Mostrando postagens com marcador alienação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador alienação. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 31 de março de 2015

O Caso Cielo x Cielo


Rodrigo Aparecido Coutinho[1]

Em 23 de novembro de 1995, a reunião entre a Visa International, o Bradesco, o Banco do Brasil, o Banco Nacional e o Banco ABN Amro Real resultou na constituição da companhia denominada “Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP)”.  Utilizou, naquela época, o nome fantasia “Visanet”. A empresa cresceu, alcançando patamar elevado em âmbito nacional. Até tal momento, cada banco produzia marketing específico relacionado a seu cartão emitido em conjunto com a Visa. Com a criação da Visanet, unificando e desenvolvendo soluções de captura, trazendo também maior liquidez financeira.[I] Em 26 de junho de 2009, entra no Mercado BOVESPA, realizando a maior oferta pública inicial de ações da história do Brasil até então, totalmente secundária, a qual alcançou o total de R$ 8.397.208.920,00.[II]

Há de se levar em conta a seguinte questão: O que levaria uma empresa de grande porte, detentora de boa parte das operações relativas a crédito no Brasil, a alterar sua marca, aquilo que facilmente a identifica perante a população?

É relevante informar que, em 2008, o nadador César Cielo conquistou o ouro nas olimpíadas de Pequim, elevando seu nome nacional e internacionalmente. Haja vista, o presidente da empresa, Rômulo de Mello Dias, em entrevista a Isto é Dinheiro, após a transição do nome Visanet para Cielo (transição ocorrida pois em agosto de 2009 o MJ decidiu que a Visanet não poderia ter exclusividade em transações com a bandeira Visa), diz que “ o nadador simboliza a ideia de que não há limites para o crescimento"[III].

Ao contratar o nadador em 2009, acordou-se que a empresa, ainda denominada Visanet, poderia utilizar a imagem do nadador, mas nada expresso a respeito de seu sobrenome. Entretanto, segundo a empresa nos autos do processo n° 2012.51.01.031360-6 [IV], a empresa já havia registrado a marca no INPI antes do referido contrato. A empresa ré argumenta “que o signo CIELO é palavra dicionarizada nos idiomas espanhol e italiano, e que teria sido escolhido dentro de uma estratégia empresarial, para marcar o início de uma nova fase nos negócios, visando traduzir a ideia de que o céu seria o limite para a empresa”.

Na acepção da juíza Márcia Maria Nunes de Barros:

Se não tivesse atrelado a sua nova marca ao atleta, a empresa ré poderia defender a tese de que escolheu o signo Cielo por causa do significado nos idiomas espanhol e italiano. Mas ela inequivocamente o fez, e deve arcar com os ônus de sua imprudente escolha.

[...]No primeiro comercial de propaganda da nova marca, a empresa ré reconhece mais do que expressamente a notoriedade do patronímico [sobrenome] do nadador. No filme, o desempenho do autor é comparado com o das máquinas da empresa.

[...]É desimportante o tamanho que a empresa ré assumiu no mercado atual, ou que o signo Cielo, na atualidade, tenha eventualmente se desvinculado do nome do nadador. [V]

Ela utilizou como base o art. 124, inciso XV da Lei de Propriedade Industrial, que proíbe o registro como marca de “nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores” (Grifo nosso).[VI]

Para Carlos Alberto Bittar:

O nome e outros sinais identificados da pessoa são os elementos básicos de associação de que dispõe o público em geral para o relacionamento normal, nos diversos núcleos possíveis: familiar; sucessório; negocial; comercial e outros. Cumpre, aliás, duas funções essenciais: a de permitir a individualização da pessoa e a de evitar a confusão com outra. Possibilita seja a pessoa imediatamente lembrada, mesmo em sua ausência e a longas distâncias. [VII]

Por conseguinte, relevante é o pensamento de Newton Silveira, onde:

Como elemento identificador da atividade ‘aziendal’, todos os sinais usados pelo empresário devem receber a mesma tutela contra a concorrência desleal, independentemente de sua especialização em signos do empresário, do estabelecimento ou do produto ou serviço.[VIII]

A empresa diz que irá recorrer, pois acredita ser possível a reversão da decisão no Tribunal Regional Federal. Além da multa diária de R$ 50 mil, a Cielo tem 180 dias, conforme a sentença, para alterar a marca. Na contestação do INPI, o órgão sustenta improcedência do pedido autoral, em fls 849, dizendo que:

O signo CIELO é palavra encontrada nos idiomas espanhol e italiano, que tem como principais significados céu, firmamento, atmosfera terrestre, parte superior de um ambiente fechado, e, em sentido figurativo, paraíso; muito embora seja o patronímico do atleta autor, o signo CIELO faz parte da denominação social e nome de fantasia tanto da empresa autora quanto da empresa ré, compondo ainda diversos registros de marcas de diferentes titulares, que convivem pacificamente no mercado [...][IX]

 Em resumo, há de ressaltar que a empresa Cielo não havia colhido uma declaração do atleta a respeito da utilização de seu nome, configurando descumprimento ao disposto no art. 124, inciso XV da Lei de Propriedade Industrial, conforme a decisão da MM.ª Juíza. 



[1] Acadêmico do 2° ano de Direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná.




[I] Disponível em https://www.cielo.com.br/VOL/portals/visaNetPub.portal?_nfpb=true&_pageLael=aVisa netHistoriaPage. Acesso em 29 de março de 2015.
[II] Disponível em  http://cielo.riweb.com.br/show.aspx?idCanal=aHNwI5dbRRF1veQXubq+gQ==. . Acesso em 29 de março de 2015.
[IV] Disponível em  http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-cielo.pdf. Acesso em 29 de março de 2015.
[V] Disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/10/art20141015-01.pdf. Acesso em 29 de março de 2015.
[VI] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em 29 de março de 2015.
[VII] Os direitos da personalidade, 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. p. 120
[VIII] Licença de uso de marca e outros sinais distintivos. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 15.
[IX] Disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/10/art20141015-01.pdf. Acesso em 29 de março de 2015.

terça-feira, 22 de maio de 2012

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E SUAS REPERCURSSÕES JURÍDICAS


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

  
MAYTÊ RIBEIRO TAMURA MELETO BARBOZA
NATÁLIA MORAES
THAÍS VIDA LEAL
THAÍS GARCIA
SANDRA NAKAI


JACAREZINHO
2012

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E SUAS REPERCURSSÕES JURÍDICAS
 
            A disciplina legal sobre estabelecimento empresarial se encontra nos artigos 1.142 a 1.149 do Código Civil de 2002. Assim sendo, no artigo 1.142, do referido Código, encontra-se a definição de estabelecimento comercial, como sendo o complexo de bens materiais e imateriais, reunidos e organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária, por serem necessários ou úteis ao desenvolvimento e exploração de sua atividade econômica, ou seja, ao exercício da empresa.
            A natureza jurídica do estabelecimento empresarial constitui-sse numa universalidade de fato, por não ter capacidade processual, nem ser sujeito de direito, cuja unidade decorre do seu reconhecimento, por ter valor econômico por norma jurídica, com o intuito de prouduzir certos efeitos, apesar de operar-se por vontade do empresário. O estabelecimento não é pessoa jurídica de direito e obrigações, sendo um ente despersonalizado.
O fundo de comércio ou de empresa seria o valor agregado ao complexo de bens não personificado, que constitui o atributo do estabelecimento.

ELEMENTOS INTEGRANTES DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL:

       
     Bens corpóreos ou materiais: são aqueles que têm existência material, constituindo-se objeto de direito, tais como os móveis ( veículos, mesa, etc), e imóveis;
            Bens incorpóreos: são aqueles que não têm existência tangíveis e são relativos aos direitos que o empresário tem sobre a coisas, produtos industriais ou intelectuais. Por exemplo: patenstes de invenção, marca registraa, título de estabelecimentos, etc.

PONTO EMPRESARIAL:

            O ponto é a local do exercício da empresa, onde se concentra o estabelecimento. Por isso, a escolha desse local é primordial para o bom êxito da empresa. O Ponto passa a ter existência no momento em que o empresário (individual ou coletivo), estabelecido num só local, começa a atrair a clientela.
            Pouco importará se a titularidade da propriedade do imóvel é, ou não, do empresário, pois o ponto comercial sempre lhe pertencerá por ser elemento incorpóreo do estabelecimento, mas o direito de nele permanecer apenas teria sentido na hipótese em que o empresário é o locatário do imóvel onde o estabelecimento está localizado.

SHOPPING CENTER:

            Constitui uma nova estratégia mercantil: um estabelecimento empresarial destinado a estabelecimentos empresariais; não simplesmente um centro de compras, como uma feira ou galeria. Mas um espaço  planejado, com aviamento próprio, voltado para a atração de  grandes massas de consumidores, beneficiando os diversos empresários e sociedades empresárias alocados no empreendimento.
            É portanto, um estabelecimento empresarial voltado para a constituição de estabelecimentos empresariais, atraindo-os com a promessa de atrair consumidores.
            Tomado como um empreendimento imobiliário, o shopping Center é um imóvel no qual se locam espaços para a exploração empresarial. Há um contrato de locação, por meio do qual o empresário ou sociedade empresária contratante( lojista) paga um aluguel pelos metros quadrados que locou, conforme sua melhor ou pior localização no empreendimento.
            Esse pagamento é chamado de aluguel mínimo que, como se pode observar, nada mais é que aluguel, servindo o adjetivo mínimo apenas para afirmar a existência de uma outra remuneração percentual, que, todavia, não tem lastro na locação do espaço, mas, sim ,na utilização do aviamento do empreendimento, suas vantagens de mercado, os serviços de logística e mercadologia, que oferece pelo qual é remunerado, como parceiro, com uma participação no faturamento.

FRANQUIA:

            É disciplinada pela Lei 8.955/94, que a define como sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de usos de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso da tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.
Esses elementos se conjugam, num contrato no qual se cede o aviamento empresarial, ou seja, o conceito e a lógica do negócio, o que se pode se dar por 2 formas:
a) franquia de marca e produto, no qual o franqueador permite o uso do nome do estabelecimento e/ ou marca, além de fornecedor do produto a ser negociado, não mais que isso;
b) franquia de negócio formatado, no qual o franqueador oferece um pacote técnico-gerencial e mercadológico mais complexo, caracterizando um verdadeiro ajuste de cessão do aviamento empresarial, a partir do qual se organizará o estabelecimento do franqueado.
 CONTRATAÇÃO DA FRANQUIA:

É indispensável que a contratação se faça por escrito, correspondendo ao modelo-padrão colocado na circular, aceitando-se tanto o documento particular, assinado por 2 testemunhas presentes ao ato, quanto por escritura pública. Havendo transferência de tecnologia, deverá Sr providenciado o registro junto ao INPI, para validade perante terceiros, de acordo com o previsto pelo artigo 211 da Lei 9.279/96.

COMÉRCIO ELETRÔNICO (INTERNET):
 
           A rede mundial de computadores (interne te) tem sido largamente utilizada para a realização de negócios. Em razão disto, criou-se um novo tipo de estabelecimento, o virtual.Distingue-se do estabelecimento empresarial físico em razão dos meios de acessibilidade. 
            A celebração do contrato se faz por transmissão e recebimento de dados por via eletrônica. Muitos empresários mantêm estabelecimentos físicos e virtual.
            Os estabelecimentos virtuais possuem endereço eletrônico, que é o seu nome de domínio. O da livraria Saraiva, por exemplo, é www.saraiva.com.br


ATRIBUTOS DO ESTABELECIMENTO:

            O aviamento e a clientela constituem atributos ou qualidades do estabelecimento, enquanto instrumento do exercício da atividade empresarial, e não elementos do estabelecimento.
            O aviamento é uma qualidade do estabelecimento e, a clientela, um fator decorrente do próprio aviamento. Ou seja, a clientela decorre do aviamento.
            Estão estritamente relacionados entre si e não têm existência separada do estabelecimento, visto que não são objetos autônomos de direitos. É dizer que, a clientela e o aviamento são relações que seguem o estabelecimento no caso de uma transferência. Ambos são predicados do estabelecimento.

AVIAMENTO:

            É o atributo do estabelecimento, sua capacidade e potencialidade de gerar lucros, como por exemplo: sua boa localização, habilidade, competência e boa reputação do empresário, eficiência nos serviços, bom atendimento.
Tudo isso é agregado aos bens corpóreos e incorpóreos (elementos do estabelecimento), de maneira que o valor do estabelecimento não decorre tão somente do valor de seus elementos, mas também pela soma do valor do aviamento, que, neste caso, vem a ser segundo Fábio Ulhoa Coelho “o sobrevalor agregado aos bens do estabelecimento empresarial em razão de sua racional organização pelo empresário”.
            O aviamento também é conhecido como fundo de comércio ou fundo de empresa. É seu valor econômico destacado, um atributo, predicado do estabelecimento. Se o estabelecimento for transferido, consequentemente, o aviamento será transferido com ele.

CLIENTELA:

            A clientela é a manifestação externa do aviamento. Isso significa que é uma consequência dele. Quanto maior a clientela, maior será o aviamento.
            O conjunto de qualidades subjetivas do empresário somadas às qualidades objetivas do estabelecimento é o que atrai os clientes. Desta forma, conclui-se que a clientela vem a ser o conjunto de indivíduos que habitualmente ou não, mantém relação de procura por produtos e serviços em determinado estabelecimento, a fim de adquiri-los, seja por sua excelência (qualidade objetiva) ou pela boa reputação do empresário (qualidade subjetiva). Existe certa fidelidade da parte da clientela por determinado estabelecimento.
            O termo freguesia tem caráter mais passageiro, enquanto que a palavra clientela tem um sentido mais amplo, abrangendo tanto a freguesia habitual, quanto aquela que é atraída pelas qualidades objetivas ou subjetivas do estabelecimento, englobando não apenas os que vão à determinada loja pela comodidade, vizinhança, mas também quem procura por determinado comércio em razão de seu atendimento ou especialidade.
            O “direito à clientela” é protegido contra a concorrência desleal, que visa justamente o não-desvio daquela (art. 195, I, II, III, da lei nº 9.279/96). A intenção é inibir que práticas desleais sejam cometidas, como algo fraudulento que acarrete dano ao empresário, vindo até mesmo a levá-lo à falência. É importante frisar que o “direito à clientela” não garante a conservação ou permanência desta, a não ser que haja pacto entre o estabelecimento e seus clientes, por exemplo. Este direito tem mais a ver com o fato de que sua clientela não lhe seja retirada de forma injusta, ilícita, mediante concorrência desleal.

ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL:

            O empresário pode dispor livremente de seu estabelecimento, por ser este negociável. Porém, justamente por este integrar o patrimônio do empresário, é também a garantia de seus credores. Por isso, a alienação precisa da observação de certos critérios, que foram criados no intuito de proteger os interesses dos credores de seu titular.
            O contrato de alienação deve ser celebrado por escrito, para que possa ser arquivado na Junta Comercial e publicado pela imprensa oficial (art. 1.144 do Código Civil). Somente depois dessas formalidades, é que a alienação poderá produzir efeitos perante terceiros.
            A alienação do estabelecimento pode significar insolvência, em razão da supressão da garantia comum dos credores.
            Todo empresário que por ventura queira alienar seu estabelecimento deve ter anuência de seus credores por escrito, havendo uma única excessão: No caso de restarem, em seu patrimônio, bens suficientes para solvência do passivo. Segundo o artigo 1.145 (também do Código Civil), o alienante ao qual não restarem bens suficientes para o pagamento do passivo, terá a eficácia do contrato na dependência do pagamento de todos os credores ou seu consentimento.
            O empresário que não observa esses critérios pode ter sua falência decretada.
            O reconhecimento da ineficácia não exige que se tenha havido má-fé por parte do adquirente do estabelecimento, o simples desatendimento da previsão expressa no inciso VI do artigo 129 autoriza a declaração da ineficácia do trespasse, não importando, portanto, o intuito fraudulento do ato.
            O contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial é denominado trespasse. No trespasse há a transferência do estabelecimento do patrimônio do empresário alienante (trespassante) para o patrimônio do empresário adquirente (trespassário).
            O trespasse constitui contrato bilateral. Tanto o alienante como o adquirente podem ser empresários individuais ou sociedades empresárias.
            O aviamento do estabelecimento (a capacidade de gerar lucro ao seu titular) deve ser informado pelo alienante ao adquirente nas negociações. O trespasse não se confunde com a cessão de quotas sociais de sociedade limitada ou a alienação de controle da sociedade anônima, pois nessas últimas, o titular do estabelecimento continua sendo o mesmo, diferentemente do trespasse, que o estabelecimento é transferido totalmente ao adquirente.

A SUCESSÃO EMPRESARIAL DECORRENTE DO TRESPASSE:

            Sucessão do adquirente é uma das consequências jurídicas do trespasse, que significa que este fica com as dívidas de qualquer natureza. Tendo ocorrida a transferência, o adquirente sucederá o passivo do alienante, possuindo a responsabilidade pelo pagamento dos débitos pendentes, anteriores à transferência, ligados àquele estabelecimento, desde que estejam regularmente contabilizados em livros próprios (CC, art. 1.146, 1ª parte).
"Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento".

            Ou seja, o adquirente tem responsabilidade somente sobre o que tinha conhecimento da existência antes de efetuar o negócio, respondendo por elas com todos os bens de seu patrimônio, e não apenas os integrantes do estabelecimento por ele adquirido.
            Porém, mesmo tendo em anexo ao trespasse essas dívidas sociais, os credores e os valores correspondentes, deve o alienante continuar, juntamente com o adquirente quanto aos créditos vencidos, responsável solidariamente, pelo prazo de um ano, contado da publicação oficial de transferência do estabelecimento (CC, art. 1.152) e não do ato de arquivamento da alienação no Registro Público de Empresas Mercantis (CC, art. 1.144). Transcorrido o prazo de um ano, o alienante se libertará, devendo o adquirente ser o único responsável pelo pagamento dos débitos anteriores ao trespasse.
            O adquirente responderá também pelas dívidas posteriores, pelo pagamento de verbas devidas de funcionários, e deverá ainda assegurar a permanência de seus contratos de trabalho, segundo disposto no art. 448, da Consolidação das Leis do Trabalho, desde que não haja mudança de ramo de atividade empresarial, havendo essa mudança, cabe ao empregado, se quiser, pedir rescisão unilateral do contrato de trabalho.
            Segundo o art. 133 do Código Tributário Nacional, o adquirente do estabelecimento terá, para evitar fraude ao Fisco, responsabilidade tributária por sucessão se continuar na sua exploração, mesmo que sob outra razão social ou firma individual. Respondendo pelos tributos relativos ao estabelecimento adquirido, até a data do ato: direta e integralmente, se o alienante cessar suas atividades, ou subsidiariamente com o alienante, caso continue com suas atividades, ou iniciar, dentro de seis meses, contados da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo empresarial.

CLÁUSULA DE NÃO-RESTABELECIMENTO (INTERDIÇÃO DA CONCORRÊNCIA):

            A cláusula de não restabelecimento, também denominada de cláusula de interdição da concorrência, constitui uma obrigação de não fazer assumida contratualmente pelo empresário alienante do estabelecimento que se compromete a não concorrer com o empresário adquirente. São fundamentos para a previsão legal da cláusula de não restabelecimento: o princípio da boa-fé na execução dos contratos (art. 422, CC 2002), o princípio da equidade e da concorrência leal.
            Não é só o contrato de trespasse que poderá dar o ensejo ao contrato de concorrência, como também cessão de participação societária, locação de espaço em Shopping Center, recisão de franquia, etc.
            Na transferência, chamada trespasse, existe o aviamento, um valor agregado pela perspectiva de lucro, que poderá ser retirada pelo alienante (que tem as informações sobre aquele espaço) e que pode ocasionar um desvio de clientela, gerando prejuízo, e causando o enriquecimento ilícito, pois já foi pago o aviamento no valor do trespasse. 
         Em 2002, com a promulgação de um novo Código Civil, a questão foi, enfim, positivada:
artigo 1.147: "não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência".
            Hoje, portanto, no silêncio do contrato, há um norte a ser seguido.
            A doutrina tem se mostrado unânime no sentido de que a regra prevista no art. 1.147 do Código Civil tem natureza dispositiva, ou seja, a lei permite que as partes possam livremente dispor sobre o assunto. É recomendável, pois, que os próprios contratantes estabeleçam os parâmetros temporais, materiais, geográficos e pessoais que devem nortear a atuação do alienante em atividades concorrentes, para evitarem, dessa forma, que a discricionariedade de um Juiz (ou mesmo de um Tribunal Arbitral), após anos de litígio, venha a regular estas questões.
            Na hipótese de violação da cláusula de não restabelecimento pelo empresário alienante, o empresário adquirente poderá promover execução específica de obrigação por meio da Ação Cominatória prevista no art. 461 do Código de Processo Civil, que permite a fixação de multa diária (astreintes) para coibir a continuação da concorrência vedada. Se ao descumprimento da cláusula de não restabelecimento somarem-se outras condutas caracterizadoras de concorrência desleal, o empresário alienante também poderá sofrer sanções penais, diante da configuração de crime de concorrência desleal (art. 195, Lei n° 9.279/1996).
            Em paralelo à alienação do estabelecimento empresarial, hipótese corriqueira e não menos importante diz respeito à alienação da participação societária por um dos sócios. Estaria, esse sócio, no silêncio do contrato, abrangido pelo art. 1.147 do Código Civil? A tendência dos nossos Tribunais é, se não estender a regra do art. 1.147 do Código Civil – cujo objetivo em última análise é proteger a clientela – à hipótese, aplicar o art. 209 da 
lei 9.279/96, que ressalva ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de concorrência desleal tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. De toda sorte, a questão não é pacífica e continuará a depender das circunstâncias do caso concreto.
            Se por acaso a cláusula expressa ferir a livre iniciativa, segundo o  enunciado 490 da V Jornada de Direito Civil, tem-se a possibilidade de revisão judicial:
 “A ampliação do prazo de 5 anos de proibição de concorrência pelo alienante ao adquirente do estabelecimento, ainda que convencionada o exercício da autonomia da vontade, pode ser revista judicialmente, se abusiva.”
            Pretender estabelecer, por exemplo, que o alienante esteja eternamente impossibilitado de concorrer com o adquirente do estabelecimento empresarial ou, ainda, que o alienante não concorra com o adquirente em toda e qualquer atividade empresarial, inclusive naquelas distintas do negócio alienado, poderá, para dizer o mínimo, encontrar óbice no princípio constitucional da livre concorrência. É preciso que se tenha razoabilidade e bom senso.

CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO TRESPASSE:

-Transferência de contratos no Trespasse

  • "Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para a exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante".

            A sub-rogação prevista significa a substituição de uma pessoa por outra, no caso, o empresário alienante pelo empresário adquirente, mantendo-se a relação anteriormente existente. Embora não integrem o estabelecimento, pois não são bens, o trespasse importa a transferência dos contratos para o empresário adquirente, desde que não tenham caráter pessoal. Ou seja, há uma automática sub-rogação do adquirente nos contratos de exploração do estabelecimento, isto porque sem que haja transmissibilidade dos contratos, bilaterais em curso de execução, relacionados com a atividade empresarial do aviamento e da clientela, impossível seria transferir integralmente o estabelecimento, visto que a continuação daquela atividade ficaria prejudicada, uma vez que aquelas relações jurídicas contratuais constituem garantia dos meios necessários à sua consecução.
            Esses contratos de exploração seriam: prestação de serviço, arrendamento de equipamentos, compra e venda de mercadorias, contratação de mão de obra para a produção e comercialização de mercadorias, entre outros. Já os contratos de caráter pessoal seriam aqueles firmados em atenção às qualidades do contratante, pois somente ele poderá satisfazer a obrigação estipulada. Como exemplo, as prestações de serviços artísticos ou técnicos altamente especializados.
É importante lembrar que, havendo justa causa, terceiros podem rescindir o contrato no prazo de 90 dias da publicação do trespasse.
Marcelo Andrade Féres identifica seis pressupostos simultâneos para a transferência dos contratos no trespasse:
a) que se trate de contratos bilaterais com pendências obrigacionais para ambas as partes;
b) que os contratos sejam exploracionais (‘estipulados para exploração do estabelecimento’ – art. 1.148 do CC);
c) que os contratos sejam impessoais (‘se não tiverem caráter pessoal’ – art. 1.148 do CC);
d) que não exista disposição em contrário (‘salvo disposição em contrário’ – art. 1.148 do CC);
e) que inexista óbice legal; e
f) que não haja justa causa para o terceiro rescindir o contrato (‘podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante’ – art. 1.148 do CC)" (FÉRES, 2007, p.69).

            Quando do trespasse do estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite automaticamente ao adquirente.  
            A cessão da locação dependerá, por imposição legal (art. 13 da Lei n° 8.245/1991), de prévio consenso escrito do locador, sob pena de anulabilidade. Sendo, então, anulável a cessão de locação não consentida, o locador poderá:     
            a) mover ação de reintegração de posse contra terceiro que se instalar no prédio locado, o qual, apesar de se intitular cessionário, não passa de um estranho, que cometeu esbulho;
            b) rescindir a locação, intentando despejo contra locatário (cedente) que violou norma legal.

RESCISÃO DE CONTRATOS ANTERIORES À TRANSFERÊNCIA DO ESTABELECIMENTO:

Havendo justa causa, terceiros poderão rescindir contratos estipulados pelo alienante do estabelecimento para o desenvolvimento de sua atividade econômica, dentro do prazo de noventa dias, contado da publicação da transferência.

TRANSFERÊNCIA DOS CRÉDITOS NO TRESPASSE (art. 1.149, CC/02):

Transferência de estabelecimento gera a cessão dos créditos contabilizados no ativo da empresa. O Código Civil estabelece a transmissão automática dos créditos no trespasse, transferindo-se de pleno direito ao empresário adquirente na forma correspondente à escrituração do empresário alienante, independentemente de qualquer notificação ao cedido. Trata-se de regra especial, semelhante à prevista no art. 1.148, por meio da qual são dispensadas as formalidades previstas para a cessão de crédito comum.
Esta cessão terá eficácia em relação aos devedores no instante em que a transferência for publicada oficialmente (CC art. 1.144). O devedor de boa-fé que vier a solver seu débito, pagando-o, diretamente, ao cedente, e não ao cessionário, estará liberado de sua obrigação. Mas se algum devedor de boa-fé vier a solver seu débito, pagando-o, diretamente, ao cedente, e não ao cessionário, liberado estará de sua obrigação. Neste caso, o cessionário poderá proceder à cobrança de que tem direito ao próprio cedente.

"Art. 1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado de se boa-fé pagar ao cedente".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CÓDIGO CIVIL, Constituição Federal e Legislação Complementar. Saraiva. 2011.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 12ª edição. São Paulo: Saraiva,2009.
.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2009.
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 2ª Edição. São Paulo. Atlas. 2006.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 29ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.