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terça-feira, 11 de junho de 2019

Função Social da Empresa


Ana Laura Calegari
André Dias 
Giovani Felipe 
Maria Eduarda de C. Yaros
Maria Júlia 
Yuri Mello


 
1.      O Estado Social e a função social da empresa  - Ana Laura

•       superação do formalismo e individualismo exacerbados do Estado Liberal

•       maior discussão acerca da intersubjetividade das relações jurídicas e da reaproximação do direito com a moral e a justiça

•       mudança do Estado Liberal para o Estado Social

•       intervenção do Estado para conciliar propriedade privada e liberdade de iniciativa com os interesses sociais.

•       Keynesianismo – modelo que estabelecia um Estado econômica e socialmente ativo

•       Comte foi o primeiro pensador a sugerir uma finalidade social para o bem privado, substituindo o caráter pessoal e arbitrário.

•       A importância da função social da empresa – e seu reconhecimento como instituição fundamental econômica, política e socialmente - crescia à medida que a função social da propriedade e do contrato ganhavam notoriedade.

•       Advento do Estado Social conciliou o capitalismo com o bem-estar social e promoveu a superação da dicotomia entre direito público e direito privado

•       Função social da propriedade alçada à princípio jurídico, houve aumento da discussão acerca do tema, tendo em vista que, por si só, não foi capaz de resolver o problema do exercício dos diretos subjetivos.

•       A função social da propriedade também se projetou sobre os bens de produção, a partir daí, o patrimônio da empresa está comprometido, além dos interesses dos sócios, com o os interesses da coletividade.

•       Devido a realidade complexa das empresas, a função social abrangeu, além dos bens de produção, o controle e administração das empresas, tendo em vista seu poder de controle e dissociação da propriedade.

•       Dificuldade de conciliar o princípio da função social da empresa com as modificações sobre a concepção de direitos subjetivos, era necessário harmonizar referido princípio com a outras normas econômicas constitucionais.


2.      Função social da empresa na CF de 1988 - André

•       Art. 170 da CF

•       Art. 170 + art. 1º + art. 3º, conjugam a base sobre a qual se estrutura a ordem econômica brasileira, dão proteção constitucional para a livre iniciativa através das liberdades de investimento, organização e/ou contratação.

•       A função social, mantém relação com todos esses princípios (art. 170), procurando destacar que o fim da empresa é o de proporcionar benefícios para todos os envolvidos diretamente com a atividade e, ainda, para a coletividade.

•       As normas de proteção da concorrência e de repressão estatal, ao garantir competitividade entre as empresas e garantir menores preços aos consumidores. (Uso do CDC em todas as atividades empresariais, ofertando proteção diferenciada aos destinatários finais de produtos e serviços).

•       A função social legitima a implementação de mecanismos para a distribuição dos resultados da atividade empresarial, assegurando a busco do pleno emprego (princípio consagrado no art. 170 da CF)

•       A função social da empresa impõe limites à atividade empresarial para que preserve os recursos naturais e promova o desenvolvimento econômico sustentável, através de vários deveres positivos.

•       Esses exemplos citados demonstram que todos esses princípios da ordem econômica estão conectados à função social da empresa, constituindo parâmetros para o direito societário como um todo.

•       Os princípios constantes do art. 170 da CF não esgotam o sentido da função social da empresa.

•       a função social não tem por fim aniquilar liberdades e direitos dos empresários e tampouco de tornar a empresa mero instrumento para a consecução de fins sociais. A função social tem por objetivo, com efeito, reinserir a solidariedade social na atividade econômica sem desconsiderar a autonomia privada, fornecendo padrão mínimo de distribuição de riquezas e de redução das desigualdades.

•       importante que se discuta de que maneira a função social altera a própria noção de interesse social da empresa e, assim, projetar seus efeitos sobre a atividade empresarial como um todo.

3.      O alcance da função social da empresa – Maria Julia

•       Para compreendermos o âmbito da incidência da função social da empresa, é necessário que adotemos uma visão integrada da empresa, a fim de se chegar a soluções coerentes, sistemáticas e que evitem uma excessiva funcionalização. Deve-se equilibrar a dimensão funcional com a autonomia privada.

•       O princípio da função social da empresa amplia e modifica o objetivo e o interesse social das sociedades empresárias

•       o interesse social é a baliza estrutural e valorativa da gestão das sociedades empresárias, estando seus desdobramentos filosóficos e técnico-operacionais em constante interpenetração.

•       Com o Estado Liberal, as sociedades contratuais se debruçavam unicamente sobre os interesses dos acionistas, após a derrocada do Estado Liberal, o foco mudou, e temos uma abordagem institucionalista do interesse social, onde a empresa não deveria buscar apenas o interesse de seus sócios, mas também outras pessoas.

•       Ainda, o contratualismo (interesse dos sócios) e o institucionalismo (interesse dos sócios e da comunidade) são conflitados, sob nova roupagem: shareholder-oriented (equivalente ao contratualismo) e stakeholder-oriented (equivalente ao institucionalismo)

•       As sociedades, especialmente a sociedade anônima, são palcos naturais de conflitos, no que toca aos acionistas controladores e minoritários (ou acionistas e administradores)

•       Em razão da função social da empresa, esses conflitos aumentaram exponencialmente, tendo em vista que além dos sócios, toda a coletividade deve ter seus interesses tutelados e protegidos.

•       A diferença entre os modelos de proteção dos shareholders e stakeholders, foi mitigada com a facilidade de acesso  à propriedade acionário pelo público geral, e, além disso, os direitos destinados a proteger essa minoria acionária demonstra que o modelo de stakeholder está ultrapassado, sendo os shareholders mais vantajosos para empresa e sociedade. (stakeholders continuam protegido, por salvaguardas contratuais e regulatórias)

•       Para por fim ao conflito, Hansmann e Kraakman dizem que o contratualismo prevalece sobre o institucionalismo, porém, a solução não deve ser extremista, é necessária uma visão que integre empresa e ordenamento para obtenção de soluções coerentes.

•       Válido destacar que, acertadamente, sob a ótica do institucionalismo a empresa não é uma instituição não-redutível ao interesse dos sócios, as companhias abertas

•       Ressalte-se que apesar do aumento dos conflitos com a inclusão do interesse dos stakeholders como interesse social, o interesse da empresa se sobressai em relação a qualquer grupo, devendo ter sua estrutura privada e destinada ao lucro, preservada.

•       Atrelado a função social da empresa, está o principio da manutenção da empresa, pois sua rentabilidade é pressuposto para que seja realizado qualquer outro interesse. Dessa forma, a manutenção da empresa não pode ficar sob a guarda de um único grupo que, de algum modo, se relacione com a empresa.

•       Muito embora o principio da função social da empresa seja amplo, ele é restringido por lei quando se trata da função social da empresa estatal (sendo este identificado como a realização do interesse coletivo ou atendimento a imperativo de segurança nacional constantes da Lei autorizadora.

•       O principio da função social da empresa encontra problemática também quando tratamos da mudança na forma de organização das empresas, onde verificamos a troca das estruturas anteriormente verticalizadas (hierárquicas) para uma estrutura coordenada de produção, onde os contratos asseguram a estabilidade das relações (contratos associativos e híbridos)

•       Frente a tal quadro, a incidência da função social da empresa tão somente sobre o controle ou a administração se mostra insuficiente para tutelar as situações de materialização do poder empresarial de maneira a proteger os demais afetados por suas consequências. Além disso, passam a exercer papel importante na organização empresarial figuras como fundos de investimento e formas de “controle” como a influência relevante produzida por práticas como o interlocking,37 cuja estrutura sem dúvida enseja maiores reflexões sobre a necessidade de garantia da observância dos deveres advindos da função social da empresa.

4.      A dimensão ativa da função social da empresa -  Yuri

4.1 Projeções da dimensão ativa sobre a distribuição dos recursos da empresa.

•       A função social comporta também uma dimensão ativa ou impulsiva além da delimitação dos interesses subjetivo, ela anula condutas antissociais sem comprometer o núcleo de individualidade

•       A base comum do aspecto positivo ou impulsivo da função social é a construção de uma sociedade justa e solidária, resgatando a liberdade de todos os membros da sociedade.

•       Há um questionamento sobre a necessidade de prévia intermediação legal para a concretização dessa dimensão ativa, pois a função social seria mera norma programática, destinada ao legislador e não aos cidadãos.

•       Como dito, a função social da empresa não se limita a ser simples norma programática, é principio que vincula a atividade empresarial, logo resta saber a medida da dimensão ativa ou impulsiva da função social da empresa.

•       Tendo em vista que o princípio da função social da empresa “melhora” o principio norteador da atividade econômica da CF/88 impõe obrigações que se destinam a garantir que o patrimônio, lucros e demais recursos sejam investidos da mesma forma, é preciso saber se referido princípio impõe algum tipo de redistribuição direta dos recursos empresariais.

•       Essa distribuição de recursos deve ser feita com cuidado para que a empresa não sofra muitos efeitos negativos, tais como: 1- engessamento da atividade empresarial; 2- aumento de custos; 3- o repasse dessas dificuldades para os custos finais, 4- enfraquecimento da prestação de contas; 5- amplo controle judicial sobre as decisões empresarias; 6- fuga de investimentos.

•       As obrigações impostas aos empresários devem ser claramente esclarecidas, para que não se responsabilize pessoalmente o empresário pelo descumprimento de clausulas gerais, necessária se faz a regulamentação estatal do mercado de capitais. (exemplo Lei. 13.303/2016, que promoveu; a introdução de soluções estruturais; a prevenção do conflito de interesses; a legitimação e estímulo da responsabilidade social voluntária)

•       Não é possível impor uma redistribuição de recursos das empresas apenas com a força de uma regra geral como o principio da função social da empresa, mas é necessário que se façam leis específicas. (observa-se que o princípio da função social da empresa não obriga o direcionamento do patrimônio, lucros e demais recursos da empresa)

4.2 – A reconfiguração dos destinatários dos deveres dos gestores

•       A função social da empresa, além de modificar os deveres gerais dos gestores, também reconfigura os destinatários das atividades empresariais, o dever de agir ganha importância, sem interferir na autonomia e individualidade dos sócios.

•       Com a adoção desse princípio, os acionistas assumem um compromisso com o interesse social, sem se olvidar, no entanto, de que o interesse da empresa deve prevalecer sobre o de qualquer grupo envolvido.

•       Apesar de se impor a todos os sócios, essa condição se apresenta num grau mais elevado para o sócio controlador, tendo em vista seu aumento de responsabilidade, com isso, corre-se o risco do abuso de direitos caso haja abuso de poder de controle.

•       O sócio controlador deve seguir a clausula geral do dever da lealdade, conectando-se fortemente ao interesse social, evoluindo conforme sua adaptação a novos fatos e vedação de condutas arbitrárias e discricionárias, onde deixa de observar o interesse da empresa. Caso o dever de lealdade seja quebrado, o controlador tem a obrigação de, além de ressarcir o dano, devolver o benefício indevido.

•       O dever de lealdade foi ampliado para fora do quadro societário da empresa em razão do princípio da função social da empresa, se estendendo para o interesse coletivo (ex. art. 116 § único da Lei das S/A).

•       Há, ainda, o dever de informação ao qual os gestores devem se submeter, pois as decisões por eles tomadas devem estar apoiadas em todas as informações à disposição deles, projetando-se sobre os interesses sociais.

•       O dever de diligencia é o primeiro dos deveres dos quais os gestores devem estar sujeitos, é considerado o dever de fluidez, onde são considerados o tamanho da empresa, a natureza de suas atividades, sua estruturação, o tempo e as circunstancias em que as decisões são tomadas. Esse dever é atrelado ao dever de informação, pois essas decisões devem ser tomadas após a aquisição do máximo de informações possíveis acerca do tema.

•       Além do dever de agir informado, o dever de diligência se incumbe também da organização empresarial, tendo em vista sua adequação a legislações que visam fazer cumprir regras em favor da coletividade, adquirindo relevância com os programas de compliance.

•       O compliance, assim, constitui ferramenta capaz de apresentar o comprometimento da empresa com o cumprimento das normas legais e, assim, de conferir accountability à gestão empresária. Na mesma linha, o fortalecimento de boas práticas de governança corporativa igualmente contribui para a construção de gestão transparente e orientada pelos princípios reitores da atividade empresarial

•       O dever de diligência também visa ampliar os destinatários das ações empresariais, ficando a cargo dos gestores, agora, como uma espécie de árbitros, sopesar os variados interesses por trás de uma decisão da empresa.

•       Apesar das dificuldades relacionadas à mediação dos conflitos provenientes da ampliação do rol de destinatários do dever de diligência, pode-se concluir que os poderes de controle e de administração sejam exercidos de maneira informada, moderada e proporcional, a fim de não criar danos desnecessários, inadequados ou desarrazoados para os demais interesses que se projetam sobre a empresa. Desse modo, por mais que a gestão deva ser orientada para o lucro e para a manutenção da empresa, caberá aos administradores trilhar esse caminho de forma ponderada e não excessiva, diante dos demais interesses que devem ser resguardados, sendo possível inclusive o afastamento de ações vantajosas para a sociedade e os sócios sempre que trouxerem danos desproporcionais a outros grupos envolvidos.

4.3 – Alternativas para a implementação da dimensão ativa da função social da empresa.

•       É importante que haja a adoção de alternativas, como exemplo o modelo de co-gestão, onde os stakeholders como os trabalhadores, possam dialogar e evitar os conflitos, tendo em vista que a empresa como um todo trabalha para que a atividade seja rentável e duradoura.

•       As empresas possuem responsabilidades sociais que dizem respeito à integração voluntária de preocupações sociais à atividade empresarial, indo além de obrigações previstas em lei, diferindo-se do compliance e conciliando o desenvolvimento social ao desenvolvimento das empresas.

•       Existem empresas cujo o objeto da atividade empresarial seja a atividade social, caso das empresas filantrópicas, servindo essa atividade como a forma de buscar lucro.

•       Assim surgiram as benfit Corporation (no modelo norte americano amplia os deveres de transparência, cuidado, lealdade e boa-fé), que buscam aliar o desenvolvimento social ao lucro.

4.4- Síntese Conclusiva: os desafios da operacionalização dos deveres oriundos da função social

•       Não é possível se cogitar um dever geral de redistribuição dos recursos e patrimônio da empresa, tendo em vista que, se com leis específicas já existem problemas relativos à criação de deveres positivos.

•       Em qualquer caso o ideal é que a função social da empresa seja implementada por meio de deveres claros e objetivos, e não cláusulas excessivamente abertas.

•       Há que se pensar igualmente em como o direito pode incentivar a realização da função social da empresa por meio de iniciativas como as soluções estruturais e a responsabilidade social voluntária.

•       O princípio da função social só é considerado efetivo se o principio da preservação da empresa for também posto em evidência.

5.      A dimensão de limitação a exercício de direitos e liberdades - Giovani

•       Além dos direitos positivos impostos às empresas, a dimensão negativa dos deveres também se apresenta como fundamental, pois apesar de estarem em aparente conformidade com o exercício de direitos subjetivos e liberdades, eles podem ser contrários as finalidades do ordenamento jurídico.

•       Os princípios constitucionais que regem a livre iniciativa empresarial ampliam os deveres dos gestores de empresas, que ao descumprir alguma norma, será responsabilizado pessoalmente. Os atos abusivos decorrem de assentos em direito, por isso são difíceis de apurar, quando comparados aos atos ilícitos comuns.

•       Em última análise, as abordagens sobre o abuso de direito têm em comum o pressuposto de que direitos subjetivos e liberdades não podem estar restritos a uma definição formal-legalista, mas devem ser contextualizados diante de suas finalidades sociais, da moral, da boa-fé, dos bons costumes, da aceitação ou reprovabilidade social das condutas, dentre outros critérios.

•       Os juízos que visam aferir o exercício abusivo de direitos podem trazer resultados falsos, tendo em vista a dificuldade de compreender quando um direito está sendo usado de maneira abusiva, sendo essa relação feita mediante observação da autonomia e a dignidade da pessoa humana.

•       Por parte da autonomia, o exame é feito com relação à garantia de direitos e interesses que impõem limites e condicionamentos aos gestores, ganhando destaque a culpa normativa.

•       A clausula de vedação ao abuso da livre iniciativa empresarial não é expressa, é retirada dos princípios do art. 170 da CF. Infrações à ordem econômica responsabilizam a companhia e, em certos casos, seus dirigentes.

•       Os deveres impostos aos empresários visam equilibrar poder e responsabilidade, portanto devem ser redirecionados e configurados corretamente, de maneira a considerar os interesses dos diversos stakeholders.

•       Sobre a conduta dos gestores não incide apenas a função social da empresa, mas também a boa-fé objetiva, servindo como parâmetro identificador do abuso de direito, que pode se dar por ação ou omissão do gestor.

•       Há diferença no regime aplicado aos gestores e controladores.

•       Interpretação ampliativa do art. 116 § único da Lei das S/A, visando coibir a omissão como forma de abuso.

•       Essa dimensão negativa da função social da empresa igualmente não se resume a enunciados normativos gerais, mas encontra densificação em diversas regras que têm por objetivo a limitação do exercício dos direitos e liberdades empresariais em prol do atendimento do interesse social.

•       Exemplos Lei de Falências (art. 129 e seguintes e arts. 54, 83, I)

•       Abuso de direito de voto (art. 115 da Lei das S/A, exemplo de exercício de direito abusivo) ainda que o voto não tenha prevalecido é cabível a responsabilização pessoal do acionista.

•       Princípio geral que proíbe o controlador de utilizar-se indevidamente do seu poder.

•       Obrigações aplicadas a gestão empresarial são de meio e não de fim (observar o business judgement rule).

6.      A dimensão hermenêutico-integrativa – Maria Eduarda

•       Essa dimensão torna possível a sistematização das regras que tornam a função social da empresa, operacional.

•       O ordenamento tem a função de facilitar a identificação de condutas proibidas, tanto na experiencia doméstica como na internacional, como condutas reveladores de comportamentos abusivos ou incompatíveis com as cláusulas gerais que orientam a gestão.

•       Os gestores não podem se sobrepor aos interesses da companhia e da comunidade societária.

•       Nem todas as normas aptas a responsabilizar pessoalmente o sócio são em forma de condutas vedadas (ex. art. 117, § 1º da Lei das S/A), os princípios da ordem econômica devem ser observados também como regras norteadoras da responsabilidade, sob pena de comprometer a unidade do sistema.

•       Essa dimensão contrapõe institucionalismo e contratualismo sob uma nova ótica, dando conta de que esse debate ainda não se encerrou. É preciso equilibrar as duas vertentes.

•       Vale pontuar, novamente, que a função social da empresa não significa a priorização de um dado grupo de interesse em detrimento de outro, mas determina a realização de balanceamento entre os interesses dos diversos credores envolvidos. (Ex. lei de falências)

•       A função social da empresa visa preservar e promover a manutenção da atividade empresarial como geradora de empregos e riquezas para a comunidade

•       Por fim, o caráter sistematizador do princípio da função social da empresa não necessariamente resultará na imposição de deveres ou na responsabilização pessoal, mas também se traduz no estímulo à remodelagem institucional das corporações, de maneira a acolher em maior medida os interesses dos stakeholders e evitar conflitos

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Comercial. Direito de empresa. Capacidade. Inventário. Transmissão hereditária de firma individual.

TJSC - Comercial. Direito de empresa. Capacidade. Inventário. Transmissão hereditária de firma individual. Sentença de extinção do processo sem resolução de mérito. Carência de ação. Art. 267, inc. VI do CPC. Desconstituição do julgado

    Acórdão: Apelação Cível n. 2005.025103-5, de São Bento do Sul.
    Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari
    Data da decisão: 06.08.2008.
    Publicação: DJSC Eletrônico n. 525, edição de 09.09.08, p. 95.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INVENTÁRIO – TRANSMISSÃO HEREDITÁRIA DE FIRMA INDIVIDUAL – SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – CARÊNCIA DE AÇÃO – ARTIGO 267, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO – PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA QUE SE CONTINUE A ATIVIDADE DE EMPRESA – ARTIGO 974 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO ACOLHIDO. Um pedido só é juridicamente impossível quando há no ordenamento vedação expressa a que alguém exija sua realização no plano do direito material (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 64). ARTIGO 515, § 3º, DO DIPLOMA PROCESSUAL CIVIL – DECISÃO DA CAUSA PELO TRIBUNAL – MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO – CONDIÇÕES DE IMEDIATO JULGAMENTO – APELANTE CAPAZ E NÃO IMPEDIDO DE EXERCER EMPRESA – PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA – RELEVÂNCIA SOCIOECONÔMICA – INTERESSE PÚBLICO – CONVENIÊNCIA DA CONTINUAÇÃO DAS ATIVIDADES – JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A empresa desempenha função que extrapola os limites dos interesses patrimoniais de seus titulares, pois gera empregos, amplia o recolhimento de tributos e ativa a economia, além de incrementar importações e exportações, de maneira tal que sua preservação interessa à sociedade e ao Estado.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.025103-5, da comarca de São Bento do Sul (1ª Vara), em que é apelante Juares Pereira:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Juares Pereira contra a sentença proferida nos autos do inventário dos bens deixados por Antônio José Pereira.

A abertura do inventário foi deflagrada por Terezinha Regina da Silva, cônjuge sobrevivente, que foi nomeada inventariante (fl. 10) e, após compromisso firmado (fl. 13), prestou as primeiras declarações (fls. 16-20), informando que o único bem que o de cujus deixara foi "uma Firma CNPJ n. 42101566578, denominada Antônio José Pereira Serviços de Vigilância – ME, situada na rua Theodoro Schwaz, n. 79, bairro Serra Alta, na cidade São Bento do Sul – SC".

Junto com as primeiras declarações, foi requerida a substituição da inventariante por Juares Pereira, ora apelante, e juntados documentos.

Prestado novo compromisso (fl. 27), juntados manifestações e documentos, determinou o Magistrado de primeiro grau a intimação do inventariante para que informasse a existência de bens em nome do de cujus.

Em face da confirmação do inventariante de que o único bem deixado pelo autor da herança foi a "razão social" (fl. 64), e após manifestação do órgão do Ministério Público (fls. 72-73), o MM. Juiz a quo, reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido e, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgou extinto o feito sem resolução de mérito (fls. 75-80).

Irresignado com o decisum, interpôs o inventariante Juares Pereira a presente apelação cível, na qual argumentou ter apresentado o formal de partilha e a desistência dos demais herdeiros para que assumisse a administração da empresa individual, único bem deixado pelo falecido.

Aduziu que a manutenção da empresa deixada pelo de cujus seria de suma importância, pois que dela os familiares retirariam seu sustento.

Invocou o disposto no artigo 974, § 1º, do Código Civil, bem como o teor da Instrução Normativa n. 97 do Departamento Nacional do Registro do Comércio, e pugnou pelo provimento do apelo "para que seja autorizado o juízo 'a quo', proceder à ordem necessária para que seja retificado perante a junta comercial de São Bento do Sul-SC, a substituição do nome do 'de cujus' para o nome do Apelante, como sendo administrador da empresa Antônio José Pereira Serviços de Vigilância".

Recebido o apelo e remetidos os autos a este Tribunal, deu-se vista ao Excelentíssimo Procurador de Justiça Antenor Chinato Ribeiro, que entendeu não haver no caso interesse tutelável pelo Ministério Público.

VOTO

Cuida-se de apelação cível interposta por Juares Pereira contra a sentença do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da comarca de São Bento do Sul que, na forma do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgou extinto o feito sem resolução de mérito.

Pretende o apelante dar continuidade à atividade de empresa desempenhada individualmente pelo de cujus Antônio José Pereira (Antônio José Pereira Serviços de Vigilância – ME), tornando-se dela titular.

O MM. Juiz declarou a impossibilidade jurídica do pedido e, por conseqüência, julgou extinto o feito sem resolução de mérito (artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil).

Concessa venia, ao contrário do reconhecido pelo Magistrado de primeiro grau, tem-se o pedido do ora apelante como juridicamente possível.

Um pedido é juridicamente impossível quando há no ordenamento vedação expressa a que alguém exija sua realização no plano do direito material (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 64).

Essa condição da ação representa verdadeira exceção à garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), "portadora da regra de que em princípio todas as pretensões de tutela jurisdicional serão apreciadas pelo Estado-Juiz, só não o sendo aquelas que encontrarem diante de si alguma dessas barreiras intransponíveis" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2. v. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 302).

Nessa senda, com a devida vênia ao entendimento declinado pelo Juiz a quo – de que a firma individual extingue-se com a morte de seu titular –, não se pode afirmar como juridicamente impossível o pedido da apelante que visa obter autorização para dar continuidade à atividade de empresa desempenhada individualmente pelo extinto.

É que o artigo 974, caput e § 1º, do Código Civil expressamente permite a continuação da atividade de empresa antes exercida pelo autor da herança, mediante prévia autorização judicial, verbis:

Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança.

§ 1º. Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direito s adquiridos por terceiros.

Embora o artigo refira-se apenas à continuação da empresa pelo incapaz devidamente representado ou assistido, com igual razão é de se permitir que lhe dê continuidade a pessoa plenamente capaz, até mesmo porque nenhuma diferença substancial há entre os negócios jurídicos realizados por um ou por outro.

Veja-se, também, que o Manual de Atos de Registro de Empresário, expedido pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que "estabelece normas a serem observadas pelas Juntas Comerciais e respectivas clientelas na prática de atos no Registro de Empresas referentes a empresários", prevê em seu item 2.3, relativo às firmas individuais, subitem 2.3.5, o que segue:

2.3.5 – FALECIMENTO DO EMPRESÁRIO

A morte do empresário acarreta a extinção da empresa, ressalvada a hipótese de sua continuidade por autorização judicial.

2.3.5.1 – Sucessão "causa mortis" – sucessor capaz

A Junta Comercial arquivará a autorização judicial recebida (ato: 901 – OFÍCIO; evento: 961 – Autorização de transferência de titularidade por sucessão).

Em seguida, deverá ser arquivado Requerimento de Empresário, promovendo a mudança da titularidade.

Deverá constar do Requerimento de Empresário: ato: 002 – ALTERAÇÃO; eventos: 961 – Autorização de transferência de titularidade por sucessão e 022 – Alteração de dados e de nome empresarial. Será mantido o NIRE e o CNPJ da empresa.

Assim, desde que autorizado judicialmente, pode o herdeiro continuar a atividade de empresa exercida em vida pelo empresário falecido. Não há falar, portanto, em carência de ação pela impossibilidade jurídica do pedido, e merece reforma a sentença proferida pelo Togado de primeiro grau.

Com esteio nessas considerações, acolhe-se o recurso do apelante.

Desconstituída a sentença terminativa, abre-se a possibilidade de julgamento do meritum causae diretamente por este Tribunal, por "versar questão exclusivamente de direito" e estar "em condições de imediato julgamento", tal como dispõe o artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil.

O apelante Juares Pereira, filho do autor da herança, requereu nos autos do inventário autorização judicial para prosseguir no exercício da empresa individual titularizada por este em vida.

Conforme indicado nas primeiras declarações e reiterado pelo inventariante em manifestações seguintes, a firma Antônio José Pereira Serviços de Vigilância – ME, de CNPJ n. 42101566578, é o único bem deixado pelo de cujus.

Os demais herdeiros de Antônio José Pereira renunciaram expressamente a seus respectivos quinhões hereditários: Joatan Pereira (fl. 45), Antônio José Pereira Filho (fl. 50), Olímpio Pereira (fl. 36), Marilete Siqueira Pereira (fl. 42), Joel da Silva Pereira (fl. 33), Ivan da Silva Pereira (fl. 40), Juliano da Silva Pereira (fl. 51) e Tânia Siqueira Pereira (fl. 34).

Pelas razões acima já expostas, verifica-se, não só como juridicamente possível, mas como plenamente viável, o acolhimento da pretensão do apelante, mormente por não haver oposição de nenhum dos co-herdeiros.

Acerca da continuação do exercício da empresa, leciona Arnaldo Rizzardo (Direito de Empresa. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 65):

Se existente a empresa e vier a se tornar incapaz o sócio ou o titular, ou se o mesmo falecer, autoriza a lei a dar seguimento à empresa, como se descortina do art. 974: "Poderá o incapaz, por meio de representante, ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança".

Está-se diante da continuação da empresa, e não de sua formação, justificando Sérgio Campinho a introdução da disciplina pelo atual Código: "A matéria, que no direito anterior ao novo Código Civil gerava polêmica na doutrina, passou a ser legalmente admitida, em total desprestígio à teoria da preservação da empresa, reconhecida como um organismo vivo, de múltiplas relações com terceiros, gerando empregos, recolhimentos de tributos e promovendo a produção e distribuição de bens e serviços no mercado".

De outra banda, além de encontrar-se o apelante no pleno gozo da capacidade civil, não consta dos autos nenhuma informação de que esteja ele legalmente impedido de exercer empresa (artigo 972 do Código Civil).

Ademais, tenha-se em conta que a empresa desempenha função que extrapola os limites dos interesses patrimoniais de seus titulares, pois gera empregos, amplia o recolhimento de tributos e ativa a economia, além de incrementar importações e exportações, de maneira tal que sua preservação interessa à sociedade e ao Estado.

Acerca do papel da empresa na geração de empregos, relevam Luiz Antônio Ramalho Zanoti e André Luiz Depes Zanoti:

Merece destaque, inclusive, a importância da geração de empregos no contexto social, pela ação do empreendedorismo do empresário. Nesse sentido, mister se faz destacar que a empresa desempenha um papel de relevância socioeconômica na sociedade, pois além de ativar a economia como um todo, produzindo bens e serviços importantes para a consolidação do bem-estar das pessoas, gera postos de trabalho, como conseqüência natural, de forma a contribuir para com a satisfação das necessidades dos cidadãos. Assim, à medida que ocorre a satisfação dos anseios dessas pessoas, nesse nível, arrefecem-se as tensões sociais, visto que o homem passa a receber tratamento que enaltece a sua dignidade pessoal (A preservação da empresa sob o enfoque da nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=903>. Acesso: 21 jul. 2008).

Nessa senda, é de se observar que a empresa, em consonância com a moderna teoria de empresa e com o princípio de sua função social, é, antes de tudo, um bem social, que desempenha funções perante a coletividade. Reforçam os citados autores:

Desempenha [a empresa] papel preponderante no equilíbrio da balança de pagamentos do País. Nesse sentido, age por meio do incremento das exportações de bens e de serviços, mecanismos estes que contribuem para com a internalização de moedas estrangeiras, indispensáveis para se promover a amortização e liquidação de serviços e de dívidas externas.

Mesmo quando realiza operações de importação, a empresa também contribui para com a estabilização da balança de pagamentos do País, vez que tais inversões são engendradas com o objetivo de se adquirir insumos, tecnologia, máquinas e equipamentos, dentre outros, fundamentais para que se promova a modernização dos parques industriais, otimização da eficiência produtiva, e geração de bens e serviços para os consumos interno e externo. Logo, estando ela capacitada para atender às expectativas do consumidor interno, inibe-se a importação de bens e serviços assemelhados, ao mesmo tempo em que alavanca as exportações dos mesmos, para atender às necessidades do consumidor externo.

Os interesses sociais relacionadas à manutenção da empresa foram consagrados, definitivamente, com a Lei n. 11.101/2005, que, em seus dispositivos, prioriza a recuperação à liquidação da empresa, "a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica" (artigo 47).

Ensina Gladston Mamede (Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 2005. p. 417):

O princípio da função social da empresa reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente: tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária, prejudica também todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado.

Frente a esses importantes fatores, sobejam razões reveladoras da conveniência da continuação da empresa (artigo 974, § 1º, do Código Civil), tal como pretendido pelo apelante.

Assim, dá-se provimento ao apelo para autorizar Juares Pereira a continuar a exercer a da atividade de empresa desempenhada por Antonio José Pereira Serviços de Vigilância – ME.

Com o retorno dos autos à primeira instância, expeça o MM. Juiz, em favor de Juares Pereira, o competente alvará de autorização de continuidade do exercício da empresa Antonio José Pereira Serviços de Vigilância – ME, para arquivamento na Junta Comercial.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, esta Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade, conhecer do presente recurso e dar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 29 de maio de 2008, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador José Mazoni Ferreira, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Newton Janke.

Funcionou como Representante do Ministério Público, o Exmo. Sr. Dr. Mário Gemin.

Florianópolis, 6 de agosto de 2008.

Jaime Luiz Vicari

RELATOR

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Desconsideração da personalidade jurídica: proteção com cautela



A distinção entre pessoa jurídica e física surgiu para resguardar bens pessoais de empresários e sócios em caso da falência da empresa. Isso permitiu mais segurança em investimentos de grande envergadura e é essencial para a atividade econômica. Porém, em muitos casos, abusa-se dessa proteção para lesar credores. A resposta judicial a esse fato é a desconsideração da personalidade jurídica, que permite superar a separação entre os bens da empresa e dos seus sócios para efeito de determinar obrigações.

A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conta que a técnica jurídica surgiu na Inglaterra e chegou ao Brasil no final dos anos 60, especialmente com os trabalhos do jurista e professor Rubens Requião. “Hoje ela é incorporada ao nosso ordenamento jurídico, inicialmente pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no novo Código Civil (CC), e também nas Leis de Infrações à Ordem Econômica (8.884/94) e do Meio Ambiente (9.605/98)”, informou. A ministra adicionou que o STJ é pioneiro na consolidação da jurisprudência sobre o tema.

Um exemplo é o recurso especial (REsp) 693.235, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, no qual a desconsideração foi negada. No processo, foi pedida a arrecadação dos bens da massa falida de uma empresa e também dos bens dos sócios da empresa controladora. Entretanto, o ministro Salomão considerou que não houve indícios de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, requisitos essenciais para superar a personalidade jurídica, segundo o artigo 50 do CC, que segue a chamada “teoria maior”.

Segundo Ana de Oliveira Frazão, advogada, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista no tema, hoje há duas teorias para aplicação da desconsideração. A maior se baseia no antigo Código Civil e tem exigências maiores. Já na teoria menor, com base na legislação ambiental e da ordem econômica, o dano a ser reparado pode ter sido apenas culposo, bastando a insolvência da empresa.

“Acho a teoria menor muito drástica, pois implica a completa negação da personalidade jurídica. Todavia, entendo que pequenos credores, como consumidores, e credores involuntários, como os afetados por danos ambientais, merecem tutela diferenciada”, opina a professora.

Teoria menor

Um exemplo da aplicação da teoria menor em questões ambientais foi o voto do ministro Herman Benjamin no REsp 1.071.741. No caso, houve construção irregular no Parque Estadual de Jacupiranga, no estado de São Paulo. A Segunda Turma do STJ considerou haver responsabilidade solidária do Estado pela falha em fiscalizar.

Entretanto, a execução contra entes estatais seria subsidiária, ou seja, o estado só arcaria com os danos se o responsável pela degradação ecológica não quitasse a obrigação. O ministro relator ponderou que seria legal ação de regresso que usasse a desconsideração caso o responsável pela edificação não apresentasse patrimônio suficiente para reparar o dano ao parque.

Outro julgado exemplar da aplicação da teoria menor foi o REsp 279.273, julgado pela Terceira Turma do STJ. Houve pedido de indenização para as vítimas da explosão do Shopping Osasco Plaza, ocorrida em 1996. Com a alegação de não poder arcar com as reparações e não ter responsabilidade direta, a administradora do centro comercial se negava a pagar.

O relator do recurso, ministro Ari Pargendler, asseverou que, pelo artigo 28 do CDC, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada se há abuso de direito e ato ilícito. No caso não houve ilícito, mas o relator afirmou que o mesmo artigo estabelece que a personalidade jurídica também pode ser desconsiderada se esta é um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Cota social

Entre as teses consolidadas na jurisprudência do STJ está a aplicada no REsp 1.169.175, no qual a Terceira Turma, seguindo voto do ministro Massami Uyeda, decidiu que a execução contra sócio de empresa que teve sua personalidade jurídica desconsiderada não pode ser limitada à sua cota social. No caso, um professor sofreu queimaduras de segundo grau nos braços e pernas após explosão em parque aquático.

A empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 20 mil, mas a vítima não recebeu. A personalidade da empresa foi desconsiderada e a execução foi redirecionada a um dos sócios. O ministro Uyeda afirmou que, após a desconsideração, não há restrição legal para o montante da execução.

Desconsideração inversa

Pessoas físicas também tentam usar pessoas jurídicas para escapar de suas obrigações. No REsp 948.117, um devedor se valeu de empresa de sua propriedade para evitar execução. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, seria evidente a confusão patrimonial e aplicável a “desconsideração inversa”. A ministra ressalvou que esse tipo de medida é excepcional, exigindo que se atendam os requisitos do artigo 50 do CC.

Empresa controladora

Outro exemplo de aplicação da desconsideração da personalidade foi dado no REsp 1.141.447, relatado pelo ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma do STJ. No caso, desconsiderou-se a personalidade jurídica da empresa controladora para poder penhorar bens de forma a quitar débitos da sua controlada.

O credor não conseguiu encontrar bens penhoráveis da devedora (a empresa controlada), entretanto a empresa controladora teria bens para quitar o débito. Para o ministro Beneti, o fato de os bens da empresa executada terem sido postos em nome de outra, por si só, indicaria malícia, pois estariam sendo desenvolvidas atividades de monta por intermédio de uma empresa com parco patrimônio.

Entretanto, na opinião de vários juristas e magistrados, a desconsideração não pode ser vista como panaceia e pode se tornar uma faca de dois gumes. A professora Ana Frazão opina que, se, por um lado, aumenta a proteção de consumidores, por outro, há o risco de desestimular grandes investimentos. Esse posicionamento é compartilhado por juristas como Alfredo de Assis Gonçalves, advogado e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, que teme já haver uso indiscriminado da desconsideração pelos tribunais.

A ministra Nancy Andrighi, entretanto, acredita que, no geral, os tribunais têm aplicado bem essa técnica. Ela alertou que criminosos buscam constantemente novos artifícios para burlar a legislação. “O que de início pode parecer exagero ou abuso de tribunais na interpretação da lei, logo se mostra uma inovação necessária”, declarou.

Fraudes e limites

A ministra do STJ dá como exemplo um recente processo relatado por ela, o REsp 1.259.018. A principal questão no julgado é a possibilidade da extensão dos efeitos da falência a empresas coligadas para reparar credores. A ministra Nancy apontou que haveria claros sinais de fraude, com transferência de bens entre as pessoas jurídicas coligadas e encerramento das empresas com dívidas. Para a ministra, os claros sinais de conluio para prejudicar os credores autorizaria a desconsideração da personalidade das empresas coligadas e a extensão dos efeitos da falência.

Impor limites ao uso da desconsideração também é preocupação constante de outros magistrados do STJ, como manifestado pelo ministro Massami Uyeda em outro processo. No REsp 1.080.682, a Caixa Econômica Federal, por meio da desconsideração, tentou cancelar a transferência de imóvel para pessoa jurídica em processo de falência.

O bem pertencia ao ex-administrador da empresa falimentar e, segundo a Caixa, seria uma tentativa de mascarar sua verdadeira propriedade. Contudo, o ministro Uyeda apontou que a transferência do imóvel ocorreu mais de um ano antes da tentativa de penhora. Além disso, naquele momento, o proprietário do imóvel não administrava mais a empresa.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

ARRENDAMENTO MERCANTIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL


Trata-se de REsp oriundo de ação de reintegração de posse ajuizada pela ora recorrente em desfavor do recorrido por inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil (leasing) para a aquisição de 135 carretas. A Turma reiterou, entre outras questões, que, diante do substancial adimplemento do contrato, qual seja, foram pagas 30 das 36 prestações da avença, mostra-se desproporcional a pretendida reintegração de posse e contraria princípios basilares do Direito Civil, como a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ressaltou-se que a teoria do substancial adimplemento visa impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos aludidos princípios. Assim, tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, daí a expressão “adimplemento substancial”, limita-se o direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma demasia. Dessa forma, fica preservado o direito de crédito, limitando-se apenas a forma como pode ser exigido pelo credor, que não pode escolher diretamente o modo mais gravoso para o devedor, que é a resolução do contrato. Dessarte, diante do substancial adimplemento da avença, o credor poderá valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, mas não a extinção do contrato. Precedentes citados: REsp 272.739-MG, DJ 2/4/2001; REsp 1.051.270-RS, DJe 5/9/2011, e AgRg no Ag 607.406-RS, DJ 29/11/2004. REsp 1.200.105-AM, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/6/2012.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Função Social da Empresa




Material para pesquisa sobre estudos da empresa e sua função social dentro do contexto nacional. O estudo visa desenvolver um trabalho sobre a questão EMPRESA X SOCIEDADE X DIREITOS SOCIAIS X DIREITOS HUMANOS.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;



Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.


Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Bibliografia:
Empresa&Função Social.
Eloy Pereira Lemos Junior, Juruá.
Tutela dos Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial Vol. I e II
Juruá