão.

De acordo com o colegiado, a falha na prestação do serviço por parte dos advogados retirou dos clientes a chance real de obterem prestação jurisdicional que lhes fosse mais favorável. Para o cálculo da indenização por danos materiais – fixada em R$ 500 mil –, a turma levou em consideração fatores como o elevado grau de culpa do escritório e a probabilidade de sucesso na ação.

Com a decisão, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia entendido não ser o caso da aplicação da perda de uma chance, tampouco de ressarcimento dos clientes por danos materiais. O tribunal gaúcho fixou apenas indenização por danos morais de R$ 150 mil, mas a Terceira Turma do STJ afastou o dano extrapatrimonial por entender que não houve violação de direitos de personalidade no caso.

"Na hipótese sob julgamento, não se está diante de defesa tempestiva, porém deficiente, mas sim de total ausência de defesa. A chance de se defender e de ver mitigados os seus prejuízos, tomada como bem jurídico, é que foi subtraída dos autores. Nesse sentido, não há necessidade de apurar se o objetivo final – vitória na ação de prestação de contas – foi ou não tolhido por completo, pois o que importa ressaltar é que a chance de disputar, de exercer o direito de defesa, lhes foi subtraída", apontou a relatora, ministra Nancy Andrighi.

DECISÃO COMPLETA

sábado, 11 de junho de 2022

DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA INDIVIDUAL E PERSONALÍSSIMA. EXTENSÃO A TERCEIROS.

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DE ALIMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA INDIVIDUAL E PERSONALÍSSIMA. EXTENSÃO A TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES A PARTIR DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DE PESSOA DISTINTA DA PARTE, COMO A REPRESENTANTE LEGAL DE MENOR. VÍNCULO forte ENTRE DIFERENTES SUJEITOS DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DO MENOR. AUTOMÁTICO EXAME DO DIREITO À GRATUIDADE DE TITULARIDADE DO MENOR À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS PAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. TENSÃO ENTRE a natureza personalíssima do direito E incapacidade econômica do menor. PREVALÊNCIA Da regra do art. 99, §3º, do novo CPC. ACENTUADA PRESUNÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DO MENOR. CONTROLE JURISDICIONAL POSTERIOR. possibilidade. preservação do acesso à justiça e contraditório. relevância do direito material. 

Alimentos. imprescindibilidade da satisfação da dívida. risco grave e iminente aos credores menores. impossibilidade de restrição injustificada ao exercício do direito de ação. representante legal que exerce atividade profissional. valor da obrigação alimentar. irrelevância.

DECISÃO

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

DIREITO DO CONSUMIDOR - DANOS MATERIAIS E MORAIS. ASSALTO SEGUIDO DE SEQUESTRO-RELÂMPAGO EM ESTACIONAMENTO - RESPONSABILIDADE DO BANCO E INSTITUIÇÃO DE ENSINO


RECURSO ESPECIAL Nº 1.487.050 - RN (2013/0162449-7)

RELATOR:  MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE:    BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADO:       RUDOLF SCHAITL E OUTRO(S) - TO000163B
RECORRENTE:    APEC ASSOCIAÇÃO POTIGUAR DE EDUCAÇÃO E CULTURA
ADVOGADOS:      HINDENBERG FERNANDES DUTRA E OUTRO(S) - RN003838
                  LUCIANA MARIA DE MEDEIROS SILVA E OUTRO(S) - RN006293
                  JOSÉ AUGUSTO DELGADO E OUTRO(S) - RN007490
RECORRIDO:       EUSTÁQUIO JOSÉ ANDRADE DE LUCENA
ADVOGADO:       FELIPE MACEDO DANTAS E OUTRO(S) - RN006295
EMENTA


RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ASSALTO SEGUIDO DE SEQUESTRO-RELÂMPAGO EM ESTACIONAMENTO. VÍTIMA ABORDADA APÓS SE UTILIZAR DE CAIXA ELETRÔNICO. ESTACIONAMENTO QUE NÃO SE QUALIFICA COMO ATRATIVO DE CLIENTELA. AUSÊNCIA DE FALHA NO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE DAS RECORRENTES NÃO CONFIGURADA.

1. Tendo em vista a natureza da atividade explorada pelas instituições financeiras, transações que envolvem dinheiro em espécie, e os riscos inerentes a esse negócio, em regra, não se admite o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar seus clientes quando são vítimas de ações criminosas.

2. A responsabilidade das instituições financeiras pelos crimes cometidos contra seus clientes é objetiva sempre que o evento ocorrer no interior de suas agências, justamente por ser o local onde a atividade de risco é exercida, atraindo a ação de delinquentes.

3. As instituições financeiras também se responsabilizam pelos danos advindos de atuação criminosa quando ela ocorre em estacionamento disponibilizado como forma de captação de clientes, ainda que gratuito, por gerar legítima expectativa de segurança aos consumidores.

4. Nos casos em que o estacionamento representa mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso a todos, a instituição financeira não pode ser responsabilizada por crimes tais como roubos e sequestros, por relacionarem-se a fato de terceiro, excludente da responsabilidade (fortuito externo). (EREsp 1431606/SP, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI).

5. Na hipótese, não houve demonstração de falha na segurança interna da agência bancária (caixa eletrônico), que propiciasse a atuação dos criminosos fora das suas dependências. Portanto, não há falar em vício na prestação de serviços.

6. Somente será reconhecida relação de consumo com determinada instituição de ensino nos casos em que a outra parte for aluno seu, portanto os serviços prestados por esse específico fornecedor são de natureza educacional, dos quais são consumidores os alunos contratantes.

7. É certo que as instituições educacionais possuem o dever de zelar pela incolumidade física e psicológica de seus alunos durante o tempo em que se encontrem em suas dependências, submetidos às rotinas típicas da atividade discente. Não observada a segurança devida, o fornecedor de serviços, a Universidade, responderá pela reparação dos danos causados, por configurarem defeito relativo à prestação dos serviços.

8. No caso examinado, não bastasse a vítima dos danos não ser aluno da instituição, o serviço de estacionamento não era prestado pela instituição de ensino, tratando-se de área aberta, gratuita, de livre acesso a qualquer pessoa que desejasse utilizá-lo. Por essa razão, não seria mesmo possível à Universidade - nem constituía ônus que lhe pudesse ser atribuído em virtude da natureza da atividade ali desenvolvida -, impedir a atuação dos sequestradores, sendo inviável sua responsabilização pelo infortúnio.

9. Recursos especiais providos.




ACÓRDÃO



Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento aos recursos especiais do BANCO DO BRASIL S.A. e de APEC ASSOCIAÇÃO POTIGUAR DE EDUCAÇÃO E CULTURA, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 05 de novembro de 2019(Data do Julgamento)





MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

COMPRA ON-LINE. PRODUTO NUNCA ENTREGUE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SERVIÇOS BANCÁRIOS.

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS. FRAUDE. COMPRA ON-LINE. PRODUTO NUNCA ENTREGUE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA ENTRE PARTICULARES. COMPRA E VENDA ON-LINE. PARTICIPAÇÃO. AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO.


1. Ação ajuizada em 30/06/2015. Recurso especial interposto em 16/03/2018 e atribuído em 22/10/2018.


2. O propósito recursal consiste em determinar se o banco recorrido seria objetivamente responsável pelos danos suportados pelo recorrente, originados após ter sido vítima de suposto estelionato, perpetrado na internet, em que o recorrente adquiriu um bem que nunca recebeu.


3. Nos termos da Súmula 479/STJ, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".


4. O banco recorrido não pode ser considerado um fornecedor da relação de consumo que causou prejuízos à recorrente, pois não se verifica qualquer falha na prestação de seu serviço bancário, apenas por ter emitido o boleto utilizado para pagamento.


5. Não pertencendo à cadeia de fornecimento em questão, não há como responsabilizar o banco recorrido pelos produtos não recebidos.


Ademais, também não se pode considerar esse suposto estelionato como uma falha no dever de segurança dos serviços bancários prestados pelo recorrido.


6. Recurso especial não provido. (REsp 1786157/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 05/09/2019)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. TABAGISMO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INDÚSTRIA DO FUMO. NEXO DE CAUSALIDADE. LAUDO MÉDICO QUE IMPUTA AO TABAGISMO A CAUSA DA MORTE.


APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 
Apelação Cível
Nona Câmara Cível
Nº 70059502898 (Nº CNJ: 0142852-52.2014.8.21.7000)
Comarca de Caxias do Sul
CATARINA ONEIDE PACHECO
APELANTE
SOUZA CRUZ SA
APELADO

ACÓRDÃO
 Vistos, relatados e discutidos os autos.
 Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.
 Custas na forma da lei.
 Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Carlos Eduardo Richinitti e Des. Eduardo Kraemer.
 Porto Alegre, 18 de dezembro de 2018.
 
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO,
Presidente e Relator.

RELATÓRIO
Des. Eugênio Facchini Neto (PRESIDENTE E RELATOR)
 A fim de evitar tautologia, transcrevo relatório da sentença de fls. 1008/1009v:
 CATARINA ONEIDE PACHECO, qualificada nos autos, ingressou com AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra SOUZA CRUZ S/A, alegando que seu marido Davenir de Oliveira Alves, falecido em 23/04/2010, foi consumidor dos cigarros produzidos e fornecidos pela ré durante mais de trinta anos. Referiu que no ano de 2005 seu marido ajuizou ação cautelar de produção antecipada de provas (processo n. 010/1.05.0247595-4) em razão do estado debilitado de saúde em que se encontrava, sendo reconhecido através da perícia realizada pelo Dr. Dagoberto Fortuna, médico pneumologista, o nexo de causalidade entre a doença e a utilização do cigarro. Disse que os danos causados pelo cigarro foram progredindo silenciosamente com o passar do tempo, e quando detectada a causa dos problemas de saúde já não havia possibilidade de reversão do quadro apresentado. Argumentou que grande parcela da sociedade brasileira, assim como seu marido, é de origem humilde e possui pouca instrução, não compreendendo os riscos que o tabagismo pode causar à saúde, sendo que as restrições e obrigações impostas pela Lei n. 9.294/1996 chegaram tarde demais. Reproduziu informações veiculadas no site do INCA – Instituto Nacional do Câncer acerca dos riscos do consumo de cigarro. Afirmou que diante da evolução da doença causada pelo tabagismo seu marido não mais respirava voluntariamente, somente se deslocando com a ajuda de outras pessoas, diante da necessidade do transporte de botijões de oxigênio. Sustentou que o constrangimento sofrido, tanto pelo seu marido, como pela autora e sua família, são evidentes, sendo a ré responsável pela prática de ato ilícito, “seja consubstanciado na composição nociva da fórmula do produto, seja pelo defeito de informações quanto à nocividade e dependência”. Discorreu acerca do quantum indenizatório. Invocou o Código de Defesa do Consumidor. Requereu a procedência da ação, com a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, em valor não inferior a 3.200 (três mil e duzentos) salários mínimos nacionais. Postulou, por fim, a concessão do benefício da AJG. Acostou documentos.
 Foi deferido o benefício da AJG (fls. 186).
 Citada, a demandada Souza Cruz S/A apresentou contestação (fls. 193/266), arguindo prescrição. Discorreu acerca (I) da inexistência de defeito no produto; (II) da periculosidade inerente do cigarro; (III) da ausência de defeito de informação, diante do amplo e antigo conhecimento público de que fumar está associado a riscos, e ainda, da observância estrita do dever de informar, a partir da existência da obrigação legal; (IV) dos princípios da legalidade, irretroatividade e segurança jurídica; (V) da inexistência de violação ao princípio da boa-fé objetiva; (VI) da inexistência de publicidade enganosa ou abusiva; (VII) do livre arbítrio do fumante e da configuração da culpa exclusiva do consumidor, excludente de responsabilidade civil; (VIII)  da ausência de nexo causal entre o alegado consumo de cigarros da marca Souza Cruz e a doença do de cujus. Argumentou que, na hipótese de condenação, o valor da indenização deve ser arbitrado levando-se em conta os parâmetros reais do padrão de vida da autora, assim como a razoabilidade e os limites estabelecidos pela jurisprudência pátria. Sustentou que incumbe à autora o ônus da prova dos fatos alegados na inicial, uma vez que estão em discussão dados que dizem respeito exclusivamente a fatos da vida do Sr. Davenir, fatos esses que são de domínio da demandante, e não da ré. Requereu a improcedência da demanda. Acostou documentos (fls. 267/967).
 Houve réplica (fls. 969/977).
 Instadas as partes a se manifestarem acerca do interesse na produção de provas (fl. 978), a autora postulou a produção de prova oral (fl. 980), e a demandada requereu, caso o juízo não entenda pelo julgamento antecipado da lide, a produção de prova documental e oral (fls. 981/987).
 Em despacho saneador, foi afastada a arguição de prescrição e indeferidas as provas pleiteadas (fls. 988/989), interpondo as partes agravo retido (fls. 991/992, 997/1.005).

 Sobreveio parte dispositiva da sentença, proferida nos seguintes termos:
 Pelo exposto, julgo improcedente o pedido,  condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da ré, que fixo em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), acrescidos de correção monetária pelo IGP-M, a contar da publicação da sentença, e de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da sentença, na forma do artigo 20, § 4º, do CPC, ficando a exigibilidade suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita. 
 A autora interpõe apelo, cujas razões foram sintetizadas no acórdão de fls. 1076/1140:
 Nas razões recursais (fls. 1019/1033), a apelante postula, preliminarmente, a apreciação do agravo retido interposto da decisão que indeferiu a produção de prova oral. No mérito, assevera que a documentação juntada com a inicial fornece prova suficiente do nexo causal entre a insuficiência ventilatória – doença pulmonar obstrutiva crônica que ensejou o óbito do seu esposo e o uso continuado do cigarro. Afirma que o “de cujus” foi tabagista durante mais de 30 (trinta) anos e quando começou a fumar desconhecia os malefícios e a dependência provocados pelo consumo continuado do cigarro. Argumenta que ele adquiriu o hábito de fumar influenciado pela propaganda enganosa veiculada pela ré e pelas demais empresas fabricantes de cigarro, as quais sempre promoveram maciça propaganda incentivando o consumo do produto (cigarro) e o associando à ideia de sucesso pessoal e à vida saudável dos praticantes dos mais diversos esportes. Alega que essa propaganda massiva e continuada, levada a cabo ao longo de décadas, omitiu dos consumidores os malefícios do cigarro e a dependência química que esse produto provocava. Enfatiza que os comerciais e propagandas midiáticas do produto veiculados antes da entrada em vigor da Lei 10.167/00 não noticiavam os malefícios do cigarro, inobservando as regras protetivas do consumidor. Argumenta que há prova suficiente do nexo causal entre a doença que provocou o óbito do “de cujus” e o tabagismo. Finaliza requerendo o provimento do recurso para que seja julgada procedente a ação, invertendo-se os ônus da sucumbência. 
 Esta Câmara proferiu o resultado do acórdão nos seguintes termos:
 Por unanimidade, negaram provimento ao agravo retido da ré e, por maioria, vencido o relator, deram provimento ao agravo retido da autora para o fim de desconstituir a sentença, reabrindo a instrução, ficando prejudicado o apelo. 
 Interposto Recurso Especial (fls. 1166/1244) e Recurso Extraordinário (fls. 1384/1403) pela empresa ré, tendo sido admitido o primeiro e negado seguimento ao segundo (fls. 1423/1434).
 O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em voto de relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, deu parcial provimento ao Recurso Especial, assim proferido:
 Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, a fim de negar provimento ao agravo retido interposto pela autora, ora recorrida, visando à reabertura da instrução probatória, e, consequentemente, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento do recurso de apelação, como entender de direito. 
 Nesse interim, retornaram os autos conclusos para julgamento, tendo sido o processo redistribuído a este Relator, em razão da reclassificação do Relator primitivo, Des. Miguel A. da Silva, para outra Câmara.
 É o relatório.
VOTOS
Des. Eugênio Facchini Neto (PRESIDENTE E RELATOR)
 Colegas.
 O Desembargador Miguel Ângelo da Silva, então integrante desta 9ª Câmara Cível, proferiu voto de relator nesse processo no sentido de negar provimento ao agravo e ao apelo e manter a sentença de improcedência da demanda. Na composição anterior, minha divergência prevaleceu, no sentido de se acolher o agravo retido e se determinar a reabertura da instrução.
 Tendo o Colendo STJ dado provimento a Recurso Especial interposto pela ré e determinado o julgamento do feito no estado em que se encontra, sem reabertura da instrução, passa-se ao julgamento do feito com os elementos constantes dos autos.
 Trata-se de tema complexo, cuja matéria não se encontra pacificada nos tribunais pátrios, embora nos últimos anos tenha nitidamente prevalecido a tese da irresponsabilidade da indústria do fumo pelos danos causados por seu produto. Essa prevalência é nítida especialmente junto ao E. STJ. Todavia, não havendo entendimento sumulado a respeito,  nem tampouco julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, resta preservada a independência da convicção do julgador para apreciar o feito.
 Inicialmente, friso que o entendimento exposto por ocasião do julgamento anterior, provendo-se o agravo retido, era para permitir que a parte autora produzisse prova no sentido de demonstrar outros aspectos que seriam relevantes para um julgamento mais próximo à real situação fática – informações sobre desde quando a vítima fumou, a intensidade de seu vício, sua marca preferida,  já que questionado pela ré. Ainda que o Colendo STJ tenha determinado o julgamento no estado em que se encontra a lide, a ausência de tal prova não inviabiliza totalmente o acolhimento da demanda, apenas impondo a remessa do feito para liquidação de sentença, nos termos que serão indicados a final. 
 No caso, examinando detidamente os elementos constantes nos autos, convenci-me de que a pretensão da autora merece ser acolhida, na casuística, por restar demonstrado nos autos o nexo de causalidade entre a insuficiência respiratória que levou à morte seu marido e o uso do cigarro. 
 A certidão de óbito do falecido aponta como causa morte a “Insuficiência ventilatória. Doença pulmonar obstrutiva crônica. Tabagismo” (fl. 90 - grifei).
 Além disso, os atestados médicos particulares (fls. 91/92) comprovam que o “de cujus” tratava a doença pulmonar desde 1998. Informam, ainda, que o falecido fazia uso de 20 cigarros por dia, dos 20 aos 54 anos, apresentando com isso perda da capacidade respiratória. Além do mais, destacam que, desde 2002, se tratava com oxigenioterapia domiciliar, tendo em vista o severo grau da doença.
 A corroborar esses fatos, a perícia médica judicial, realizada nos autos da ação cautelar de produção de prova antecipada movida pelo “de cujus” (fls. 93/182), destaca que o periciado era portador de doença bronco-pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) grave, cujas condições são decorrentes do tabagismo em 70% a 80% dos casos, conforme literatura médica. Atesta também que a doença pulmonar obstrutiva crônica do marido da demandante decorre do tabagismo (resposta ao quesito 1.1.2, fl. 93).
 No laudo médico pericial complementar (fl. 182), o expert relata um estudo em que “foi identificado que 15,8% da população tem DPOC”. Dizendo que “também é verdade que 12,5% DOS INDIVÍDUOS DIAGNOSTICADOS COM DPOC nunca tinham fumado. Isso significa que, nesse estudo, 87,5% das pessoas com DPOC, haviam fumado. Nesse sentido, confirma-se a resposta deste perito ao quesito 1.1.11, quando este afirmou que mais de 80% dos casos de DPOC são causadas diretamente pelo tabagismo”.
 Tenho, assim, que concretamente, nestes autos, restou demonstrado o nexo de causalidade entre o tabagismo da vítima e o desenvolvimento de sua doença, com posterior óbito.
 Todavia, como essa questão é profundamente esgrimida na defesa da demandada, além de ser recorrentemente abordada nas decisões proferidas pelo Colendo STJ, é imperioso que me alongue um pouco mais sobre o tema, até para demonstrar respeito à orientação atualmente firmada por aquele Egrégio Tribunal Superior e evidenciar que não se trata pura e simplesmente de discordância e irresignação pessoal – que seria despropositada – mas de uma profunda convicção, fruto de muito estudo e reflexão, baseada em fontes dotadas de elevada autoridade.
 Diante da minha meditada e convicta discordância dos argumentos usualmente invocados para sustentar a improcedência de ações do gênero, peço vênia para expor meu pensamento a respeito dos temas usualmente tratados em demandas do gênero. 
 O pano de fundo.
 Assistindo-se a filmes realizados em meados do século XX, impressiona a quantidade de cenas em que os atores e atrizes, principais ou secundários, aparecem fumando. Por um lado, “a arte imita a vida”, pois efetivamente era muito difundido o hábito de fumar. Os filmes, portanto, simplesmente espelhavam a realidade. Por outro lado, sabendo a indústria do fumo que “a vida imita a arte”, durante décadas ela pagou para artistas e diretores introduzirem cenas de personagens fumando nos filmes, como forma de publicidade subliminar, buscando eficazmente influenciar condutas humanas. Essa sua estratégia está atualmente bastante documentada1.
 De qualquer sorte, fumava-se intensamente. Era simplesmente uma questão de gosto. Ninguém parecia se incomodar com o cigarro e sua fumaça. Poucos falavam dos riscos à saúde.
 Posteriormente a situação se inverteu: “o tabaco tornou-se o grande vilão e o inimigo principal da saúde pública2, além de fator de exclusão de meios sociais, sendo identificado com maus hábitos de higiene” 3.
 A partir do momento em que houve uma maior conscientização de tais males e, principalmente, a partir do momento em que os países do primeiro mundo passaram a proibir ou restringir a publicidade do cigarro4, a tendência começou a se inverter. Na sequência serão analisadas as diversas ondas de demandas envolvendo a responsabilidade civil da indústria do fumo, nos Estados Unidos, desde o êxito inicial das teses defensivas até o momento em que a maré começou a mudar, a partir de meados da década de noventa do século passado, com as primeiras ações, coletivas e individuais, sendo acolhidas. A cidadela da indústria do fumo finalmente mostrou-se vulnerável. 
 A difusão do tabagismo e a inicial invulnerabilidade da indústria do fumo. 
 A partir da década de cinquenta do século passado, quando a medicina passou a correlacionar o tabagismo com um número crescente de doenças, especialmente as pulmonares, algumas ações indenizatórias foram ajuizadas por fumantes, ou seus familiares, contra a indústria do fumo.
 A indústria do fumo, desde esta primeira onda de demandas indenizatórias, adotou uma estratégica básica, da qual jamais se afastou nas décadas posteriores, ao enfrentar novas ondas de demandas, nos Estados Unidos e em outros países: além de usar recursos ilimitados para vencer as demandas, jamais transigiram, jamais negociaram acordos, jamais reconheceram qualquer parcela de responsabilidade5. Somente no final da década de noventa é que passaram a fazer alguns acordos – tendência que se acentuou na primeira década do presente século.
 As teses sustentadas na defesa da indústria do fumo são substancialmente as seguintes:
 1. Ausência de provas concludentes e indiscutíveis de que a doença noticiada nos autos decorresse do hábito de fumar. Sendo o câncer uma doença multifatorial, não seria possível excluir a possibilidade de que a causa do tumor da vítima tivesse outra origem que não o fumo.6
 2. Livre-arbítrio: as pessoas teriam liberdade e autonomia para começar e para parar de fumar.
 3. Para as demandas brasileiras, alega-se também que o cigarro não seria produto ‘defeituoso’, nos termos do CDC (art. 12), pois se trata de periculosidade inerente e conhecida, inexistindo expectativa de segurança da parte do consumidor. Não haveria defeito de concepção, de fabricação, ou de informação.
 4. Inaplicabilidade do CDC a fatos ocorridos em décadas anteriores; assim, inexistia dever de informar antes da legislação impositiva de tal obrigação.
 Alega-se, também, que as indústrias do fumo pagam muitos tributos, desempenhando importante papel na economia. Todavia, também é certo que o custo econômico causado à previdência social somente em razão de tratamentos de doenças relacionadas ao fumo supera em muito o valor desse ingresso. De fato, dados de 2012 apontam que o Brasil gasta cerca de 21 bilhões de reais anuais em tratamento de doenças relacionadas ao cigarro7, o que representa valor cerca de 3,5 vezes superior à arrecadação de impostos incidentes sobre produtos do tabaco, segundo denunciou a Associação Médica Brasileira8. Portanto, para a sociedade civil como um todo, mesmo examinando-se apenas os aspectos econômicos envolvidos, a indústria do fumo é um peso (literalmente) morto, não um benefício. E isso sem falar dos dramas humanos envolvidos – com mortes lentas e dolorosas para os diretamente envolvidos e dor e sofrimento para os incontáveis parentes daqueles9.
 Como já foi dito, a equação supra está a revelar que a indústria do fumo privatiza os lucros e socializa os custos10, suportados, em grande parte, pelo Sistema Único de Saúde (e indiretamente por toda a sociedade).
 Esses custos, por óbvio, são percebidos em todos os países. Na Itália, por exemplo, há estudos comprovando que o fumante custa para o sistema de saúde pública: 80% mais do que um não-fumante para as doenças cardíacas; 1.000% a mais para tumores pulmonares; 25% a mais para o complexo dos demais tumores; 100% a mais para as doenças respiratórias crônicas; 10% a mais para as patologias obstétricas e neonatais. Tais cifras somadas representam um excesso global de custos sanitários relacionados ao fumo na ordem de 40%11, o que representaria 5 bilhões de euros. Além desse custo, estima-se uma perda de outros 10 bilhões de euros anuais, a título de custos sociais (perda de riqueza por doença e morte prematura)12
 A revelação dos malefícios tabaco-relacionados e a comprovação da má-fé da indústria do fumo. 
 Em meados do século XX pesquisadores começaram a relacionar o fumo a certas doenças – inicialmente, às pulmonares. A primeira publicação científica aprofundada, divulgada em revista mundialmente reconhecida, foi o artigo denominado “Smoking and Carcinoma in the Lung – Preliminary Report”, assinado pelos médicos e pesquisadores Richard Doll e A. Bradford Hill e publicado no conceituado British Medical Journal, em 30 de setembro de 1950. A partir de então, no mundo inteiro centros de pesquisas passaram a aprofundar pesquisas nesse setor, identificando um número cada vez maior de doenças tabaco-relacionadas. Impactante foi a publicação,  no Reader’s Digest (revista presente em boa parte das casas de classe média do mundo, à época), de reportagem intitulada “Câncer em Maços”, em 1953, divulgando as descobertas científicas que apontavam para os malefícios associados ao fumo. Posteriormente, em 1961, os editores do New England Journal of Medicine [que é a mais prestigiada publicação mundial no âmbito da medicina] afirmavam que.... ‘a maior parte das provas é estatística e demonstra uma forte associação entre o consumo intensivo de cigarro e o câncer de pulmão’.
 Em 1964, outra publicação de impacto foi o Relatório do Surgeon General dos Estados Unidos, de 1964, intitulado “Smoking and Health”, onde se afirmou claramente que “Cigarette smoking is causally related to lung cancer in men; the magnitude of the effect of cigarette smoking far outweighs all other factors. The risk of developing lung cancer increases with duration of smoking and the number of cigarettes smoked per day”13.
 Todavia, se a sociedade ficou impactada com a notícia – pela extensão dos reais e potenciais prejuízos à saúde de milhões de pessoas – mais impactada ainda ficou ao saber que a indústria do fumo não só já sabia desses malefícios (em razão de suas próprias pesquisas), como vinha ocultando as informações que tinha a respeito, chegando ao ponto de dolosamente manipulá-las, continuando a fazer publicidade de seus produtos, buscando assimilá-los, no inconsciente dos potenciais usuários, a maior desempenho intelectual, vigor físico, charme e masculinidade.
 De fato, as informações internas detidas pela indústria do fumo, dando conta de sua perfeita ciência, desde a década de 50, dos malefícios associados ao hábito de fumar, foram deliberadamente mantidas em sigilo e somente vieram a público por um ato ilícito praticado por um funcionário de uma grande firma de advogados que trabalhava para uma das indústrias fumageiras. Referido funcionário copiou ilegalmente, entre 1988 e 1992, 70.000 páginas de documentos internos dos fabricantes de tabaco. Tratava-se de milhares de páginas de memorandos, relatórios, cartas, cópias de atas, correspondente a um período de 30 anos de atividade da British American Tobacco e de sua subsidiária norte-americana, a Brown and Williamson Tobacco Corporation. Em 1994, ao ser demitido do emprego, remeteu o material para o Professor Stanton Glantz, médico especializado em doenças causadas pelo tabaco, pesquisador e conhecido ativista na luta contra o tabaco, nos EUA14. Tais documentos comprovavam que os fabricantes de cigarros já sabiam desde a década de 50 que a nicotina vicia15 e torna o fumante um dependente dessa droga psicoativa, reduzindo drasticamente sua força de vontade, já sabiam que o cigarro fazia mal, mas, apesar de tudo isso, continuavam a negar publicamente tal conhecimento.
 Ulteriormente, outro ex-funcionário da Brown and Williamson Tobacco Corporation, Merry Williams, igualmente repassou ao Prof. Stanton outra grande quantidade de documentos relevantes, que igualmente revelavam o quanto a indústria do fumo sabia dos malefícios causados por seus produtos. Tais documentos (popularizados pelo nome de The Cigarette Papers, que foi o nome dado ao livro publicado pelo Prof. Stanton e outros, pela University of Califórnia Press, em 1996) foram entregues pelo prof. Stanton ao SubComitê de Saúde e Ambiente do Congresso Norte-americano16.
 Referida documentação refletia dois gêneros de documentos: os científicos e os memorandos do alto escalão da indústria. O mais antigo dos textos científicos revelados é de fevereiro de 1953, oito meses antes de a pesquisa com os ratos pintados com nicotina ter sido apresentada pela primeira vez (trata-se da célebre pesquisa laboratorial que associou a nicotina ao câncer pela primeira vez). Assinado por Claude Teague, um pesquisador da fumageira R.J. Reynolds, o texto associa com câncer o uso de cigarros por períodos longos: “Estudos de dados clínicos tendem a confirmar a relação entre o uso prolongado de tabaco e a incidência de câncer no pulmão.” Logo em seguida, o pesquisador descreve quais seriam os agentes cancerígenos do cigarro: “compostos aromáticos plinucleares ocorrem nos produtos pirológicos [ou seja, que queimam] do tabaco. Benzopireno e N-benzopireno, ambos cancerígenos, foram identificados”. 17
 À medida que as descobertas científicas relativas aos efeitos do tabagismo tornaram-se consenso científico e passaram a ser divulgadas, as pessoas começaram a se conscientizar de que as doenças que desenvolveram estavam relacionadas ao vício do tabagismo e que lhes fora negada a informação disponível a respeito. Quando isso aconteceu, ações judiciais foram ajuizadas desde a década de cinquenta, nos Estados Unidos.
 Assim, desde a década de cinquenta a ciência reiteradamente vem comprovando o caráter extremamente tóxico do cigarro, constantemente ampliando o leque de doenças tabaco-relacionadas. Afirma que não há níveis seguros de consumo de cigarro, salientando também o grande problema do emprego da nicotina, pelo seu poder escravizante do consumidor. Aliás, a Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco, primeiro tratado internacional de saúde pública, elaborada sob patrocínio da OMS/ONU em 2003, objeto de adesão de praticamente todos os países do mundo, ratificada pelo Brasil em 2005 e incorporada ao direito positivo brasileiro através do Dec. nº 5.658, de 2 de janeiro de 2006, entre seus considerandos inclui os seguintes:
 “(....) Reconhecendo que a ciência demonstrou de maneira inequívoca que o consumo e a exposição à fumaça do tabaco são causas de mortalidade, morbidade e incapacidade e que as doenças relacionadas ao tabaco não se revelam imediatamente após o início da exposição à fumaça do tabaco e ao consumo de qualquer produto derivado do tabaco; 
 Reconhecendo ademais que os cigarros e outros produtos contendo tabaco são elaborados de maneira sofisticada de modo a criar e a manter a dependência, que muitos de seus compostos e a fumaça que produzem são farmacologicamente ativos, tóxicos, mutagênicos, e cancerígenos, e que a dependência ao tabaco é classificada separadamente como uma enfermidade pelas principais classificações internacionais de doenças; (...)”
 
 Exatamente em razão desses achados científicos, “é nítido o deslocamento do tabaco para o status de um objeto qualificado pela rejeição social e macroeconômica, o que naturalmente o macula no campo jurídico”18.
 Segundo dados incontroversos de 2011, informados pela OMS – Organização Mundial da Saúde -, morrem mais de 6 milhões de pessoas vítimas do tabagismo, sendo mais de 200 mil delas no Brasil. O século XX viu cem milhões de pessoas morrerem desta causa, mais do que mataram todas as guerras daquele século somadas”, sendo que “das oito principais causas de morte no mundo, seis estão ligadas ao uso do tabaco”19.
 Lamentavelmente, os efeitos deletérios do tabagismo tornam-se cada vez mais amplos. Dados atualizados da Organização Mundial da Saúde, divulgados em 2017, referem que o número de mortes anuais relacionadas ao tabaco subiu para 7 milhões, estimando-se em 1 bilhão de mortes por tabagismo no planeta ao longo do século 21. No mesmo relatório, estima-se em 1,4 trilhões de dólares os gastos governamentais e privados com saúde e perda de produtividade em razão do tabaco. Atualmente, segundo a mesma fonte, metade das pessoas fumantes morrerão por causas relacionadas ao tabaco20.21
 Vários produtos também são nocivos à saúde, como é curial. Todavia, além dos gravíssimos – e, em várias hipóteses, mortais – efeitos relacionados ao uso do tabaco, há outras duas características que o distinguem dos demais: o tabaco contém elementos desencadeadores de dependência química e seu uso causa danos imediatos àqueles que estão próximos aos consumidores de tabaco, ou seja, o dano causado à saúde do fumante passivo22.23 Por outro lado, ao contrário de alguns outros vícios nefastos à saúde, como o alcoolismo, pode-se consumir moderada e ocasionalmente o álcool (o chamado “consumo social”) sem risco de se tornar um alcoolista e sem prejuízos de algum relevo à saúde. Já o cigarro, graças à nicotina, inevitavelmente vicia o consumidor, não havendo níveis seguros de consumo. Salvo o caso patológico do alcoolista, doente que raramente consegue abandonar o vício sem auxílio externo, quem bebe socialmente pode passar longos períodos sem nada ingerir, não sentindo qualquer compulsão a fazê-lo. Já o viciado no tabagismo tem extrema dificuldade de abandonar o vício.
 Assim, com todas as informações que foram trazidas à luz do dia nas últimas décadas, não havia como, do ponto de vista lógico-jurídico, sustentar-se por muito mais tempo a invulnerabilidade da indústria do fumo. De fato, censurar um comportamento que configura, do ponto de vista do consumidor, uma atividade ‘normal’, ‘razoável’, ‘previsível’ e de acordo com o conhecimento que se extrai da experiência comum sobre a forma e intensidade de utilização daquele produto (o cigarro), representa uma escolha que flagrantemente subverte os princípios sobre os quais se apoiam tanto as regras comuns de responsabilidade como as normas peculiares da responsabilidade do produtor. Com isso, corre-se o risco de deitar por terra as garantias previstas pelo ordenamento ao sujeito débil da relação – o consumidor.24 
 As diversas “ondas” de ações indenizatórias nos Estados Unidos. 
 É comum, nos Estados Unidos, fazer-se referência às diversas ‘ondas’ de demandas que, a partir da década de cinquenta, passaram a ser ajuizadas, numa tentativa de reuni-las ou pelos resultados alcançados, ou então pelo tipo de argumentação invocado a sustento das pretensões.
 A referência às ondas de demandas foi feita pela primeira vez por Gary T. Schwartz25, um dos maiores juristas especializados em responsabilidade civil nos EUA, em artigo seminal denominado “Tobacco Liability in the Courts”, publicado em 1993, que indicou uma primeira onda no período de 1954 a 1982, uma segunda de 1983 a 1991 e uma terceira onda a partir de então.
 Todavia, na página oficial do Tobacco Control Legal Consortium26, embora também se faça referência às ondas de demandas, usa-se outra periodização: a primeira onda de ações, segundo tal impostação, teria ocorrido nas décadas de cinquenta e sessenta. Na década de setenta e início dos anos oitenta, algumas ações foram ajuizadas, mas nenhuma chegou ao final, razão pela qual se tem como início da segunda onda o ano de 1984, prolongando-se até 1995. A partir de então teria início a terceira onda.
 As duas primeiras não foram bem sucedidas, mas a terceira onda representou a mudança da maré. Farei referência apenas a esta última.
 Como referi, somente por ocasião da terceira onda de demandas judiciais, iniciada por volta de 1994, a maré começou a mudar. A terceira onda envolveu também ações coletivas (class actions) e ações de ressarcimento de gastos com saúde, movidas pelos Estados-membros. Os fundamentos foram ampliados, abrangendo alegação de fraude, falsidade, conspiração, legislação antitrust, violação de normas consumeristas e enriquecimento indevido. Os acordos bilionários então celebrados incentivaram a propositura de inúmeras ações, individuais e coletivas.
 Decisivo para a deflagração de tais demandas foi a publicização de documentos internos da indústria do fumo e as audiências públicas do Congresso Norte-americano, em 1994, durante a Wasman Committee. Com base em tais elementos, afastaram-se todas as eventuais dúvidas no sentido de que não só efetivamente o cigarro causa enormes danos à saúde dos seus consumidores – o que cientificamente já se sabia desde a década de cinquenta -, como também a indústria do fumo não só tinha pleno conhecimento disto, mas que havia tentado, durante décadas, ocultar tais fatos. Igualmente ficou demonstrado que a indústria do fumo tinha conhecimento de todos os males associados ao tabagismo, mas mesmo assim manipulava e dissimulava informações, além de usar agressivas técnicas para ampliar o número de seus consumidores, especialmente junto ao público jovem.
 O mais famoso foi o acordo bilionário celebrado em 199827, embora tenha havido também várias ações individuais bem sucedidas ajuizadas nessa última onda28.
 Um dos primeiros casos individuais vencedores foi Milton Horowitz
v Lorillard (por vezes denominado de Micronite case), ajuizado em 1994 na justiça estadual da Califórnia. Milton Horowitz era um psicólogo clínico que contraiu um câncer raro e fatal (mesothelioma), causado pela absorção de asbestos (amianto). Ele havia fumado cigarros Kent de 1952 a 1956. Referido cigarro estava equipado com o famoso “micronite filter”, que continha ‘blue asbestos’ (ou crocodilite asbestos), a mais carcinogênica variedade de amianto. Alegou-se – e isso ficou demonstrado – que a demandada anunciava que o filtro fornecia proteção aos fumantes, mas já sabia que aquele tipo de filtro liberava partículas de asbestos e que isso era prejudicial à saúde. Como resultado desta demanda, em 30 de dezembro a ré pagou à família do falecido Milton Horowitz a quantia de U$1,5 milhões de dólares. Foi a primeira vez que uma indústria do fumo teve que pagar pelos danos causados pelo seu produto. 29
 O caso seguinte foi Grady Carter v Brown & Williamson, ajuizado em 1995 junto à corte estadual da Florida. Carter padecera de câncer de pulmão e enfisema pulmonar. Em 1996 houve o julgamento, com a condenação da ré ao pagamento de U$750 mil dólares. Depois de alguns recursos, em 2001 a empresa fumageira pagou um total de U$ 1,09 milhões de dólares. 30
 De enorme importância foi o caso Minnesota and Blue Cross Blue Shield vs Philip Morris et al, ajuizado em 1994. Após quatro anos de intensa batalha judicial naquele que é considerado o maior caso forense do Estado de Minnesota, com centenas de incidentes processuais, doze apelações e duas idas à Suprema Corte dos Estados Unidos, em maio de 1998, as fabricantes de cigarro resolveram fazer um acordo bilionário, de U$6,1 bilhões de dólares, além de 200 milhões de dólares que seriam pagos anualmente ao Estado de Minnesota, de forma perpétua, para ressarcimento das despesas na área da saúde. Além dessa enorme cifra, comprometeram-se a cessar toda a publicidade direcionada a crianças e a tornar público milhões de páginas de documentos até então secretos, encerrar as atividades do Council for Tobacco Research (órgão de pesquisa e propaganda da indústria do fumo), bem como cessar os pagamentos secretos feitos a diretores e artistas para usar cigarros em cenas de filmes. Comprometeram-se, também, a destinar 200 milhões de dólares para ajudar os fumantes que desejassem parar de fumar. Os documentos revelados por conta desse acordo foram encaminhados ao Minnesota Document Depository, que desde então alberga mais de 27 milhões de páginas de documentos sigilosos das empresas de fumo, memorandos, cartas, relatórios científicos e materiais conexos31.
 O caso Patricia Henley v Philip Morris foi ajuizado em 1998, em San Francisco, Califórnia. Em 1999 o júri concedeu à autora $1,5 milhões de dólares a título de danos compensatórios e $50 milhões de dólares por punitive damages, que o juiz condutor do caso reduziu para $25 milhões de dólares. A partir daí houve uma sucessão de recursos, esgotados os quais foi fixado o valor da condenação em $9 milhões a título de punitive damages. 32
 O caso Mayola Williams for Jesse, deceased v Philip Morris foi ajuizado em 1999, na justiça estadual de Oregon, mas acabou chegando duas vezes até a Suprema Corte dos Estados Unidos. Após uma sucessão de recursos, o valor final da condenação ficou em $79,5 milhões de dólares33.
 Outro caso importante foi Richard Boeken
v  Philip Morris, ajuizado em 2001 em Los Angeles. A viúva de Boeken, que morrera aos 57 anos, em 2002, ganhou a maior indenização concedida a um fumante, até aquele momento. O júri reconheceu a ela a expressiva quantia de U$5.539.127 a título de indenização compensatória e 3 bilhões de dólares a título de punitive damages. O Juiz que presidiu o júri reduziu os punitive damages para 100 milhões de dólares, ainda em 2001. Em 2003 a Corte de Apelações da Califórnia reduziu a indenização total para 50 milhões de dólares. Em 20 de março de 2006 a Suprema Corte dos Estados Unidos manteve a indenização. Em 2011, o filho de Boeken ajuizou uma ação sua contra a Philip Morris por “loss of his father’s love, affection, guidance and training”, vindo a receber uma indenização adicional de U$12,8 milhões.34
 Em 2001 é ajuizado o caso Bette Bullock v Philip Morris em Los Angeles, California. A senhora Bullock sempre fumara Benson & Hedges, da Philip Morris e ajuizou a ação quando soube que estava com câncer de pulmão, tendo seus médicos dito que a causa era o cigarro.  Em 2002 o júri condenou a ré ao pagamento de $850 mil dólares e $28 bilhões a título de punitive damages. Esse valor foi tido como excessivo pela instância recursal, que determinou novo julgamento. Em 2009 realizou-se o novo julgamento, quando então os punitive damages foram fixados em $13,8 milhões. Em 2011 a Corte de Apelações manteve o valor. Afirmou-se na decisão que  ““Philip Morris’ conduct was reprehensible and that a substantial award of punitive damages is necessary to have a deterrent effect upon the defendant.”35
 Uma class action foi ajuizada em 1996 contra diversos fabricantes de cigarro, em proveito dos fumantes do Estado de Louisiana. Trata-se do caso Gloria Scott
v American Tobacco, R.J. Reynolds, Brown & Williamson, Philip Morris, Lorillard, United States Tobacco, and the Tobacco Institute. 
Quem representava a classe era Gloria Scott, fumante que for a diagnosticada com câncer de pulmão e obstrução pulmonar crônica. Através de ação, pretendia-se a condenação da demandada a custear programas para desintoxicação e cessação do vício. Após uma série de recursos, bem como depois da superveniência da morte de Gloria, a Corte de Apelações de Louisiana condenou os réus ao pagamento de U$241.540.488,00. A Suprema Corte de Louisiana confirmou a condenação. Em 2008 foi ordenado o pagamento.
 Importância paradigmática teve o caso Howard Engle v Philip Morris et al, uma class action ajuizada também em Dade County, Florida, em 199436. Referida class action foi movida em proveito de todos os residentes do Estado da Flórida (ou seus familiares, acaso falecidos) que tivessem sofrido doenças relacionados ao tabaco. Estimava-se que beneficiasse cerca de 700.000 pessoas. Dr. Howard Engle, um médico pediatra, representava a classe. Ele havia fumado desde a Faculdade e não tinha conseguido deixar o vício, apesar das múltiplas tentativas. Mesmo após ter contraído enfisema pulmonar, continuou fumando, até falecer. Tratou-se do mais longo julgamento pelo júri na história forense norte-americana (18 meses!), resultando na condenação de 145 bilhões de dólares contra a indústria do fumo. Todavia, após anos de litígio, a Supreme Court da Florida, em 2006, decertified a class action (ou seja, afirmou que o caso não podia seguir na forma de ação coletiva). Ao mesmo tempo, porém, aquela Suprema Corte permitiu que ações individuais pudessem ser ajuizadas, com base nos elementos probatórios obtidos naquela class action, ou seja, dando-se como comprovado o nexo causal entre o fumo e determinadas doenças, bem como sobre o poder viciante da nicotina, dentre outras coisas. Tais ações deveriam ser ajuizadas até 2008. Centenas de ações foram então ajuizadas – chamadas de Engle progeny.
 Dentre as comprovações fáticas que a justiça da Florida aceitou como inequívocas, dispensando a prova a respeito nas ações individuais que seriam posteriormente ajuizadas, enumeram-se as seguintes: a nicotina é viciante; fumo causa câncer de bexiga, câncer cervical, câncer de esôfago, câncer de rim, câncer de laringe, câncer de pulmão (especificamente, adenocarcinoma, carcinoma de células grandes, carcinoma de células pequenas e carcinoma de células escamosas), câncer de boca / língua, câncer de pâncreas, câncer de faringe, câncer de estômago, complicações da gravidez, doença vascular periférica, aneurisma de aorta, doença cerebrovascular, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doenças coronarianas. Também deu-se como provado que as demandadas (indústria do fumo) combinaram entre si para omitir informações relativas aos efeitos do cigarro na saúde das pessoas, ou o poder viciante do cigarro, com a intenção de fazer com que os fumantes e o público confiassem em suas informações, em detrimento de sua própria saúde. 37
 Relativamente aos chamados Engle Progeny Cases, ações individuais movidas com base nos achados probatórios da class action movida por Howard Engle contra a Philip Morris et al, as demandas começaram a ser julgadas a partir de 2009. Até 2014, 185 casos haviam sido julgados, a maioria de forma favorável aos autores. Em 2015 a indústria do fumo (Philip Morris, R.J. Reynolds e Lorillard) resolveu fazer um acordo envolvendo todos os casos que tramitavam na justiça federal, no valor total de $100 milhões de dólares. Aproximadamente 3.200 demandas individuais ainda estão em andamento junto à justiça estadual da Florida38, de um total de mais de 8.000 ações que foram ajuizadas nas justiças federal e estadual da Florida, segundo informações colhidas no jornal do equivalente à OAB da Florida (Florida Bar)39.
 Apesar de enfadonha a listagem dos casos envolvendo condenação da indústria do fumo, nos Estados Unidos, isso se faz necessário, ante o repetido – mas não mais verdadeiro – discurso de seus advogados, no sentido de que sempre colecionaram vitórias, passando ao julgador a sensação de que haveria consenso no sentido de não ter ela qualquer responsabilidade pelos danos que inequivocamente causa.  É realmente verdadeiro que durante os primeiros quarenta anos de litígio, colecionou ela vitórias. Todavia, a maré mudou e atualmente vem sendo a indústria do fumo reiteradamente condenada nas demandas, coletivas e individuais, que vem sendo propostas. 
 Ações de resssarcimento movidas pelos Estados-membros. O Master Settlement Agreement. 
 Antes de ir adiante, convém referir o resultado de ações movidas por entes públicos norte-americanos, pela sua importância fundamental na promoção da mudança do entendimento jurisprudencial a respeito do tema.
 Em maio de 1994 o Estado do Mississipi moveu uma ação contra a indústria do fumo, visando recobrar-se das despesas públicas com doenças derivadas do tabaco, além de outros prejuízos relacionados ao fumo. Alegou-se um amplo leque de acusações de práticas fraudulentas e enganosas por parte da indústria do fumo, que induziam os cidadãos a fumar, viciava-os e causavam-lhe inúmeros danos à saúde, sendo que boa parte dos custos econômicos com o tratamento dos cidadãos de Mississipi eram suportados pelo sistema estadual de saúde (Medicaid). Eram esses custos cujo ressarcimento estava sendo pleiteado.
 Tal iniciativa foi seguida imediatamente pelos Estados da Florida, Texas e Minnesota, e pouco depois, por todos os demais Estados. Em 1997 a indústria do fumo resolveu fazer um acordo com os quatro primeiros Estados, em valores bilionários. No ano seguinte (1998), o acordo envolveu todos os 46 Estados restantes40. Tratava-se do importantíssimo Master Settlement Agreement – MSA41.
 Este célebre acordo (MSA) foi celebrado para encerrar as demandas promovidas por mais de quarenta Estados norte-americanos contra as quatro maiores indústrias fumageiras norte-americanas - Philip Morris Inc.R. J. ReynoldsBrown & Williamson e Lorillard.42 Posteriormente outras três indústrias também foram acionadas e os restantes Estados igualmente passaram a fazer parte de um grande acordo global que pôs fim a todas essas demandas. Quatro Estados fizeram acordos separados (Mississipi, Florida, Texas e Minnesota), recebendo um total de 35 bilhões de dólares de ressarcimento, ao passo que os outros 46 Estados norte-americanos fizeram um acordo conjunto com as sete indústrias do fumo, para obter destas o ressarcimento dos gastos públicos com doenças relacionadas ao tabaco. Como parte do acordo, as indústrias concordaram em abandonar algumas práticas de marketing de cigarro, admitiram dissolver algumas entidades financiadas por elas -  a Tobacco Institute, o Center for Indoor Air Research, e o Council for Tobacco Research – bem como a pagar  de forma perpétua aos Estados um valor anual ressarcitório de despesas com doenças relacionadas ao tabaco, sendo que nos primeiros 25 anos seria paga – como vem sendo - a quantia de 246 bilhões de dólares a título de indenização, findos os quais seguiriam pagando 10 bilhões de dólares ao ano. O Congresso norte-americano, ainda em 1998, majorou esse valor para 516 bilhões de dólares43.44
 Os números podem impressionar. Todavia, se considerarmos os lucros anuais bilionários da indústria de tabaco, percebe-se que o pagamento de tais indenizações não representou grande fardo para as empresas45
 A União entra na luta – o caso United States v. Philip Morris et al. 
 A divulgação dos documentos por força de acordo celebrado no aludido Master Settlement Agreement, bem como a publicização de outros documentos internos das fabricantes de cigarro, pelas razões antes referidas, demonstrando a prática de uma série de crimes e outros ilícitos por parte da indústria do fumo, motivou a propositura de uma importante ação judicial, movida pelos Estados Unidos contra as 11 indústrias fumageiras em atividade nos Estados Unidos. Tratava-se do caso United States v. Philip Morris et al.46 A ação foi proposta em 1999, em Washington, D.C., julgada em primeiro grau em 2006. Em 22 de maio de 2009 a apelação foi julgada pelo District of Columbia Circuit, que manteve integralmente a sentença. Segundo Eubanks e Glantz, a corte federal de apelações  “inequivocamente colocou as companhias de tabaco no mesmo barco das demais organizações de crime organizado”47. Em 28 de junho de 2010 a Suprema Corte denegou o writ of certiorari, negando-se a reexaminar a causa, consolidando definitivamente a decisão.
 Esta histórica decisão, proferida pela juíza federal Gladys Kessler, em uma sentença com 1.682 páginas48, não deixou pedra sobre pedra. Analisando minuciosamente todas as dezenas de milhares de documentos que instruíram os autos, as centenas de depoimentos colhidos, bem como discriminando a atuação de cada uma das onze fabricantes de cigarro, concluiu a magistrada que “a indústria está por trás da epidemia tabagista e atua em conjunto e coordenadamente para enganar a opinião pública, governo, comunidade de saúde e consumidores.”
 A demanda alegava que a indústria do fumo havia violado o Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act (RICO) (importante lei norte-americana, de 1970, que busca combater o crime organizado), ao se engajar em antiga, contínua e ilegal conspiração para enganar o povo americano a respeito dos efeitos maléficos associados ao cigarro, além de outras condutas penalmente reprováveis, ao ludibriar a população sobre os danos do tabaco à saúde e ao meio ambiente, além da manipulação da fórmula do cigarro para torná-lo ainda mais viciante.
 Até mesmo para divulgar entre nós as conclusões irrefutáveis dessa magistrada – em decisão transitada em julgado -, convém sintetizar algumas das mais importantes afirmações contidas na monumental sentença. O que convém desde logo ressaltar é que não se trata de uma opinião ou de uma convicção pessoal – trata-se de uma decisão apoiada em literalmente dezenas de milhares de documentos e centenas de depoimentos técnicos, recorrentemente citados na referida decisão.
 No tópico da sentença destinada a avaliar os danos derivados do tabagismo, a juíza Kessler explica como as provas demonstram que os réus sabiam, há mais de cinquenta anos, que o cigarro causa doenças, mas sempre negaram seus efeitos danosos para a saúde. Descreve ela, ainda, como os réus durante todo esse tempo empreenderam esforços no sentido de atacar e desacreditar as provas científicas da ligação entre tabagismo e doenças.
 No item 594 da sentença, refere-se que “documentos internos revelam que o conhecimento dos réus sobre os danos potenciais causados pelo tabagismo contrastava bastante com suas negativas públicas sobre o assunto”. “Em 1962, [Alan] Rodgman [cientista da indústria fumageira R. J. Reynolds] admitiu, em seu parecer interno, que ‘os resultados de 34 diferentes estudos estatísticos mostram que fumar cigarros aumenta o risco de desenvolver câncer de pulmão’.” (item 603).
 A partir daí a juíza federal demonstra como, durante a década de 1950, os réus iniciaram uma campanha conjunta para, de má fé, negar e deturpar a existência de uma relação entre o tabagismo e doenças, ainda que seus documentos internos reconhecessem essa existência. 
 No item V.A.5 (fls. 278 e 279 da sentença), a Juíza Kessler afirma que “a. Após a publicação do Relatório de 1964, a comunidade científica continuou a documentar a relação entre o fumo e uma variedade de sérias consequências para a saúde”, e que “b. Documentos internos e estudos compreendidos pelos réus nas décadas de 1960, 1970 e posteriores revelam seu reconhecimento consistente de que fumar causa sérios malefícios à saúde, bem como o medo do impacto de tal conhecimento em litígios judiciais”, razão pela qual chegou à conclusão de que “c. A despeito de seu conhecimento interno, os réus continuaram, após 1964, a desonestamente negar e distorcer os sérios danos à saúde causados pelo tabagismo”.
 Outro estratagema usado pela indústria do fumo consistiu em criar revistas pseudocientíficas, nas quais a indústria do tabaco patrocinou a publicação de artigos que nunca teriam passado pelo crivo dos comitês de leitura das revistas científicas sérias, e em organizar congressos para os quais convidava cientistas simpáticos à sua causa, cujas opiniões eram em seguida impressas nos ‘anais do congresso’. Todas essas estratégias serviam à constituição de uma série de referências que, ainda que desprovidas de valor científico, tinham como finalidade contradizer as pesquisas sérias49.
 O impacto desta decisão, com a revelação, fundada em provas documentais inequívocas e referendadas por outras fontes probatórias, da conduta criminosa das fabricantes de cigarro e dos incontroversos efeitos extraordinariamente lesivos do cigarro, representou mais um forte elemento para reforçar a mudança da maré, não só nos Estados Unidos como também fora de lá, como é o caso, exemplificativamente, do Canadá e na Itália.50
 Passa-se, agora, a analisar os argumentos invocados pela demanda para o rechaço da demanda. 
 Argumentos comumentes invocados pela indústria fumageira e normalmente acolhidos pela jurisprudência, especialmente do STJ, e que nesta demanda igualmente foram invocados. 
 Como afirmado anteriormente, a indústria do fumo vem sendo acionada judicialmente desde a década de cinquenta do século passado. Vencedora absoluta nas primeiras quatro décadas, acumulou notável know-how, testando e descartando argumentos de defesa, até identificar aqueles mais eficazes e que são mais comumente acolhidos judicialmente.
 Dentre os argumentos mais invocados, dois se sobressaem: um deles diz respeito à ausência de prova da presença de um nexo causal inequívoco entre o ato de fumar e a doença contraída pela vítima, já que quase todas as patologias são multifatoriais e, portanto, poderiam ter se desenvolvido por outras causas que não o vício do cigarro; o outro argumento diz respeito ao livre-arbítrio. Esse segundo argumento é simples: as pessoas são livres e fumam porque querem, mesmo sabendo que o cigarro faz mal. Portanto, como todo ato de liberdade atrai a conexa responsabilidade, não haveria como transferir à indústria do fumo os males que alguém tenha contraído consciente e voluntariamente. passaremos em breve revista ambos os temas, iniciando pela questão do nexo de causalidade.
 Examino esses dois temas principais de forma separada, a seguir. 
 A questão do nexo de causalidade
 Nas demandas em que é demandada, a indústria do fumo costuma alegar a inexistência de nexo de causalidade adequada, ou direta e imediata51, entre o vício de fumar e a patologia desenvolvida pelo fumante.
 O argumento da indústria do fumo é singelo: sendo multifatoriais quase todas as doenças tabaco-relacionadas, haveria necessidade de demonstrar, em cada demanda, que a patologia desenvolvida por aquele particular fumante está relacionada ao fumo e somente a ele, com exclusão de todos os demais fatores que igualmente poderiam ter levado ao desenvolvimento daquela doença. Como essa prova praticamente nunca poderá ser obtida, o sucesso da tese estaria garantido. O acolhimento irrestrito da tese leva a um absurdo lógico: levando-se a sério as conclusões da ciência médica que demonstram que determinadas doenças (especialmente as pulmonares) estão necessariamente vinculadas ao vício do fumo num percentual que por vezes se situa entre 80 e 90% dos casos, conclui-se coerentemente que de cada cem portadores de tais doenças e que também sejam fumantes, entre 80 e 90 indivíduos a contraíram em razão do hábito de fumar. A contrario sensu, os outros 10 a 20 indivíduos desenvolveram a doença em razão de outros fatores, que não o tabagismo. É quase impossível afirmar-se, categoricamente, quais dessas cem pessoas se encontram num grupo ou no outro. Isso não abala, porém, a certeza científica de que abstratamente 80 a 90% deles realmente desenvolveram a doença em razão do tabagismo. Inequívoco, portanto, o nexo de causalidade científico e irrefutável entre a conduta (tabagismo) e o efeito (desenvolvimento da doença). Todavia, se todas essas cem pessoas ajuizassem ações individuais, a invocação da tese defensiva faria com que todas as cem pretensões fossem desacolhidas, apesar da certeza científica e irrefutável de que entre 80 a 90% daqueles autores tinham inteira razão. Para se evitar que a indústria do fumo seja injustamente condenada num percentual de 10 a 20% das causas, prefere-se, assim, injustamente desacolher as justas pretensões de 80 a 90% dos autores! A fragmentação dos litígios, portanto, favorece amplamente a indústria do fumo. Contra esse absurdo lógico e de intuitiva injustiça não se pode concordar.
 Todavia, é possível superar o argumento levantado pela defesa da indústria de fumo, dentro do maior rigor científico e dogmático, à luz das novas teorias e concepções sobre o nexo de causalidade que estão presentes não só no universo acadêmico, mas também no mundo forense de diversos países. 
 Da desnecessidade da produção de prova inequívoca do nexo de causalidade entre o consumo de tabaco e as doenças tabaco-relacionadas. 
 Claro que tem razão a indústria fumageira no sentido da necessidade de se trazer aos autos prova convincente não só do dano em si – a patologia contraída pelo fumante -, mas também do fato de que tal dano teria decorrido do prolongado vício de fumar, uma vez que quase todas essas patologias são efetivamente multifatoriais.
 Todavia, nosso sistema probatório não exige uma prova uníssona e indiscutível, mas sim uma prova que possa convencer o juiz, dentro do princípio da persuasão racional. Afinal de contas, “na dimensão atual da ética da responsabilidade (...) não pode o aplicador do direito enredar-se nas construções retóricas do nexo de causalidade, para que as consequências dos danos não sejam mais suportadas pela vítima e pela sociedade” 52.
 De fato, ainda que se admita a impossibilidade de se aferir, com absoluta certeza, que o cigarro foi o causador ou teve participação preponderante no desenvolvimento da enfermidade ou na morte de um consumidor, é perfeitamente possível chegar-se, a partir da análise de todo o conjunto probatório, a um juízo de presunção sobre a relação do tabagismo com tal enfermidade. Afinal de contas: “nada há de errado em permitir ao juiz decidir por meio de um critério pautado em presunções (prova indiciária), sobretudo diante de casos complexos envolvendo pluralidade de causas e condições, em que a relação desenvolvida é eminentemente de consumo”53.
 Por outro lado, tratando-se de relação de consumo, é direito básico do consumidor a “facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º, inc. VIII, do CDC). Trata-se da chamada inversão ope judicis do ônus da prova. Para impor tal inversão do ônus probatório, basta ser verossímil a alegação do autor da demanda. E, no caso, a alegação, em muitos casos, é dotada de enorme verossimilhança, à luz das estatísticas disponíveis e das certezas médicas hoje indiscutíveis no setor. Além disso, a inversão ope judicis convive com a inversão ope legis, ou seja, determinada aprioristicamente pelo próprio legislador, como está previsto no art. 12, §3º, do CDC, ao prescrever que
 § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
 I - que não colocou o produto no mercado;
 II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
 III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 
 Portanto, pelo próprio texto legal expresso e vigente, o consumidor tem o direito básico de ver facilitada a prova do seu direito. Sua pretensão é mais do que verossímil a respeito do nexo de causalidade. Caberia, assim, ao réu, fornecedor do produto, o ônus da prova em contrário.
 Aliás, já decidiu o E. STJ, em ação coletiva movida pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante contra a Philip Morris e outra indústria tabagista, que o CDC poderia ser invocado para se determinar a inversão do ônus da prova no que diz respeito ao caráter viciante ou não da nicotina. Trata-se do REsp n. 140.097, da 4ªT, relatado pelo Min. César Asfor Rocha e julgado, de forma unânime, em 4.5.2000.
 Por outro lado, é perfeitamente possível a invocação de doutrinas e práticas jurisprudenciais que vem sendo adotadas em outros países, no que diz respeito à prova do nexo de causalidade, pois compatíveis com o nosso direito.
 É do que trataremos na sequência. 
 Da relativização da lógica da certeza e abertura de espaço para a lógica da probabilidade.
 Examinando-se as atuais ideias sobre relação de causalidade, tal como transitam em outros ordenamentos jurídicos, nota-se uma nítida flexibilização da lógica da certeza e abertura de espaço para a lógica da probabilidade.
 Nossos juristas já estão a par de tais desenvolvimentos e incorporam as novas tendências em suas lições.
 Paulo Frota, por exemplo, referiu que “a discussão disseminada na atualidade em várias áreas do conhecimento, como a Filosofia, o Direito e a Física, refere-se à substituição da causalidade pela probabilidade ou à inserção da probabilidade no âmbito da causalidade”. Mais adiante, volta a referir que “independentemente de se concordar com a substituição da causalidade pela probabilidade, mostra-se insuficiente, na atualidade, não inserir o critério da probabilidade nesta discussão” 54.
 Bodin de Moraes55, ao prefaciar a obra de Caitlin Mulholland, referiu que é possível “identificar a probabilidade de danos típicos associados às atividades de risco objetivamente imputadas e, portanto, obter-se um juízo probabilístico da causalidade.” A própria Caitlin Mulholland refere o surgimento da “concepção através da qual a causalidade, mais do que certeza, é probabilidade. Um dado acontecimento não desencadeia um determinado efeito, mas aumenta significativamente a probabilidade de sua ocorrência”.56
 Também Gisela Cruz refere a “crescente preocupação do Direito com a vítima”, o que provoca a admissão, em certas hipóteses, da “substituição da causalidade real ou efetiva pela causalidade suposta”57.
 A razão de ser desse posicionamento favorável às vítimas de danos nos é dado por Vasco Della Giustina58:
 “De que vale construir pressupostos da responsabilidade, distinguir entre autoria, antijuridicidade, culpabilidade, relação de causalidade e outras distinções mais, se na hora de provar calcamos toda esta pesada atividade na vítima ou nos herdeiros e não distinguimos entre situações onde é razoável que eles provem, porque lhes é fácil, e situações onde a prova, por razões, também, de facilidade, deve estar a cargo de quem se presume ou pode ser o agente danoso”. 
 De fato, o exame de experiências estrangeiras – compatíveis com nosso ordenamento jurídico, frise-se desde logo – demonstra que paulatinamente se vem abandonando o modelo da exigência de certeza absoluta para se poder acolher uma pretensão autoral, admitindo-se julgar a partir de uma nova racionalidade, onde se aceita a probabilidade, troca-se a verdade (inatingível) pela verossimilhança, levam-se a sério os dados estatísticos fornecidos pela ciência (nítido exemplo de interdisciplinariedade no campo da prática jurídica).
 No próximo item referiremos as novas teorias e práticas que, quando aplicadas, implicam um julgamento não calcado na certeza, mas na verossimilhança, na probabilidade ou numa superior razoabilidade. 
 Teorias que implicam uma relativização da lógica da certeza no campo da causalidade. 
 Como exemplos dessas novas ideias e práticas jurisprudenciais que estão apontando, há décadas, para uma flexibilização da prova do nexo de causalidade, citam-se a doutrina da res ipsa loquitur; a doutrina da market share liability; a doutrina da perda de uma chance (perte d’une chance); a doutrina da causalidade alternativa; a doutrina da presunção de causalidade; a doutrina do more probable than not ; a doutrina da redução do módulo da prova; a doutrina sueca da verossimilhança; bem como a admissão de probabilidades estatísticas (essa última especialmente importante para o caso em tela).
 Em todas essas teorias/doutrinas/práticas jurisprudenciais, troca-se a verdade pela verossimilhança, a certeza pela probabilidade, no intuito de se fazer justiça. Não são simples construções subjetivas que expressam um desejo íntimo e imperscrutável do julgador, mas sim construtos que guardam uma lógica e uma racionalidade que resistem ao diálogo intersubjetivo.
 Boa parte dessas construções teóricas e jurisprudenciais são conhecidas pela nossa doutrina. Muitas dessas figuras encontram inclusive aplicação jurisprudencial.
 Daquelas teorias, destacaremos algumas, que mais tem a ver com a questão da responsabilização da indústria do fumo pelos malefícios relacionados ao consumo do tabaco. 
 A doutrina da res ipsa loquitur. 
 A doutrina da res ipsa loquitur (‘a coisa fala por si’) é de aplicação rotineira na jurisprudência anglo-americana. Trata-se de uma ideia que substancialmente visa a justificar a inversão do ônus da prova, quando “os fatos falam por si”. É o caso, por exemplo, de alguém, em perfeitas condições de saúde, submeter-se a uma simples cirurgia eletiva – fimose, extração de adenóides, vasectomia, etc. Tais procedimentos, pela sua simplicidade, normalmente têm caráter ambulatorial, dispensando-se internação do paciente, apresentando prognóstico altamente positivo. Se alguém vem a se submeter a um desses procedimentos e morre, ou fica com graves sequelas, res ipsa loquitur – a coisa fala por si! Ou seja, da simples narrativa dos fatos presume-se ter havido alguma falha no procedimento, já que estatisticamente tal tipo de evento não causa qualquer sequela ao paciente. Por óbvio que isso não significa um automático juízo de procedência da ação, mas acarreta a inversão do ônus da prova, fazendo com que recaia sobre o cirurgião a prova de não ter havido nenhuma falha sua e que o evento danoso teria explicação científica passível de ser evidenciada. No fundo, também aqui, quando se aplica tal teoria, não se utiliza um juízo de certeza, mas sim de verossimilhança.
 No caso de demandas de responsabilização da indústria do fumo por danos tabaco-relacionados, tal teoria poderia ser invocada na hipótese de um fumante que tenha desenvolvido uma doença estatisticamente muito ligada ao consumo do cigarro, como câncer de pulmão. Se o autor da demanda demonstrasse ser portador de câncer de pulmão, que é/fora fumante inveterado por longo período de tempo, que não possui histórico familiar de tal tipo de doença, que não se enquadra em outros grupos de risco de tal doença, e que há estatísticas apontando que 80% dos casos de câncer de pulmão estão relacionados ao hábito de fumar, então res ipsa loquitur – a coisa fala por si. Seria muito mais lógico aceitar-se que a sua patologia decorreu daquela causa específica do que de outra abstrata causa. 
 Teoria da preponderance of the evidence (ou da more probable than not). 
 Trata-se de outra doutrina muito aplicada no direito anglo-americano. Nos Estados Unidos ela é mais conhecida como preponderance of the evidence, ao passo que na Inglaterra ela é mais conhecida como teoria da more probable than not (ou more likely than not), em razão de ter sido assim denominada pelo célebre magistrado inglês Lord Denning, ao julgar o caso Miller v. Minister of Pensions, em 1947. Trata-se de uma técnica de balanceamento de probabilidades. O standard utilizado para julgamento de situações em que não se tem certeza da real situação em disputa é simbolizado pela proposição de que uma versão é “more likely to be true than not true” (é mais provável que seja verdadeira do que não). Para que se tenha como alcançado tal standard, bastaria que houvesse mais de 50% de chance de que a versão fosse verdadeira. 
 A doutrina da redução do módulo probatório. 
 A doutrina da redução do módulo probatório, de origem alemã, é bastante utilizada em nossa jurisprudência, muito especialmente no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, em que, pelo princípio da informalidade que lá vigora, associado ao fato da possibilidade do ajuizamento de demandas sem a participação de advogados, muitas vezes se admite a verdade dos fatos alegados, mesmo que não haja provas totalmente concludentes a respeito dos mesmos.
 Sobre esta doutrina, o processualista alemão Gerhard WALTER59 faz menção a um duplo significado: um referente a decisões tomadas no início ou no curso do processo; e outra quando, ao final, o magistrado julga com base não em certezas, mas sim em probabilidades. Na primeira hipótese, é a própria lei processual que autoriza a convicção de probabilidade (caso da antecipação de tutela, por exemplo – art. 273 do CPC/73: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação...”. No novo CPC, v. art. 300: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”). Já na segunda hipótese, a redução do módulo da prova é fruto da impossibilidade de o juiz chegar a um convencimento sobre a verdade de um fato, diante das particularidades do caso concreto, e de o direito material recomendar, autorizar ou aceitar uma convicção de probabilidade.
 O doutrinador alemão acima citado defende a inexistência de um princípio unitário regulando uniformemente o ônus da prova para todos os tipos de processos. Afirma ser claramente diverso o nível de convicção judicial exigível no processo penal e no processo civil, por exemplo, variando tal nível também em conformidade com o tipo de processo civil. Refere, assim, que não há como deixar de levar em conta a matéria em discussão no processo. Tal redução deve ser aplicada aos casos em que, pela sua natureza, sejam difíceis de serem esclarecidos pelas vias normais, lembrando que os tribunais alemães reduzem o módulo da prova nas hipóteses em que a apuração dos fatos resulta em especiais dificuldades, especialmente quando o direito material indica que essas dificuldades probatórias não devem ser suportadas pela vítima.
 Ainda na Alemanha, o professor Jurgen Prölls sustentou, já em 1966, a possibilidade de haver a facilitação da prova em processos de indenização civil, através da redução do standard probatório geral de convicção – Reduzierung des allgemeinen Beweismasses der Uberzeugung60.
 A redução do módulo probatório é amplamente aceita, debatida e aplicada entre nós. Sustenta-se, por aqui, que “a redução do módulo da prova nada mais significa que a prova plena há de ser atenuada, dependendo de cada situação particular, ou seja, não se pode exigir a mesma prova em todas as situações”. Referida teoria defende que “em inúmeros casos, em especial onde há leis protetoras de determinadas categorias, cabe ao magistrado julgar com base na verossimilhança dos fatos aportados aos autos, nas presunções e na regra da inversão do ônus da prova”61
 A teoria da presunção de causalidade. 
 Sobre a teoria da presunção de causalidade é imprescindível a referência à monografia de Caitlin S. MULHOLLAND62, baseada no mecanismo do cálculo de probabilidade estatística, especialmente aplicável aos casos de responsabilidade objetiva e nos chamados danos de massa. Segundo tal teoria, em casos de atividade impregnada de risco, resultando um dano tipicamente associado à referida atividade, em sendo impossível ou difícil a prova do nexo de causalidade, pode e deve o julgador contentar-se com um juízo de probabilidade estatística quanto à relação causal.
 De acordo com a referida autora, poder-se-ia invocar a responsabilidade por presunção de causalidade quando houver: a) dificuldade considerável ou impossibilidade da vítima (autor da ação de indenização) de comprovar, em juízo, a ligação entre o dano que sofreu e a atividade referida como provável causa do dano; b) casos de responsabilidade coletiva (causalidade alternativa), em que a conduta ou atividade a qual deve ser relacionada a causalidade é desconhecida; e c) hipóteses em que existe o desenvolvimento de atividades perigosas, isto é, atividades que geram danos qualitativamente graves. (...) Uma vez identificados estes elementos ou requisitos afigura-se legítimo ao magistrado a análise probabilística da causa para fins de imputar a responsabilidade63.
 Na França, tal teoria vem sendo consistentemente aplicada pela Corte de Cassação, especialmente para casos envolvendo responsabilidade civil por danos causados por medicamentos. Referida Corte suprema reconhece a presença de nexo de causalidade quando houver a presença de sérias, precisas e concordantes presunções de causalidade64
 Teorias probabilísticas. 
 Passamos, agora, a abordar as doutrinas que admitem com grande liberdade a convicção judicial baseada em probabilidades estatísticas, as quais vêm sendo acolhidas nos mais variados ordenamentos jurídicos.
 CANOTILHO65 defende a possibilidade de se aceitar a causalidade probabilística. Embora refira que “só existe responsabilidade civil se houver provada a existência de uma relação causa-efeito entre o fato e o dano”, explica que “esta relação de causalidade não tem que ser determinística, como uma relação mecânica, mas deve ser uma causalidade probabilística.”.
 Na Itália, INFANTINO66 (2012, p. 115seg) aborda as teorie probabilistiche, referindo que essas teorias procuram evitar que uma obscuridade probatória sobre os acontecimentos resulte sempre em julgamento desfavorável ao autor. De acordo com tais teorias, um fato pode ser considerado a causa de um resultado negativo se for alta a probabilidade, à luz de estatísticas científicas, de que este último tenha ocorrido em razão da presença do primeiro.
 Raniero BORDON67 (2006, p. 50seg) refere-se aos julgamentos que aceitam as evidências estatísticas como o modello della sussunzione sotto leggi scientifiche (modelo da subsunção sob leis científicas) ou teoria della causalità scientifica (teoria da causalidade científica).
 Cita este autor importante julgamento das Seções Criminais Unidas, da Corte de Cassação, órgão supremo da jurisdição ordinária italiana (Cassazione Penale, Sezioni Unite, 11.9.2002, n. 30328), que assim se posicionou:  “O saber científico sobre o qual o juiz pode embasar suas decisões é constituído tanto por ‘leis universais’ (muito raras, na verdade), que identificam no encadeamento de determinados eventos uma invariável regularidade sem exceções, como por ‘leis estatísticas’, que se limitam a afirmar que a verificação de um efeito decorre da identificação de certo evento num certo percentual de casos e com uma relativa frequência”68.
 Ainda segundo o mesmo autor, o modelo da subsunção sob leis científicas também é consensual na doutrina médico legal, que sustenta a validade de uma reconstrução da relação causal baseada ‘sobre a essencialidade da documentação científica probatória da recorrência de um efetivo nexo de causalidade material’.
 Guido Alpa igualmente refere que “a tendência da Corte Suprema [referindo-se à Corte de Cassação] é, portanto, dar relevo à construção do nexo etiológico aos fatos dos quais o dano teria podido derivar com uma certa probabilidade”, já que “se reconhece que é suficiente provar, em matéria civil, a preponderância da evidência, ou da causa mais provável, enquanto que no processo penal vigora a regra da prova ‘além da dúvida razoável’”.69
 Ariel Porat e Alex Stein70 analisam dois importantes casos britânicos envolvendo a espinhosa questão do nexo de causalidade. Os casos foram julgados pela Court of Appeal inglesa (a segunda corte mais importante, na hierarquia do Judiciário inglês). Citam também um terceiro caso (Fairchild), julgado pela então House of Lords.
 Segundo tais professores, os julgamentos nos casos Holtby, Allen e Fairchild representam decisões revolucionárias, abordando um aspecto importante do problema da indeterminação do nexo de causalidade, tema que frequentemente surge em demandas de responsabilidade civil. Nos casos Holtby71 e Allen72, a Court of Appeal afastou a tradicional abordagem dicotômica, segundo a qual ou o autor tem ganho integral em sua causa, obtendo a reparação da totalidade do seu dano, ou nada recebe, depending on whether his or her case against the defendant is more probable than not (em tradução literal: dependendo se seu caso contra o réu é mais provável do que não), ou seja, se a sua versão é mais verossímil (provável) do que a do réu.
 Nos referidos casos, a Corte de Apelação substituiu esta abordagem binária pelo princípio da indenização proporcional, em que o réu repara os danos sofridos pelo autor na proporção de sua participação estatística na produção de tal dano. Nesse aspecto, aliás, tal enfoque se aproxima (embora não ela não se identifique) da doutrina judicial da market share liability (responsabilidade por quota de mercado). Os autores elogiam a aplicação de tal enfoque, louvando tanto seu aspecto de justiça comutativa quanto seu potencial efeito dissuasório, embora ressalvem que tal novo enfoque deva ser aplicado apenas aos casos recorrentes (exatamente como é o caso das demandas envolvendo doenças tabaco-relacionadas). Já no caso Fairchild73, a House of Lords igualmente entendeu preferível o critério da proporcionalidade da indenização, no lugar da tradicional abordagem do “all or nothing” (tudo ou nada). 
 Doutrina da market share liability. 
 A doutrina da market share liability, ou responsabilidade por quota de mercado, é uma espécie de teoria probabilística. Sua peculiaridade é que não procurou resolver dúvidas sobre a causalidade, mas sim sobre a autoria.
 Tal doutrina foi aplicada, pela primeira vez, no famoso caso Sindelll v. Abbott Laboratories, julgado pela Suprema Corte da Califórnia, em 1980. Tratava-se de julgar demanda envolvendo os efeitos danosos derivados da ingestão de medicamento contendo o princípio ativo denominado Diethylstilbestrol (mais conhecido pela sigla D.E.S.). Referido princípio ativo era componente importante de medicamento utilizado por gestantes que tinham propensão a ter abortos espontâneos. O medicamento havia se revelado muito eficaz para ajudar as gestantes a levarem a gestação a termo e foi muito utilizado a partir de 1941 até 1971, quando a F.D.A. (Food and Drug Administration – agência americana que regula o setor) proibiu sua fabricação.
 Em típico caso de development risk (risco de desenvolvimento), a evolução dos fatos revelou que muitas mulheres, frutos de tais gestações, tendiam a desenvolver câncer após 10 a 12 anos de incubação da doença74. Uma dessas moças, chamada Sindelll, moveu, então, uma demanda de responsabilidade civil (na verdade, uma class action) contra o laboratório Abbott e outros 10 fabricantes de remédios contendo tal princípio ativo. Examinando-se o caso particular da autora Sindelll, como ela não tinha mais condições de demonstrar qual medicamento sua mãe havia efetivamente ingerido (ninguém guarda caixas de remédio, recibos de pagamento ou prescrições médicas durante anos a fio!), e não se sabendo, portanto, qual laboratório efetivamente tinha fabricado o medicamento que efetivamente causou os danos à autora, a solução adotada no referido acórdão foi no sentido de se condenar o laboratório Abbott e os demais a pagarem os danos na proporção de sua participação no mercado daquele remédio no Estado da Califórnia, no ano da gestação da autora. Portanto, mesmo sem se ter certeza sobre qual laboratório produziu o remédio, cujo princípio ativo comprovadamente teria causado os danos provados pela autora, responsabilizou-se o laboratório pela sua quota de mercado (market share liability)75.76
 Ainda que tal doutrina não tenha sido aplicada para resolver dúvidas envolvendo nexo de causalidade, mas sim a autoria, pode ela ser aqui referida como uma experiência bem sucedida de se fazer justiça, mesmo com dúvidas remanescentes no espírito do julgador. Parece evidente que a solução dada ao caso foi bem melhor do que a alternativa de se julgar improcedente a ação, por dúvidas sobre qual réu fora o fabricante do medicamento que causara danos à autora. 
 Passemos, agora, ao outro argumento da indústria do fumo – a questão do livre-arbítrio. 
 O argumento do livre-arbítrio77 e sua relativização. 
 O segundo importante argumento utilizado pela indústria do fumo em sua defesa nas ações judiciais consiste na invocação do livre-arbítrio. Essa linha defensiva sustenta que as pessoas têm liberdade e autonomia para começar e para parar de fumar – fumam apesar de saberem dos riscos do fumo. Por outro lado, sustentam, a publicidade outrora permitida não seria impositiva e não compeliria pessoas a fumar. Portanto, como todo ato de liberdade atrai a conexa responsabilidade, não haveria como transferir à indústria do fumo os males que alguém tenha contraído consciente e voluntariamente.
 Entendo que esses argumentos não se sustentam. Em primeiro lugar, há que considerar que quase a totalidade dos fumantes começa a fumar quando jovens, como foi o caso do marido da autora. Em assim sendo, o suposto livre arbítrio de uma pessoa considerada (biológica, psicológica e legalmente) em formação, não pode ser levado realmente a sério, especialmente quando estão em jogo consequências que, a longo prazo, acarretarão a muitos deles uma baixa qualidade de vida ou a morte em razão do tabagismo. Vida e saúde são direitos indisponíveis, subtraídos ao livre-mercado.
 Segundo a psicóloga Mônica Andreis e a médica cardiologista Jaquelina Scholz Issa (Diretora do Programa de Tratamento ao Tabagismo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP),
 “o termo livre-arbítrio tem sido utilizado para representar a possibilidade de livre escolha do ser humano. Supõe que o indivíduo seja dotado de plena capacidade de apreciação das opções de escolha e tenha preservada a liberdade de agir de acordo com a sua vontade. Nada mais distante da realidade quando refletimos sobre a iniciação e manutenção do tabagismo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que 90% das pessoas começam a fumar ainda na adolescência. No Brasil, pesquisa do CEBRID78 apontou que a idade média de iniciação é de 13,3 anos. Assim, é preciso explicitar que quem decide experimentar produtos de tabaco, na esmagadora maioria das vezes, são crianças e jovens, e não adultos, no Brasil e no mundo todo”79
 De fato, atualmente, “o tabagismo é considerado uma doença pediátrica, pois quase 90% dos fumantes regulares começam a fumar antes dos 18 anos8081. E isto porque as pesquisas indicam que as pessoas que iniciam o tabagismo na adolescência têm maior probabilidade de se tornarem fumantes definitivos do que aquelas que experimentam seu primeiro cigarro quando adultas. Estudos recentes comprovam que os sintomas de dependência se desenvolvem logo após o primeiro cigarro, não havendo relação com o número de cigarros fumados, ou com a frequência e duração do uso82.
 Na paradigmática ação judicial, movida pelos Estados Unidos contra as 11 indústrias fumageiras em atividade nos Estados Unidos (conhecida como United States v. Philip Morris et al.) 83, antes referida, a juíza federal Gladys Kessler  dedicou 235 páginas (de fl. 972 a 1209) de sua decisão para demonstrar que a indústria do fumo realmente tinha os jovens como público preferencial e que dedicou esforços e ingentes quantias para tentar conquistar crianças e jovens para o vício do fumo.
 A ‘opção preferencial’ pelos jovens, como destinatários mais desejados para seus produtos, é facilmente explicável. O jovem é mais influenciável e suscetível a imitar comportamentos – portanto, a perfeita ‘vítima’ de campanhas publicitárias bem concebidas -, e representa um consumidor que provavelmente passará o resto de sua vida escravizado ao consumo, mercê do poder viciante da nicotina. De fato, segundo inúmeros estudos, “quanto mais cedo se dá a iniciação, maior a chance de tornar-se um fumante regular e menor a probabilidade de cessação”84.
 Além disso, o jovem, pela suas próprias características psicológicas, não consegue ter uma longa visão do futuro. Seus interesses e preocupações são imediatos, de curto/curtíssimo prazo. O jovem vive o presente. Valoriza recompensas imediatas e desconsidera ônus futuros. Um futuro longínquo é apenas uma miragem. Danos potenciais que ocorrerão apenas num tempo remoto simplesmente não existem. A própria OMS já constatou que os riscos do tabagismo são percebidos como muito distantes, facilmente compensados pelos benefícios psicológicos imediatos. Os jovens tendem ainda a subestimar a dependência de tabaco e as dificuldades associadas à cessação do vício. Somente mais tarde eles descobrirão que a dependência da nicotina continua muito tempo após qualquer benefício psicológico ter se esgotado85.
 Sabendo de tudo isso, a indústria do fumo deliberadamente direcionou suas campanhas de publicidade preferencialmente ao público dos jovens, buscando aproveitar-se da sua maior vulnerabilidade.
 Assim, considerar livre-arbítrio a opção de fumar ou não para um jovem entre 12 a 18 anos, exposto à intensa publicidade do cigarro, vale tanto quanto considerar livre e  o consumidor que firma um contrato eivado de cláusulas abusivas porque, afinal de contas, havia a opção de não contratar86.
 Outro argumento que deve ser invocado para neutralizar a força do princípio jurídico do livre-arbítrio diz respeito aos efeitos da publicidade sobre o processo de tomada de decisão. É disso que trata a seção seguinte. 
 A força da publicidade e a relativização do livre-arbítrio. 
 A invocação do livre-arbítrio ignora a força da publicidade e de como ela influencia condutas. De fato, ainda que atualmente a esmagadora maioria dos países ocidentais proíba ou limite a publicidade do tabaco, durante décadas todas as sociedades foram bombardeadas com maciça e exitosa propaganda direta. Além disso, a população foi e é exposta a uma propaganda ainda mais perniciosa, pois dissimulada, através do cinema e outras formas de comunicação social. Aliás, “as proibições parciais só fazem com que as companhias desviem os grandes recursos de uma tática promocional para outra”87.
 Na medida em que evoluíram as ações pró-saúde, também evoluíram as técnicas e recursos de marketing (especialmente os subliminares e imperceptíveis)88, buscando alcançar o jovem em espaços familiares e de diversão (como cinemas, internet, revistas de moda, concertos de música e eventos desportivos)89.
 Em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Distrito Federal houve o reconhecimento da enganosidade de peça publicitária do tabaco, bem como ficou evidenciada a estratégia da empresa de se utilizar de imagens subliminares. A sentença condenatória foi mantida pelo Tribunal de Justiça do DF (Proc. n. 2004011102028-0), em substancioso acórdão relatado pela Desª Vera Andrighi, que apenas reduziu o valor da condenação, de R$14 milhões para R$4 milhões90a título de danos morais coletivos. Tal valor foi ulteriormente reduzido para R$1 milhão através do Recurso Especial n. 1101949/DF, julgado pela Quarta Turma, em 10.05.2016, tendo como relator o Min. Marco Buzzi.
 Após mencionar que a maioria dos fumantes começa a fumar ainda na adolescência, Virgílio Afonso da Silva91 refere que “imaginar que a propaganda de um produto não tem o poder de influenciar as suas vendas seria contrária à própria razão de ser da propaganda.” E conclui: “a propaganda de produtos derivados do tabaco não é algo que realiza o direito à informação, mas, ao contrário, é algo que pretende convencer o indivíduo a comprar algo que faz mal a sua saúde, não importa de que forma, com que freqüência e em que quantidade for consumido.”
 Em suma, “o livre arbítrio do fumante não é razão para excluí-lo do direito à indenização”92.
 O item que segue focará sobre as demais estratégias, além do marketing explícito, que seguem largamente utilizadas para conquistar consumidores. 
 A estratégia da indústria do fumo para continuar conquistando consumidores para seu produto e mantê-los cativos. 
 O principal objetivo das novas tecnologias empregadas pela indústria do fumo é facilitar os primeiros contatos de adolescentes com os produtos até que se estabeleça a dependência química. É nessa perspectiva que se insere a tecnologia dos aditivos. Segundo dados disponíveis, atualmente a indústria do tabaco utiliza 599 diferentes aditivos nos seus cigarros93.
 Nos documentos internos da indústria do tabaco estão registrados dados fundamentais sobre a função da nicotina e sobre modos de intensificar a velocidade de sua absorção pelos fumantes, com o objetivo de torná-la mais potente em termos farmacológicos. A adição de amônia aos cigarros figura como uma das mais importantes técnicas para aumentar o efeito da nicotina, pois aumenta a quantidade de nicotina ‘livre’ na fumaça e, portanto, a sua capacidade de atingir o cérebro94. Ao chegar ao cérebro, a nicotina produz uma resposta cerebral química por meio da liberação de dopamina e de outros neurotransmissores, que dão ao usuário a sensação descrita como impacto (kick). Com o tempo, os receptores cerebrais do fumante se condicionam à dose de nicotina esperada e, quando privados da sua presença, levam o fumante a experimentar os sintomas da síndrome de abstinência95.
 Um dos problemas ligados à adição desses novos produtos, para tornar o cigarro mais atrativo, mais saboroso e mais viciante, é que o cigarro tornou-se ainda mais perigoso. Recente relatório do Surgeon General (maior autoridade em saúde pública norte-americana), de 2014, revelou que o fumante tem hoje mais risco de ter câncer de pulmão do que tinha em 1964, mesmo fumando menos cigarros!96
 Mas se o argumento do livre-arbítrio é inconsistente quando se fala de jovens e adolescentes que se iniciam no vício de fumar, pelas razões que acima referimos, tampouco tem a consistência pretendida pela indústria do fumo o mesmo argumento quando referidos a adultos, pelas razões que passo a expor. 
 O argumento do livre-arbítrio e sua relativização: o caso dos adultos. 
 Numa sociedade livre e democrática, em que se reconhece ao indivíduo o direito de fazer opções, escolhas, mesmo que prejudiciais a si próprio, o apelo filosófico e ideológico à liberdade sempre é agregador97.
 Todavia, olhando-se mais de perto o argumento, percebe-se que não é tão sólido como os defensores da indústria do fumo gostariam.
 Baseado em informações provindas da psicologia comportamental, da biologia, da sociologia, refere André Perin Schmidt Neto98 que “o ser humano define quem ele é, imitando características que ele deseja possuir e aperfeiçoando-as à sua maneira”. Assim, aproveitando-se dessa característica humana “os publicitários promovem um produto, associando-o a um personagem famoso", de forma a criar no consumidor a ideia de que se ‘fulano’ consume aquele produto então ele também deve consumi-lo. Cita Guy Debord (A sociedade do espetáculo) ao referir a infantilidade da "necessidade de imitação que o consumidor sente". Tal comportamento "tem uma lógica e um propósito: ser identificado por aqueles que comungam dos mesmos valores”.
 Tais informações, ainda que não propriamente inéditas, são relevantes, à medida em que hoje se sabe quanto as multinacionais do fumo investiram na indústria cinematográfica para povoar o imaginário das pessoas com glamorosas cenas em que os protagonistas apareciam fumando.
 Nos Estados Unidos, o famoso relatório de 1964 do Surgeon General tornou público que, do ponto de vista científico, era absolutamente incontroverso que o tabaco fazia muito mal à saúde99. Buscando neutralizar o impacto de tal relatório, a indústria tabagista procurou apoiar-se nesse mecanismo psicológico a que aludimos, procurando explorar os mecanismos da racionalização e da negação utilizados pelos fumantes, como deixa claro memorando interno expedido pelo então Vice-Presidente Executivo da Philip Morris: “No futuro, devemos dar respostas que ofereçam aos fumantes uma muleta psicológica, uma racionalização para continuar fumando”. Entre as ‘muletas’ e ‘racionalizações’ propostas constavam questões de teor médico, como ‘mais pesquisas são necessárias’ e ‘existem contradições’ e ‘discrepâncias’.100
 Ou seja, a indústria do fumo de forma deliberada e consciente usou de todos os recursos psicológicos disponíveis para 'vender' seu produto, buscando quebrar as barreiras de uma saudável liberdade de escolha, neutralizando informações de que tal produto seria maléfico e fornecendo falsas 'muletas' para neutralizar os alertas cada vez mais abundantes e inequívocos provindos do meio científico.
 Por outro lado, se é difícil ao jovem largar o hábito de fumar, tal possibilidade não fica nada mais fácil à medida em que ele envelhece, em razão do mecanismo do vício relacionado aos efeitos da nicotina. E aqui, novamente, falar-se em livre-arbítrio é olimpicamente desconhecer a realidade dos fatos.
 E os fatos são os seguintes:
 “A privação de nicotina, mesmo que por poucas horas provoca sintomas de abstinência. Os receptores ‘dessensibilizados’ voltam a ficar responsivos e disto decorrem os sintomas de ansiedade e estresse que em geral levam o indivíduo ao desejo intenso de fumar – sensação de ‘fissura’.  Exatamente este desconforto provocado pela privação (reforço negativo) associado à perda do prazer de fumar (reforço positivo), faz com que muitos fumantes não tenham êxito nas tentativas de parar de fumar, mesmo motivados. Deste modo, partindo-se do pressuposto que o conceito de livre-arbítrio não pode ser aplicado quando a condição de dependência está presente, o fumante adulto dependente de tabaco também não agiria sob esta condição ao continuar fazendo uso de produtos de tabaco, apesar de conscientes dos riscos à sua saúde. Este é, aliás, um dos critérios para caracterização da dependência, a persistência no uso a respeito do conhecimento racional sobre os efeitos prejudiciais à saúde.”101
 Em acórdão da 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP (n. 379.261-4/5-00, julgado em 08.10.2008), em que se manteve decisão condenatória da indústria do fumo, citou o redator do acórdão, Des. Joaquim Garcia, artigo do médico Dráuzio Varella, publicado no jornal Folha de São Paulo, intitulado “Mecanismo Diabólico”, no qual o conhecido médico refere que
 “em artigo à revista Scientific American, Josef DiFranza revê estudos que explicam as raízes bioquímicas da dependência da nicotina e contradizem o dogma de que ela levaria anos para escravizar o usuário. (...) Aqueles que conseguiram abster-se por apenas três meses ou passaram décadas em abstinência, quando recaem voltam com a mesma rapidez ao número de cigarros diários anteriormente consumidos. A dependência da nicotina é uma doença crônica, incurável. O cérebro do fumante nunca mais voltará ao estado original. A farmacologia não conhece droga que cause tamanha dependência química. A nicotina não vicia por causar sensações inacessíveis aos mortais que enfrentam o cotidiano de cara limpa. Inundar o cérebro com ela não faz você experimentar a alegria do álcool, a onipotência da cocaína, o relaxamento da maconha ou as visões do LSD. Não existe barato nem viagem. Você fuma apenas para aplacar as crises de abstinência que a própria droga provoca a cada trinta minutos. O único prazer de quem fuma é sentir a paz de volta ao corpo suplicante, até que a próxima crise bata à porta para enlouquecê-lo. Parece invenção de Satanás.” 
 Entre nós, o Instituto Nacional do Câncer, do Ministério da Saúde, explica que a nicotina é uma substância psicoativa, isto é, produz a sensação de prazer, o que pode induzir ao abuso e à dependência. “Por ter características complexas, a dependência à nicotina é incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde – CID 10ª revisão102.” A dependência resulta do fato de que “com a ingestão continua da nicotina, o cérebro se adapta e passa a precisar de doses cada vez maiores para manter o mesmo nível de satisfação que tinha no início”. É o que se chama de tolerância à droga, que compele o fumante, com o passar do tempo, a ter necessidade de consumir cada vez mais cigarros103.
 É por isso que se afirma que a liberdade daquele que se inicia no hábito de fumar, bem como a liberdade de quem já é fumante (para parar de fumar) são manifestações de vulnerabilidade. Esta se manifesta seja pela idade do fumante (menores), por sua incapacidade, por dependência (nicotina) ou mesmo em razão da vulnerabilidade informacional, por ausência de informação (como ocorreu durante o século XX) ou informação insuficiente, incompleta, imprecisa e sem credibilidade (no final do século XX e no século XXI).104
 A Economia Comportamental – EC - traz bons insights para esse debate:
 “A EC descreve a dificuldade humana com a tomada de decisões intertemporais, assim definidas aquelas para as quais se faz um pequeno sacrifício hoje, à espera de um benefício maior no futuro. Descreve, igualmente, o chamado superotimismo humano, ou a crença dos indivíduos de que eles são mais propensos ao acontecimento de boas coisas em suas vidas que nas dos outros. Comprova, empiricamente, a afirmação de que, por vezes, as escolhas dos seres humanos baseiam-se em compulsões, ódio, paixões, vícios e não representam, exatamente, uma expressão de escolha livre. Confirmam o caráter limitado da força de vontade humana. Demonstram que os seres humanos costumam selecionar, em ter as opções possíveis, os argumentos que confirmam aquilo que eles previamente desejavam como conclusão.
 [...] É de se reconhecer, por outro lado, que as seguintes afirmações são reconhecidamente corriqueiras entre os próprios fumantes: ‘conheço alguém que fumou desde os 12 anos, hoje tem 90 e está bem’ (utilizando um caso excepcional para confirmar a ideia que lhe convém, em detrimento de inúmeras pesquisas sérias que comprovam ser essa circunstância rara e que a grande maioria dos fumantes morre mal e prematuramente em razão do tabaco); ‘fumo porque quero, paro quando quiser’ (desconsiderando o caráter de vício do tabagismo e o fato de que a suposta ‘escolha’ que ele faz cotidianamente está longe de representar exercício de livre-arbítrio); ‘quero parar de fumar, mas, só hoje, estou estressado, vou acender mais um cigarro’ (comprovando a necessidade humana de satisfações instantâneas, em detrimento de maiores recompensas futuras); entre tantos outros exemplos possíveis”105
 Se não há verdadeiro livre-arbítrio para começar a fumar, será que existiria para parar de fumar? É a pergunta que tentaremos responder a seguir. 
 Livre-arbítrio para parar de fumar? 
 Livre-arbítrio, na noção corrente, tem a ver com a faculdade humana de determinar-se a si mesmo, sem sofrer coações ou diretas influências externas. De forma autônoma, o indivíduo escolhe, dentre as alternativas existentes, aquela que mais lhe convém. Diante de tal noção, será que abandonar o vício de fumar seria uma simples questão de escolha, de livre opção, uma simples questão de vontade? Se o cigarro vicia, como é induvidoso, até que ponto é possível falar em livre-arbítrio do fumante no que diz respeito à sua decisão de abandonar o vício?
 Com a devida vênia daqueles que afastam a responsabilidade da indústria do fumo, invocando o livre-arbítrio do fumante, não há como superar o consenso científico a respeito do poder viciante da nicotina.  No relatório publicado em 1988, intitulado Nicotine Addiction, o Surgeon General, que é maior autoridade de saúde pública dos Estados Unidos, reconheceu que ‘cigarros e outras formas de tabaco são viciadores’, que ‘a nicotina é droga que causa vício’ e que ‘características farmacológicas e comportamentais que determinam o vício tabagístico são semelhantes àqueles que determinam o vício em drogas como heroína e cocaína’106.
 As próprias fabricantes de cigarro recentemente passaram a admitir que parar de fumar é difícil107.
 Pesquisa efetuada junto à Universidade de Iowa/USA envolveu pacientes acometidos de um tipo específico de lesão cerebral (no córtex prefrontal ventromedial). Tais pacientes mantinham preservada sua capacidade cognitiva, mas eram incapazes de se conduzir de acordo com tal conhecimento abstrato. Um dos pesquisadores, Antoine Bechara, disse textualmente (em tradução livre) que “é como o vício em drogas. Viciados podem articular muito bem as consequências do seu comportamento. Mas não conseguem agir de acordo. Isto se deve a um problema no cérebro. Danos na área ventromedial causa uma desconexão entre o que você sabe e o que você faz”108. Portanto, o simples fato do viciado em nicotina ter consciência dos males associados ao fumo não o impede de continuar fumando. Mas isso não se explica como sendo um ato de liberdade, de livre-arbítrio, mas sim pela precisa falta de liberdade de se livrar do vício da nicotina.
 Assim, do ponto de vista científico, não há, pois, como negar que o tabagista é vítima de uma síndrome de dependência que se caracteriza por um intenso desejo de tomar a droga, pela impossibilidade/dificuldade de controlar o consumo e pela manutenção do uso, apesar das suas consequências nefastas109.
 Documento oficial da União Europeia a respeito dos malefícios associados ao fumo e as graves consequências sociais e econômicas daí derivadas refere que a dependência do tabaco é caracterizada como uma verdadeira doença crônica, com altas taxas de reincidências de quem tenta parar de fumar.110  Pesquisa realizada na Nova Zelândia mostrou que, por volta dos 18 anos, 75% dos adolescentes fumantes se arrependem de terem começado, e metade já tentou parar de fumar111. No Brasil, esse número é inclusive superior: 80%112.
 Também já está fartamente documentado que a maioria dos fumantes identifica o risco do tabagismo e expressa o desejo de deixar o consumo. Todavia, 85% dos que tentam deixar de fumar sozinhos recaem dentro de uma semana113.
 Diante desses dados, fica muito difícil continuar a falar em livre-arbítrio no sentido de que as pessoas fumam porque querem, no exercício de sua liberdade e autonomia, podendo parar de fazê-lo quando assim bem entenderem.
 De fato, recente pesquisa científica do International Tobacco Control (ITC)114, divulgada em maio de 2013, envolvendo coleta de dados entre os anos de 2009 e 2013, revelou que entre os fumantes, 87% responderam que se arrependem de ter iniciado o consumo do tabaco. A percepção de insatisfação com o ato de fumar, revelada depois de constatado o vício, demonstra um elemento que corrói o núcleo das generalizações que correlacionam fumo/prazer/livre-arbítrio. Assim, torna-se inconciliável a manutenção do postulado que defende o ato de fumar apoiado em um gozo livre e prazeroso, se as constatações percebidas do indivíduo que fuma apresentaram a percepção de arrependimento, associando o hábito mais a um vício que ao exercício de uma liberdade115.
 As indústrias do fumo sabem perfeitamente disso. Tanto que a juíza Kessler, em sua sentença, identificou claramente documentos que comprovam que os produtores de cigarro sabem o quanto a nicotina embota e anula o livre-arbítrio. Disse ela, no item 1269 de sua sentença: “O memorando interno do Tobacco Institute de 9.09.1980 alerta que, se as empresas-membro reconhecessem publicamente que a nicotina é viciante, isso anularia seu argumento de defesa – que a decisão de fumar é de ‘livre-arbítrio’...”.116
 Não se pode olvidar, tampouco, que o exercício do livre-arbítrio supõe consciência. Consciência pressupõe informações suficientes, claras, adequadas e sem falsificações das opções existentes e de suas consequências. E isso está longe de ter ocorrido, como se verá na sequência. 
 O exercício do livre-arbítrio supõe informações suficientes e adequadas. 
 É possível se perguntar se, diante da espantosa capacidade de prejudicar do cigarro, teria o consumidor real consciência de todos os males a que está exposto?
 Uma coisa é saber que “o cigarro faz mal” e que “causa câncer” como noção abstrata; outra coisa é saber, concretamente, se quem começa a fumar sabe de tudo isso, já que o normal é a pessoa imaginar que os males potenciais e futuros só acontecerão aos outros117.
 De fato, aprofundando-se a questão da informação sobre os riscos associados ao hábito de fumar, pode-se dizer que existem quatro níveis de informações, segundo Clarissa Homsi118: no primeiro nível, as informações são elementares: o indivíduo já ouviu falar que fumar aumenta os riscos à saúde, nas não consegue identificar que riscos são esses; no segundo nível, o indivíduo é capaz de identificar algumas das doenças causadas pelo tabagismo, como câncer de pulmão e enfisema pulmonar, mas não sabe as consequências de ser acometido por essa doença; no terceiro nível de informação, o sujeito tem conhecimento da severidade da doença, seus sintomas e consequências, das chances de sobrevida, e do risco relativo de contrair uma doença em decorrência do tabagismo. Pesquisa realizada na Austrália revelou que apenas um terço dos fumantes crê que tenha riscos de morrer em razão do tabagismo. No quarto nível de informação está o indivíduo que consegue concordar que fumar aumenta os seus próprios riscos de ter uma das doenças causadas pelo tabagismo.
 Isto porque, não obstante as pessoas saibam que o tabagismo faz mal, consideram os outros como possíveis vítimas, excluindo a si próprio, inclusive através de crenças que contribuem para manter-se fumando, como a ideia, assaz difundida, de que tudo causa câncer hoje em dia.
 Segundo Homsi, somente se pode considerar como adequadamente informados os indivíduos situados nos níveis 3 e 4.  Daí porque, sustenta a autora, a ideia de que todos sabem que fumar faz mal não pode, portanto, servir de argumento para deixar-se de fornecer ao consumidor informações essenciais sobre os riscos do produto.
 Não se pode olvidar, por outro lado, mesmo que se reconheça que de algum tempo para cá, em quase todos os países foram os fabricantes obrigados a informar o fumante sobre as doenças tabaco-relacionadas, é ainda nítida a assimetria informacional entre as partes (fabricante-consumidor). As informações não podem ser genéricas, mas sim adaptadas a cada tipo de consumidor, diferenciando aquelas destinadas aos adolescentes, aos idosos, aos analfabetos, às gestantes, às pessoas de baixa renda e outros, sempre levando em conta a situação existencial de cada um, conforme os grupos a que pertence. Não nos esqueçamos, também, que há pouco espaço para ilusão nessa temática: os fabricantes de cigarro somente passaram a advertir acerca dos danos causados à saúde, nos maços de cigarro, em razão de determinação legal, jamais de forma espontânea e leal para com seus consumidores. Além disso, tais advertências são ineficientes quando comparadas com as vultosas estratégias de marketing, como acontece, por exemplo, com o patrocínio de eventos televisionados para todo o globo. Além disso, ao adicionarem substâncias aditivas nos cigarros, aniquilam o livre-arbítrio do indivíduo, o que neutraliza as instruções, aconselhamentos ou advertências119.
 Sobre essa assimetria informacional, outros autores referem que se o conhecimento dos consumidores sobre os males do cigarro é amplo e inespecífico, o mesmo não se pode dizer, em absoluto, dos fabricantes, que conhecem como ninguém, concreta e cientificamente, os potenciais danos devastadores para a saúde humana do produto que continuam a disponibilizar120.
 Além disso, a afirmação de que os fumantes estão plena e adequadamente informados sobre os riscos que correm é falsa. E isto pelo simples fato de que ainda hoje novas doenças são relacionadas ao tabagismo, desmistificando a ideia de haver um conhecimento sedimentado sobre os riscos que acarreta à saúde121.
 De fato, temos como evidente que livre-arbítrio supõe conhecimento integral das circunstâncias inerentes a determinado produto122, o que, pelo que hoje se sabe, inexiste, pois a cada nova pesquisa se revela novos malefícios atrelados ao tabagismo.
 
 Outros argumentos esgrimidos pela demandada. 
 Nestes autos, como em outros em que o mesmo tema é tratado, outros argumentos menores são trazidos à baila pela defesa, como o fato de se tratar de atividade lícita, que gera empregos e paga tributos, estimulando, ainda a fumicultura.  Esse tipo de argumento obviamente não se sustenta e não merece análise detida. Isso porque os tribunais estão abarrotados de demandas envolvendo danos decorrentes de atividades regulares e lícitas. Mas se delas resultarem danos, pretensões reparatórias são logicamente cabíveis. É verdade, também, que as indústrias do fumo pagam muitos tributos, mas também é certo que o custo econômico causado à previdência social somente em razão de tratamentos de doenças relacionadas ao fumo supera em muito o valor desse ingresso.
 De fato, no ano de 2008 o custo para o SUS das doenças tabaco-relacionadas foi da ordem de 20,6 bilhões de reais – o que representou 30% do orçamento do Ministério da Saúde para aquele ano123. Tal valor foi 3,5 vezes superior à arrecadação de impostos incidentes sobre produtos do tabaco, segundo denunciou a Associação Médica Brasileira124.
 Dados mais recentes apontam para o crescimento desse déficit, pois o gasto compreensivo do SUS  com os custos do tratamento das patologias tabaco relacionadas “custam R$39 bilhões ao país”, além de outros R$17 bilhões que a Previdência Social deve suportar para “cobrir as perdas de produtividade com incapacidades e pensões pagas aos familiares por mortes prematuras decorrentes do tabagismo”. “Todo este custo leva a perdas anuais de R$56,9 bilhões aos cofres públicos, o equivalente a ‘% do PIB do Brasil”.125
 Portanto, para a sociedade civil como um todo, mesmo examinando-se apenas os aspectos econômicos envolvidos, a indústria do fumo é um peso (literalmente) morto, não um benefício. E isso sem falar dos dramas humanos envolvidos – com mortes lentas e dolorosas para os diretamente envolvidos e dor e sofrimento para os incontáveis parentes daqueles126.
 Vê-se, portanto, que a equação supra está a revelar que a indústria do fumo privatiza os lucros e socializa os custos127, suportados, em grande parte, pelo Sistema Único de Saúde (e indiretamente por toda a sociedade).
 Sobre o argumento da licitude da atividade, refere corretamente Clarissa Homsi que “evidentemente que essa é uma não questão, já que todas as atividades que ensejam uma relação de consumo normatizada pelo Código de Defesa do Consumidor são atividades lícitas. A prevalecer esse raciocínio, nenhuma empresa lícita seria obrigada a indenizar consumidores lesados”128.
 Na mesma toada posiciona-se Lúcio Delfino, ao referir que o pressuposto da ilicitude, para fins de responsabilidade civil, não deve ser focado na atividade exercida pelo fornecedor, mas sim no exercício ou resultado dessa atividade. “A valer, o ilícito, que dá margem a indenizações pelo fato do produto ou serviço, no âmbito das relações de consumo, não se vincula a uma suposta ilicitude da atividade exercida pelo fornecedor, mas, sim, a imperfeições ligadas ao próprio produto ou serviço lançado ou praticado no mercado”. Daí, prossegue o autor mais adiante, “pouco importar a licitude da atividade de cultivo, industrialização e comercialização do fumo, na imputação da responsabilidade civil às empresas do tabaco, nos casos atinentes à problemática objeto de exame. Se é possível, por exemplo, responsabilizar-se uma montadora de veículos por danos advindos de uma imperfeição de peça instalada num automóvel por ela fabricado, ou, ainda, condenar-se uma fornecedora de alimentos por danos sofridos por um consumidor em decorrência do consumo de maionese deteriorada por ela produzida, da mesma forma apresenta-se legítimo responsabilizar-se as empresas de fumo pelos danos acarretados pelo consumo de produtos fumígenos dotados de imperfeições jurídicas. A ilicitude, portanto, reside na imperfeição do produto (extrínseca ou intrínseca), e não na atividade necessária à sua produção e/ou comercialização”.129
 Também Rui Stoco, embora desfavorável à responsabilização da indústria fumageira por outras razões, sustenta que “o só fato de uma atividade ser lícita não se apresenta como fator de irresponsabilidade”130.
 Veja-se que esse entendimento está em conformidade inclusive com a recente reforma do Código Civil Francês, efetuada pela Ordonnance n. 2016-131, de 10 février 2016, que deu ao art. 1245-9 a seguinte redação:
“Le producteur peut être responsable du défaut alors même que le produit a été fabriqué dans le respect des règles de l'art ou de normes existantes ou qu'il a fait l'objet d'une autorisation administrative.” (em tradução livre: O produtor pode ser responsabilizado pelo defeito mesmo quando o produto foi fabricado com observância das regras da arte ou das normas existentes ou através de uma autorização administrativa) 
 Relativamente ao caso em tela, é incontroverso que o marido da autora faleceu em razão de DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, tendo o atestado de óbito, bem como a perícia realizada, vinculado tal doença ao fato de que fumara ele por mais de 30 anos.
 Essas informações concretas estão perfeitamente em sintonia com o saber científico hoje disponível.
 Realmente a publicação intitulada “Evidências Científicas sobre Tabagismo para Subsídio ao Poder Judiciário”, publicado conjuntamente pela Associação Médica Brasileira, pelo Ministério da Saúde, pelo Instituto Nacional de Câncer e pela Aliança de Controle do Tabagismo traz dados impressionantes sobre os malefícios relacionados ao tabagismo. A  publicação desse trabalho ocorreu em março de 2013 e está baseada em 283 trabalhos científicos internacionais, devidamente citados, representativos de consensos  consolidados no mundo científico. Dados também foram extraídos da “Convenção-Quadro para o controle do Tabaco”, documento internacional patrocinado pela Organização Mundial da Saúde – OMS, e que está em vigor no Brasil desde 2006.
 Desse documento extraem-se as seguintes informações, também aplicáveis ao caso concreto (especialmente nos trechos negritados):
 - A OMS – Organização Mundial de Saúde – classifica o tabagismo como uma doença (CID-10):  “transtorno mental e comportamental decorrente do uso de substância psicoativa”;
 - “O tabagismo é uma doença multifatorial, em que o principal componente é a dependência da nicotina”;
 - A OMS classifica a NICOTINA como substância psicoativa (estimulante), que causa dependência química;
 - A dependência “é caracterizada pelo uso e a necessidade, tanto física como psicológica, de uma substância psicoativa, apesar do conhecimento de seus efeitos prejudiciais à saúde”;
 -  “A partir da instalação da dependência, a capacidade de decidir de forma livre e autônoma está comprometida”;
 - “O fumante é uma pessoa que contraiu uma doença crônica, uma dependência química à nicotina, que o obriga a se expor a mais de 4.700 substâncias tóxicas”;
 - “A nicotina chega ao cérebro entre 7 a 19 segundos” e acarreta a liberação de dopamina, que leva a uma sensação de prazer e euforia. “O fumante não fuma porque quer, e sim porque precisa repor nicotina”;
 - “O fumante, como dependente químico que é, não tem domínio e nem racionalidade quanto à sua dependência. O indivíduo fumante continua fumando porque tem muita dificuldade de livrar-se da dependência à nicotina e, em muitas circunstâncias, não tem como vencer a verdadeira pressão interna que os receptores nicotínicos cerebrais exercem sobre o seu comportamento e a sua vontade”;
 - “O relatório ‘Consequências do Tabagismo para a Saúde’, publicado em 2004, pelo ‘Surgeon General’ (Deptº de Saúde dos EUA), concluiu que há evidência suficiente para inferir uma relação de nexo causal entre tabagismo e os cânceres de pulmão, laringe, cavidade oral, faringe, esôfago, pâncreas, bexiga, rins, colo uterino e estômago, e leucemia mieloide aguda”;
 - “O tabaco é o principal fator para a DPOC, gerando tanto a inflamação crônica das vias aéreas (bronquite tabágica) como a doença degenerativa dos alvéolos (enfisema pulmonar)”;
 - “Fumar é a principal causa de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)”;
 - “Em 1984, o relatório do “Surgeon General” do Departamento de Saúde dos EUA, concluiu que 80% a 90% da morbidade da DPOC são atribuíveis ao consumo de cigarros”;
 - “O risco da DPOC em fumantes é dose-relacionada”;
 - “Em torno de 15% dos indivíduos que fumam um maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC, 85% dos diagnósticos da DPOC tem origem tabágica”;
 - “O risco de o fumante desenvolver DPOC está diretamente relacionado com a carga tabágica durante a vida”;
 - “Toda exposição ao fumo do tabaco, até mesmo o consumo de um cigarro ocasional ou exposição passiva à fumaça, é prejudicial à saúde”;
 - “Há mais de 60 substâncias cancerígenas identificadas na fumaça do tabaco, que causam, iniciam ou promovem o câncer de vários órgãos”;
 - Identificam-se “55 doenças relacionadas ao tabagismo, atingindo os aparelhos respiratório, cardiovascular, digestivo e gênito-urinário”; 
 Em artigo científico mais recente131, relativamente ao DPOC – a doença que acarretou a morte do marido da autora – reforçam-se as informações supra:
 “Força de Evidência [A, B]: a evidência é suficiente para inferir que o tabagismo é a causa dominante de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em homens e mulheres. Há evidências de dose resposta, com aumento do risco de desenvolvimento da DPOC em razão direta com a quantidade de cigarros, a idade de início, e o estado atual do tabagismo.
 Fatos documentados cientificamente:
 - Em torno de 15% dos indivíduos que fumam um maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC. O risco atribuível ao tabaco na gênese da DPOC situa-se entre 80-90%.
 - O risco de morte por DPOC aumenta em função do número de cigarros fumados por dia e do número de anos fumados.” 
 Poder-se-ia resumir tudo isso reproduzindo trecho em que se afirma que “segundo a OMS, os produtos de tabaco são os únicos produtos legais que não trazem nenhum benefício para seus consumidores e matam cerca de 50% deles quando consumidos conforme orientações dos fabricantes”.
 Tenho ser impossível não levar a sério tais dados e estatísticas, que representam consensos científicos avalizados e convalidados universalmente e legitimados por órgãos públicos de inúmeros países, bem como pela própria Organização Mundial da Saúde – OMS.
 Tão preocupante é a situação que a própria Organização Mundial da Saúde – OMS – escolheu o controle do tabaco para ser objeto da primeira Convenção Internacional liderada por ela, exatamente pela sua relevância para a saúde humana. De fato, “há duas preocupações trazidas pelo uso do tabaco que o afastam dos demais produtos causadores de danos à saúde e que o tornam extremamente único e prejudicial. Tais preocupações são: (i) o fato de o tabaco conter elementos desencadeadores de dependência química e (ii) de seu uso causar danos imediatos àqueles que estão próximos aos consumidores de tabaco, ou seja, o dano causado à saúde do fumante passivo. Não há, ressalte-se, em nenhum outro produto essa combinação representada pela soma da dependência com os danos diretos a terceiros”132.
 Da referida Convenção resultou o Tratado Internacional sobre o controle do tabaco, batizado de Convenção-Quadro sobre controle do uso do Tabaco, assinado pelo Brasil, ratificado pelo Senado Federal pelo Decreto Legislativo em 27.10.05 e promulgado pelo Decreto Presidencial n. 5.658, de 02.01.2006. Referida Convenção foi assinada por 168 países, o que a torna um dos tratados mais amplamente adotados na história das Nações Unidas.
 Pois essa mesma Convenção-Quadro, fruto de tão amplo consenso, destaca, em seu preâmbulo, as razões que levaram a OMS a capitanear tão importante iniciativa: 
 “Reconhecendo que a propagação da epidemia do tabagismo é um problema global com sérias consequências para a saúde pública, que demanda a mais ampla cooperação internacional possível e a participação de todos os países em uma resposta internacional eficaz, apropriada e integral;
 Tendo em conta a preocupação da comunidade internacional com as devastadoras consequências sanitárias, sociais, econômicas e ambientais geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco, em todo o mundo;
 ...
 Reconhecendo que a ciência demonstrou de maneira inequívoca que o consumo e a exposição à fumaça do tabaco são causas de mortalidade, morbidade e incapacidade e que as doenças relacionadas ao tabaco não se revelam imediatamente após o início da exposição à fumaça do tabaco e ao consumo de qualquer produto derivado do tabaco;
 Reconhecendo ademais que os cigarros e outros produtos contendo tabaco são elaborados de maneira sofisticada de modo a criar e a manter a dependência, que muitos de seus compostos e a fumaça que produzem são farmacologicamente ativos, tóxicos, mutagênicos, e cancerígenos, e que a dependência ao tabaco é classificada separadamente como uma enfermidade pelas principais classificações internacionais de doenças;
 Admitindo também que há evidências científicas claras de que a exposição pré-natal à fumaça do tabaco causa condições adversas à saúde e ao desenvolvimento das crianças; (...)”133 
 Reproduzo, aqui, o que referi no voto anterior, sobre outro argumento defensivo,  qual seja, a de que o cigarro não seria produto ‘defeituoso’, nos termos do CDC (art. 12), pois se trata de periculosidade inerente. Não haveria defeito de concepção, de fabricação, nem de informação.
 Uma das linhas defensivas comumente invocadas pela indústria fumageira consiste em que o cigarro conteria uma periculosidade inerente e, portanto, seria considerado normal e previsível, enquadrando-se na segunda parte do art. 8º do CDC, verbis:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. 
 Segundo a doutrina consumerista, nos casos de risco inerente, a qualidade do produto reside justamente em sua inafastável periculosidade. Sejam exemplos: quanto mais corta uma faca, mais eficiente ela é, e também mais perigosa; um veneno para insetos é tanto mais eficiente quanto mais perigoso for (para os insetos). Outro exemplo seria um remédio potente contra uma grave patologia – pense-se na quimioterapia, contra o câncer - : os efeitos benéficos (controle ou cura do tumor) quase sempre são acompanhados de importantes efeitos colaterais (náusea, queda de cabelo, baixa do sistema imunológico, emaciamento da pele, etc).
 Todavia, como bem pontua Lúcio Delfino, “não é o cigarro, entretanto, um produto de risco inerente. Não se pode considerar os riscos de seu consumo como normais, em decorrência de sua natureza e fruição.(...) Só haveria alguma lógica em tal argumento se a sociedade brasileira estivesse adequadamente informada a respeito dos malefícios do tabaco, e efetivamente tivesse consciência dos males que os produtos dele derivados acarretariam à saúde daqueles que o consumissem”134.
 Quanto ao item fruição, ainda mais evidente a ausência de periculosidade inerente ao cigarro.  Como referiu o autor, em uma das primeiras monografias nacionais sobre o tema, “Fruir quer significar gozar, desfrutar. quem fuma não tem como pretensão desfrutar, no futuro, um câncer no pulmão ou uma diminuição do desejo sexual. Não pretende, logicamente, perder grande parte da sensibilidade de seu paladar ou, ainda, gozar um envelhecimento precoce. Não existe no fumante o desejo de, ao adquirir um maço de cigarros, depreciar sua saúde ou de buscar sua morte prematura (...). Embora a maior característica do cigarro seja matar ou debilitar seus consumidores, essa não é a expectativa de quem o está adquirindo ou utilizando”. 135
 Além disso, facas, bisturis, venenos, explosivos, inflamáveis, remédios e outros produtos usualmente lembrados como contendo uma periculosidade inerente, são todos produtos socialmente úteis, quando usados corretamente para o fim a que se destinam, o mesmo não se podendo dizer do cigarro.
 De qualquer sorte, “não deixa de ser curiosa a postura ambígua da indústria do fumo: defendeu, aqui e lá fora, durante décadas, que o produto não era tão perigoso como diziam, que não causava dependência ou, se fazia mesmo mal, isso não era do conhecimento deles. Mudaram agora a estratégia argumentativa: assumem – como não mais poderiam deixar de fazer – que se trata de produto perigoso. Mas dizem que é exatamente por isso que não devem indenizar, porque todos sabem dos perigos que correm. (...) Outro ponto que não costuma ser observado é o seguinte: uma coisa é aceitar que um produto possa não ofertar segurança absoluta – isso é periculosidade inerente. Outra, bem diversa, é introduzir no mercado de consumo, de modo contínuo e consciente, um produto cuja segurança inexiste e cujos malefícios são absolutamente certos”136.
 Assim, é possível se sustentar a incidência do CDC, em razão da:
 (1) omissão de informação adequada e clara sobre as características, composição e riscos (vício de informação);
 (2) publicidade insidiosa e hipócrita, adotada por décadas, vinculando o cigarro a situações como sucesso profissional, beleza, prazer, requinte, etc. Tal publicidade oculta, subliminar, continua.
 (3) introdução no cigarro de substância aditiva (nicotina), que compele o usuário a usar mais e mais o produto, não por uma escolha consciente, mas sim em razão de necessidade química.
 Quanto ao fato de que atualmente o próprio maço de cigarro contém advertência sobre os malefícios associados ao hábito de fumar, é de se lembrar que “quem cumpre, no caso, os deveres de informar o consumidor não é propriamente o fabricante, mas o Estado, através de normas que determinam a inserção desses ou daqueles dizeres ou fotos. Tanto isso é verdade que esses dizeres ou fotos só passaram a ser incluídos nos maços por determinação legal, com forte lobby contrário feito pela indústria do fumo. Podemos considerar cumprida, nessa hipótese, os deveres anexos, dentre os quais se colocam os deveres de esclarecimento? Há, na hipótese, violação aos princípios da informação, transparência, segurança, boa-fé objetiva e, de modo mais específico, venire contra factum proprium. (....) Além disso, as campanhas pedagógicas e esclarecedoras sobre o tema, aliás, partem do Estado, não dos fabricantes. Não há, portanto, em absoluto, como considerar que a indústria do fumo cumpre o dever de informar de modo suficiente e adequado.”137
 O CDC prevê ser direito básico do consumidor (art. 6º, I e VI) a “proteção da vida e saúde contra os riscos provocados pelo fornecimento de produtos considerados nocivos” e a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais”.
 Além disso, mesmo que fosse descartada a aplicação do estatuto consumerista e se aplicasse apenas a legislação civil, não se pode olvidar que há obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único) e que o art. 931 do Código Civil prevê que “os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.”
 Aqui, neste último dispositivo, não se alude a defeito do produto, como o faz a legislação consumerista. Ainda que não se possa interpretá-lo literalmente, fato é que, a rigor, há base legal expressa para a responsabilização das indústrias fumageiras. Diante do claríssimo enquadramento da situação delas na moldura do art. 931 do CC, elas é que teriam o ônus de afastar a incidência da norma, demonstrando que seu produto não causou o dano em questão ou demonstrar alguma outra causa de exclusão da responsabilidade. 
 Igualmente reproduzo a refutação a outro argumento da defesa, no sentido da alegada inaplicabilidade do CDC a fatos ocorridos em décadas anteriores; assim, inexistia dever de informar antes da legislação impositiva de tal obrigação.
 Realmente, certo ou errado, consolidou-se o entendimento de que o CDC não poderia se aplicar a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência – e não só para questões relativas ao tabagismo.
 Mas isso em relação aos contratos celebrados anteriormente à edição do CDC.
 Relativamente às relações duradouras iniciadas anteriormente, mas que persistem durante a vigência do CDC, este é aplicável. Portanto, nada impede que o estatuto consumerista venha a ser aplicado para reger os relacionamentos iniciados antes de 1990 mas que se prolongaram após a vigência do CDC.
 É o que sustenta, por exemplo, Lúcio Delfino, ao esclarecer que “o fumante, hoje acometido por enfermidades associadas ao tabaco (ou falecido em virtude do consumo de cigarros), provavelmente praticou o tabagismo décadas antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor; no entanto, os efeitos maléficos à sua saúde surgiram após a publicação do referido estatuto legal. Naquelas situações que nasceram sob o império de lei antiga, mas continuam a produzir seus efeitos sob o da lei nova (efeitos futuros das situações jurídicas), verifica-se que a lei novel aplica-se imediatamente, mesmo aos efeitos futuros das situações nascidas sob o império da lei anterior”138.
 Em obra mais recente, Lúcio Delfino conclui que “a) no desato de demandas que questionam a responsabilidade civil da indústria do fumo, é pertinente a aplicação imediata do CDC nas situações em que consumidores adquiriram doenças associadas ao tabaco (ou vieram a falecer) após a sua publicação (março de 1991), mesmo que tenham principiado o consumo de cigarros antes disso; e b) publicidades disseminadas antes de março de 1991 ainda assim poderão ser consideradas ilegais, seja com assento no CDC, quando as consequências negativas de sua apresentação tenham surgido após a sua entrada em vigor, seja com fundamento na boa-fé objetiva, mesmo se os danos ocorreram antes da mencionada data (exercício irregular de um direito).”139
 Realmente, o princípio da boa-fé objetiva – um dos mais importantes princípios do direito obrigacional, consumerista ou não -, exatamente pela sua natureza principiológica, não exige expressa positivação legal, podendo ser inferido de uma leitura sistemática do ordenamento jurídico.
 E uma das funções mais importantes da boa-fé, como se sabe, consiste não só no dever de informar e esclarecer os potenciais contratantes, como também zelar pela incolumidade física e patrimonial do outro.
 Clóvis do Couto e Silva, o pioneiro divulgador, entre nós, do conteúdo e efeitos da boa-fé, já defendia a presença da boa-fé entre nós mesmo na vigência do CC/16140.
 Em obra anterior, clássica141, o grande mestre da Faculdade de Direito da UFRGS, já advertira: “A inexistência, no Código Civil, de artigo como o § 242 do BGB, que consagra o princípio da boa-fé objetiva no direito alemão, não obsta a sua vigência em nosso direito das obrigações, pois se trata de proposição jurídica com significado de regra de conduta e sua aplicação pode ser o resultado de necessidades éticas essenciais ainda quando faltem disposição legislativa expressa.” E, reafirmando tal posicionamento, arremata dizendo “que a boa-fé, como proposição fundamental de direito, tem vigência e aplicação, independentemente de haver sido recebida como artigo expresso em lei”. E, um pouco mais adiante, mais uma alusão: “Ao contrário do que sucede com o princípio da boa-fé, os usos do tráfico, para incidirem como norma, necessitam de recepção legislativa”.
 Uma de suas mais destacadas discípulas, a jurista com luz própria, Cláudia Lima Marques142, também refere que “no Brasil, a conduta das partes sempre deve ser conforme a boa-fé, mesmo antes do CDC e do CC/2002.”143 Um dos efeitos mais importantes do princípio da boa-fé, como se sabe, é justamente o dever de informar. Ora, prossegue, a preclara jurista, “se o fabricante sabe que seu produto causa dano em 50% de seus fumantes, tem e tinha o dever pré-contratual e de lealdade e informar, a fim de possibilitar a livre escolha de contratar ou não, ainda mais se – como o tabaco – o produto causa dependência ou possui um risco intrínseco. Ou, como afirmavam os romanos, para se proteger de um perigo, somente sabendo deste: ‘adversus periculum naturalis ratio permitit se defendre’ (Gai. D. 9,2, 4 pr).”
 Por último, mesmo que se descartasse a aplicação do CDC às hipóteses em que a pessoa teria começado a fumar antes de sua vigência, isso não significa minimamente a ausência de instrumentos jurídicos para a responsabilização da indústria fumageira, como já se sinalizou acima.
 Dentro da dogmática tradicional, pode-se lembrar o magistério do saudoso jurista português, Cunha Gonçalves144, ao tratar do tema da responsabilidade por omissão, identificando três hipóteses: a) abstenção pura e simples; b) omissão de deveres funcionais ou nos serviços públicos; e c) omissão na ação. 
 Quanto a esta última, referiu que a abstenção de um dever jurídico não é somente a omissão de um dever expressamente preceituado na lei, pois há deveres jurídicos não previstos concretamente na lei, mas consubstanciados nos dois velhos princípios gerais de direito: neminem laedere, suum cuique tribuere.
 Portanto, de tal passagem se pode extrair que a indústria fumageira é responsável por ter sido omissa ao não advertir de forma clara e completa seus potenciais consumidores, pois o princípio imemorial de que não se deve lesar a ninguém impunha que agisse. 
 A tardia admissão de uma responsabilidade. 
 Após ter se tornado cientificamente incontroversa a relação entre o tabagismo e a contração de inúmeras doenças, e após ter sido publicizado o fato de que por décadas a indústria do fumo, já sabedora de tal relação, continuava a negar a mesma, sonegando e falsificando dados, a indústria do fumo não teve alternativa senão reconhecer (até por força das condenações judiciais e acordos celebrados com órgãos governamentais), embora tardiamente, os malefícios ligados ao produto por ela lançado no mercado. De fato, a  própria British American Tobacco, a maior empresa global de produção de cigarros e dona da Souza Cruz, a líder brasileira, no seu site oficial, reconhece expressamente os males associados ao consumo do cigarro e afirma que “a única forma de evitar os riscos do cigarro é não fumar”, ou seja, não há níveis seguros de consumo do fumo. O texto que se encontra no site da B.A.T. sob a aba “Our Products” e, dentro dela, a aba “The health risks of our products”, encontra-se igualmente no site da Souza Cruz, a subsidiária brasileira da B.A.T., sob a aba “Nossos produtos”, e, dentro dela, na aba “Saúde”145, mas em versão mais amena. Eis parte de seus termos: 
 “Saúde
 A Souza Cruz reconhece os riscos à saúde associados ao consumo de produtos derivados do tabaco. (...)
 Riscos reais
 O cigarro é a forma mais comum de consumo do tabaco. No entanto, também é a que tem mais riscos associados. A queima de qualquer planta – e não do tabaco exclusivamente – produz milhares de novos componentes químicos, sendo parte deles tóxicos.
 As conclusões a respeito dos riscos de fumar foram obtidas por meio de estudos epidemiológicos, que utilizam estatísticas para analisar efeitos em grandes grupos, ao invés de indivíduos isolados. No curso dos anos, foi possível identificar de forma consistente uma incidência maior de  determinadas doenças entre fumantes em comparação com os não-fumantes. Esses estudos também relataram que os riscos se reduzem após abandonar o consumo de cigarros.
 (...)
 A única maneira de evitar o risco à saúde associado ao ato de fumar é não fumar e a melhor forma de diminuir esses riscos é parar de fumar.
 Parar de fumar
 A Souza Cruz entende que todas as pessoas são capazes de parar de fumar, desde que estejam realmente determinadas e motivadas para tanto. Estatísticas de autoridades mundiais de saúde pública demonstram que milhões de fumantes em todo o mundo já deixaram o cigarro sem qualquer ajuda profissional, mesmo antes da existência de quaisquer medicamentos para auxiliá-los.” 
 Já no site da empresa-mãe (http://www.bat.com/group/sites/UK__9D9KCY.nsf/vwPagesWebLive/DO52AMG6, acessado em 08.03.2018) encontram-se afirmações bem mais categóricas: 
 “As well as being the most common way of consuming tobacco, cigarettes are also the most harmful. Burning any plant material like tobacco turns thousands of plant-based compounds into thousands of new compounds, some of which are toxic. Inhaling the smoke that contains these toxicants causes the overwhelming majority of smoking-related diseases.
 Along with the pleasures of smoking, there are real risks of serious diseases such as lung cancer, respiratory disease and heart disease, and for many people, smoking is difficult to quit.
 What people should consider about the risks of smoking:
Smoking is a cause of various serious and fatal diseases.
The health risks in groups vary by the amount smoked, being highest in those that smoke for more years and smoke more cigarettes per day.
The risks reduce in groups of people who quit smoking, and the reductions increase from quitting earlier.
Experts advise no smoking during pregnancy – and we agree.
The only way to be certain of avoiding the risks of smoking is not to smoke.”
 Acessando-se o hiperlink disponibilizado no texto (real risks of serious diseases), abre-se uma página contendo menção às mais comuns doenças associadas ao fumo. Nas informações relativas a câncer do pulmão, candidamente se reconhece que “It has been estimated (though estimates vary considerably) that around 10-15 per cent of lifelong smokers get lung cancer and, that of all the people who get lung cancer, around 90 per cent are smokers.”
 Relativamente à doença referida nestes autos – doença pumonar obstrutiva crônica – DPOC (em inglês: Chronic obstructive pulmonary disease –COPD) – no referido site consta a seguinte observação:
 “COPD includes chronic bronchitis and emphysema. The statistical studies consistently report strong relationships between smoking and COPD that are of similar magnitude to the risks identified between smoking and lung cancer. As with lung cancer, the incidence is highest in groups that smoke for longer and smoke more cigarettes per day. Quitting is thought to slow the progression of the disease. Risks in groups of ex-smokers tend to remain higher than for non-smokers, but lower than for those who continue to smoke.” (em tradução livre: o COPD [= DPOC] inclui bronquite crônica e enfisema. Estudos estatísticos relatam, de forma consistente, a existência de uma forte ligação entre fumar e DPOC, numa magnitude similar aos riscos identificados ao vínculo entre fumar e câncer de fumar. Como ocorre no câncer de pulmão, a incidência é maior em grupos que fumam há mais tempo e fumam mais cigarros por dia. Imagina-se que parar de fumar diminua a progressão da doença. Riscos em grupos de ex-fumantes tende a permanecer mais elevados do que em grupos de não-fumantes, mas menores do que naqueles que continuam a fumar”) 
 Assim, a partir dos fatos admitidos pela própria B.A.T., considerando-se que existam cerca de 1,3 bilhões de fumantes no mundo (https://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/o-tabagismo-no-mundo-e-no-brasil/, dados de 2017), isso significa, aplicando-se o percentual conservador de 10% reconhecido como mínimo pela própria indústria do fumo, que 130 milhões de pessoas contrairão câncer de pulmão e outro tanto contrairão DPOC. Dos que contraírem a doença, os mais felizardos terão uma sobrevida de até cinco anos (esses ficam entre uma faixa de 13 a 21% nos países desenvolvidos e entre 7 a 10% nos países em desenvolvimento146).
 De tudo isso resulta, a nosso ver, que estão comprovados cientificamente os malefícios atrelados ao tabagismo. A própria indústria fumageira viu-se forçada a reconhecê-los. Apesar do conhecimento científico sobre tais malefícios tornar-se cada vez mais evidente já a partir dos anos cinquenta, ela continuou a vender seus produtos, persistindo, por muito tempo, a usar maciçamente mecanismos publicitários, lícitos e ilícitos, para angariar mercados, especialmente junto aos jovens.
 A nicotina, presente no cigarro, vicia e torna o fumante um dependente dessa droga psicoativa, reduzindo drasticamente sua força de vontade.
 Do ponto de vista jurídico, o direito deve proteger especialmente os vulneráveis, aqueles que são presas fáceis da publicidade e que não encontram dentro de si a força de vontade suficiente para sequer começar a fumar ou para interromper o vício.
 Portanto, tenho que há base legal expressa na legislação pátria, tanto no Código de Defesa do Consumidor quanto no Código Civil, para abrigar a pretensão autoral. Os argumentos teóricos sustentados pela indústria do fumo não são convincentes e há base legal e jurídica para o acolhimento da pretensão reparatória, ao menos em parte.
 Vindo ao caso concreto, reitere-se que o atestado de óbito, bem como o laudo pericial apresentado por ocasião da produção antecipada de provas, afirmaram que o marido da autora faleceu em decorrência de DPOC e que este óbito estava vinculado ao fato de ter sido ele tabagista. A médica pneumologista que o tratou desde 1998 referiu que ele fumava uma média de 20 cigarros ao dia, dos 20 aos 54 anos (fl. 91). O laudo pericial referiu que o marido da autora era “portador de DPOC grave, que é uma associação de Enfisema Pulmonar e Bronquite Crônica, condições essas decorrentes do tabagismo em 70% a 80% dos casos” (fl. 93).
 Assim, apesar de não ter sido produzida a prova testemunhal para os fins indicados no acórdão anterior, cassado pelo E. STJ, tenho que a prova existente nos autos é suficiente para a comprovação dos fatos básicos: o marido da autora faleceu em razão de DPOC, fumou dos 20 aos 54 anos, e sua doença estava relacionada ao seu tabagismo, segundo afirmado pela médica que o acompanhou ao longo dos últimos 12 anos de sua vida.
 A parte autora pretendia realizar prova testemunhal e nesse sentido foi o julgamento anterior. Todavia, a demandada insistiu para o julgamento antecipado e recorreu ao STJ para que tal prova não fosse produzida. Como se trata de relação de consumo, em que é possível a inversão do ônus da prova, diante da patente vulnerabilidade do consumidor, a não produção de ulterior prova se deu em razão da conduta processual da parte demandada. Isso, por óbvio, não pode redundar em prejuízo da parte autora.
 Como as alegações da parte autora são absolutamente verossímeis, estão afinadas com todos os achados científicos existentes a respeito das doenças tabaco relacionadas e estão de acordo com a prova documental produzida – atestado de óbito, atestado da médica que tratava do marido da autora, bem como laudo pericial realizado de forma antecipada – tenho que é de se ter como provados os fatos constitutivos do direito da autora.
 E, chegando a essa conclusão, impõe-se o parcial provimento da apelação para que se julgue parcialmente procedente a ação.
 Digo parcial procedência pois não é caso de se acolher in totum o pleito inicial.
 De fato, impõe-se uma tríplice redução do valor da indenização. Duas reduções são genericamente aplicáveis em casos da espécie, a meu sentir. A terceira decorre do fato do fato de não se poder realizar a instrução do feito, em razão da determinação do STJ no sentido de o feito ser julgado no estado em que se encontra.
 A primeira redução decorre do fato da presença de uma culpa concorrente do marido da autora, na forma como eu vejo a questão. De fato, apesar de toda a argumentação supra, no sentido da atuação dolosa da indústria do fumo, investindo maciçamente em publicidade direta, indireta e subliminar durante praticamente todo o período em que o marido da autora fumou (segundo a médica que o tratou, ele teria fumado dos 20 aos 54 anos. De acordo com a certidão de fl. 89, ele nasceu em 1944. Portanto, fumou de 1964 a 1998), fumar não era um destino inevitável. Houve uma parcela, embora pequena, de adesão a esse letal estilo de vida. Neste caso concreto, portanto, considerando-se a época em que ele começou a fumar, tenho que é de se reduzir em 25% o valor da indenização, devido à contribuição causal concorrente do sr. Davenir.
 Uma ulterior redução se impõe em razão de inexistir uma prova absolutamente categórica e indiscutível sobre a origem do DPOC que acometeu o sr. Davenir. Isso não constitui óbice ao acolhimento da demanda, nos termos longamente expostos na fundamentação deste acórdão, mas impõe, a meu sentir, uma diminuição do valor da condenação, para que esse valor reflita o grau de probabilidade da contribuição causal do tabagismo.
 Fontes científicas invocadas neste acórdão apontam para uma correção entre 80% e 90% entre o tabagismo e o DPOC.  Reproduzo algumas passagens já antes expostas:
 - “Em 1984, o relatório do “Surgeon General” do Departamento de Saúde dos EUA, concluiu que 80% a 90% da morbidade da DPOC são atribuíveis ao consumo de cigarros”;
 - “Em torno de 15% dos indivíduos que fumam um maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC, 85% dos diagnósticos da DPOC tem origem tabágica”;
 - Em torno de 15% dos indivíduos que fumam um maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC. O risco atribuível ao tabaco na gênese da DPOC situa-se entre 80-90%.
 Assim, tenho que é possível se atribuir um percentual de 85% de probabilidade de que o DPOC que acometeu o sr. Davenir tivesse origem no fato de que fumou durante 34 anos de sua vida. Portanto, isso impõe uma redução de 15% sobre o hipotético valor da condenação. 
 Por outro lado, a impossibilidade de se instruir o feito impediu que fosse identificada precisamente a ou as marcas de cigarro que o sr. Davenir fumou ao longo de sua vida. Tal circunstância, porém, não necessariamente inviabiliza o acolhimento da demanda. Tenho que a saída para esse impasse exige a aplicação da lógica adotada na chamada doutrina da market share liability (responsabilidade por cota de mercado), adotada pioneiramente no famoso caso Sindell v. Abbott Laboratories, julgado pela Suprema Corte da California, em 1980. Ou seja, a demandada foi a maior, mas não a única fabricante de cigarros ao alcance do sr. Davenir ao longo de sua vida. Assim, inexistindo outros elementos esclarecedores sobre a marca por ele consumida, há possibilidade de se calcular a probabilidade de que o sr. Davenir tenha fumado cigarros fabricados pela demandada, a partir da média de participação da demandada no mercado de cigarros comuns no Rio Grande do Sul ao longo do período em que Davenir fumou (de 1964 a 1998). Caso não se tenham dados disponíveis relativos a todos os anos desse período, serão usados aqueles eventualmente disponíveis para se extrair uma média. Caso venha a ser evidenciado, hipoteticamente, que  a demandada detinha 70% do mercado de cigarros no Rio Grande do Sul, ao longo do período supra referido, então será ela responsável pelo pagamento de 70% do valor da condenação. Referida apuração será efetuada em liquidação de sentença, na forma prevista no art. 509, II, do CPC, após eventual  trânsito em julgado da decisão condenatória. 
 Do valor da indenização.
 Pelo que se percebe do que consta dos autos, o sr. Davenir fumou dos 20 aos 54 anos. O laudo médico de fl. 91, onde tal informação é revelada, refere que a pneumologista Drª Alexandra Madalosso Machado começou a tratar Davenir em 1998. Como esse foi o ano em que Davenir completou os 54 anos, conclui-se que Davenir parou de fumar ao receber o diagnóstico de que estava com DPOC, relacionado ao tabagismo. Referido laudo, emitido em abril de 2005, mencionou que Danevir apresentava “perda importante da capacidade pulmonar, que o incapacita total e permanentemente para o trabalho”, sendo que “desde 2002 faz uso contíuo de oxigenioterapia domiciliar, o que caracteriza doença severa”. Por sua vez, o laudo pericial de fl. 93, de 2006, referiu que o sr. Davenir necessitava de “oxigenioterapia domiciliar contínua”, apresentando “dispneia intensa aos mínimos esforços, tosse e expectoração”, afirmando que seu DPOC “decorre do tabagismo (resposta ao quesito 1.1.2).
 Ora, Davenir faleceu em 2010 (certidão de óbito de fl. 90). Disso se conclui que durante os oito últimos anos de sua vida – 2002 a 2010 – praticamente não saiu ele de caso, em razão de necessitar continuamente de oxigenioterapia, padecendo de todos os males, incômodos e dores que reconhecidamente andam ligados a esta maldita doença. Não há dúvidas, tampouco, que todo esse longo sofrimento se estendeu para toda a sua família, que acompanhou sua inexorável agonia, sofrendo com ele sem nada poder fazer para deter a sentida aproximação da morte ou para lhe dar uma maior qualidade de vida. O dano sofrido pela autora, portanto, foi imenso, pois não só perdeu seu companheiro de uma vida, como também acompanhou diuturnamente o sofrimento deste durante cerca de doze anos, a partir de quando a doença se manifestou.
  Como foi visto por toda a argumentação supra, a indústria do fumo, desde a década de cinquenta, no mínimo, tinha perfeita ciência de quanto seu produto era maléfico para a saúde. Apesar disso, não só ocultou dos seus consumidores, das autoridades de saúde e do público em geral, tais malefícios, como inclusive, com escancarada má-fé, dolosamente, mentiu e procurou retardar, dificultar e obstaculizar que tais descobertas fossem divulgadas. Tinha, também, e desde sempre, não só perfeita consciência de que a nicotina vicia, como também manipulava sua dosagem de forma a manter cativo seus consumidores.
 Essa sua atitude de consciente descaso para com o bem-estar dos consumidores de seu produto não pode deixar de ser levado em consideração no momento da fixação do dano.
 Assim, como primeira fase da indenização, fixo o valor dos danos morais em R$1.000.000,00 (um milhão de reais), que tenho por compatível tanto com a entidade dos danos sofridos pela autora – o longo calvário que ela conviveu com seu marido, desde o diagnóstico de que padecia de DPOC, doze anos antes de sua morte, até o momento em que seu modo de existir foi drasticamente reduzido em razão da  oxigenioterapia de que necessitou durante os último oito anos antes de falecer, com tudo o que isso representou – bem como com a conduta reprovável da demandada, exaustivamente apontada ao longo da fundamentação deste acórdão, bem como ao porte econômico da ré. Em razão da ausência de absoluta certeza quanto ao nexo de causalidade, na forma antes referida, deduzo 15% do valor da indenização, que então é reduzido para R$850.000,00. Considerando, agora, a contribuição causal (culpa concorrente) de Davenir, pelas razões expostas na fundamentação, fixada em 25%, pagará a demandada 75% de tal valor, o que corresponde a R$637.500,00.
 A última etapa das deduções, correspondente à chamada responsabilidade por cota de mercado (Market Share Liability), deverá ser objeto de liquidação de sentença, na forma do art. 509, II, do CPC, e observados os critérios acima referidos, uma vez que não se encontram nos autos os elementos necessários para tal fixação.
 Referido valor será atualizado monetariamente, pelo IGPM, a contar desta decisão, e acrescido de juros moratórios, à taxa de 1% ao mês, a contar da data do óbito do sr. Davenir (23.04.2010), na forma do art. 398 do CC.
 Apesar do parcial decaimento da pretensão da autora, deixo de impor-lhe ônus sucumbenciais parciais, uma vez que sua pretensão está sendo substancialmente acolhida, embora a fixação do montante dos danos não tenha alcançado o valor inicialmente pretendido. 
 Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO para julgar PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO e condenar a ré SOUZA CRUZ S/A ao pagamento do valor a ser apurado em liquidação de sentença, na forma do art. 509, II, do CPC, observados os parâmetros acima fixados.
 Em consequência, inverto os ônus sucumbenciais e condeno a ré ao pagamento dos ônus sucumbenciais de 12% sobre o valor atualizado da condenação, já considerados, nesse percentual, o decaimento parcial da parte autora.


 
Des. Carlos Eduardo Richinitti - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Eduardo Kraemer - De acordo com o(a) Relator(a). 
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO - Presidente - Apelação Cível nº 70059502898, Comarca de Caxias do Sul: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME"
 
Julgador(a) de 1º Grau: CLAUDIA ROSA BRUGGER


1 Dentre tantas situações comprovadas, “Sylvester Stallone recebeu US$500 mil para fumar cigarros em cinco de seus filmes, a fim de associar o ato de fumar com a força e a boa saúde” - RICARD, Matthieu. A revolução do altruísmo. São Paulo: Palas Athena, 2015, p. 441.
2 “O consumo do tabaco e de seus derivados é um dos mais graves males que afetam o direito à saúde (...). Por essa razão, e tendo em conta que da disseminação do consumo de tabaco e do estímulo ao aumento do número de consumidores decorrem graves efeitos sociais, inclusive sobre pessoas que não são consumidoras diretas mas que sofrem os efeitos do tabagismo, impõe-se o controle do tabaco” - DALLARI, Dalmo de Abreu. “Controle do uso do tabaco: constitucionalidade do controle da distribuição e da publicidade”. In: PASQUALOTTO, Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco – Frente e Verso da Liberdade de Expressão Comercial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 38.
3 MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, p. 244.
4 No Brasil, a Lei 9.294/96, posteriormente alterada pela Lei 10.167/2000, restringiu a propaganda de cigarros à parte interna dos pontos de venda (com uso de pôsteres, cartazes, painéis). Desde 2001, a propaganda de cigarros foi excluída dos meios de comunicação de massa.
Os autores são concordes ao afirmar a influência da publicidade sobre o vício do tabagismo. Isabella Henriques refere que “de forma geral as pesquisas demonstraram que a publicidade de cigarros – mesmo sob outras formas de comunicação mercadológica, como a exposição de cigarros nos pontos de venda – tem uma enorme influência no encorajamento ao início da atividade de fumar entre adolescentes” - HENRIQUES, Isabella. “Controle do Tabaco X Controle do Álcool: Convergências e Diferenciações Necessárias. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 254.
5 “Tobacco companies have refused to offer settlements in any of the cases brought against them” - SCHWARTZ, Gary T. “Tobacco Liability in the Courts”, in: RABIN & SUGARMAN (eds.), Smoking Policy: Law, Politics, and Culture. New York: Oxford University Press, 1.993, p. 131. 
6 Atualmente, para contornar esse óbice, cada vez mais se lança mão de dados estatísticos, para se elaborar modelos de cálculos de probabilidade. Assim, por exemplo, “os estudos epidemiológicos, convertidos em modelos estatístico-matemáticos, confirmam amplamente, com índices percentuais de probabilidade superiores a 80%, no plano genérico, a correlação causal existente entre o surgimento de patologias específicas ou agravamento de outras, e o consumo de cigarros”. Isso permite a que se chegue “ao resultado útil de transferir o custo do dano da vítima a aquele ou aqueles que o provocaram, segundo um significativo grau de probabilidade”. Caso assim não se proceda, e “não existindo opções ‘neutras’ no mundo jurídico, insistir sobre a necessidade de se provar que o fumo provocou câncer num sujeito específico e atribuir tal ônus ao lesado/consumidor, equivale a afirmar, em qualquer caso, a indemonstrabilidade prática do nexo, com óbvias consequências sobre o  plano de alocação do custo do dano”– nesse sentido, BALDINI, Gianni. Il danno da fumo – Il problema della responsabilità nel danno da sostanze tossiche. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p. 171, 172 e 173. Ainda segundo Baldini, o recurso ao critério de causalidade científico-probabilistica permitirá ter como juridicamente fundada a correlação causal exclusiva ou concorrente entre o fumo e a patologia discutida, sobre a base de resultados científicos baseados em leis estatísticas idôneas a confirmar a relação causal – op. cit., p. 191.
7 Segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz, publicado no Jornal O Estado de São Paulo, edição de 31.05.2012.
8 EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS SOBRE TABAGISMO PARA SUBSÍDIO AO PODER JUDICIÁRIO. Projeto Diretrizes, da AMB. Documento elaborado pela Associação Médica Brasileira; Ministério da Saúde/Instituto Nacional de Câncer; Aliança de Controle do Tabagismo. 2013, p. 40.
9 Situação assemelhada é vivida em outros países: dados do Canadá revelam que, em 2002, o Ministério da Saúde estimou os custos atribuídos ao tabagismo em 15,8 bilhões de dólares, ao passo que naquele mesmo ano o governo do Canadá arrecadou apenas 7,4 bilhões de dólares em tributos no setor fumo.  – QUÉBEC COALITION FOR TOBACCO CONTROL. Update on smoking costs to society. Montréal, 2004. Disponível em http://www.cqct.qc.ca/Documents_docs/ETUD_04_01_15_GroupeDAnalyseCourTabacENG.PDF  .  A situação é substancialmente a mesma em todos os países.
10 Nesses termos, FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 827.
11 GARATTINI, Silvio; LA VECCHIA, Carlo. Il fumo in Italia: prevenzione, patologie & costi. Milano: Kurtis, 2005, p. 2s.
12 BALDINI, Gianni. Il danno da fumo – Il problema della responsabilità nel danno da sostanze tossiche. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p. 35.
13 Todavia, já muito antes da publicação deste famoso relatório, já havia consenso entre a comunidade científica e médica sobre os malefícios associados ao tabaco – nesse sentido a informação do professor de história da Medicina, de Harvard, BRANDT, Allan M. The Cigarette Century – The Rise, Fall, and Deadly Persistence of the Product that Defined America. New York: Basic Books, 2007, p. 493.
14 MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio a HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. XXII.
15 Eis a forma como uma ex-fumante (Pamela DeNardo) narrou o poder do vício, em nome da American Lung Association, perante a Comissão do Senado norte-americano que investigou a indústria do fumo, na sessão de 05.09.2001: “I was a smoker. I started to smoke at the age of 17. I started smoking because it was cool. And for many years, I truly believed that I could quit any time I wanted to, that is, until I really tried. That is when I understood the word ‘addiction’. And now I am sick. I have been diagnosed with chronic obstructive pulmonary disease. Even after being diagnosed, quitting was extremely difficult. It was literally the hardest thing I have ever done. I actually know people who will smoke a cigarette, suck on an inhaler, and smoke another cigarette. That is addiction”. In: UNITED STATES CONGRESS SENATE COMMITTEE ON JUDICIARY. DEPARTMENT OF JUSTICE OVERSIGHT: MANAGEMENT OF THE TOBACCO LITIGATION. Washington: U.S. Government Printing Office, 2002, p.18.
16 Diligências ulteriores reuniram o impressionante volume de 14 milhões de documentos internos, estendendo-se por dezenas de milhões de páginas, disponíveis para consulta no site http://www.library.ucsf.edu/tobacco(excelente site universitário que, no item Tobacco Control Archives, disponibiliza três gigantesca coleções: a Truth Tobacco Industry Documentos – TTID, que reúne os aludidos 14 milhões de documentos produzidos pela indústria fumageira; a Paper and Midia Collection que reúne artigos e outras publicações sobre o tema do controle de tabaco; e o Tobacco Litigation Documents, que disponibiliza as petições iniciais das 46 ações movidas pelos Estados Norte-americanos, pelo Governo Federal e outras ações movidas contra a indústria fumageira).
17 CARVALHO, Mário Cesar. O cigarro. São Paulo: Publifolha, 2001, p. 16/17.
18 MOURA, Walter. “O Fumo e a Sociedade de  Consumo: o Novo Sentido da Saúde”. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 45.
19 WHO – REPORT ON THE GLOBAL TOBACCO EPIDEMIC, 2008: The MPOWER package. World Health Organization, http://whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789241563918_eng_full.pdf, acesso 13/8.2010 – apud HOMSI, Clarissa Menezes. “As Ações Judiciais Envolvendo o Tabagismo e seu Controle”. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 50, e  O.M.S. – Relatório sobre epidemia mundial de tabaco: advertências sobre os peritos do tabaco, 2011, p. 8, apud CABRERA, Oscar; GUILLEN, Paula Ávila; CARBALLO, Juan. “Viabilidade Jurídica de uma Proibição Total da Publicidade de Tabaco. O Caso perante a Corte Constitucional da Colômbia”. In: PASQUALOTTO, Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco – Frente e Verso da Liberdade de Expressão Comercial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 254.
20 Segundo reportagem intitulada “Consumo de tabaco mata 7 milhões ao ano”, publicada no jornal Zero Hora (editado em Porto Alegre), no dia 31.05.2017, p. 29.
21 No Brasil, o “Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco”, do INCA – Instituto Nacional de Câncer, apresenta os seguintes dados sobre a mortalidade no Brasil associada ao tabagismo (extraído do site http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/destaques/?contentIDR=ed26b500454853d6a0e5e0ba7c1d3624&useDefaultText=0&useDefaultDesc=0, acessado em 01.03.2018):
“Carga do tabagismo
A carga do tabagismo em 2011, em termos de mortalidade, morbidade e custos da assistência médica das principais doenças relacionadas ao consumo de produtos de tabaco no Brasil aponta que naquele ano, o tabagismo foi responsável por pelo menos:
147.072 óbitos; 2,69 milhões anos de vida perdidos; 157.126 infartos agudos do miocárdio; 75.663 acidentes vasculares cerebrais, e 63.753 diagnósticos de câncer.
Estes dados contemplam apenas as doenças e agravos considerados neste estudo. São mais de 400 óbitos por dia, que correspondem a 14,7% do total de mortes ocorridas no país (1.000.490 mortes).
"As mortes por câncer de pulmão e por DPOC corresponderam a 81% e a 78%, respectivamente, enquanto que 21% das mortes por doenças cardíacas e 18% por AVC também estiveram associadas a esse fator de risco. O conjunto das neoplasias revelou que 31% das mortes foram devidas ao consumo de derivados do tabaco. O tabagismo passivo e as causas perinatais totalizaram 16.920 mortes. (...)”
22 VEDOVATO, Luís Renato. “A Convenção-Quadro sobre Controle do uso do Tabaco – Consequências para o ordenamento jurídico brasileiro”. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 5.
23 DELFINO refere que um estudo do Worldwatch Institute demonstrou que trabalhadores tais como músicos ou garçons, ou quem tem cônjuge tabagista, acabam inalando uma dose diária equivalente a quatorze cigarros. Muitos desses não fumantes acabam morrendo de câncer pulmonar ou outras doenças provocadas pelo tabaco, sem nunca terem fumado voluntariamente um único cigarro, já que a fumaça do cigarro contém todos os componentes tóxicos que o fumante inala, porém em concentrações maiores – DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 28 e 29,
24 BALDINI, Gianni. Il danno da fumo – Il problema della responsabilità nel danno da sostanze tossiche. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p. 181.
25 Artigo inserido na obra coordenada por RABIN & SUGARMAN, Smoking Policy: Law, Politics, and Culture. New York: Oxford University Press, 1.993, p. 131/160.   
27 Também a União Europeia e o Japão já se insurgiram contra empresas de cigarro, pelos males causados aos usuários, ao sistema público de saúde e ao meio ambiente, o que resultou na celebração de acordos semelhantes, envolvendo pagamento de indenizações bilionárias e a adoção de medidas aptas a minimizar os danos futuros e os consumados, segundo informam os Procuradores da República Alexandre Caminho de Assis e Luna Veronese e Veronese, no artigo “Os males da indústria tabagista e o direito brasileiro”, publicado na Revista Jurídica Consulex, ano XVIII, n. 429, 1º.12.2014, número especial: “TABAGISMO – Polêmica Reacesa”, p. 40
28 Referências a estas demandas, com os respectivos valores indenizatórios, são feitas também no recente Relatório do Surgeon General (http://www.surgeongeneral.gov/library/reports/50-years-of-progress/sgr50-chap-14-app14-3.pdf, acessado em 17.11.2015), a mais alta autoridade da saúde norte-americana, equivalente, grosso modo, ao nosso Ministro da Saúde (com a diferença de que lá, diferentemente daqui, o cargo é ocupado por especialistas respeitados academicamente, escolhidos por critério técnico, e não por acordos políticos ou barganhas partidárias, como tristemente  por aqui ocorre. Daí por que seus relatórios sobre saúde pública, lá, tem enorme impacto na sociedade, em razão da credibilidade científica que os rodeia).
32 Informações obtidas no http://www.tobaccoontrial.org/?page_id=191, acesso em 05.03.2018.
33 Uma boa análise do desenrolar desse caso, desde sua origem até o julgamento da Suprema Corte, encontra-se em VIDMAR, Neil; HANS, Valerie P. American Juries – The Verdict. Amherst/New York: Prometheus Books, 2007, p. 316/319.
34 Informações obtidas no http://www.tobaccoontrial.org/?page_id=191, acesso em 05.03.2018.
35 Informações obtidas no http://www.tobaccoontrial.org/?page_id=191, acesso em 05.03.2018.
36 Os fundamentos para a demanda, na terminologia norte-americana, eram os seguintes: strict liability, fraud and misrepresentation, conspiracy to commit fraud and misrepresentation, breach of implied warranty of merchantability and fitness, negligence, breach of express warranty, intentional infliction of mental distress.
37 Informações obtidas no http://www.tobaccoontrial.org/?page_id=191, acesso em 05.03.2018.
38 Informações obtidas no site http://www.publichealthlawcenter.org/sites/default/files/resources/tclc-fs-engle-progeny-2015.pdf, acesso em 12.03.2018, bem como em http://www.tobaccoontrial.org/?page_id=191, acesso em 12.03.2018.
40 O advogado líder que representava os interesses da Philip Morris, Steve Susman, vaticinou que referido acordo inspiraria uma maré de novos litígios. Ele estava certo. Por todo o país, advogados sentiram que a indústria estava vulnerável e ajuizaram ações indenizatórias. Uma excelente crônica dos bastidores daqueles anos febris em que se decidia o futuro da indústria do fumo e sua responsabilização pelos danos causados aos fumantes nos é dada por OREY, Michael. Assuming the Risk: The Mavericks, The Lawyers,And the Whistle-Blowers Who Beat Big Tobacco. Boston: Little, Brown and Company, 1999. A informação supra encontra-se à fl. 366.
41 Na rede mundial de computadores encontram-se abundantes notícias sobre esse acordo. Parte das informações aqui reproduzidas foram extraídas de tais fontes, dentre as quais o site https://oag.ca.gov/tobacco/msa, que é o site oficial do equivalente ao Ministério Público do Estado da Califórnia (na verdade, o Attorney General é um cargo singular, que cumula funções que, no Brasil, são exercidas separadamente pelo Secretário da Justiça, Procurador-Geral da Justiça e Procurador-Geral do Estado, ou seu equivalente federal).
42 A indústria Liggett & Myers celebrou, em 1997, acordos separados, pelos quais também se comprometeu a disponibilizar inúmeros documentos confidenciais, o que foi feito.
43 Essa última informação é trazida por KOENIG, Thomas H. & RUSTAD, Michael L. In Defense of Tort Law. New York: New York University Press, 2003, p. 209.
44 GIFFORD criticou, porém, o fato de que pouco dessa indenização bilionária reverteu em favor da prevenção do fumo e tratamento das doenças tabaco-relacionadas – GIFFORD, Donald G. Suing the Tobacco and Lead Pigment Industries – Government Litigation as Public Health Prescription. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2010, p. 216.
45 Apesar do controle do tabaco ter passado a ser uma questão de política pública na maioria dos países, após a entrada em vigor da Convenção-Quadro, os lucros da indústria do fumo continua a crescer. Basta refletir que em 1998 a receita das três então maiores empresas de tabaco do mundo (Philip Morris, BAT e Japan Tobacco) foi acima de 88 bilhões de dólares, valor que excedeu o PIB da Albânia, Armênia, Bahrain, Bolívia, Botswana, Bulgária, Cambodja, Camarões, Estônia, Guiania, Honduras, Jamaica, Jordânia, Laos, Latvia, Madagascar,  Moldova, Mongólia, Nepal, Nicarágua e Togo somados! – dados divulgados na 11ª Conferência Mundial: tabaco ou saúde, no ano 2000 – Tobacco Fact Sheet: Tobacco Facts, referidos na publicação organizada por MUST, Emma; EFROYMSON, Debra; TANUDYAYA, Flora. Controle do Tabaco e Desenvolvimento – Manual para Organizações Não Governamentais. Guia PATH Canadá. Rio de Janeiro: Rede de Desenvolvimento Humano, 2004, p. 23, 24.  Por outro lado, a Revista Exame (na edição de n. 1050, ano 47, n. 18, de 02.10.2013, p. 77) informou que de janeiro de 2008 a 2013 o preço das ações da empresa Souza Cruz quadruplicou. Mesmo com as vendas em queda (substancialmente em razão das crescentes restrições à publicidade do tabaco), o aumento do preço do cigarro fez o lucro da empresa crescer 40%, o que permitiu a distribuição de 7 bilhões de reais de dividendos aos acionistas.
46 A denominação completa, oficial, do caso é United States
v Philip Morris, R.J. Reynolds, Brown & Williamson, Lorillard, Liggett, American Tobacco Co., British American Tobacco, the Council for Tobacco Research, and the Tobacco Institute.
47 No original: “unequivocally place the tobacco companies in the same boat as other organized crime organization” – in: EUBANKS, Sharon Y.; GLANTZ, Stanton A. Bad Acts – The racketeering case against the tobacco industry. Washington: American Public Health Association, 2012, p. 282.
48 Disponível em http://publichealthlawcenter.org/sites/default/files/resources/doj-final-opinion.pdf , acesso em 06.12.2015. Para se ter uma ideia desse verdadeiro tratado, somente o índice que abre a sentença se estende por 30 páginas! 
49 RICARD, Matthieu. A revolução do altruísmo. São Paulo: Palas Athena, 2015, p. 441.
50 Para informações a respeito, remetemos a a artigo de nossa lavra, denominado “Acionando a indústria do fumo por danos causados à saúde – cronologia de uma mudança da maré. In: PASQUALOTTO, Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA, Fernanda Nunes (org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2018, p. 133-196.
51 Como se sabe, a teoria da causalidade adequada e a teoria do dano direto e imediato (especialmente na vertente da necessariedade) disputam entre nós as preferências dos autores para explicar o nexo de causalidade. Historicamente prevaleceu a teoria da causalidade adequada. Mais recentemente, especialmente após a vigência do novo Código Civil, passou a difundir-se mais intensamente a segunda teoria. Segundo Moreira Alves, “a diferença entre ambas as teorias – a da causa adequada e a do dano direto e imediato na vertente da subteoria da necessariedade -, estaria, em última análise, na medida do grau de probabilidade, que na subteoria da necessariedade exigiria pelo menos a conseqüência extremamente provável, a traduzir a quase certeza, ao passo que a teoria da causa adequada ficaria apenas em probabilidade menos intensa” – MOREIRA ALVES, José Carlos, “A causalidade nas ações indenizatórias por danos atribuídos ao consumo de cigarros”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e Pareceres sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 250.
52 LÔBO, Paulo N. Prefácio à obra de FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Responsabilidade por danos – Imputação e Nexo de Causalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 14.
53 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil da Indústria do Tabaco. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 91 e 92.
54 FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Responsabilidade por danos – Imputação e Nexo de Causalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 47 e 283.
55 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Prefácio à MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: G/Z Editora, 2010, p. XII. Deve ser dito, porém, que a Profª Maria Celina não defende a responsabilidade da indústria do fumo, diante do obstáculo do livre-arbítrio do fumante.
56 MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: G/Z Editora, 2010, p. 95.  Em apoio do que afirma, Caitlin invoca autor italiano que sustenta que “falar de causa significa falar de probabilidade e de aumento do risco da produção de um evento” (Marco Capecchi. Il nesso di causalità: da elemento della fattispecie fatto illecito a critério di limitazione del risarcimento del danno. Padova: CEDAM, 2002, p. 213.).
57 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 307.  À p. 297 de sua obra, fruto de dissertação de mestrado orientada por Gustavo Tepedino, refere opinião de Clóvis do Couto e Silva, prelecionando sobre causalidade alternativa, segundo o qual “não se trata de ‘questão de presunção’, mas de transformar a própria noção de causalidade real pela admissão de uma ‘causalidade suposta’ – COUTO E SILVA, Clóvis. Príncipes fondamentaux de la responsabilité civile em droit brésilien et comparé. Cours fait à la Faculté de Droit et Sciences Pllitiques de St. Maur, p. 77.
58 DELLA GIUSTINA, Vasco. Responsabilidade civil dos grupos: inclusive no Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 14.
59 Apud MARINONI, Luiz G.; ARENHART, Sérgio C.; MITIDIERO, Daniel (2015). NOVO CURSO DE PROCESSO CIVIL. Vol. 2 – Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 421/422.
60 Apud MIRANDA NETTO, Fernando Gama; LEAL, Stela Tannure; SERRANO, Thiago (2014). Responsabilidade civil em virtude de doenças associadas ao tabagismo: presunção de causalidade e redução do estândar da prova. Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p. 134.
61 HIGINO NETO, Vicente (2005). A Teoria da redução do módulo da prova como instrumento de concretização dos princípios do devido processo legal e da igualdade substancial. Revista Jurídica Consulex, Ano IX, n° 195, 28/02/2005, p. 54/55.

62 MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010.
63 MULHOLLAND, op. cit., p. 278/279.
64 GOLDBERG, Richard (2011). Using Scientific Evidence to Resolve Causation Problens in Product Liability: UK, US and French Experiences. In: GOLDBERG, Richard (ed.). Perspectives on Causation. Oxford: Hart Publishing, 2011, p. 178.
65 GOMES CANOTILHO, José Joaquim (1998). Introdução ao Direito do Ambiente. Lisboa: Universidade Aberta, 1998, p. 142.
66 INFANTINO, Marta (2012). La causalità nella responsabilità extracontrattuale. Studio di diritto comparato. Napoli: ESI, 2012, p. 115s.
67 BORDON, Raniero (2006). Il nesso di causalità. Torino: UTET, 2006, p. 50s.
68 No original: “Il sapere scientifico su cui il giudice può basare le proprie decisioni è costituito sia da leggi ‘universali’ (invero assai rare), che asseriscono nella successione di determinati eventi invariabili regolarità senza eccezioni, sia da leggi ‘statistiche’ che si limitano ad afermare che il verificarsi di un evento è accompagnato dal verificarsi di un altro evento in una certa percentuale di casi e con una frequenza relativa”.
69 ALPA, Guido. Hacia dónde se dirige la responsabilidad civil?. (Título original: Dove va la responsabilità civile?, publicado originalmente em La nuova giurisprudenza civile commentata, 2010, n. 3, p. 175/184). In: MORENO MORE, César E. (coord.). Estudios sobre la responsabilidad civil. Lima: Legales Ediciones, 2015, p. 768 e 769.
70 PORAT, Ariel & STEIN, Alex (2003). Indeterminate Causation and Apportionment of Damages: An Essay on Holtby, Allen, and Fairchild. In: Oxford Journal of Legal Studies, vol. 23, n. 4 (Winter), 2003, p. 667-702.
71 Caso Holtby v. Brigham & Cowan (Hull) Ltd., julgado em 2000 (3 ALL ER 423).
72 Caso Allen v. British Rail Engeneering Ltd., julgado em 2001 (EWCA Civ 242).
73 O caso Fairchild v Glenhaven Funeral Services Ltd foi julgado em 2002 (UKHL 22). Ele envolvia o caso de uma viúva de um trabalhador que havia falecido em razão de um mesothelioma pleural maligno, contraído em razão da aspiração de fibras de asbestos (cimento amianto), um resistente material de baixo custo e muito usado, durante muito tempo, na construção civil. A aspiração de tais fibras, ao longo de anos, após um lento desenvolvimento da doença por cerca de 25 a 50 anos, pode causar a morte, como ocorreu no caso em tela. O problema residia em que o falecido Sr. Fairchild havia trabalhado para vários empregadores em cujos estabelecimentos fora utilizado o cimento amianto. O risco de contrair doença relacionada ao asbestos depende da quantidade e intensidade da exposição aos mesmos. Saber em que momento a tolerância aos asbestos foi ultrapassada e detonado o processo da doença é algo que não se pode identificar. Era impossível, no caso, atribuir-se a um particular empregador a responsabilidade pelo evento. No caso, “while it was possible to say ‘it was one of them’ it was impossible to say which” (ainda que fosse possível afirmar-se que fora um deles, era impossível dizer qual). Sob o entendimento então dominante a respeito da causalidade, tal incerteza levaria à improcedência da ação. Todavia, a então House of Lords desenvolvendo o entendimento já anteriormente firmado no caso McGhee v. National Coal Board, afirmou que o test apropriado para situações similares, era saber se o réu havia “materialmente aumentado o risco de causar dano” (materially increased the risk of harm) ao autor. Sendo a resposta positiva, dever-se-ia condenar solidariamente o(s) réu(s) ao pagamento da totalidade do dano invocado pelo autor, ainda que pudessem os devedores solidários, posteriormente, distribuírem regressivamente entre si a responsabilidade.  Tal decisão teve um impacto enorme. Estimou-se que a repercussão econômica da aplicação de tal decisão foi de 6,8 bilhões de libras esterlinas, considerando que diariamente morrem 13 britânicos de doenças relacionadas ao cimento amianto, sendo que essa estatística é crescente.
74 O acórdão refere estudo que estima entre 1,5 e 3 milhões de mulheres que consumiram o medicamento, sendo que várias centenas ou milhares de jovens desenvolveram câncer relacionado ao uso de tal medicamento. O acórdão está acessível no endereço: http://online.ceb.com/calcases/C3/26C3d588.htm., acesso em 20.11.15.
75 Pouco mais de uma década mais tarde, em 1992, a Suprema Corte da Holanda [Hoge Raad], apreciando caso semelhante, foi ainda mais ousada e acolheu a tese da solidariedade – todos os fabricantes seriam solidariamente responsáveis perante as vítimas, podendo posteriormente agirem posteriormente, uns contra os outros, no exercício de regresso parcial. Sobre esse caso, v. Cees VAN DAM (2007, p. 289).
76 No campo do direito ambiental, importou-se a ideia básica da market share liability e se desenvolveu a pollution-share liability. Segundo essa adaptação, sendo impossível demonstrar qual a instalação industrial concretamente causou o dano, pode-se responsabilizar todas as plantas industriais que se apresentam em condições de ter causado a poluição, na proporção, não já das quotas de mercado, mas das respectivas emissões, sem necessidade de se demonstrar qual a emissão que concretamente conduziu ao dano – nesses termos, OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental. Coimbra: Almedina, 2007, p. 31.
77 Parte substancial desse item foi extraído de artigo publicado pelo co-autor Eugênio Facchini Neto, denominado “A relatividade do livre-arbítrio e a responsabilização da indústria do fumo - a desconstrução de um mito”, publicada na Revista de Derecho Privado (BOGOTA), v. 31, p. 189-225, 2016.
78 O CEBRID é o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, que funciona no Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo).
79 ANDREIS, Mônica; ISSA, Jaqueline Scholz. Livre-arbítrio e o consumo de cigarros e outros produtos de tabaco. Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p. 45.
80 Para confirmar tal afirmação, citam-se quatro amplos estudos, sendo dois patrocinados pela Organização Mundial da Saúde. Podem ser acessados nos seguintes sites: http://www.usaid.gov/policy/ads/tobacco.pdfhttp://www.who.int/tobacco/mpower/mpower_report_full_2008.pdf, acesso em 07.12.15; http://siteresources.worldbank.org/HEALTHNUTRITIONANDPOPULATION/Resources/281627-1095698140167/Guindon-PastCurrent-whole.pdf, acesso em 07.12.15.
81 Informações colhidas no texto “ADITIVOS EM CIGARROS – Notas Técnicas para Controle do Tabagismo”, publicado pelo Ministério da Saúde, através do Instituto Nacional de Câncer – INCA, pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e seus Protocolos – CONICQ. Rio de Janeiro: INCA, 2014.
82 “ADITIVOS EM CIGARROS – Notas Técnicas para Controle do Tabagismo”, cit., fl. 27.
83 Disponível em http://publichealthlawcenter.org/sites/default/files/resources/doj-final-opinion.pdf , acesso em 06.12.2015. Para se ter uma ideia desse verdadeiro tratado, somente o índice que abre a sentença se estende por 30 páginas! 
84 Nesses termos, BARBOSA, Fernanda Nunes; ANDREIS, Mônica. “O argumento da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do cigarro: proposta de reflexão”. In: Revista de Direito do Consumidor. Ano 21, vol. 82, abr.-jun./2012, p. 70, citando vários estudos científicos estrangeiros: KHUDER S. A. et AL. Age at smoking onset and its effect on smoking cessation. Addictive Behavior 24(5):673-7; CHEN, J; MILLAR, W. J. Age of Smoking Initiation: Implications for Quitting. Health Reports 9(4):39-46; BRESLAU, N.; PETERSON, El. Smoking cessation in young adults: Age at initiation of cigarette smoking and other suspected influences. American Journal of Public Health 86(2):214-20.
85 World Health Organization. Tobacco and the rights of the child. Geneva: WHO, 2001, p. 25 – apud BARBOSA, Fernanda Nunes; ANDREIS, Mônica. “O argumento da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do cigarro: proposta de reflexão”. In: Revista de Direito do Consumidor. Ano 21, vol. 82, abr.-jun./2012, p. 68.
86 BARBOSA, Fernanda Nunes; ANDREIS, Mônica. “O argumento da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do cigarro: proposta de reflexão”. In: Revista de Direito do Consumidor. Ano 21, vol. 82, abr.-jun./2012, p. 76.
87 CABRERA, Oscar; GUILLEN, Paula Ávila; CARBALLO, Juan. “Viabilidade Jurídica de uma Proibição Total da Publicidade de Tabaco. O Caso perante a Corte Constitucional da Colômbia”. In: PASQUALOTTO, Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco – Frente e Verso da Liberdade de Expressão Comercial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 262.
88 MOURA, Walter. O Fumo e a Sociedade de Consumo: o Novo Sentido da Saúde. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 39/40.
89 Segundo a Organização Mundial da Saúde. Relatório sobre epidemia mundial de tabaco: advertências sobre os peritos do tabaco, 2011, p. 62 – apud CABRERA, Oscar; GUILLEN, Paula Ávila; CARBALLO, Juan. “Viabilidade Jurídica de uma Proibição Total da Publicidade de Tabaco. O Caso perante a Corte Constitucional da Colômbia”. In: PASQUALOTTO, Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco – Frente e Verso da Liberdade de Expressão Comercial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 263
90 Constou do voto do eminente Revisor, Des. George L. Leite, que “a reparação por danos extrapatrimoniais decorre do poder persuasivo – e até mesmo condicionante – do comportamento dos consumidores atribuível à propaganda, especialmente aquela de cunho sub-reptício, disfarçada, insidiosa, que não permite às pessoas comuns perceberem o canto de sereia embutido na mensagem veiculada. Se o incremento de consumo promovido pela publicidade é coletivo e amplo, o dano por práticas abusivas também o é”. A íntegra do acórdão está disponível no site http://actbr.org.br/uploads/conteudo/185_DF270851publicidade.pdf, acessado em 06.12.2015.
91 Em parecer elaborado em 2009,  disponível no site http://www.actbr.org.br/uploads/conteudo/284_parecer_juridico_publicidade.pdf, acesso em 07.02.2016, p. 21 e 33.
92 PASQUALOTTO, Adalberto. “O direito dos fumantes à indenização”. Revista Jurídica Luso-Brasileira (R.J.L.B.), ano 2 (2016), n. 1, p. 567.
93 “ADITIVOS EM CIGARROS – Notas Técnicas para Controle do Tabagismo”, cit., fl. 18.
94 BATES, C; CONNOLLY, G.N.; JARVIS, M. Tobacco Additives: Cigarette Engineering and Nicotine Addiction. [London]: Action on Smoking and Health, 1999. Disponível em http://ash.org.uk/files/documents/ASH_623.pdf.
95 “ADITIVOS EM CIGARROS – Notas Técnicas para Controle do Tabagismo”, cit., fls. 18 e 20.
96 U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Smoking – 50 Years of Progress: A Report of the Surgeon General. Atlanta/Georgia: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health, 2014, apud ANDREIS, Mônica; ISSA, Jaqueline Scholz. Livre-arbítrio e o consumo de cigarros e outros produtos de tabaco. Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p.46.
97 Não teríamos a menor dificuldade de subscrever a bela defesa que a sempre brilhante Maria Celina Bodin de Moraes faz do princípio de liberdade e suas repercussões no mundo jurídico: “O princípio de liberdade foi positivado no direito, a partir de sua construção kantiana, como a ausência de coerções externas, a possibilidade de fazer escolhas, um espaço para autodeterminar-se. Consagrada como princípio constitucional, a liberdade não se resume às relações de direito público, sendo norma determinante também nas relações privadas. Nesse âmbito, ela se reflete no conceito de autonomia privada” (...) e também se projeta sobre as relações de consumo”– BODIN DE MORAES, Maria Celina. “Liberdade individual, acrasia e proteção da saúde”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e Pareceres sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 371 e 372. Todavia, pelas razões que expusemos no texto, discordamos dela quando transpõe tais noções abstratas e consensuais para o caso dos fumantes e afirma que “o consumo de cigarros é objeto de decisão de sujeitos racionais que dão prioridade aos prazeres decorrentes desse hábito apesar dos riscos potencialmente envolvidos”. Entendemos ter demonstrado que tais escolhas não são tão livres e racionais como se sustenta, especialmente se levarmos em consideração a força da publicidade, mormente na época em que a maioria dos fumantes de hoje começou a fumar, sendo esse o caso dos autos.
98 Tese de doutoramento denominada “A superação da ótica voluntarista e o novo paradigma da confiança nos contratos”, posteriormente publicada sob a forma de livro: Contratos na Sociedade de Consumo – Vontade e Confiança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
99 Referido relatório teve um grande impacto na opinião pública norte-americana. Uma pesquisa de opinião realizada em 1958 demonstrou que apenas 44% dos norte-americanos acreditavam que fumar causava câncer, ao passo que tal percentual subiu para 78% em outra pesquisa realizada em 1968, sobre o mesmo tema, segundo informação colhida no artigo “The Reports of the Surgeon General - The 1964 Report on Smoking and Health”, publicado no site da National Library of Medicine, https://profiles.nlm.nih.gov/ps/retrieve/Narrative/NN/p-nid/60, acessado em 31.07.2016.
100 Informação contida no item 636 da citada sentença norte-americana proferida pela juíza Gladys Kessler.
101 ANDREIS, Mônica; ISSA, Jaqueline Scholz. Livre-arbítrio e o consumo de cigarros e outros produtos de tabaco. In: Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p. 47.
102 “Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo – síndrome de dependência”, CID 10 (F17)
103 Tabagismo – Perguntas e Respostas, acessível em http://www1.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=faq.
104 Nesses termos, SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. “O novo paradigma do tabaco: do ‘senso comum teórico’ ao contexto científico”. In: Revista Científica Virtual, da OAB/SP – ESA, número especial sobre Direito e Tabaco. Ano V, n. 17. São Paulo, outono de 2014, p. 117. 
105 OLIVEIRA, Amanda Flávio de; MOURA, Walter José Faiad de. É preciso proteger o fumante de si mesmo? In: Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p. 162/163. Dentro da mesma linha, refere Isabella Henriques que o mote da sociedade de consumo é o pensar no momento atual, no prazer imediato, pois é uma sociedade que prima pelo imediatismo, sem lembrar o passado ou preocupar-se com o futuro. E prossegue: “A ideia é curta agora tudo o que é possível, pois você é merecedor desse prazer. Essa ideia é muito eficaz porquanto o ser humano reconhece a sua condição de mortalidade. Por isso mensagens que induzem a esse prazer imediato são facilmente absorvidas, ainda que no caso de promoção de produtos notoriamente conhecidos por seus potenciais danos à saúde, inclusive com risco de morte, como são o tabaco e o álcool. A ideia aqui é: se eu vou morrer mesmo, que ao menos seja desfrutando algo que acredito me dê prazer e me faça feliz” - HENRIQUES, Isabella. “Controle do Tabaco X Controle do Álcool: Convergências e Diferenciações Necessárias. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 249.
106 1988 Surgeon General’s Report, “Nicotine Addiction”, disponível em http://profiles.nlm.nih.gov/NN/B/B/Z/D/_/nnbbzd.pdf .
108 GLADWELL, Malcolm. BLINK – The Power of Thinking Without Thinking. New York: Back Bay Books (Little, Brown and Company), 2005, p. 59/60.
109 Portanto, por maior que seja o respeito que devotamos ao grande jurista Nelson Nery Junior, dele discordamos quando sustenta que “o cigarro é um produto supérfluo, que pode ser dispensado, ainda por aqueles que contraíram um hábito.” Tal colocação se choca não só com as conclusões científicas que melhor explicam o mecanismo do vício, a dificuldade de se subtrair aos efeitos escravizadores da nicotina, mas também com a realidade fática: para cada dois conhecidos bem sucedidos na decisão de parar de fumar, todos conhecemos outros oito que não lograram êxito. Todavia, mais uma vez aqui reconhecemos que se trata de opinião manifestada em parecer encomendado pela rica indústria do fumo, cuja força de convencimento naturalmente deve ser relativizada e contextualizada. NERY JUNIOR, Nelson. “Ações de indenização fundadas no uso de tabaco. Responsabilidade civil pelo fato do produto: julgamento antecipado da lide. Ônus da prova e cerceamento de defesa. Responsabilidade civil e seus critérios de imputação. Autonomia privada e dever de informar. Autonomia privada e risco social. Situações de agravamento voluntário do risco”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e Pareceres sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 396/397.
110 Tabagismo & saúde nos países em desenvolvimento. Documento organizado pela Comissão Europeia em colaboração com a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial para a mesa Redonda de Alto nível sobre Controle do Tabagismo e Políticas de Desenvolvimento. Tradução: Instituto Nacional de Câncer/Ministério da Saúde do Brasil. Disponível em http://www.inca.gov.br. Acesso em 06.12.15.
111 NEW ZEALAND. Ministry of Health. Smoking is highly addictive. [Wellington: Ministry of Health], 2008. (Fact sheet, 9), disponível em: http://www.moh.govt.nz/moh.nsf/indexmh/tobacco-warnings-factsheets-addictive.
112 É o que se vê da reportagem publicada pela Revista Superinteressante, em junho de 2003: “Se os malefícios do cigarro são tão conhecidos, por que ainda há tantos fumantes? Bem, a primeira baforada deve-se ao marketing do cigarro. Outras a sucedem porque a nicotina vicia mais que a cocaína. Segundo o médico Daniel Deheinzelin, do Hospital do Câncer de São Paulo, com apenas 7 a 14 dias de uso contínuo o fumante está dependente. Já largar o cigarro é difícil. Só 3% das pessoas que tentam abandonar o cigarro conseguem fazê-lo, geralmente após tentar cinco vezes. E olha que não é pouca coisa tentar ficar longe da fumaça: 80% dos fumantes brasileiros dizem querer parar”.
113 U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES. National Institutes of Health. National Institute on Drug Abuse. Tobacco addiction. [Bethesda]: National Institutes of Health, 2009. Disponível em: http://www.drugabuse.gov/ResearchRepports/Nicotine/Nicotine.htmlEfetivamente, “o vício certamente anuvia as decisões do fumante, impedindo-o, muitas vezes, de adotar posição mais condizente com a sua saúde. Não basta querer subtrair-se ao vício. Pesquisas demonstram que a grande maioria dos fumantes que tentaram abandonar o cigarro quedaram-se desgostosos pelo fracasso” - DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil da Indústria do Tabaco. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 101. Segundo Ronaldo Laranjeira e Analise Gigliotti, ‘embora 70% dos fumantes desejem parar de fumar, apenas 5% destes conseguem fazê-lo por si mesmos” – in Tratamento da dependência da nicotina. Disponível em http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu1_02.htm.
114 Disponível em http://www.itcproject.org/files/ITC_BrazilNR-POR-Aug2-v18-web.pdf , acesso em 08.12.2015.
115 OLIVEIRA, Amanda Flávio de; MOURA, Walter José Faiad de. É preciso proteger o fumante de si mesmo? In: Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p. 161.
116 Como refere Baldini, se o consumidor é responsável porque sabia que o cigarro faz mal à saúde, com muito maior razão é responsável o fabricante que antes e melhor do que aquele conhecia as características do seu produto e, apesar disso, omitia informações, distorcia as comunicações e se abstinha de reduzir ou eliminar a nocividade do produto quando isso era tecnicamente possível – BALDINI, Gianni. Il danno da fumo – Il problema della responsabilità nel danno da sostanze tossiche. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p. 261.
117 Por essa razão não podemos concordar com a notável jurista gaúcha, Judith Martins-Costa, quando refere, em parecer encomendado pela indústria do cigarro, que “creio que o autor da ação não pode, razoavelmente, sustentar que ‘não sabia’ que o cigarro fazia mal à saúde. É uma afirmação que não seria crível segundo os padrões de razoabilidade. Estar-se-ia afrontando a razoabilidade supor que o autor nunca leu, em nenhum jornal, a notícia dos danos à saúde provocados pelo fumo; que nunca tenha ouvido, de parentes, amigos ou médicos, conselhos sobre o assunto (...)” – MARTINS-COSTA, Judith. “Ação indenizatória. Dever de informar do fabricante sobre os riscos do tabagismo”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e Pareceres sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 297.
118 HOMSI, Clarissa Menezes. As Ações Judiciais Envolvendo o Tabagismo e seu Controle. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 56.
119 FRANZOLIN, Cláudio José. Assimetria Informacional na Relação entre o Consumidor e o Fabricante de Produtos de Tabaco. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 155 e 173.
120 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 838.
121 HOMSI, Clarissa Menezes. As Ações Judiciais Envolvendo o Tabagismo e seu Controle. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 69. No mesmo sentido posicionam-se BARBOSA, Fernanda Nunes; ANDREIS, Mônica: “[a] advertência, presente nas carteiras de cigarro e levada a efeito pelo Ministério da Saúde (e não pelo fornecedor), não pode ser considerada como informação suficiente, bastando informalmente perguntar-se a uma fumante (habitual ou potencial) se ela sabe exatamente quais os riscos do fumo em combinação com o uso de contraceptivos, ou a relação entre o tabagismo e o câncer de colo uterino. Ainda que muitas mulheres saibam, genericamente considerando, que ‘fumar é prejudicial à saúde’, a informação específica é de difícil acesso, mesmo porque o conhecimento pleno da engenharia do produto, que possibilitaria análise mais aprofundada de seus efeitos na saúde, apenas a indústria possui” - “O argumento da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do cigarro: proposta de reflexão”. In: Revista de Direito do Consumidor. Ano 21, vol. 82, abr.-jun./2012, p. 78.
122 PIOVESAN, Flávia e SUDBRACK, Umberto Guaspari. Direito à Saúde e Dever de Informar: Direito à Prova e a Responsabilidade Civil das Empresas de Tabaco. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 127/128.
123 Outro estudo, este da Fundação Oswaldo Cruz, divulgado em 2012, revela números aproximados, dizendo que o Brasil gasta cerca de 21 bilhões de reais anuais em tratamento de doenças relacionadas ao cigarro – Jornal O Estado de São Paulo, edição de 31.05.2012.
124 EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS SOBRE TABAGISMO PARA SUBSÍDIO AO PODER JUDICIÁRIO. Projeto Diretrizes, da AMB. Documento elaborado pela Associação Médica Brasileira; Ministério da Saúde/Instituto Nacional de Câncer; Aliança de Controle do Tabagismo. 2013, p. 40.
125 MARTINS, Stella Regina; GONÇALVES DE SOUZA, Márcio; ARAÚJO, Alberto José de. “Tabagismo – evidências científicas e marcos jurídicos atuais da dependência à nicotina às doenças que incapacitam e matam”. In: PASQUALOTTO, Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA, Fernanda Nunes (org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2018, p. 91/92.
126 Dados do Canadá revelam que, em 2002, o Ministério da Saúde estimou os custos atribuídos ao tabagismo em 15,8 bilhões de dólares, ao passo que naquele mesmo ano o governo do Canadá arrecadou apenas 7,4 bilhões de dólares em tributos no setor fumo.  – QUÉBEC COALITION FOR TOBACCO CONTROL. Update on smoking costs to society. Montréal, 2004. Disponível em http://www.cqct.qc.ca/Documents_docs/ETUD_04_01_15_GroupeDAnalyseCourTabacENG.PDF  .  A situação é substancialmente a mesma em todos os países.
127 Nesses termos, FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 827.
128 HOMSI, Clarissa Menezes. As Ações Judiciais Envolvendo o Tabagismo e seu Controle. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 68.
129 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil da Indústria do Tabaco. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 81 e 83.
130 STOCO, Rui. Responsabilidade civil das empresas fabricantes de cigarro. Disponível em http://www.fat.edu.br/saberjuridico/publicacoes/Artigo_RuiStoco.pdf,  acessado em 06.12.2015.
131 MARTINS, Stella Regina; GONÇALVES DE SOUZA, Márcio; ARAÚJO, Alberto José de. “Tabagismo – evidências científicas e marcos jurídicos atuais da dependência à nicotina às doenças que incapacitam e matam”. In: PASQUALOTTO, Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA, Fernanda Nunes (org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2018, p. 61/62.
132 VEDOVATO, Luis Renato. A Convenção-Quadro sobre Controle do uso do Tabaco. Consequências para o ordenamento jurídico brasileiro. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 5.
133 Texto oficial da Convenção-Quadro para o controle do Tabaco, versão em português, divulgado pelo Ministério da Saúde e publicado pelo Instituto Nacional de Câncer – INCA, Rio de Janeiro, 2012, p. 27.
134 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil da Indústria do Tabaco. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 95/96.
135 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e Tabagismo. Curitiba: Juruá, 2008, p. 98.
136 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 840.
137 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 840/841.
138 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e Tabagismo. Curitiba: Juruá, 2008, p. 90
139 DELFINO, Lúcio. “A aplicabilidade do código de defesa do consumidor a litígios atinentes à responsabilidade civil da indústria do fumo envolvendo fumantes que principaram no tabagismo antes da sua vigência”. In: PASQUALOTTO, Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA, Fernanda Nunes (org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2018, p. 338.
140 In: Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português, Ed. Rev. dos Tribunais, 1980, p. 6/12.
141 COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushastsky Editor, 1976, p. 30, 34 e 35.
142 MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio a HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. XIX e XX.
143 Em parecer publicado na Revista dos Tribunais, vol. 835 (2005), páginas 75-133 (“Violação do dever de boa-fé de informar, corretamente, atos negociais omissivos afetando o direito/liberdade de escolha. Nexo causal entre a falha/defeito de informação e defeito de qualidade nos produtos de tabaco e o dano final morte. Responsabilidade do fabricante do produto, direito a ressarcimento dos danos materiais e morais, sejam preventivos, reparatórios ou satisfatórios”), a preclara jurista gaúcha salientara que o princípio da boa-fé se encontra inserido no ordenamento brasileiro desde 1850, notadamente naquilo que se refere ao dever informativo do profissional/fabricantes ao consumidor/leigo. O princípio da boa-fé, já nesta época, influenciava todo o direito das obrigações no Brasil.
144  Tratado de Direito Civil, Volume XII, Tomo II. Max Limonad: 1957, p. 520 e seg.
146 Segundo informações obtidas no estudo denominado “Tendência das taxas de mortalidade de câncer de pulmão corrigidas no Brasil e regiões”, publicado por Deborah Carvalho Malta, Daisy Maria Xavier de Abreu, Lenildo de Moura, Gustavo C Lana, Gulnar Azevedo, Elisabeth França, na Revista de Saúde Pública, 2016, vol. 50, p. 33 - http://www.rsp.fsp.usp.br/, acessado através do site http://www.scielo.br/pdf/rsp/v50/pt_0034-8910-rsp-S1518-