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sexta-feira, 28 de março de 2025

SENTENÇA - Desconsideração da Personalidade Jurídica "indireta, na qual o objetivo da parte credora é atingir as demais empresas que formam um mesmo grupo econômico para responderem, solidariamente, pela dívida".



Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

1ª Vara Cível da Comarca de Jaraguá do Sul

Rua Guilherme Cristiano Wackerhagen, 87 - Bairro: Vila Nova - CEP: 89259300 - Fone: (47)3130-8259 - https://www.tjsc.jus.br/consulta-comarcas - Email: jaragua.civel1@tjsc.jus.br

Embargos à Execução Nº 5011905-91.2022.8.24.0036/SC


EMBARGANTE: XXXXXX ADMINISTRADORA LTDA

EMBARGANTE: XXXXXXXXXXXXXX

EMBARGANTE: XXXXXXXXXXXXXX

EMBARGANTE: XXXXXXXXXXXXXX LTDA - ME

EMBARGADO: XXXXXXXXXXXXXX

SENTENÇA

I - RELATÓRIO:

ADMINISTRADORA LTDA, XXXXXXX. JUNIOR e XXXXXXXXX LTDA - ME opuseram embargos à execução em face de XXXXX, todos qualificados. 

A parte embargante alegou que não tem qualquer vínculo com os títulos executados, na medida em que o administrador jamais celebrou qualquer tipo de negócio com o exequente. Sustentou que não há que se falar em formação de grupo econômico, tampouco em preenchimento dos requisitos da decretação da quebra da personalidade jurídica. Há vínculo apenas entre a empresa XXXXXX Ltda e Rodrigo, tendo a empresa XXXX Administradora Ltda sido constituída como administradora de bens de XXXX e XXX. A inexistência de grupo econômico já foi reconhecida pelo Juízo da 1ª Vara Cível, nos autos n. 5006427-73.2020.8.24.0036. Além disso, não há prova quanto às alegações de XXXX Malhas Ltda ME tratar-se de empresa fictícia. XXXXX alienou seus bens à XXXX Administradora para integralizar as quotas da referida sociedade; Lúcia, em que pese constar no quadro societário das empresas XXXX Malhas e XXXXX Administradora, não tem nenhum tipo de relação com as negociações, pois é dona de casa; Eduardo constituiu a empresa XXXXX Representações, da qual XXXX faz parte em percentual irrisório, apenas 1%, para que a sociedade pudesse ser constituída como Limitada, e  XXXX constituiu a empresa XXXX Factoring e Fomento Mercantil, utilizando-se para o início da atividade empresarial, de imóveis pertencentes à Administradora, sem que houvesse impedimento legal para tanto. 

A Factoring do executado XXXX teve grande destaque econômico e passou a figurar como rentável fonte de rendimentos para potenciais investidores, como ocorreu no caso em tela, em que o embargado emprestou dinheiro à empresa sob promessa de juros acima do comumente pactuado no mercado. Ocorre que a empresa passou por grave crise financeira, ocasionando a inadimplência dos credores, não havendo que se falar em "farsa empresarial" e em participação das demais pessoas jurídicas em conluio. A utilização das contas bancárias das empresas XXX Malhas e XXXX Administradora só ocorreu por imprudência de Rodrigo, que agiu com abuso dos poderes a ele outorgados, cuja procuração está em desacordo com o contrato social da Administradora. Ressaltou que de todos os sócios da administradora, somente Rodrigo figura como devedor nos títulos colacionados.

Diante disso, pugnou pela procedência dos embargos para declarar a inexistência de grupo econômico, reconsiderando a decisão que decretou a desconsideração da personalidade jurídica; declarar a ilegitimidade passiva dos embargantes, tendo em vista que não celebraram nenhum negócio jurídico com o embargante e seja declarada a improcedência dos pedidos contidos na execução.

Houve impugnação, na qual o embargado rebateu os argumentos expostos nos embargos à execução (evento 13).

Instada, a parte embargante requereu a produção de prova oral, enquanto o embargado não se manifestou.

O feito foi saneado, deferindo-se a produção de prova documental e prova emprestada (evento 26), a qual foi juntada no evento 34.

Intimadas, as partes apresentaram alegações finais (eventos 53 e 54).

Os autos vieram-me conclusos.

É o breve relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

A partir do exame da controvérsia, do ônus probatório e das provas carreadas aos autos afere-se a procedência ou não dos pedidos das partes, assim como as consequências de suas desídias.

A teor do artigo 373 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O princípio do interesse leva a lei a distribuir o ônus probatório da forma estipulada no art. 373 do CPC, afinal, o reconhecimento dos fatos constitutivos só interessa ao autor, enquanto os modificativos, extintivos ou impeditivos àqueles, só interessa ao réu. Sem prova dos primeiros, a sentença será de improcedência; sem prova dos restantes, provavelmente haverá decisão desfavorável ao réu.

Acerca do ônus probatório, Cândido Rangel Dinamarco conceitua como: "Encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a serem proferidas no processo" (Instituições de Direito Processual Civil - III. São Paulo: Malheiros, 2005).

Analisando os elementos de prova produzidos nos autos, merecem ser destacadas as seguintes considerações, com a oportuna transcrição de partes esclarecedoras dos depoimentos prestados.

Sabe-se que as empresas regularmente constituídas adquirem personalidade jurídica e, assim, passam a ter patrimônio próprio distinto do patrimônio pessoal de seus sócios, podendo assumir obrigações, responsabilidades e direitos também distintos daqueles pessoais de seus integrantes.

Na prática, isso significa que, ao menos em tese, as dívidas da sociedade não alcançam seus sócios e administradores, conforme se depreende do art. 1º da Lei das Sociedades Anônimas e do art. 1.052 do Código Civil.

A consequência imediata da personificação da sociedade é distingui-la, para os feitos jurídicos, dos membros que a compõem. Se cada um dos sócios é uma individualidade e a sociedade uma outra, não há como lhes confundir a existência. 

Por outro lado, há que se considerar que a personalidade jurídica como forma de limitação de responsabilidade não é, nem poderia ser, um princípio absoluto, sob pena de a mesma consubstanciar anteparo à fraude e lesão a interesses de terceiros, fundamentalmente credores. E, justamente nesse sentido, a tendência do legislador, amparado por parte da doutrina, e também pela jurisprudência, tem sido de ampliar a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas contraídas pela sociedade, ao menos em tese visando, fundamentalmente, a coibir casos de abusos e fraudes cometidos por sócios de sociedades comerciais, sob o “escudo da personalidade jurídica”.

Ao tratar sobre o tema, aliás, dispõe o art. 50 do Código Civil: 


"Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e 

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial"

A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, admitem diversas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica, destacando-se, dentre elas, a indireta, na qual o objetivo da parte credora é atingir as demais empresas que formam um mesmo grupo econômico para responderem, solidariamente, pela dívida.

Nesse sentido, é o enunciado n. 406 da V Jornada de Direito Civil, in verbis:

A desconsideração da personalidade jurídica alcança os grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do art. 50 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o limite transferido entre as sociedades.

Para mais, o Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento no sentido de que é possível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de sociedades formalmente distintas, mas que integram o mesmo grupo econômico, quando restar caracterizada a confusão patrimonial entre elas, conforme se infere do seguinte julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. CABIMENTO. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. DIVISÃO MERAMENTE FORMAL.CITAÇÃO DAS DEMAIS EMPRESAS. DISPENSA. RECONHECIMENTO DE QUE, NA PRÁTICA, SE TRATAVA DO MESMO ORGANISMO EMPRESARIAL. [...] 3. A confusão patrimonial existente entre sócios e a empresa devedora ou entre esta e outras conglomeradas pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão societária entre empresas conjugadas. Precedentes. [...] (STJ. REsp 907915. Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. em 7/6/2011).

Antes de adentrar no mérito da desconsideração da personalidade jurídica indireta, todavia, reputo necessário tecer algumas considerações sobre a existência de grupo econômico entre estas.

Isso porque, consoante sabido, não há conceito jurídico fechado presente na legislação pátria acerca dos critérios necessários para o seu reconhecimento.

Acerca da formação de grupo econômico, colaciona-se trecho de voto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão:

"(...) a presença de documentos que demonstram a transferência de valores para outras empresas do grupo, com atividades afins ou idênticas, com sócio comum detentor de poderes de administração, além de outros elementos indicativos, como sócios integrantes da mesma família, denominação e endereços próximos/iguais, é suficiente para caracterizar a existência de um grupo econômico de fato, permitindo, pela aplicação da teoria da aparência, decretar a desconsideração da personalidade jurídica (na forma indireta) para o fim de atingir bens das outras empresas integrantes do grupo, que não tenham participado diretamente do negócio jurídico questionado (...)" (STJ, AgRg no AREsp. n. 159.889/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15-10-2013). Grifou-se.

Para o litígio em exame, extrai-se dos autos n. 5009400-98.2020.8.24.0036 o depoimento da testemunha XXXXX Antônio de Oliveira XXXX e dos informantes XXXX XXXX XXX e XXXX XXXX:

A testemunha XXX XXX de Oliveira XXXX alegou que também negociava com a empresa embargante. Esclareceu que os negócios eram realizados pelo Rodrigo e que os pagamentos pactuados foram efetuados por este. Disse, ao fim, que não conhecia presencialmente XXXX XXXX.

O informante XXXX XXXX XXXX sustentou que também realizou aportes financeiros na empresa embargante. Afirmou que os negócios eram pactuados diretamente com Rodrigo, bem como as taxas de remuneração eram fixadas por este. Em sequência, explicou que fez aportes em contas bancárias da empresaXXXXX Administradora de Bens, e ainda que algumas reuniões para alinhamento dos negócios foram realizadas no escritório de XXXX XXXX, com a presença e aquiescência deste. Ainda, afirmou que, após os aportes financeiros, realizou encontros, no escritório do XXX XXXX, bem como seu irmão, a fim de realizar negociações sobre os valores em aberto, os quais nunca foram pagos.

Ainda, o informante XXXX XXXX declarou que realizou investimento na empresa embargante. Sustentou que foi procurado por Rodrigo para realizar os aportes financeiros e que a taxa remuneratória mensal se deu em comum acordo. Disse que os investimentos eram realizados em contas bancárias das empresas XXXXX Administradora de Bens e XXXXXMalhas, bem como os cheques em garantia eram emitidos por estas pessoas jurídicas. Ao final, alega que os aportes realizados jamais foram pagos, apesar das promessas de pagamento.

Do processo n. 5003594-82.2020.8.24.0036 extrai-se o depoimento de KXXX XXX XXX:

[...]  afirmou que trabalhava com XXXXX na XXX Factoring, onde digitava operações, realizava serviços bancários e "fazia coisas burocráticas", durante os anos de 2010 a 2019. Esclareceu que a FM, inicialmente, descontava títulos e créditos bancários que possuía com Banrisul e Bradesco, mas depois de aproximadamente seis anos começaram a captar dinheiro através de pessoas que procuravam Rodrigo. Asseverou não saber como eram feitos os investimentos, apenas disse que Rodrigo pagava esses investimentos mensalmente, em cheque ou por transferência. Não soube dizer de quem eram os cheques, pois não os assinava e quem atendida os investidores era Rodrigo. Porém, sabia que Beber era um dos investidores. 

Do processo n. 5006426-88.2020.8.24.0036 extrai-se o depoimento de XXXX XXXX XXXX:

A testemunha XXXX afirmou que trabalhou no Banco Bradesco e que quem movimentava a conta bancária da XXXX Factoring era XXXX. Afirmou que não se recorda se Eduardo foi até o banco tratar da conta bancária da XXX factoring. Asseverou que a XXXX Administradora e a XXXX malhas tinham contas bancárias junto ao Bradesco, porém, não se recorda quem as movimentava. Esclareceu que não se recorda de XXXX em sua rotina no Banco Bradesco. Disse que aproximadamente em fevereiro de 2012 não teve mais contato com Rodrigo, em razão de sua saída da agência bancária que trabalhava. Por fim, disse que Rodrigo, XXXXX e XXXXX se dirigiam ao Banco para, geralmente, descontar cheques.

Dos autos n. 5005658-65.2020.8.24.0036 colhe-se os seguintes relatos das testemunhas XXXXXXXX e XXXXXXXX:

[...] asseverou que o embargante XXX XXXXX é pessoa de boa índole e labora apenas na advocacia, não exercendo atividade relacionada ao ramo de Factoring. Ao final, disse que o embargante XXX XXXX nunca ofertou aplicação financeira a ele, bem como não tem conhecimento sobre o funcionamento da XXX Factoring.

[...] disse que o embargante XXX FXXXdetém boa índole e boa conduta. Afirmou desconhecer qualquer informação sobre as operações relacionadas a XXX Factoring, tendo em vista que só ouviu boatos sobre processos que o embargante XXXX estaria sofrendo em seu desfavor, em razão de desacordos comerciais.

[...] XXXX Alencar afirmou que conhece a XXXX Factoring e ainda que XXXXX é sócio desta. Em seguida, ressaltou que desconhece qualquer tipo de tratativa envolvendo a XXXX Factoring.

[...] a testemunha XXXX XXXXX Soares declarou que investiu valores na XXXX Factoring. Conheceu Altevir através de um clube e foi neste local que o embargante lhe ofereceu oportunidade de investimento. Disse que a taxa de remuneração foi repassada por XXXX e o filho deste, XXXX. Explicou que aportou dinheiro na XXXX Factoring porque XXXX "estava por trás".

Veja-se que, a despeito de as primeiras testemunhas desconhecerem as operações efetuadas pela XXXX Factoring, a última testemunha afirmou que investiu valor na referida empresa, em razão de uma oferta feita por XXXX e XXXX. Soma-se a isso os relatos dos informantes XXXX e XXXX, os quais, em que pese não compromissados, não podem ser desconsiderados diante do contexto dos autos.

Isso porque a empresa XXX Malhas, representada por XXX, concedeu, em 13/09/2010, os seguintes poderes para XXX XXXX XX XXX: "movimentar a conta corrente nº 4949-2, agência 0874 do Banco Bradesco nº 237 de Jaraguá do Sul-SC, podendo para tanto depositar e retirar quaisquer quantias, emitir, endossar e assinar cheques, fazer retiradas mediante recibos, autorizar débitos, transferências e pagamentos por meio de cartas, telex, fax, telefone e transferências/pagamentos por meio eletrônico, requisitar talões de cheques, verificar saldos, requerer saldos bancários, extratos, assinar propostas ou contratos de abertura de contas, contrair empréstimos, firmar ou aditar contratos, assinar duplicatas, no ato de sua emissão, receber e passar recibos nas notas de venda à vista; receber as importâncias de duplicatas, passando recibos e dando quitação parcial ou total, endossar cheques e ordens de pagamento, para efeito de seus recebimentos nos bancos, endossar duplicatas ao banco e dar a este ordens com relação a cobrança das mesmas e assinar qualquer declaração ou modificar e alterar prazos de seus vencimentos, enfim praticar os mais amplos, gerais e ilimitados poderes para o bom e fiel desempenho do presente mandato, não podendo substabelecer" (evento 1.8).

Da mesma forma e no mesmo dia, a pessoa jurídica XXXX Administradora Ltda, representada também por XXXX, outorgou poderes a XXXX para: "movimentar a conta corrente nº 4545-4, agência 0874 do Banco Bradesco nº 237 de Jaraguá do Sul-SC, podendo para tanto depositar e retirar quaisquer quantias, emitir, endossar e assinar cheques, fazer retiradas mediante recibos, autorizar débitos, transferências e pagamentos por meio de cartas, telex, fax, telefone e transferências/pagamentos por meio eletrônico, requisitar talões de cheques, verificar saldos, requerer saldos bancários, extratos, assinar propostas ou contratos de abertura de contas, contrair empréstimos, firmar ou aditar contratos, assinar duplicatas, no ato de sua emissão, receber e passar recibos nas notas de venda à vista; receber as importâncias de duplicatas, passando recibos e dando quitação parcial ou total, endossar cheques e ordens de pagamento, para efeito de seus recebimentos nos bancos, endossar duplicatas ao banco e dar a este ordens com relação a cobrança das mesmas e assinar qualquer declaração ou modificar e alterar prazos de seus vencimentos, enfim praticar os mais amplos, gerais e ilimitados poderes para o bom e fiel desempenho do presente mandato, não podendo substabelecer" (evento 1.5).

Logo, tendo em vista o relato da testemunha Luiz, mais aqueles prestados pelos dois informantes XXXX e XXXX, em conjunto com os poderes concedidos por XXXXX Malha e XXX Administradora a Rodrigo, não há dúvida de que havia confusão patrimonial entre as empresas e a XXXX Factoring.

No tocante ao abuso dos poderes conferidos a Rodrigo, os argumentos não merecem prosperar, haja vista que a procuração é clara acerca de tudo o que XXXX podia praticar em nome das outorgantes, especialmente emitir, endossar, assinar cheques, contrair empréstimos, firmar ou aditar contratos, cujos poderes foram amplamente utilizados. Assim, porque expressamente previstos no instrumento de mandato, inexistia impedimento para que o executado celebrasse o contrato e emitisse os cheques que deram ensejo à execução.

À vista desse contexto, resta evidente que as empresas do grupo familiar e os integrantes da família davam suporte a diversas operações financeiras realizadas pelas pessoas jurídicas constituídas, havendo verdadeira confusão patrimonial, satisfazendo, pois, os requisitos caracterizadores de grupo econômico, quais sejam: a comunhão dos interesses e atuação conjunta das empresas para a mesma finalidade, assim como os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica (confusão patrimonial).

Diante deste cenário, a tese de ilegitimidade passiva ad causam das embargantes para figurarem no polo passivo da execução, não merece guarida.

Assim, os embargos à execução opostos não merecem acolhimento, idêntica sorte que segue o pleito de condenação da parte embargada por litigância de má-fé, porquanto não apurado dolo processual na conduta adotada por este ao longo de toda a tramitação do feito.

III - DISPOSITIVO:

Por tais razões, julgo improcedentes os embargos à execução opostos por  xxxxxx. ADMINISTRADORA LTDA, XXXXXXXXXXXXXXXX LTDA - ME em face de XXXXXXXXX, e julgo extinto o processo com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte embargante ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC, ressalvados os casos de isenção previstos na Lei Estadual n. 17.654/2018, a exemplo do artigo 4º, inciso IX.

Condeno a parte embargante ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 2º do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Com o trânsito em julgado, traslade-se cópia da presente sentença para a execução apensa (autos n. 5005003-30.2019.8.24.0036) e, após, desapensem-se e arquivem-se com as baixas devidas.


Documento eletrônico assinado por JOSE ARANHA PACHECO, Juiz de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310061885772v32 e do código CRC cf299838.


Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): JOSE ARANHA PACHECO

Data e Hora: 11/7/2024, às 14:55:3


5011905-91.2022.8.24.0036

310061885772 .V32

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

A desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho, quando realizada sem o devido processo legal, configura ato ilícito.

As críticas sobre desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho, sem o devido processo legal, atingindo bens e afetando a personalidade jurídica de empresas que não são do mesmo grupo ou que não tenham cometido fraude alguma é comum na Justiça do Trabalho. Esse apontamento sempre fiz. Alguns me criticavam e até comentavam em seus estágios com os juízes das minhas incisivas falas, pois a desconsideração, sem o devido processo, consiste em um meio de impedir o desenvolvimento do empresário. Hoje o STF começa a acordar, um pouco tarde.

 






Durante julgamento em sessão plenária no STF nesta quarta-feira, 19, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux fizeram críticas à atuação da Justiça do Trabalho, especialmente no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução. Ambos alertaram para decisões que "ignoram o devido processo legal" e resultam em responsabilizações indevidas de empresas sem conexão com o vínculo trabalhista.









O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo (desconsideração da personalidade jurídica)



Durante julgamento em sessão plenária no STF nesta quarta-feira, 19, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux fizeram críticas à atuação da Justiça do Trabalho, especialmente no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução. Ambos alertaram para decisões que "ignoram o devido processo legal" e resultam em responsabilizações indevidas de empresas sem conexão com o vínculo trabalhista.



Decisão: Após o voto reajustado do Ministro Dias Toffoli (Relator), que conhecia do recurso extraordinário e dava-lhe provimento para excluir a recorrente do polo passivo da execução, e propunha a fixação da seguinte tese (tema 1.232 da repercussão geral): 


“1 - O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo, devendo o reclamante indicar na petição inicial as pessoas jurídicas corresponsáveis solidárias contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses de grupo econômico (art. 2°, §§ 2° e 3°, da CLT), demonstrando concretamente, nesta hipótese, a presença dos requisitos legais. 


2 - Admite-se, excepcionalmente, o redirecionamento da execução trabalhista ao terceiro que não participou do processo de conhecimento nas hipóteses de sucessão empresarial (art. 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (art. 50 do CC), observado o procedimento previsto no art. 855-A da CLT e nos arts. 133 a 137 do CPC. 


3 - Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017, ressalvada a indiscutibilidade relativa aos casos já transitados em julgado, aos créditos já satisfeitos e às execuções findas ou definitivamente arquivadas”, no que foi acompanhado pelos Ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, André Mendonça e Nunes Marques; e do voto do Ministro Edson Fachin, que negava provimento ao recurso e divergia da tese proposta, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Aguardam os demais Ministros. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 19.2.2025.


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRABALHISTA. EXECUÇÃO. INCLUSÃO DE EMPRESA INTEGRANTE DO MESMO GRUPO ECONÔMICO NO POLO PASSIVO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. EMPRESA QUE NÃO PARTICIPOU DA FASE DE CONHECIMENTO. PROCEDIMENTO PREVISTO NO ARTIGO 513, § 5º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALEGADA OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 10 E AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. PAPEL UNIFORMIZADOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

(RE 1387795 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 08-09-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 12-09-2022 PUBLIC 13-09-2022)


quinta-feira, 5 de outubro de 2023

NATUREZA DECLARATÓRIA DO REGISTRO EM RELAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. TEORIA DA EMPRESA. IRRELEVÂNCIA PARA A PRODUÇÃO DE EFEITOS EXTERNOS DOS ATOS DE ALTERAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL

 RECURSO ESPECIAL Nº 1864618 - RJ (2019/0210007-8)


DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. SOCIEDADE SIMPLES. REGISTRO EXTEMPORÂNEO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIETÁRIA. PRAZO DE 30 (TRINTA DIAS). EFEITOS A PARTIR DO REGISTRO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1.150 E 1.151 DO CÓDIGO CIVIL E 36 DA LEI N. 8.934/1994. NATUREZA DECLARATÓRIA DO REGISTRO EM RELAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. TEORIA DA EMPRESA. IRRELEVÂNCIA PARA A PRODUÇÃO DE EFEITOS EXTERNOS DOS ATOS DE ALTERAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL. RECURSO IMPROVIDO.

1 - A transformação do tipo de sociedade para sociedade simples transfere seu registro da Junta Comercial para o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A partir da transformação societária, os atos passaram a ser registrados tão somente no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não tendo sido registrados na Junta Comercial, continuando a figurar a autora como sócia administradora da pessoa jurídica.

2 - Os atos de alteração no contrato social produzem efeitos a partir da data em que foram praticados, se levados a registro nos 30 (trinta) dias seguintes, ou da data do registro, no caso de inobservância deste prazo. Inteligência dos arts. 1.150 e 1.151 do Código Civil e 36 da Lei n. 8.934/1994. 

3 - As alterações que resultaram na transformação foram levadas a registro na Junta Comercial muito tempo depois, o que ensejou o redirecionamento de execuções fiscais e atingimento da pessoa da sócia administradora em virtude da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade.

4 - O registro possui, em regra, natureza declaratória, o que permite a caracterização do empresário individual ou da sociedade empresária e sua submissão ao regime jurídico empresarial, em virtude do exercício da atividade econômica. No entanto, os atos de modificação societária exigem publicidade pelo registro para produzirem efeitos contra terceiros. 

5 - As modificações nos atos constitutivos da pessoa jurídica produzem efeitos intra-societários ou externos, em relação a terceiros. Naqueles, ainda é importante distinguir os atos entre os sócios, que os vinculam, e aquelas relações entre os sócios e a própria sociedade empresária, que pressupõem a incorporação aos seus atos constitutivos pelo registro. Nesse sentido, entremostra-se possível supor que eventual alteração no contrato social possa produzir efeitos desde logo, antes mesmo de seu registro na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. No entanto, a produção de efeitos em relação a terceiros pressupõe que seja adequadamente formalizada e publicizada por intermédio de seu registro. 

6 - Impossibilidade do reconhecimento da retroação dos efeitos da transformação à data de sua realização, em razão da extemporaneidade do registro e dos potenciais efeitos em relação a terceiros.



terça-feira, 3 de outubro de 2023

EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. “SÓCIO OCULTO”. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL. AÇÃO PRÓPRIA. DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, POR ANALOGIA, DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA.

RECURSO ESPECIAL Nº 2.055.325 - MG (2023/0057232-4)

A pretensão de desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma (inteligência dos arts. 133 e seguintes do CPC/15). Segundo compreensão desta Corte, “Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros” (REsp 332.763/SP, Terceira Turma, DJ de 24/6/2002).


Acórdão


quarta-feira, 7 de junho de 2023

Desconsideração da personalidade jurídica - Direitos trabalhistas

Juiz considerou indevido o bloqueio da conta da sócia, uma vez que ainda não instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Não tendo sido instaurado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, é indevido o bloqueio efetuado em conta de sócia em execução trabalhista. Sob este entendimento, o juiz do Trabalho Alexandre Erico Alves da Silva, da 7ª vara do Trabalho de Natal/RN, determinou o desbloqueio da conta bancária.

O caso envolve a execução de uma dívida trabalhista contra três empresas. Após sofrer a cobrança, a sócia propôs exceção de pré-executividade buscando a suspensão da execução, bem como sua exclusão do polo passivo e o imediato desbloqueio de sua conta bancária.

Ao analisar o pedido, o juiz destacou que é flagrante o equívoco apontado, visto que o despacho que tinha instaurado o incidente de desconsideração de personalidade jurídica em face dos sócios foi tornado sem efeito.

Tal fato se deu em razão de que sentença anterior, a qual condenou três empresas de forma solidária, mas ainda não haviam sido utilizadas ferramentas eletrônicas em desfavor das executadas.

O juiz, portanto, considerou indevido o bloqueio da conta da sócia, uma vez que ainda não instaurado o IDPJ. Ele ainda observou que a sócia sequer foi beneficiada com a força de trabalho do reclamante, uma vez que laborou em período anterior a seu ingresso na sociedade.

Processo: 0000036-26.2014.5.21.0007

Leia a decisão.


Do site Migalhas:

https://www.migalhas.com.br/quentes/387827/diante-de-equivoco-juiz-manda-desbloquear-conta-de-socia-em-execucao

domingo, 7 de agosto de 2022

Impacto do direito intertemporal na desconsideração da personalidade jurídica


4 de agosto de 2022, 19h22

Por Christinne Silva Areco, Débora Chaves Martines Fernandes, Giovana Branco e Ligia dos Santos de Andrade

Já é rotineiro, ao entrar uma nova lei em vigor, nos depararmos com jurisprudências discutindo se a nova legislação deve ser aplicada para relações jurídicas de trato continuado ou, como é o caso trazido por este artigo, nas centenas de milhares de ações judiciais em curso, como ocorreu quando o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) entrou em vigor. A temperatura dos debates aumenta se a matéria envolve uma das medidas mais eficazes para a recuperação de créditos discutidos no Poder Judiciário: a desconsideração da personalidade jurídica, incidente trazido pelo novo CPC e que tem a função de alcançar os bens dos sócios e administradores para responder por obrigações de responsabilidade da sociedade

Posto isto, em julgado recente conduzido pela ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela manutenção de uma decisão judicial proferida na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), a qual determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica, ou seja, quando se permite a constrição de patrimônio de empresas das quais os devedores são sócios. As partes atingidas pela decisão foram intimadas após a entrada em vigor do novo Código Civil.

A decisão atacada foi proferida nos autos de um cumprimento de sentença, decorrente de sentença em ação de indenização, em que, após a constatação de sucessão irregular entre as empresas executadas, o juízo decidiu, sem intimar as partes, pela desconsideração inversa da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de pessoa jurídica diversa da empresa executada, composta pelos mesmos sócios, que também constavam no polo passivo da demanda executiva.

No recurso especial em questão, a recorrente defendeu que houve violação aos artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, que dispõem sobre o incidente da desconsideração da personalidade jurídica. Com isso, esperava-se que fosse reconhecida a nulidade dos atos processuais praticados em cumprimento à decisão, que fora proferida em 2014, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973.

Na lei atual, ao contrário do disposto no código anterior, determina-se um procedimento próprio, no qual o juiz deverá intimar as partes para que se manifestem sobre o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, direta ou inversamente, a fim de, posteriormente, decidir sobre a inclusão dos novos agentes no polo passivo do processo. A controvérsia, portanto, esbarra no direito intertemporal e nos requisitos processuais para o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica.

O Código do Processo Civil de 2015 entrou em vigor em 18/03/2016 e, em seu artigo 1.046, dispôs: "Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973". Com a expressão "desde logo", fica claro  que a norma processual elencada no Código de Processo Civil tem aplicação imediata aos processos em curso.

Apesar da intenção do legislador de aplicar imediatamente a nova lei aos processos pendentes, devemos lembrar que o processo é composto por uma sucessão de atos que ocorrem em momentos distintos. Portanto, cada ato processual deve ser avaliado em separado para se determinar qual lei o rege.

Com a vigência do novo diploma processual, a jurisprudência se questiona, com base na Teoria dos Atos Processuais Isolados e do princípio tempus regit actum, quais procedimentos devem seguir o Código do Processo Civil de 1973 e quais devem ser convertidos para o atual Código do Processo Civil de 2015.

Pensando nisso, o STJ elaborou uma série de enunciados administrativos (E. Adm.) do Código do Processo Civil de 2015, para orientar a comunidade jurídica sobre a questão do direito intertemporal referente à aplicação das regras dos dois códigos em diversas situações específicas.

Porém, apesar dos esforços do STJ para definir parâmetros, a temática está longe de se esgotar. Para contextualizar a decisão proferida pelo STJ no caso em discussão, é interessante analisar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

No direito material, a desconsideração da personalidade jurídica encontra-se prevista no artigo 50 do Código Civil de 2002. Nele foram estabelecidas, em rol exemplificativo, as hipóteses que justificariam sua aplicação, particularmente em casos nos quais a individualização entre a existência civil da pessoa do sócio e da empresa se perde, devido à atuação abusiva e fraudulenta, com o objetivo de proteger o patrimônio de um (sócio) ou de outro (empresa) de seus credores.

Como abordado na fundamentação do acórdão sob análise, "a desconsideração da personalidade jurídica tem como parâmetro, portanto, a atuação ilegítima da sociedade por meio do abuso de direito, praticado mediante violação da lei ou do contrato social e, ainda, da confusão patrimonial".

Ou seja, uma vez configurados os requisitos presentes no artigo 50 do Código Civil, podem-se reconhecer duas formas de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A primeira delas é a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, que ocorre quando, para satisfazer os credores, os bens dos sócios são afetados. A segunda é a desconsideração inversa da personalidade jurídica, em que, para satisfazer os credores, o patrimônio da pessoa jurídica é afetado, o que ocorreu no julgado em discussão.

Apesar de o instituto da desconsideração da personalidade jurídica estar positivado desde a publicação do Código Civil de 2002, não havia no Código de Processo Civil de 1973 procedimento específico para sua realização, sendo sua aplicação pautada na jurisprudência. 

Em termos gerais, se verificada em cognição sumária a presença dos requisitos específicos, o juiz já poderia "erguer o véu" da personalidade jurídica, superar a autonomia patrimonial e autorizar, de forma incidental, que um determinado ato de expropriação atingisse bens do sócio ou da sociedade, conforme se tratasse de desconsideração propriamente dita ou inversa.

Nesse contexto, a possibilidade de defesa daqueles que tinham seus bens afetados pela desconsideração era postergada, ou seja, apenas após o ato de expropriação é que os afetados poderiam se manifestar.

É exatamente o que ocorreu no caso em análise. Inclusive, na situação, ambas as empresas sobre as quais foi constatada a "sucessão", além de terem os mesmos sócios, que já figuravam como réus no cumprimento de sentença, tinham os mesmos advogados como representantes nos autos.

Apesar dessas "coincidências", não foi interposto qualquer recurso à decisão que reconheceu a sucessão irregular das empresas executadas. Isso contribuiu, no entendimento do STJ, para a manutenção da decisão atacada, sendo inclusive reconhecida a preclusão da possibilidade de arguir a nulidade dos atos processuais praticados.

A ministra relatora entendeu que não há por que falar em reforma da decisão, seja pela inércia da recorrente na decisão que a incluiu no polo passivo da causa, seja pela situação temporal da lei a ser aplicada ao ato que assim decidiu. Não bastou, por parte da empresa executada, alegar que a publicação da decisão proferida em 2014 ocorreu em 2019, para fazer uso da nova lei que a beneficiaria.

Seguiu o STJ o seu entendimento consolidado de que a nova lei processual não retroagirá a atos já aperfeiçoados, ocorridos sob a vigência da lei antiga, ainda que o processo siga seu curso após a promulgação de uma nova lei, o que garante maior segurança jurídica aos atos já praticados, mesmo com a promulgação de uma nova lei em sentido contrário. Mais do que isso, a corte sinalizou que, mesmo definidos parâmetros mínimos para guiar a decisão sobre qual o direito aplicável à hipótese — quando presentes elementos de direito intertemporal — outros elementos processuais, como a preclusão da matéria discutida e os efeitos da decisão prolatada pelos tribunais estaduais, serão levados em consideração, de maneira casuística, para o julgamento dessas questões.


Christinne Silva Areco é advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.

Débora Chaves Martines Fernandes é advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.

Giovana Branco é advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.

Ligia dos Santos de Andrade é advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 4 de agosto de 2022, 19h22


domingo, 5 de junho de 2022

Dissolução irregular de sociedade e desconsideração da personalidade jurídica - Jurisprudências

 Quando uma sociedade empresária encerra suas atividades, espera-se que ocorra um procedimento formal de dissolução, que envolve, normalmente, o ato de dissolução propriamente dito (um distrato, por exemplo), a liquidação do seu patrimônio (apuração de ativo e passivo), a partilha do acervo social restante entre os sócios (caso o resultado da liquidação seja positivo) e a extinção da personalidade jurídica (com a respectiva baixa no órgão competente, que no caso de uma sociedade empresária é a Junta Comercial).


Quando, porém, uma sociedade empresária encerra suas atividades sem obedecer a essas formalidades, diz-se que houve uma dissolução irregular.

Pergunta-se: a dissolução irregular de sociedade empresária configura fundamento suficiente para a responsabilização pessoal dos sócios/administradores que deram causa a essa irregularidade, com o consequente redirecionamento de eventual execução da pessoa jurídica contra eles?

Em se tratando de débitos inscritos na dívida ativa, cobrados por meio de execução fiscal, a resposta é sim, nos termos da Súmula 435/STJ, comumente aplicada pelas Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ, responsável por julgar litígios relacionados ao direito tributário: “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Em contrapartida, em se tratando de dívidas negociais a situação é diferente. As Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, responsáveis por julgar litígios relacionados ao direito empresarial, entendem que a mera dissolução irregular de sociedade não é fundamento suficiente para decretação da desconsideração da personalidade jurídica, recusando aplicação da Súmula 435/STJ às lides privadas. Confiram-se, a propósito, alguns precedentes da nossa Corte Superior nesse sentido:

 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. INOVAÇÃO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CC/2002. TEORIA MAIOR. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. INSUFICIÊNCIA E INEXISTÊNCIA DE PROVA. AFERIÇÃO DA PRESENÇA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA TEORIA DA DISREGARD DOCTRINE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

(…)

A mera demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes.
(…)

(AgRg no AREsp 550.419/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 19/05/2015)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCABIMENTO. ART. 50 DO CCB.

A desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária com base no art. 50 do Código Civil exige, na esteira da jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de abuso da personalidade jurídica.
O encerramento irregular da atividade não é suficiente, por si só, para o redirecionamento da execução contra os sócios.
Limitação da Súmula 435/STJ ao âmbito da execução fiscal.
Precedentes específicos do STJ.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1386576/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 25/05/2015)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ENCERRAMENTO DE ATIVIDADES SEM BAIXA NA JUNTA COMERCIAL. REQUISITOS. AUSÊNCIA. VALORAÇÃO DA PROVA. EQUÍVOCO. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.

A mera circunstância de a empresa devedora ter encerrado suas atividades sem baixa na Junta Comercial, se não evidenciado dano decorrente de violação ao contrato social da empresa, fraude, ilegalidade, confusão patrimonial ou desvio de finalidade da sociedade empresarial, não autoriza a desconsideração de sua personalidade para atingir bens pessoais de herdeiro de sócio falecido. Inaplicabilidade da Súmula 435/STJ, que trata de redirecionamento de execução fiscal ao sócio-gerente de empresa irregularmente dissolvida, à luz de preceitos do Código Tributário Nacional.
(…)

(AgRg no AREsp 251.800/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 13/09/2013)

 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ARTIGO 50, DO CC. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES OU DISSOLUÇÃO IRREGULARES DA SOCIEDADE. INSUFICIÊNCIA. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. DOLO. NECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ACOLHIMENTO.

(…)

O encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil.
Embargos de divergência acolhidos.
(EREsp 1306553/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014)

terça-feira, 17 de março de 2020

Conduta Desleal - Empresário individual que se tornou Eireli pode ter bens executados


Estando a executada caracterizada como empresa individual quando o pedido dos atos de constrição foram redirecionados à pessoa física, deve esta responder de forma ilimitada, direta e pessoal com seus próprios bens.

Foi com base nesse entendimento que a 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal permitiu que patrimônio pessoal de um empresário fosse executado.

De acordo com os autos, após o autor vencer disputa judicial e nenhum bem da pessoa jurídica ter sido encontrado, foi solicitado que a execução atingisse os bens pessoais do administrador da companhia.

Após a fase de cumprimento da sentença, no entanto, a modalidade da firma foi alterada para Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli).

O TJ-DF, no entanto, considerou que o executado utilizou de uma artimanha para não ter seu patrimônio atingido.

"O não pagamento do débito em fase de cumprimento de sentença, somado ao fato de ter alterado a natureza jurídica da empresa para Eireli logo após o pedido do exequente de redirecionamento dos atos constritivos, constituem fortes indícios de que a executava está buscando esquivar-se de sua obrigação", diz o desembargador Roberto Freitas, relator do caso.

Assim, além de determinar a execução dos bens, a 3º Turma Cível aplicou multa de 5% do valor do débito ao empresário por considerar que ele incorreu em conduta desleal.

"Conforme o já exposto, devidamente intimada para realizar pagamento do débito, a parte devedora, após apresentado pedido de constrição de seus bens pessoais, altera a natureza jurídica da executada. Com isso, infringiu o dever de informação e de transparência patrimonial, utilizando a autonomia patrimonial da nova pessoa jurídica constituída como escudo à sua responsabilidade pessoal", conclui a decisão.


Revista Consultor Jurídico, 16 de março de 2020, 16h19

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

PATRIMÔNIO QUE HÁ - Justiça do Trabalho pode executar bens de sócio de empresa em recuperação judicial

11 de fevereiro de 2020, 19h22

Por Rafa Santos

O fato de uma empresa estar em recuperação judicial não impede a Justiça de executar as dívidas trabalhistas do empreendimento contra seus sócios, caso seja declarada a desconsideração da personalidade jurídica.

Justiça do Trabalho pode executar bens de sócio de empresa que se encontra em  recuperação judicial com base no instituto da desconsideração personalidade jurídica

Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC), decidiu negar o recurso de um dos proprietários de uma empresa de transportes de Joinville (SC).

A transportadora está em recuperação judicial desde 2015. Nesse caso, os créditos trabalhistas, por exemplo, têm sua cobrança suspensa por 180 dia e são executados na Justiça Comum, que centraliza todos os atos judiciais contra a empresa em recuperação.

Contudo, quando a empresa não dispõe de dinheiro em caixa para quitar dívidas, a lei também permite que a cobrança recaia sobre o patrimônio dos sócios com base na desconsideração da personalidade jurídica.

Com base nesse instituto, um ex-funcionário da empresa recorreu ao TRT-SC para executar uma dívida de R$ 40 mil contra um dos sócios do negócio.

Ao examinar a matéria, o relator, desembargador Wanderley Godoy Júnior, entendeu não existir nenhum impedimento na aplicação simultânea dos institutos. “A recuperação judicial procede-se em face da empresa, e não dos seus sócios”, argumentou, em voto acompanhado por unanimidade na 1ª Câmara do Regional.

Em seu voto, o magistrado citou decisões recentes do Tribunal Superior do Trabalho que reconhecem que a Justiça do Trabalho pode redirecionar a execução de ações judiciais contra sócios de empresa falida ou em recuperação judicial.

“No caso de eventual constrição dos bens, esta não recairá sobre o patrimônio da massa falida ou da empresa recuperanda, mas contra o patrimônio do sócio, que não se confunde com o patrimônio da empresa executada”, apontou.

0000634-94.2014.5.12.0050

Revista Consultor Jurídico, 11 de fevereiro de 2020, 19h22

domingo, 9 de junho de 2019

SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.786.311 - PR (2018⁄0330536-4)

RELATOR   :        MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
RECORRENTE     :        CCD TRANSPORTE COLETIVO S.A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS      :        CARLOS ALBERTO FARRACHA DE CASTRO  - PR020812
                  CLÁUDIO MARIANI BERTI  - PR025822
                  ELTON BAIOCCO  - PR053402
                  ICARO JOSÉ PROENÇA E OUTRO(S) - PR066160
RECORRIDO        :        FAZENDA NACIONAL
INTERES.   :        EMPRESA CRISTO REI LIMITADA - ME
EMENTA


REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC⁄2015. INEXISTÊNCIA.

I - Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC⁄2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração.

II - Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida.

III - Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7⁄STJ.

IV - A previsão constante no art. 134, caput, do CPC⁄2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830⁄1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC⁄2015. Na execução fiscal "a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível" (REsp n. 1.431.155⁄PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27⁄5⁄2014).

V - Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito.

VI - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,  por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.
Dr(a). GABRIEL MATOS BAHIA(Representação decorre de Lei), pela parte RECORRIDA: FAZENDA NACIONAL Brasília (DF), 09 de maio de 2019(Data do Julgamento)


MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
Relator

Documento: 94741313  EMENTA / ACORDÃO   - DJe: 14/05/2019

domingo, 17 de abril de 2016

Patrimônio insuficiente não basta para desconsideração

Por Livia Scocuglia

Insuficiência de patrimônio social não é requisito suficiente para autorizar a desconsideração da personalidade jurídica e o consequente avanço sobre o patrimônio particular dos sócios. Isso depende da prova de que houve abuso de direito nos caso de desvio de finalidade ou na confusão patrimonial. O entendimento é da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um caso de dissolução irregular. No caso, ficou comprovado que não houve abuso da personalidade jurídica pelos sócios e por isso, não há motivo para a desconsideração.

As partes discutiam se o encerramento irregular da sociedade empresária, que não deixou bens que pudessem ser penhorados, é motivo suficiente para fundamentar a desconsideração da personalidade jurídica.

Segundo a ministra, a personalidade jurídica protege o patrimônio dos sócios na “justa medida de sua atuação legítima”, segundo a finalidade da sociedade. Essa proteção deixa de existir se ocorrer o desvirtuamento da atividade empresarial, por constituir abuso de direito dos sócios. Nesses casos, e de maneira excepcional, há a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para permitir, momentaneamente, que sejam atingidos os bens da pessoa natural, “de modo a privilegiar a boa-fé nas relações privadas”, afirmou a ministra.

Ela entende que a insuficiência de bens necessários à satisfação das dívidas contraídas consiste, “a rigor”, em pressuposto para a decretação da falência e não para a desconsideração da personalidade jurídica.

No Brasil, a extinção de uma sociedade empresarial depende de Certificado de Regularidade do FGTS, emitido pela Caixa Econômica Federal; Certidão Negativa de Débitos para com o INSS; Certidão de Quitação de Tributos e Contribuições Federais para com a Fazenda Nacional, entre outros documentos, o que, segundo a ministra, torna quase impossível para uma empresa em dificuldades financeiras sujeitar-se ao procedimento legal de extinção.

Entendimento recente do STJ foi de que a dissolução irregular da sociedade não pode ser fundamento isolado para o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mas, aliada a fatos concretos que permitam deduzir ter sido o esvaziamento do patrimônio societário “ardilosamente provocado” de modo a impedir a satisfação dos credores em benefício de terceiros, é circunstância que autoriza induzir existente o abuso de direito. Esse abuso poderia ser caracterizado pelo uso ilegítimo da personalidade jurídica para fraudar o cumprimento das obrigações (desvio de finalidade) ou na ausência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios (confusão patrimonial), artigo 50 do Código Civil.

Sendo assim, a ministra levou em consideração a decisão do TJ-SP de que, no caso, não há nenhum indício de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial por parte da empresa. Ela então decidiu que, o fato de o credor não ter recebido seu crédito frente à sociedade, em decorrência da insuficiência de patrimônio social, não é requisito bastante para autorizar a desconsideração da personalidade jurídica.

Clique aqui para ler a decisão.
Recurso especial 1.395.288 


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

TURMA DETERMINA QUE IMÓVEL TRANSFERIDO PARA EMPRESA DO DEVEDOR RESPONDE POR DÍVIDA

publicado em 12/02/2016 15:10

A 5ª Turma Cível, em decisão unânime, deu provimento ao recurso da autora e determinou que o imóvel transferido pelo réu para empresa familiar, da qual é dono de 97%, seja bloqueado e penhorado para responder por dívida exclusiva do réu. 

A autora ajuizou ação de execução de título extrajudicial, em razão de o réu não ter honrado o pagamento da dívida representada pelo título. Segundo a autora, já na fase de penhora de bens, não foi possível penhorar uma fazenda do réu pois o mesmo a teria transferido para uma empresa de sua propriedade, para que o imóvel não fosse alcançado. Assim, a autora solicitou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para que o imóvel pudesse responder pela dívida do réu. 

O juiz da 1ª Vara Cível de Brasilia indeferiu o pedido, justificando que não vislumbrava a presença dos requisitos do artigo 50 do Código Civil, em especial a utilização fraudulenta do instituto da autonomia patrimonial da pessoa jurídica em questão. 

Diante da decisão de 1ª Instância, a autora interpôs recurso, no qual solicitou antecipação de tutela para que o referido imóvel fosse bloqueado. O desembargador relator, em decisão monocrática, deferiu o pedido de urgência e determinou o bloqueio da fazenda. 

O recurso, então, foi encaminhado para julgamento colegiado na 5ª Turma Cível, no qual os desembargadores foram unânimes em manter a decisão do relator e determinaram o bloqueio e penhora do referido imóvel.  

Para o desembargador relator, restou claro que o réu tentou proteger seu patrimônio de forma ilícita: “Observe-se que, no presente caso, encontra-se latente que a pessoa do agravado, buscando proteger seu patrimônio pessoal, se utilizou de pessoa jurídica por ele criada, para transferir a esta bem pertencente do acervo da pessoa física. Daí, decorrem tanto a confusão patrimonial como o desvio de finalidade, já que a existência de pessoa jurídica não pode ter por finalidade proteger seu (s) sócio (s) dos efeitos de negócios pessoais. Assim, principalmente em virtude da confusão patrimonial, seria possível a extensão dos efeitos de obrigações do sócio aos bens da pessoa jurídica, fenômeno este que recebe a denominação de desconsideração inversa da personalidade jurídica, o qual deve ser aplicado ao caso em tela."

O voto de outra magistrada que compôs o julgamento acrescentou que  não restaram dúvidas que o réu, após ter sido citado na ação de execução, constituiu sociedade empresaria, e transferiu para a mesma seu único bem de valor, com o objetivo não pagar a dívida: “De outra parte, está evidente que a referida sociedade empresária foi constituída após o ajuizamento da ação de execução e que o agravado detém quase a totalidade das cotas sociais e é seu administrador, o que denota ter ele o total controle das ações da referida sociedade. Outrossim, o capital social da referida sociedade empresária, no valor de R$ 141.156,00, foi integralizado por meio da utilização de imóvel rural de propriedade do agravado, localizado no município da Cidade Ocidental-GO, com área total de 1.738,9978 hectares e matriculado no Cartório de Registro de Imóveis daquela comarca sob o no. 17.279, tendo o protocolo da averbação da integralização do capital ocorrido em 7/1/2014 (fls. 31/68), portanto depois que o agravado foi citado na execução em curso na Instância inferior (setembro de 2013, fls. 219/219-A). Ademais, o referido imóvel rural foi avaliado pelo agravado para fins de integralização do capital social em R$ 136.926,00. Contudo, o referido imóvel tem valor de mercado infinitas vezes superior ao apresentado pelo agravado por ocasião da integralização do capital, sendo que tal fato pode ser facilmente demonstrado pelo documento de fls. 275/285, os quais revelam que três propriedade rurais localizadas no mesmo município da outra, com áreas de 16,791 ha, 9.96,49 ha e 14.94,78 ha, foram avaliadas em R$ 8.083.430,00 e foram arrematadas por R$ 5 milhões. Assim, como a área da propriedade rural em discussão é de mais de mil hectares, certamente o seu valor é infinitamente superior aos R$ 136.926,00 constantes da avaliação feita pelo agravado por ocasião da averbação da integralização do capital social da sociedade empresária referida. 

ProcessoAGI 20150020228323

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