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sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

STJ. Os títulos de crédito nominados e inominados, suas leis especiais de regência e a aplicação do Código Civil

Data: 12/12/2019

O atual entendimento das turmas que compõem a Segunda Seção deste Sodalício é no sentido de que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista.

Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1633399/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 01/12/2016). Precedentes.

AgInt no REsp n. 1.783.729


AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.729 - PB (2018⁄0319887-8)

RELATOR   :        MINISTRO MARCO BUZZI
AGRAVANTE        :        NEUZA DA SILVA SOUSA
ADVOGADO        :        HUMBERTO DE SOUSA FELIX E OUTRO(S) - RN005069
AGRAVADO         :        CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
ADVOGADOS       :        THEREZA SHIMENA SANTOS TORRES  - PB011782
                  EDUARDO BRAZ DE FARIAS XIMENES  - PB012136
                  DANIELA LEMOS NEUESCHWANDER  - PE019387
AGRAVADO         :        ANTONIO EVERALDO PEDROSA DE FREITAS - ME
ADVOGADO        :        SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS  - SE000000M

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Trata-se de agravo interno, interposto por NEUZA DA SILVA SOUSA, contra decisão monocrática da lavra deste signatário (fls. 403⁄406, e-STJ) que negou provimento ao recurso especial, interposto com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, assim ementado (fls. 356⁄357, e-STJ):

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. AVALISTA. OUTORGA UXÓRIA. DESNECESSIDADE. REGRAMENTO PELA LEGISLAÇÃO UNIFORME DE GENEBRA. IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE PELO CÔNJUGE GARANTIDOR.
APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Registre-se que a matéria suscitada no apelo já foi objeto de apreciação por esta Turma por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0801237-64.2017.4.05.0000.

2. O eg. Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que o art. 1.647, III, do Código Civil deve ser interpretado de modo a restringir sua incidência aos avais prestados aos títulos inominados regrados pelo diploma civil, excluindo-se os títulos nominados regidos por leis especiais.

Precedente: REsp 1526560⁄MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 16⁄05⁄2017.

3. Hipótese em que a promovente, ora apelante, pugna pela declaração da nulidade de cédula de crédito bancário na qual figura como avalista, sob o fundamento de que, embora casada em regime de comunhão de bens, não teria obtido a anuência do cônjuge, o que seria condição de validade do aval, nos termos do inciso III do art. 1.647 do Código Civil.

4. A lei cambial a que se reporta o art. 44 Lei 10.931⁄2004, que regulamenta as cédulas de crédito bancário, é a Legislação Uniforme de Genebra, incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n. 57.663⁄1966.

Esse diploma, ao disciplinar o aval, não impõe como condição de sua eficácia e validade a autorização do cônjuge na hipótese de ser o avalista casado em regime de comunhão de bens. Com efeito, essa autorização afigura-se desnecessária.

5. Ressalte-se, ademais, que a nulidade do aval prestado sem a autorização do cônjuge não pode ser alegada pelo garantidor. Somente o consorte alheio ao ato poderia comprovar eventual prejuízo diante da ausência de concordância com o oferecimento da garantia, o que não é o caso destes autos.

6. Apelação improvida.

Nas razões do recurso especial (fls. 416⁄429, e-STJ), a ora agravante apontou, além do dissídio jurisprudencial, a violação dos arts. 903 e 1.647 do CC, defendendo, em síntese: i) a nulidade do aval prestado em título de crédito sem a outorga uxória; ii) a necessidade de aplicação das normas civilistas ao caso, haja vista a omissão da Lei Uniforme de Genebra quanto à outorga uxória como condição para validade do aval.

Contrarrazões às fls. 388⁄394, e-STJ.

Em decisão monocrática (fls. 403⁄406, e-STJ), negou-se provimento ao reclamo em razão da incidência da Súmula 83⁄STJ.

Na petição de agravo interno (fls. 409⁄419, e-STJ) a recorrente aduz, em síntese: 1) o STJ possui entendimento no sentido de que o aval prestado sem a devida outorga uxória é anulável; 2) o Código Civil somente deixará de ser aplicado quando a lei especial regular expressamente a matéria, o que não é o caso dos autos, visto que a Lei Uniforme de Genebra não dispõe sobre a outorga uxória; 3) inaplicável a Súmula 83⁄STJ, pois há precedentes do STJ que amparam a sua pretensão.
Impugnação às fls. 422⁄427, e-STJ.

É o relatório.

AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.729 - PB (2018⁄0319887-8)

EMENTA

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
INSURGÊNCIA DA PARTE REQUERIDA.

1. O atual entendimento das turmas que compõem a Segunda Seção deste Sodalício é no sentido de que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1633399⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2016, DJe 01⁄12⁄2016). Precedentes.

2. Agravo interno desprovido.


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

O agravo interno não merece acolhida, porquanto os argumentos tecidos pela parte são incapazes de infirmar a decisão impugnada, a qual deve ser mantida, por seus próprios fundamentos.

1. A parte pretende a declaração de nulidade do aval prestado em título de crédito sem a outorga uxória, defendendo a aplicação das normas civilistas ao caso, haja vista a omissão da Lei Uniforme de Genebra quanto à anuência do cônjuge como condição para validade do aval.

O Tribunal a quo, ao apreciar a controvérsia, entendeu ser inaplicável o art. 1.647, III, do CC, que condiciona a validade do aval prestado por pessoa casada à autorização do cônjuge aos títulos de crédito típicos, como é o caso dos autos, que trata de cédula de crédito bancário, a qual possui regramento próprio. Consignou-se, ainda, que a Lei 10.931⁄2004, que regula o mencionado título, faz remissão à Lei Uniforme de Genebra, que entende desnecessária a outorga uxória no presente caso.

Por oportuno, destaca-se os seguintes trechos do aresto recorrido, confira-se:

Dito isso, entendo que o art. 1.647, III, do Código Civil Brasileiro não ampara a pretensão da recorrente de anular o aval em testilha, haja vista que a incidência do CCB sobre os títulos nominados - como a cédula de crédito bancário - é apenas subsidiária, prevalecendo as disposições da legislação específica. É o que estabelece expressamente o art. 903 do diploma civil:

[...]

Por seu turno, o eg. Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que o art. 1.647, III, do atual CCB deve ser interpretado de modo a restringir sua incidência aos avais prestados aos títulos inominados regrados pelo diploma civil, excluindo-se os títulos nominados regidos por leis especiais.

Confira-se o aresto:

[...]

Na espécie, o contrato no qual a recorrente figura na qualidade de avalista trata-se de cédula de crédito bancário (id. 4058204.1270740), título de crédito regulamentado pela Lei 10.931⁄2004.

Embora esse diploma legal não trate do aval, estabelece seu art. 44, : in verbis

"Art. 44. Aplica-se às Cédulas de Crédito Bancário, no que não contrariar o disposto nesta Lei, a legislação cambial, dispensado o protesto para garantir o direito de cobrança contra endossantes, seus avalistas e terceiros garantidores."

Como ressaltou o douto magistrado sentenciante, a lei cambial a que se reporta o dispositivo transcrito é a Legislação Uniforme de Genebra, incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 57.663⁄1966.

Esse diploma, ao disciplinar o aval, não impõe como condição de sua eficácia e validade a autorização do cônjuge na hipótese de ser o avalista casado em regime de comunhão de bens. Com efeito, essa autorização afigura-se desnecessária.


Conforme delineado no julgado agravado, o atual entendimento das turmas que compõem a Segunda Seção deste Sodalício é no sentido de que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1633399⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2016, DJe 01⁄12⁄2016).

Ainda nesse sentido:

AGRAVO INTERNO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. TÍTULO DE CRÉDITO TÍPICO. AVAL. NECESSIDADE DE OUTORGA UXÓRIA OU MARITAL. DESCABIMENTO. DISPOSIÇÃO RESTRITA AOS TÍTULOS DE CRÉDITO INOMINADOS OU ATÍPICOS. ART. 1.647, III, DO CC⁄2002. INTERPRETAÇÃO QUE DEMANDA OBSERVÂNCIA À RESSALVA EXPRESSA DO ART. 903 DO CC, AO DISPOSTO NA LUG ACERCA DO AVAL E AO CRITÉRIO DE HERMENÊUTICA DA ESPECIALIDADE.
ENTENDIMENTO PACIFICADO NO ÂMBITO DO STJ.

1. Por um lado, o aval "considera-se como resultante da simples assinatura" do avalista no anverso do título (art. 31 da LUG), devendo corresponder a ato incondicional, não podendo sua eficácia ficar subordinada a evento futuro e incerto, porque dificultaria a circulação do título de crédito, que é a sua função precípua. Por outro lado, as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil." (REsp 1633399⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2016, DJe 01⁄12⁄2016) 2. Nessa mesma linha de intelecção, o Enunciado n. 132 da I Jornada de Direito Civil do CJF apresenta a justificativa de que exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval resulta em afronta à Lei Uniforme de Genebra.

3. Com efeito, a leitura do art. 31 da Lei Uniforme de Genebra (LUG), em comparação ao texto do art. 1.647, III, do CC⁄02, permite inferir que a lei civilista criou verdadeiro requisito de validade para o aval, não previsto naquela lei especial. Desse modo, não pode ser a exigência da outorga conjugal estendida, irrestritamente, a todos os títulos de crédito, sobretudo aos típicos ou nominados, porquanto a lei especial de regência não impõe essa mesma condição.
(REsp 1644334⁄SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2018, DJe 23⁄08⁄2018) 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1473462⁄MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23⁄10⁄2018, DJe 29⁄10⁄2018)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. AVAL PRESTADO SEM A OUTORGA DA COMPANHEIRA E DO CÔNJUGE DOS AVALISTAS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.647, III, CC⁄02. PRINCÍPIOS DE DIREITO CAMBIÁRIO. ATO JURÍDICO VÁLIDO. INEFICÁCIA PERANTE A COMPANHEIRA E O CÔNJUGE QUE NÃO ANUÍRAM. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA RECURSAL. MAJORAÇÃO.

1. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico ajuizada em 2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 03⁄06⁄2016 e redistribuído ao gabinete em 14⁄08⁄2017.

2. O propósito recursal é decidir sobre a validade do aval prestado sem a outorga da companheira e do cônjuge dos avalistas.

3. Até o advento do CC⁄02, bastava, para prestar aval, uma simples declaração escrita de vontade; o art. 1.647, III, do CC⁄02, no entanto, passou a exigir do avalista casado, exceto se o regime de bens for o da separação absoluta, a outorga conjugal, sob pena de ser tido como anulável o ato por ele praticado.

4. Se, de um lado, mostra-se louvável a intenção do legislador de proteger o patrimônio da família; de outro, há de ser ela balizada pela proteção ao terceiro de boa-fé, à luz dos princípios que regem as relações cambiárias.

5. Os títulos de crédito são o principal instrumento de circulação de riquezas, em virtude do regime jurídico-cambial que lhes confere o atributo da negociabilidade, a partir da possibilidade de transferência do crédito neles inscrito. Ademais, estão fundados em uma relação de confiança entre credores, devedores e avalistas, na medida em que, pelo princípio da literalidade, os atos por eles lançados na cártula vinculam a existência, o conteúdo e a extensão do crédito transacionado.

6. A regra do art. 1.647, III, do CC⁄02 é clara quanto à invalidade do aval prestado sem a outorga conjugal. No entanto, segundo o art. 903 do mesmo diploma legal, tal regra cede quando houver disposição diversa em lei especial.

7. A leitura do art. 31 da Lei Uniforme de Genebra (LUG), em
comparação ao texto do art. 1.647, III, do CC⁄02, permite inferir que a lei civilista criou verdadeiro requisito de validade para o aval, não previsto naquela lei especial.

8. Desse modo, não pode ser a exigência da outorga conjugal estendida, irrestritamente, a todos os títulos de crédito, sobretudo aos típicos ou nominados, como é o caso das notas promissórias, porquanto a lei especial de regência não impõe essa mesma condição.

9. Condicionar a validade do aval dado em nota promissória à outorga do cônjuge do avalista, sobretudo no universo das negociações empresariais, é enfraquece-lo enquanto garantia pessoal e, em consequência, comprometer a circularidade do título em que é dado, reduzindo a sua negociabilidade; é acrescentar ao título de crédito um fator de insegurança, na medida em que, na cadeia de endossos que impulsiona a sua circulação, o portador, não raras vezes, desconhece as condições pessoais dos avalistas.

10. Conquanto a ausência da outorga não tenha o condão de invalidar o aval prestado nas notas promissórias emitidas em favor de credor de boa-fé, não podem as recorrentes suportar com seus bens a garantia dada sem o seu consentimento, salvo se dela tiverem se beneficiado.

11. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foi rejeitada a tese sustentada pelas recorrentes, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial.

12. Recurso especial conhecido e desprovido, com majoração de honorários. (REsp 1644334⁄SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2018, DJe 23⁄08⁄2018)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. AVAL. OUTORGA UXÓRIA OU MARITAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1647, INCISO III, DO CCB, À LUZ DO ART. 903 DO MESMO ÉDITO E, AINDA, EM FACE DA NATUREZA SECULAR DO INSTITUTO CAMBIÁRIO DO AVAL. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DESTE RELATOR.

1. O Código Civil de 2002 estatuiu, em seu art. 1647, inciso III, como requisito de validade da fiança e do aval, institutos bastante diversos, em que pese ontologicamente constituam garantias pessoais, o consentimento por parte do cônjuge do garantidor.

2. Essa norma exige uma interpretação razoável sob pena de descaracterização do aval como típico instituto cambiário.

3. A interpretação mais adequada com o referido instituto cambiário, voltado a fomentar a garantia do pagamento dos títulos de crédito, à segurança do comércio jurídico e, assim, ao fomento da circulação de riquezas, é no sentido de limitar a incidência da regra do art. 1647, inciso III, do CCB aos avais prestados aos títulos inominados regrados pelo Código Civil, excluindo-se os títulos nominados regidos por leis especiais.

4. Precedente específico da Colenda 4ª Turma.

5. Alteração do entendimento deste relator e desta Terceira Turma.

6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp 1526560⁄MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄03⁄2017, DJe 16⁄05⁄2017)

Assim, uma vez que o acórdão recorrido encontra-se em conformidade com o entendimento desta Corte, é de rigor a manutenção do decisum agravado, o qual concluiu corretamente pela incidência da Súmula 83⁄STJ.
É de rigor, portanto, a manutenção da decisão agravada.
2. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.



segunda-feira, 4 de novembro de 2013

TÍTULOS DE CRÉDITO TÍPICOS E ATÍPICOS



Giovanny Domingues Gusmão
 
·         PROBLEMÁTICA

O Novo Código consumou a unificação dos Códigos, ou seja, a justaposição formal do Código Civil com o Código Comercial, sistematizando, sem qualquer critério científico ou lógico, a matéria de Direito Civil com parte da matéria de Direito Comercial, a exemplo da orientação seguida pelo Código Civil Italiano de 1942. Neste aspecto, o Código recebeu as mais contundentes críticas dos juscomercialistas que se colocaram contra a unificação.

É imprescindível ter em mente que o novo Código contém uma disciplina geral para os títulos de crédito idealizada com os objetivos de: a) autorizar a criação dos títulos de crédito atípicos ou inominados; b) servir de disciplina suplementar aos títulos de crédito nominados ou típicos, naquilo em que houver compatibilidade; e c) conferir aos títulos novos ou aos que vierem a ser criados uma disciplina referencial para remissão, visto que as leis específicas de vários títulos determinam que a eles se apliquem, quando cabíveis, subsidiária ou complementarmente, as normas sobre as cambiais.

Não houve o intuito de conformar uma disciplina geral de títulos de crédito visando a enumeração e reunião dos dispositivos comuns de parte ou da totalidade das inumeráveis espécies existentes de títulos de crédito. Optou-se por arquitetar uma disciplina básica, genérica, direcionada para os títulos atípicos ou inominados, isto é, àqueles documentos dotados de certas características próprias dos títulos de crédito, criados de conformidade com as exigências e dinâmica dos negócios, porém não previstos em lei. A regulamentação geral não se aplica, destarte, diretamente aos títulos de crédito definidos e disciplinados em leis especiais (cédulas de crédito, duplicatas, nota promissória, letra de câmbio, etc.), a não ser quando compatíveis com estes e em caráter suplementar (art. 903).

Adotou-se, assim, tal como no Código Civil Italiano de 1942, o princípio da livre criação e emissão de títulos de crédito atípicos ou inominados.

Por sua vez, há de se mencionar que houve a inserção, no novo Ordenamento Civil, da possibilidade de criação de títulos de crédito inominados ou atípicos, “uma categoria intermediária de documentação de direitos creditícios, a meio caminho entre os chamados — ‘créditos de direito não-cambiário’ — oriundos de negócios jurídicos celebrados por instrumento particular ou público — e os títulos de crédito típicos” [IV].

Ao que parece, o intuito do legislador foi de fixar os requisitos mínimos dos títulos de crédito, ou uma tentativa de construção de uma teoria geral dos títulos de crédito (embora a regulamentação permaneça por lei especial e cambiária), ou melhor, para os futuros títulos de crédito.

·         CONCEITO
É necessário conceituar e explicar os títulos de crédito típicos e atípicos, para sua melhor compreensão. Entendemos por TÍTULOS TÍPICOS aqueles definidos por um modelo legal, ou melhor, consistem na impossibilidade de se emitirem títulos de crédito que não estejam definidos pela própria lei. Os títulos típicos, ou com previsão legal, são em numerus clausus e só podem ser emitidos quando especialmente regulados por lei.
Ao revés, os TÍTULOS ATÍPICOS designam um documento não expressamente previsto na legislação, mas que, nem por isso, estão inteiramente afastados dos princípios reguladores dos títulos típicos ou nominados.
No Brasil, adotava-se um posicionamento sobre os títulos de crédito, segundo o qual os mesmos somente podem ser criados por lei diante da necessidade de garantir certeza e segurança no recebimento do crédito, em intensa circulação nas atividades mercantis.
Todavia esse posicionamento tomou novos contornos com o novo Código Civil, no qual foi proposta a possibilidade dos particulares, diante de necessidades específicas, criarem títulos de crédito ao lado do legislador ordinário. Este procedimento já ocorre em outros países, como na Itália no seu Código Civil de 1942, na Suíça no seu Código Federal das Obrigações, e no México na sua Lei Geral de Títulos de Operações de Crédito de 1932, e suas posteriores alterações. Com esse procedimento, ou melhor, com a adoção desse procedimento, extingue-se o monopólio legal do estado de criação dos títulos de crédito, transferindo-se essa função igualmente aos particulares como exercício da autonomia privada.
O argumento mais convincente utilizado pela doutrina para adoção e criação dos títulos de crédito atípicos ou inominados é a de que eles fomentam a dinamicidade dos negócios, possibilitando concretizar a criatividade das fontes materiais do Direito Empresarial. Mas este não é um posicionamento pacífico, porquanto sujeito a muitas controvérsias, como demonstraremos adiante.
São exemplos de títulos típicos a letra de câmbio, nota promissória, cheque, etc.
Já por títulos atípicos tem-se a “FICA ou vaca-papel” (o contrato "vaca-papel" é denominação comum dos contratos celebrados entre parcerias pecuárias e, utilizado para encobrir a ocorrência real de mútuo feneratício, ou seja, é um contrato simulado de parceria pecuária, que tem a finalidade de esconder um mútuo usuário puro simples, como outras vezes representa o preço pelo qual foi concretizado um negócio), título de crédito amplamente utilizado em negócios pecuários na região Centro-Oeste, no qual se simula uma parceria pecuária a ser quitada com vacas, e válido como tal, porém, produto exclusivo de costumes.

Segundo Marlon Tomazette, 


 “[...] é certo que os títulos atípicos, embora sejam títulos de crédito, não são títulos executivos, na medida em que a executividade pressupõe um reconhecimento legal específico. A tipicidade não atinge mais os títulos de crédito, mas atinge ainda os títulos executivos. Um exemplo de título [de crédito] atípico usado no país é o chamado FICA, ou vaca papel, que visa a instrumentalizar os direitos decorrentes do contrato de parceria pecuária. Neste contrato, o objeto é a cessão de animais para cria, recria, invernagem e engorda, mediante partilha proporcional dos riscos e dos frutos ou lucros havidos. O título (vaca-papel) representaria justamente o direito ao recebimento dos lucros e à devolução dos animais entregues” (Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2009. p.13-14).


·         CONCUSÕES
Há divergências doutrinárias quanto à possibilidade jurídica de se criar títulos de crédito atípicos ou inominados no Direito brasileiro. Aqueles que entendem ser juridicamente possível argumentam que estariam tais títulos de crédito atípicos ou inominados sujeitos ao regime jurídico dos arts. 887 a 926 do Código Civil, mas sem ostentarem a característica de título executivo extrajudicial. 

Posicionaram-se favoravelmente à emissão de títulos atípicos juristas de escol como Carvalho de Mendonça e Pontes de Miranda.

O jurista Antônio Mercado Júnior, em percuciente análise que fez sobre o Anteprojeto de Código Civil, quanto à matéria dos títulos de crédito ao Instituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado, que serviu como ponto de partida para discussões, e que acabaram sendo ratificadas, mostrou-se duvidoso em relação a adoção dos títulos atípicos, com o argumento que poderia trazer perigo ao público em geral a criação indiscriminada de novos títulos de crédito.

Newton de Lucca, contrário à adoção dos títulos atípicos, aduziu que o projeto incorrera em confusão e que deveria ter como escopo a subsidiariedade para as normas específicas dos títulos de crédito e não a regulamentação dos títulos de crédito atípicos ou inominados.