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sábado, 12 de outubro de 2019

Utilização do trade dress de embalagens de vidro que são usadas para acondicionar as geleias Queensberry. Marca tridimensional devidamente registrada e em plena vigência.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.910 - SP (2016⁄0185736-0)

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de recurso especial interposto por Ritter Alimentos S.A. contra  acórdão assim ementado:

  • CONCORRÊNCIA DESLEAL - Utilização do trade dress de embalagens de vidro que são usadas para acondicionar as geleias Queensberry. Marca tridimensional devidamente registrada e em plena vigência. Requerida que passou a usar potes absolutamente semelhantes aos da autora. Produtos que são vendidos Iado a Iado nos supermercados. Demonstração da possibilidade de confusão e concorrência desleal. Pote de geleia utilizado pela autora há quase trinta anos, caracterizando o conjunto de imagens distintivo - Violação de direitos da propriedade industrial e usurpação que tem finalidade de aproveitamento - Sentença de procedência. Apelo para reforma. Não provimento.


Nas razões de recurso especial, alega a recorrente violação dos artigos 130, 131, 145, 293, 330, 345 e 460 do Código de Processo Civil (1973). Sustenta, além de negativa de prestação jurisdicional, que o acórdão recorrido é nulo, por ser extra petita. Indica, também, contrariedade aos arts. 122, 124, XIX, 189, I, e 210 da Lei 9.279⁄96; 492 e 1.275 do Código Civil e 472 do Código de Processo Civil (1973). Afirma cerceamento de defesa decorrente do indeferimento de prova pericial. Em seu entender, houve exame superficial dos potes de geleia cotejados, sem que fosse considerada a impressão do conjunto a fim de aferir que não houve concorrência desleal.
Procura demonstrar dissídio jurisprudencial.
Em contrarrazões, Kiviks Marknad Indústrias Alimentícias Ltda. afirma que sem sua autorização a recorrente utilizou sua marca registrada, não apenas o "trade dress" de produtos. Alega a desnecessidade de realização de perícia e afirma a incidência da Súmula 7.
É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.910 - SP (2016⁄0185736-0)
RELATORA :        MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
RECORRENTE     :        RITTER ALIMENTOS S⁄A
ADVOGADOS       :        RICARDO ZAMARIOLA JUNIOR  - SP224324
                  FRANCISCO AUGUSTO CALDARA DE ALMEIDA E OUTRO(S) - SP195328
                  LUCIANO DE SOUZA GODOY  - SP258957
                  LEONARDO DIB FREIRE  - SP341174
                  PEDRO GUILHERME DA MOTA DUTRA  - SP377896
RECORRIDO        :        KIVIKS MARKNAD INDUSTRIAS ALIMENTICIAS S.A
OUTRO NOME     :        KIVIKS MARKNAD INDÚSTRIAS ALIMENTÍCIAS LTDA
ADVOGADO        :        MÁRCIO LÔBO PETINATI E OUTRO(S) - SP246502
EMENTA

  • RECURSO ESPECIAL. USO INDEVIDO DE MARCA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMPARAÇÃO NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM SIMPLES OBSERVAÇÃO DAS EMBALAGENS DOS PRODUTOS EM CONFRONTO. DIREITO À PRODUÇÃO DE PROVA.
  • 1. A fim de se concluir pela existência de concorrência desleal decorrente da utilização indevida do conjunto-imagem de produto da concorrente é necessária a produção de prova técnica (CPC⁄73, art. 145). O indeferimento de perícia oportunamente requerida para tal fim caracteriza cerceamento de defesa
  • 2. Recurso especial provido.



VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI(Relatora): Em decisão singular, neguei provimento ao recurso especial, entendendo ser o caso de incidência da Súmula 7 desta Corte. Reanalisando os autos e levando em consideração os precedentes da Terceira Turma citados nas razões do agravo interno, determinei a conversão dos autos em recurso especial.

Kiviks Marknad Indústrias Alimentícias Ltda, ora recorrida, ajuizou ação indenizatória cumulada com pedido de cessação de uso em face de Ritter Alimentos S.A, alegando concorrência desleal causada pelo pote que a ré passou a adotar  para vender o mesmo tipo de produto (geléias), o qual entende ser bastante similar a embalagem por si utilizada (trade dress), ensejando confusão da clientela em prejuízo do seu público consumidor.

A ora recorrente sustenta que o trade dress de seu produto não se confunde com aquele dos produtos comercializados pela recorrida. Requereu, em primeiro grau, a produção de prova pericial, o que foi indeferido pela sentença, que procedeu ao julgamento antecipado da lide.
O Tribunal de origem rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa, com as seguintes ponderações (e-STJ fls. 611-613):
:
"Os integrantes da Turma não ignoram os termos de recente Acórdão assinado pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI (Resp. 1418171 CE, DJ de 10.4.2014) determinando realização de perícia para apurar "suposta utilização indevida da marca Ypióca pela recorrente, ao envasar sua cachaça nas garrafas litografadas" e não seguem a diretriz porque estão convictos da desigualdade dos fatos.

Portanto e como primeira premissa do veredicto colegiado, rejeita-se a preliminar de nulidade por falta de perícia, sem risco de ofender o disposto no art. 5º, LV da Constituição Federal. A prova, segundo um dos mais ilustres processualistas (SANTIAGO SENTIS MELENDO) se produz e se encaminha ao juiz como pressuposto persuasivo e de convicção e a sua finalidade é produzir a certeza de um fato (La preuba, Buenos Aires, EJEA, 1979, 9. 49). Respeitada a posição daqueles que consideram maiores esclarecimentos sobre a possibilidade de confusão entre os produtos que são apresentados em potes quase idênticos, deve ser aplicado o art. 131, do CPC, com referência da dispensa desse exame inútil. Evidente que nunca se obterá a unanimidade sobre a interpretação que se realiza comparando os potes e rótulos das geleias, o que não significa existir dúvida. Há, sim, maneira diversa de sentir a igualdade ou a diferença e até de avaliar o perigo da confusão e isso é normal ou de acordo com os sentidos e ângulos da cena analisada. Porém, não há como o jurista exigir que um publicitário ou um técnico em marketing forneça dados para subsidiar o que é possível aferir pelo conhecimento comum ou instinto natural. A perícia é uma perda de tempo que prejudica o processo e encarece os custos da demanda.

Ainda sobre as preliminares arguidas pela apelante, é de se consignar que seria igualmente desnecessária ao deslinde da cauda a demonstração de que o novo pote utilizado para acondicionar as geleias comercializadas pela requerida foi adotado como forma de minimizar perdas orgânicas. Ainda que tal fato estivesse comprovado, não se pode deixar de considerar que a requerida tinha o dever de respeitar os direitos marcários precedentes e pertencentes à autora, não servido tal fundamento para justificar a infração às normas de propriedade industrial."

Afastada a preliminar de nulidade de sentença em decorrência do indeferimento da perícia, a respeito do mérito o Tribunal de origem considerou o seguinte (e-STJ, fl. 614-18):

Conforme demonstram as fotografias de fls. 125⁄131; 135⁄141, as características inseridas na nova embalagem que passou a ser usada pela requerida são suficientes para causar prejuízos à autora, bem como causar confusão na massa consumidora, já que a similitude das formas de produtos que são vendidos lado a lado nas gôndolas dos supermercados poderia facilmente atrair o comprador para a aquisição das geleias da requerida pensando tratar-se daquelas fornecidas pela autora, dada a imitação levada a efeito. Essa situação não ocorre quando os produtos estão próximos, mas, sim, quando há desabastecimento temporário, o que é normal pela rotatividade dos estoques, o que poderá conduzir o freguês desavisado a comprar uma geleia pensando adquirir a outra que era sua verdadeira intenção.
Não somente deve o Judiciário efetivar a proteção do trade dress, como um todo (apesar de não haver sistema de registro de tal conjunto-imagem, em sua totalidade), como é certo que a marca tridimensional materializada pelo pote⁄embalagem de geleias produzidas pela requerente encontra-se devidamente registrada (fls. 107), de modo que a proteção almejada deveria mesmo ser deferida (art. 129 da LPI).
(...)
A requerente é um sujeito de direito que dispensa apresentação quanto à sua atuação no mercado de geleias, sendo identificada pelo público consumidor pela embalagem diferenciada que utiliza há quase 30 anos, de forma tridimensional quadrangular, fundo redondo e bocal circular amplo, características que contribuíram para consolidação da imagem-retrato que, no contexto da propriedade industrial, recebe a sugestiva denominação de Trade Dress, como esposado.
Não importa que o interior da embalagem da requerida ou alguns detalhes sejam diferentes, porque o ideal da LPI é coibir semelhanças que possam dar margem à confusão ou ao aproveitamento parasitário, o que fica patente no caso concreto.
(...)
É importante enfatizar que a forma visual do vidro utilizado por empresas que comercializam esse gênero alimentício não é mais um elemento neutro no marketing próprio da mercadoria, constituindo, sim, um diferenciador, e, embora não se vá ao ponto de dizer que a moldura diferencia um quadro a óleo, nos potes de geleia o formato distingue o produto, integrando um todo (trade drass), como na embalagem da autora e de outras fabricantes de geleias conceituadas, a exemplo do caso da St, Dalfour, uma geleia de preferência do consumidor e de invólucro bem diferenciado. Imitação da embalagem é deslealdade e busca tirar proveito da notoriedade, com clara intenção de desviar o cliente desatento e que compra um pote supondo estar adquirido o outro cuja imagem penetrou no consciente."
(...)
Não se nega que a requerida também ocupa lugar de destaque na venda de produtos de qualidade, mas o uso das novas embalagens, absolutamente semelhantes às usadas pela autora, gera uma incerteza e instabilidade no mercado, como provam as imagens encartadas às fls. 347⁄348, dentre outras."

O cotejo de fotografias dos produtos comercializados pela recorrente e pela recorrida levou, portanto, o Tribunal de origem a concluir que o uso de novas embalagens pela agravante leva a “incerteza e instabilidade no mercado”, dada a semelhança com as embalagens do produto da recorrida. Segundo aquela Corte, houve imitação que poderia levar o consumidor ao erro.

Tal a razão pela qual, em um primeiro momento, entendi pela aplicação da Súmula 7 deste Tribunal Superior ao caso concreto.

A questão, porém, não é de prova, mas jurídica. É de se reconhecer que o recurso especial não busca o reexame de prova, ou seja, a recorrente não pretende que este Tribunal Superior faça análise das fotografias consideradas pelo Tribunal de origem e a respeito delas exponha nova conclusão. Pede-se, isso sim, pronunciamento a respeito da admissibilidade do meio de prova de que se valeu a Corte a quo, mera comparação visual de fotografias das embalagens. A errônea valoração da prova sindicável na via do recurso especial é aquela que ocorre quando há má aplicação de norma ou princípio no campo probatório, o que ocorre no caso.

Trata-se, portanto, de exame de alegação de ofensa a regra de técnica probatória.

A controvérsia apresentada no recurso especial consiste em definir se a mera comparação de fotografias pelo julgador é suficiente para a verificação de imitação de trade dress capaz de configurar concorrência desleal, ou se, ao contrário, há necessidade de perícia técnica a fim de apurar se o conjunto-imagem de um estabelecimento, produto ou serviço conflita com a propriedade industrial de outra titularidade.

Revendo a questão, penso ser necessária a perícia, pelos motivos a seguir expostos.

O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos. Dados a ausência de tipificação legal e o fato de não ser passível de registro, a ocorrência de imitação e a conclusão pela concorrência desleal deve ser feita caso a caso. Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço.
Em precedente sobre o assunto, no REsp 1591294⁄PR, DJe 13⁄03⁄2018 , o relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, observando as sutilezas que podem separar a concorrência desleal da legítima prática competitiva, fez a seguinte observação no voto condutor:

  • (...) para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum.


No caso concreto, ao decidir com base em comparação de embalagens, na verdade com base em fotografias dessas embalagens, o Tribunal manteve indeferimento de prova técnica oportunamente requerida e, assim, dispensou os subsídios que a perícia poderia trazer quanto àqueles elementos.
Pela clareza na análise dessa questão, transcrevo trecho do voto condutor do acórdão proferido no Recurso Especial 1.353.451, também relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze:

Nesses casos, todavia, não é possível ao julgador consultar única e exclusivamente o seu íntimo para concluir pela existência de confusão de forma ampla e genérica, quando não há sequer o registro de embalagem em favor de alguma das partes. Em síntese, a exclusiva violação da concorrência não é fato dado a presunções atécnicas, mesmo porque sua tipificação legal não é objetiva e taxativa, dependendo do resultado concreto dessas ações, o qual depende, antes de mais nada, de uma análise técnica de propaganda e marketing.

Nota-se que, em situações como a dos autos, quando inexiste perícia técnica, as conclusões alcançadas são comumente extraídas de máximas da experiência – ou quiçá da inexperiência. Embora disciplinadas as presunções judiciais, entre as quais se disciplinou expressamente a utilização das regras de experiência comum ou técnicas, nos termos do art. 335 do CPC⁄1973, não se pode olvidar que essas regras não são meios de prova nem se realizam mediante a participação dos litigantes em contraditório. Nesse sentido, vale ainda o alerta de que "o fato que requer conhecimento técnico não interessa apenas ao juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o direito de discuti-lo de forma adequada, mediante, se for o caso, a indicação de assistentes técnicos" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção: de acordo com o CPC de 2015. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 850).

Seguindo o voto do Relator, a Terceira Turma reconheceu o cerceamento de defesa, configurado em razão do indeferimento da prova técnica, substituída naquele caso, como no presente, pela experiência dos julgadores, tendo o acórdão a seguinte ementa:

  • PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO AFIM. EMBALAGENS ASSEMELHADAS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 209 DA LEI N. 9.279⁄1996 (LPI). PERÍCIA TÉCNICA REQUERIDA. DISPENSA INJUSTIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
  • 1. O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.
  • 2. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial.
  • 3. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279⁄1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI).
  • 4. No entanto, por não ser sujeito a registro – ato atributivo do direito de exploração exclusiva – sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão.
  • 5. A confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado.
  • 6. O indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.
  • 7. Recurso especial conhecido e provido.


Nesse contexto, o indeferimento da prova pericial constituiu cerceamento de defesa, pois impossibilitou que a recorrente apresentasse ao Juízo elementos técnicos imprescindíveis para a formação de seu convencimento.

Para tal fim não era suficiente a mera comparação de imagens, pois se trata de prova de fato que depende de conhecimento técnico, conforme reconhecido nos precedentes da Terceira Turma acima mencionados, a cujas razões adiro. Violados, portanto, os arts. 130, 131, 145, 330 e 335 do CPC⁄73.
Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de anular o processo desde a sentença e deferir o pedido de produção de prova técnica, determinando o retorno dos autos à origem.
É como voto.


Documento: 90244847  RELATÓRIO, EMENTA E VOTO       

terça-feira, 18 de junho de 2019

RECURSO ESPECIAL Nº 1.782.024 - RJ (2018?0173938-7)

RELATORA     :     MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRIDO     :     INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
 
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE MARCA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. ART. 174 DA LEI 9.279?96.
 
1. Ação ajuizada em 14/1/2010. Recurso especial interposto em 12/12/2016. Autos conclusos à Relatora em 25/10/2018.

2. O propósito recursal, além de verificar se houve negativa de prestação jurisdicional, é definir (i) se a pretensão anulatória está prescrita; (ii) se houve cerceamento de defesa ou má valoração da prova; (iii) se o julgamento foi extra petita; e (iv) se deve ser declarada a nulidade da marca titulada pela recorrente.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente.

4. O diploma legal que trata especificamente de questões envolvendo direito de propriedade industrial – Lei 9.279/96 – contém regra expressa acerca da questão controvertida, dispondo que a pretensão de se obter a declaração de nulidade de registro levado a efeito pelo INPI prescreve em cinco anos, contados da data da sua concessão (art. 174).

5. Mesmo tratando-se de ato administrativo contaminado por nulidade, os efeitos dele decorrentes não podem ser afastados se entre a data de sua prática e o ajuizamento da ação já houve o transcurso do prazo prescricional previsto para incidência na correspondente hipótese fática, salvo flagrante inconstitucionalidade. Precedentes.

6. Entender que a ação de nulidade de marca é, em regra, imprescritível equivale a esvaziar o conteúdo normativo do dispositivo precitado, fazendo letra morta da opção legislativa e gerando instabilidade, não somente aos titulares de registro, mas também a todo o sistema de defesa da propriedade industrial.

7. Ademais, a imprescritibilidade não constitui regra no direito brasileiro, sendo admitida somente em hipóteses excepcionalíssimas que envolvem direitos da personalidade, estado das pessoas, bens públicos. Os demais casos devem se sujeitar aos prazos prescricionais do Código Civil ou das leis especiais. Precedente.

8. Hipótese concreta em que a ação anulatória foi ajuizada depois de transcorrido o prazo quinquenal estabelecido na lei especial, sendo impositiva a decretação da prescrição da pretensão anulatória.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de maio de 2019(Data do Julgamento)


MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

segunda-feira, 1 de junho de 2015

MARCAS. ALTO RENOME. REGISTRO.


Trata-se de REsp em que o cerne da questão está em saber se é possível a aplicação do princípio da especialidade às marcas de alto renome, citadas no art. 125 da Lei n. 9.279/1996, quando se reconhecer a ausência de confusão dos consumidores. A Turma negou provimento ao recurso ao entendimento de que não se aplica o princípio da especialidade à marca considerada de alto renome, sendo irrelevante discutir a possibilidade de confusão do consumidor. Ressaltou-se que, na hipótese, não houve renovação do registro das recorrentes como marca notória nos termos do art. 67 da Lei n. 5.772/1971 nem aquisição de registro de alto renome, de acordo com o art. 125 da Lei n. 9.279/1996, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Conforme se depreende do último dispositivo legal, que é uma reminiscência do mencionado art. 67 da Lei n. 5.772/1971, verifica-se que é necessário, para o reconhecimento do alto renome da marca, procedimento administrativo junto ao INPI, que, inclusive editou a Resolução n. 121/2005 para tal finalidade, procedimento que não ocorreu no caso. Assim, em face da ausência de declaração do INPI reconhecendo a marca das recorrentes como de alto renome, não é possível a proteção conferida pelo art. 125 da Lei n. 9.279/1996. Precedente citado: REsp 658.702-RJ, DJ 21/8/2006. REsp 951.583-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2009.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O princípio da especialidade não se aplica às marcas de alto renome, sendo assegurada proteção especial em todos os ramos da atividade


197000000976 - "PROPRIEDADE INDUSTRIAL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO COMINATÓRIA - PROIBIÇÃO AO USO DE MARCA DE ALTO RENOME - EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE - Impossibilidade de associação entre produtos e serviços. Irrelevância. Declaração do INPI reconhecendo a marca de 'alto renome'. Imprescindibilidade. O direito de propriedade da marca é limitado, entre outros, pelo princípio da especialidade/especificidade, o qual é previsto, de forma implícita no art. 124, XIX, da Lei nº 9.279/1996 . O princípio da especialidade não se aplica às marcas de alto renome, sendo assegurada proteção especial em todos os ramos da atividade, nos termos do art. 125 da Lei nº 9.279/1996 . É irrelevante, para fins de proteção das marcas de alto renome, a discussão a respeito da impossibilidade de confusão pelo consumidor na aquisição de produtos ou serviços. Para se conceder a proteção conferida pelo art. 125 da Lei nº 9.279/1996 , é necessário procedimento junto ao INPI, reconhecendo a marca como de 'alto renome'. Recurso especial a que nega provimento." (STJ - REsp 951.583 - 3ª T. - Rel. Min. Nancy Andrighi - DJ 17.11.2009 ) 

Comentário Jurídico
Cuida-se de ação cominatória c/c indenização por danos materiais ajuizada por empresas que afirmaram que possuem a titularidade de "marca notória" (Visa), registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e por este considerada como marca notória, nos termos do art. 67 da Lei nº 5.772/1971. Alegou-se que o reconhecimento da notoriedade implica em proteção ao uso da marca para todas as classes de produtos e serviços, motivo pelo qual requereu a abstenção do uso da marca "Visa Laticínios" nos produtos fabricados pela recorrida, indenização por danos materiais e a publicação do resumo da sentença em jornais de grande circulação. A título de antecipação de tutela, pleiteou a imediata interrupção do uso da marca, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e a busca e apreensão dos produtos contrafeitos.
O Juízo Monocrático julgou improcedente o pedido da ação cominatória e extinto o pedido reconvencional por impossibilidade jurídica do pedido, e entendeu que não deve ser afastado o princípio da especialidade da marca, porque não houve renovação do registro das recorrentes como "marca notória", nos termos do art. 67 da Lei nº 5.772/1971, ou aquisição de registro de "alto renome", de acordo com o art. 125 da Lei nº 9.279/1996, no INPI.
Houve recurso e o TJMG entendeu que as marcas de alto renome têm proteção especial, mas o impedimento de coexistência no mercado não ocorreria se o consumidor soubesse identificar exatamente a diferença entre elas.
As recorrentes alegaram, em suas razões, que o acórdão recorrido violou o art. 125 da Lei nº 9.279/1996, bem como dissídio jurisprudencial. Sustentaram que o dispositivo legal tido por violado não faz qualquer ressalva quanto à similitude do ramo da atividade para a proteção da marca de alto renome, tampouco quanto à possibilidade de confusão entre marcas. Aduziram que a marca "Visa" é de alto renome e deve ser protegida em todos os ramos de atividade, motivo pelo qual não deve coexistir com a marca "Visa Laticínios".
Apesar de acolher os fundamentos das Empresas Visa, o STJ negou o reconhecimento de proteção à marca como detentora de "alto renome", por entender que a falta de renovação do registro da marca junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual impede a proteção em relação a outros ramos de atividade, razão pela qual a proteção requerida judicialmente não pode ser concedida.
A Relatora asseverou que como regra geral, o direito da marca está vinculado ao princípio da especificidade, que assegura proteção apenas no âmbito dos produtos e serviços específicos da classe para a qual foi deferido o registro. A lei, no entanto, confere aos detentores de registro de marcas de alto renome proteção especial em todos os ramos de atividade. A discussão é sobre a aplicação do art. 125 da Lei nº 9.279/1996, quando se reconhece a ausência de confusão entre os consumidores. No caso, estaria evidente a ausência de confusão entre uma marca do mercado financeiro e uma de iogurte.
Vale trazer jurisprudências neste sentido:
"Direito comercial. Propriedade industrial. Recurso especial. Marcas. Colidência. Nome comercial. Proteção enquanto integrante de marca. Princípio da especificidade. Confusão ao consumidor. Inocorrência. Reexame de provas. Recurso especial não conhecido. 1. A proteção de nome comercial enquanto integrante de certa marca encontra previsão como tópico do Direito marcário, dentre as vedações ao registro respectivo (arts. 64 e 65, V, da Lei nº 5.772/1971). Destarte, e conquanto se objete que tal vedação visa à proteção do nome comercial de per si, o exame de eventual colidência entre marca integrada pelo nome comercial do titular versus marca alheia idêntica ou semelhante posteriormente registrada não pode ser dirimido apenas com base na anterioridade, subordinando-se, em interpretação sistemática, aos preceitos relativos à reprodução de marcas, consagradores do princípio da especificidade (arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/1971). Precedentes. 2. Orientação que se mantém mesmo em face da Convenção da União de Paris, ante a exegese sistemática dos arts. 2º e 8º, não se havendo falar em proteção marcária absoluta tão só porquanto composta de nome comercial. Precedente. 3. Consoante o princípio da especificidade, o INPI agrupa produtos e serviços em classes e itens, segundo o critério da afinidade, limitando-se a tutela da marca registrada a produtos e serviços de idênticas classe e item. 4. Apenas em se tratando de 'marca notória' (art. 67, caput, da Lei nº 5.772/1971, atual marca 'de alto renome', art. 125 da Lei nº 9.279/1996), como tal declarada pelo INPI, não se perscrutará acerca de classes no âmbito do embate marcário, porque desfruta tutela especial impeditiva do registro de marcas idênticas ou semelhantes em todas as demais classes e itens. Outrossim, não se confundem as marcas 'notória' e 'notoriamente conhecida' (art. 6º bis da CUP, atual art. 126 da Lei nº 9.279/1996), esta, ainda que não registrada no Brasil, gozando de proteção, mas restrita ao respectivo 'ramo de atividade'. 5. In casu, afastada pelo Tribunal a quo a configuração de 'marca notória', a tutela, mesmo que se cogitasse de 'marca notoriamente conhecida', não excederia o segmento mercadológico da recorrente. Assim, diversas as classes de registro e o âmbito das atividades da recorrente (classe 25, itens 10, 25 e 30: roupas e acessórios do vestuário de uso comum, inclusive esportes, bolsas, chapéus e calçados de qualquer espécie) e da recorrida (classes 11, item 10: jornais, revistas e publicações periódicas em geral, e 33, itens 10 e 20: doces e pós para fabricação de doces em geral, açúcar e adoçantes em geral), não há impedimento ao uso, pela última, da marca McGregor como designativa de seus produtos. Precedentes. 6. Possibilidade de confusão ao consumidor dos produtos das litigantes e prática de concorrência desleal (arts. 2º, d, da Lei nº 5.772/1971, e 10 da CUP) expressamente afastada pelas instâncias ordinárias, com fulcro no contexto probatório, cuja revisão perfaz-se inviável nesta seara especial (Súmula nº 7/STJ). Precedentes. 7. Ausente a similitude fática entre os arestos recorrido e paradigma, não se conhece da divergência jurisprudencial aventada (art. 255 e parágrafos do RISTJ). 8. Recurso especial não conhecido." (STJ, REsp 200400491548/RJ, (658702), 4ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 21.08.2006, p. 254)
"Marca. Uso indevido, por associação de ex-revendedores, da marca Ford. Sendo a marca objeto de propriedade, seu titular tem o direito exclusivo ao respectivo uso em qualquer âmbito, sempre que, registrada no Brasil, for considerada de alto renome (Lei nº 9.279/1996, art. 125) ou for notoriamente conhecida em seu ramo de atividade (art. 126); quem a usa para reunir forças contra o seu titular viola a proteção que a lei confere à marca. Recurso especial não conhecido." (STJ, REsp 200500974607/DF, (758597), 3ª T., Rel. p/o Ac. Min. Ari Pargendler, DJU 30.06.2006, p. 218) (Disponível em: www.iobonlçinejuridico.com.br)