terça-feira, 4 de dezembro de 2018

RESPONSABILIDADE DO DIRETOR DE COMPLIANCE E COBERTURA SECURITÁRIA


17 outubro 2018

No contexto atual de combate à corrupção e fortalecimento de uma cultura de ética e governança corporativa, surgem indagações sobre as funções e os deveres do diretor de compliance e sobre a cobertura securitária para os riscos incorridos por tal profissional.

Inicialmente, é importante tecer breves considerações a respeito das disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, conforme alterada (Lei da Sociedade por Ações) no que diz respeito aos deveres e responsabilidades dos administradores de sociedades empresárias (conselheiros e diretores).

Os principais deveres dos administradores previstos na Lei da Sociedade por Ações estão regulados nos artigos 153 a 157 que, de forma resumida, tratam do: (i) dever de diligência; (ii) dever de dar cumprimento às finalidades das atribuições do cargo; (iii) dever de lealdade; (iv) dever de sigilo; (v) dever de não agir em conflito de interesses; e (vi) dever de informar.

Dessa lista, destacamos o dever geral de vigilância que, conquanto não seja explícito na lei acionária, é um desdobramento do dever de diligência e dedutível dos §§ 1º e 4º do artigo 158 da Lei da Sociedade por Ações.

Esta obrigação abarca, entre outras questões, o relacionamento entre órgãos e a delegação de tarefas e competências. Por um lado, o empresário ou administrador não pode eximir-se de responsabilidade se entregou a gestão a terceiros (diretores profissionais) e não os fiscalizou adequadamente. Ainda que o administrador não tenha concorrido para a prática do ato ilícito, se ele se omite ou permanece inerte diante de ato ilegal de outro administrador, poderá ser responsabilizado conjuntamente. Não se espera, no entanto, que o administrador aja como “auditor” do trabalho alheio. A vigilância esperada é a realizada dentro do razoável, com base nas informações disponíveis em que o administrador poderia se apoiar.

O administrador não será pessoalmente responsabilizado pelo resultado de sua gestão quando agir de forma diligente, bem informada, refletida e desinteressada, sem desvio de conduta ou omissão no exercício de suas atividades, pois sua obrigação é de meio, e não de fim. Esse é o princípio consagrado como business judgment rule. No entanto, o administrador responde pelos prejuízos que causar a terceiros quando proceder dentro de suas atribuições com culpa ou dolo ou, ainda, com violação à lei ou ao contrato/estatuto social da sociedade.

A discussão sobre a responsabilidade dos administradores ganha complexidade adicional na era do compliance. De forma sucinta, compliance no mundo corporativo é o conjunto de esforços e sistemas para atuar em conformidade com leis e regras aplicáveis às atividades da empresa, com valores, princípios éticos e práticas de governança corporativa e levando em conta os impactos causados para os diferentes stakeholders. Em meio a escândalos de corrupção, as empresas no país sentem-se cada vez mais compelidas a implementar políticas condizentes com o compliance, consubstanciado em códigos internos de conduta capazes de garantir uma conformidade com as normas jurídicas e evitar a prática de ilícitos.

Nesse sentido, o departamento de compliance terá a função de mapear os riscos relacionados à atuação da empresa e desenvolver políticas, mecanismos e ferramentas para lidar com eles. A atuação do diretor de compliance geralmente engloba três principais funções: (i) criação e implementação do programa de compliance, em que o encarregado do setor de conformidade desenvolve, a partir de uma avaliação de riscos, as medidas de controle interno a serem adotadas pela pessoa jurídica; (ii) operacionalização do programa de compliance, em que o diretor de compliance coloca em execução as medidas de integridade projetadas, difunde o programa de compliance e realiza o treinamento dos demais funcionários da empresa; e (iii) gestão e aprimoramento do programa de compliance, em que o responsável por compliance monitora e revisa periodicamente a estrutura de integridade da pessoa jurídica, investiga eventuais irregularidades e faz o reporte a seus superiores.

Para analisar a responsabilidade do diretor de compliance, é necessário primeiro verificar a conformação de sua função e dos seus poderes, o que, por diferenças organizacionais, pode apontar para respostas possivelmente diversas, com maior ou menor grau de responsabilização.

Na maioria das organizações, o responsável pelo compliance está em nível hierárquico inferior ao conselho de administração e à diretoria estatutária. Ele tem incumbências de implementar um sistema de prevenção e detecção, treinar empregados, vigiar o cumprimento de normas legais e regras internas da sociedade, investigar irregularidades e transmitir as informações à administração da empresa, acompanhadas ou não do aconselhamento sobre como proceder. Uma figura, portanto, destituída de poder final decisório ou disciplinar.

Uma delegação de tarefas que não contemple conjuntamente a transmissão das competências para evitar o resultado excluiria faticamente a delegação da posição de garantidor. Assim, a responsabilidade por evitar o resultado causado por crimes praticados por integrantes da empresa contra terceiros permaneceria nas mãos do garantidor originário, ou seja, o administrador estatutário delegante.

Se, no caso concreto, o diretor de compliance apenas receber incumbências de vigiar o cumprimento de normas legais e regras internas da sociedade (diretamente e por meio do recebimento de denúncias de irregularidades), de investigar irregularidades e de transmitir as informações à administração da empresa, estamos diante de caso de delegação parcial dos deveres de garantidor, pois os poderes decisórios para intervir e evitar diretamente o resultado não foram a ele delegados. Nesses termos, o diretor de compliance não estaria obrigado a impedir a ocorrência do resultado, mas unicamente a adotar todas as medidas possíveis para evitá-lo.

Muitas vezes, o poder de atuação do diretor de compliance diante de ato delitivo limita-se à comunicação aos seus superiores. Assim, estaria livre de responsabilidade penal o encarregado de compliance que tenha reportado a seus superiores a existência ou ameaça de atos ilícitos no âmbito de atuação da empresa, ainda que posteriormente nenhuma providência tenha sido tomada pela direção para fazer cessar ou evitar a prática delituosa, pois o diretor de compliance em geral não detém poder executivo para tanto, nem tem o dever de comunicar as autoridades públicas.

Em decorrência das recentes operações contra a corrupção realizadas no Brasil, os executivos têm voltado sua atenção à proteção de seus patrimônios. Nesse cenário, o seguro de responsabilidade civil para administradores e diretores (no jargão em inglês, D&O insurance ou Directors and Officers Insurance) ganhou destaque no país, e o aumento na sua procura demandou alterações na legislação.

Em 23 de maio de 2017, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) emitiu a Circular nº 553 para estabelecer diretrizes gerais aplicáveis especificamente aos seguros de responsabilidade civil de administradores de pessoas jurídicas. Até então, essas regras estavam submetidas, de forma geral, às normas do Código Civil e às normas infralegais emitidas pela Susep e aplicáveis aos seguros de responsabilidade civil.

Bastante comum em empresas de grande porte, muitas delas multinacionais, o D&O insurance é contratado como proteção contra o risco de eventuais prejuízos causados a terceiros por atos de gestão de diretores, administradores e conselheiros que, na atividade profissional, agiram com culpa.

Tal espécie de seguro preserva não só o patrimônio individual dos que atuam em cargos de direção (segurados), o que incentiva práticas corporativas inovadoras, mas também o patrimônio social da empresa tomadora do seguro e seus acionistas, já que ao final a empresa poderá ser chamada a ressarcir seus administradores por eventuais danos pessoais.

Essa cobertura securitária não cobre, porém, atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador em detrimento do patrimônio da sociedade. Sobre o tema, em sede de Recurso Especial,[1] a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar os limites e a aplicação do D&O insurance no Brasil, assim se manifestou:

“para não haver forte redução do grau de diligência ou a assunção de riscos excessivos pelo gestor, o que comprometeria tanto a atividade de compliance da empresa quanto as boas práticas de governança corporativa, a apólice do seguro de RC D&O não pode cobrir atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador. De fato, a garantia securitária do risco não pode induzir a irresponsabilidade. (…) Extrai-se, desse modo, que a apólice do seguro RC D&O jamais poderá abranger casos de dolo ou fraude, bem como atos do diretor ou administrador motivados por meros interesses pessoais, deteriorando o patrimônio da sociedade. De fato, não se deve incentivar a prática de ilícitos penais ou de atos fraudulentos, especialmente contra o mercado de capitais”. (grifos nossos)

No mercado securitário, as seguradoras tendem a excluir das apólices de seguro coberturas relativas ao cometimento de atos fraudulentos ou de corrupção de agentes públicos ou privados. Delações premiadas ou leniências que não contenham a aprovação prévia das seguradoras podem inviabilizar a cobertura securitária do D&O insurance. Nos casos de corrupção, aquele que admitir sua participação dolosa por meio de delação premiada, ou for condenado pela Justiça por atos dolosos, perderá a cobertura do seguro e terá que reembolsar a seguradora caso ela tenha adiantado os custos da defesa judicial.

Em apelação recente,[2] a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial de São Paulo decidiu que a apólice de D&O insurance contratada por uma empreiteira envolvida na Operação Lava Jato não protege o administrador em casos de atos ilícitos confessados em delação premiada, muito menos de atos dolosos. Estando provada a condenação criminal, ou confissão de crimes em sede de delação premiada, a cobertura securitária deixará de vigorar e o Judiciário não socorrerá o administrador que comete o ato ilícito.

Na mesma linha, em 25 de setembro de 2018, a CVM emitiu o Parecer de Orientação nº 38, com recomendações acerca dos contratos de indenidade celebrados entre companhias abertas e seus administradores. Essa modalidade de contrato visa assegurar o pagamento, reembolso ou adiantamento de despesas decorrentes de possíveis processos arbitrais, cíveis ou administrativos instaurados para investigar atos praticados no exercício das funções dos administradores. Ao mesmo tempo que reconhece o valor do contrato de indenidade como instrumento legítimo de atração e retenção de profissionais qualificados, a CVM recomenda a adoção de regras e procedimentos que visem garantir o cumprimento, pelos administradores, dos seus deveres fiduciários de forma a garantir “o necessário equilíbrio entre, de um lado, o interesse da companhia de proteger seus administradores contra riscos financeiros decorrentes do exercício de suas funções, no âmbito de processos administrativos, arbitrais ou judiciais e, de outro, o interesse da sociedade de proteger seu patrimônio e de garantir que seus administradores atuem de acordo com os padrões de conduta deles esperados e exigidos por lei”.

O parecer de orientação estabelece que não são passíveis de indenização, entre outras, despesas decorrentes de atos dos administradores praticados: (i) fora do exercício de suas atribuições (atos ultra vires); (ii) com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou (iii) em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento de interesse social da companhia, incluídos os valores relativos a indenizações decorrentes de ações de responsabilidade ou oferecidas no âmbito de termos de compromisso. Para mais informações sobre a Orientação CVM nº 38, clique aqui.

Na era do combate à corrupção, a temática da responsabilidade dos administradores tende a ganhar novos contornos no que diz respeito aos diretores de compliance, considerando sua função de avaliar os riscos empresarias, elaborar controles internos, implementar programas de compliance efetivos e identificar e obstruir condutas corruptas, atos ilícitos ou fraudes nos procedimentos licitatórios. Assim, a responsabilização do diretor de compliance deverá ser avaliada caso a caso e dependerá de suas funções e atribuições, recursos e ferramentas disponíveis, e poderes de intervenção, interrupção e punição disciplinar interna. De toda forma, cabe lembrar que as apólices de D&O insurance não cobrirão atos dolosos ou com culpa grave, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador em detrimento do patrimônio da sociedade.


[1] REsp 1601555 SP 2015/0231541-7. Órgão Julgador – 3ª TURMA. Publicação DJe 20/02/2017. Julgamento: 14/02/2017. Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

[2] Apelação nº 1011986-32.2017.8.26.0100, TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Voto Vencedor Des. Cesar Ciampolini.

Autor - THIAGO SPERCEL
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+ 55 11 3150-7628

sábado, 1 de dezembro de 2018

CONSUMIDOR. INGESTÃO DE ALIMENTO COM INSETO DENTRO. DANO MORAL CARACTERIZADO.

AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.272.323 - SP (2018⁄0075079-8)
 
RELATORA:MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
AGRAVANTE:NUTRISAVOUR COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA
ADVOGADOS:LÁZARO PAULO ESCANHOELA JÚNIOR  - SP065128
  LUIZ PINHEIRO DE CAMARGO NETO E OUTRO(S) - SP282648
AGRAVADO :ALESSANDRO BARBOSA GOMES
ADVOGADO:DANIELE CRISTINA LEMOS CHEDID E OUTRO(S) - SP285268
EMENTA
 
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.  INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83⁄STJ. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7⁄STJ. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
1. A ingestão, pelo consumidor, de alimento contendo inseto em seu interior evidencia que o produto é impróprio para consumo, especialmente diante do seu potencial lesivo à saúde, assim como em decorrência da repugnância que causa, fato capaz de provocar dano moral indenizável. Incidência da Súmula 83⁄STJ.
2. A reforma do acórdão exigiria ilidir a convicção a respeito da suficiência das provas contidas nos autos, o que é incabível em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7⁄STJ.
3. Em casos excepcionais, a jurisprudência desta Corte autoriza a revisão do valor fixado a título de indenização por danos morais, mormente quando ínfimo ou exagerado, o que não é o caso dos autos, em que tal valor foi fixado em R$ 12.000,00 (doze mil reais). Inviável a revisão do julgado nesse ponto, em razão da Súmula 7⁄STJ.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
 
ACÓRDÃO
 
  A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira (Presidente), Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.
 
Brasília (DF), 13 de novembro de 2018(Data do Julgamento)
 
 
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora
 

sábado, 17 de novembro de 2018

Um caso de amor e complice

Um caso de amor e compliance

Heloisa Carpena Heloisa Carpena

Em junho de 2018, a Intel, conhecida fabricante de processadores e um dos gigantes do Vale do Silício, anunciou a renúncia de seu CEO Brian Krzanich, por violação ao código de conduta da empresa [1]. Segundo foi apurado em investigação interna, Mr. Krzanich manteve relacionamento amoroso (e consensual) com uma colaboradora, fato que chegou ao conhecimento do conselho da empresa anos depois e foi caracterizado como violação ao código de conduta da companhia e à sua política de não-confraternização (non-fraternization policy).

O episódio atraiu a atenção do mercado e deixou apreensivos seus investidores, pois o executivo, que ingressara na Intel em 1982 e se tornou presidente executivo em 2013, havia conduzido a bem-sucedida estratégia da empresa, diversificando suas atividades para além dos microprocessadores, o que elevou o preço das ações em 120% durante sua gestão. Após o anúncio da saída do executivo, as ações da Intel subiram 2,1% [2] .

O fato não é inédito, mas impressiona porque a decisão, pelo menos na aparência, se opõe a uma estratégia de negócios orientada por resultados e, justamente por isso, demonstra a forte adesão da direção à política interna da empresa

Os programas de compliance se estruturam sobre vários pilares e o apoio da alta direção (tone at the top) certamente é o mais importante deles. A máxima “o exemplo vem de cima” se concretiza na exigência de que os dirigentes das empresas (C-level) estejam de fato comprometidos não apenas com o estrito cumprimento das normas legais e regulamentares, mas sobretudo com a implementação das regras internas, estabelecidas de forma voluntária a partir dos valores expressos nos códigos de ética. Os programas serão mais efetivos quanto maior for a adesão dos colaboradores, diretamente estimulada pelo apoio da alta direção.

A lei brasileira contempla este pilar como um dos requisitos da efetividade dos programas. O Decreto n. 8.420/15, que regulamentou a Lei da Empresa Limpa (Lei n. 12.846/13), quando trata da avaliação da “existência e aplicação” dos programas de integridade (art. 42), exige o “comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa”. Note-se que o tone at the top está previsto no inciso I da norma, a denotar a prioridade atribuída pelo legislador a este atributo do programa. A nível estadual, a Lei n. 7.753/17, que instituiu a obrigatoriedade da adoção do programa de integridade pelos contratantes com o Estado do Rio de Janeiro, igualmente se refere a este requisito no art. 4º, I.

A nível administrativo, também se identificam sinais da importância do comprometimento dos executivos e conselhos para o sucesso do programa de compliance. Em 2010, a Controladoria Geral da União criou o Cadastro Empresa Pró Ética, que “consiste na divulgação anual de uma relação de empresas que adotam voluntariamente medidas de integridade relacionadas à prevenção e ao combate à corrupção” [3]. A seleção é anual e tem sido rigorosa, em sua última edição, das 375 empresas inscritas, apenas 23 foram aprovadas e receberam o selo Pró Ética.

Após uma fase de análise de requisitos de admissibilidade, as candidatas devem responder a um questionário de avaliação, dividido em 6 áreas, que são: Comprometimento da Alta Direção e Compromisso com a Ética; Políticas e Procedimentos; Comunicação e Treinamento; Canais de Denúncia e Remediação; Análise de Risco e Monitoramento e Transparência e Responsabilidade Social. Serão consideradas habilitadas as empresas que totalizarem 70 pontos, dos quais 20 podem ser alcançados somente com a comprovação do “tone at the top”. Para atender a esse requisito, a empresa deve provar com evidências “de que maneira a alta direção demonstra, tanto interna como externamente, seu comprometimento com a ética e a integridade, incluindo a prevenção e o combate à corrupção e à fraude em licitações e contratos” (questão n. 1/avaliação 2017). O desafio é identificar como isso pode ser demonstrado.

A participação dos executivos nos treinamentos, suas comunicações dirigidas aos colaboradores reafirmando políticas e valores da empresa, assim como a inclusão do tema da ética nas pautas de reuniões de diretoria e conselho são exemplos de práticas e que podem ser facilmente comprováveis. Todavia, embora sejam recomendadas inclusive em diretrizes da Controladoria Geral da União, tais medidas podem não ser suficientes para que o comprometimento se realize de forma efetiva. O relato de ações concretas praticadas pelos gestores na apuração e na repressão a condutas violadoras das leis e dos valores da empresa é fundamental para comprovar o atendimento do requisito e servir de base para a “criação de uma cultura organizacional” [4].

O compliance, como parte da governança empresarial, se insere na cultura da organização e, portanto, deve ser pautado pelas suas peculiaridades, objetivos, práticas, crenças e valores. Cada um dos pilares do programa deve contemplar uma abertura a essa realidade, que é própria de cada empresa e, portanto, única. Há que se considerar, por exemplo, o grau de proximidade entre a direção e os colaboradores, que será inversamente proporcional ao tamanho da empresa e à dispersão de suas atividades, parâmetros que devem conduzir a forma e a intensidade da comunicação entre as diferentes instâncias de poder. Em qualquer estrutura empresarial, seja grande ou modesto o faturamento, com muitos ou poucos colaboradores, atuando em âmbito local ou global, a alta direção será sempre um modelo de conduta, do ponto de vista da ética.

A liderança pelo exemplo é o ponto de partida para toda e qualquer mudança que se pretenda implantar e, em regra, será capaz de promovê-la aquele que tiver o poder de decidir sobre as estratégias de negócios, assegurar recursos para o eficaz funcionamento do programa, garantir o cumprimento da política de não retaliação aos denunciantes, aplicar sanções aos infratores e celebrar acordos com autoridades públicas para a devida conformidade das práticas empresariais. Em suma, são os gestores que asseguram a confiabilidade do programa de compliance.

A alta administração deve se comportar de forma ética mesmo nas decisões sigilosas ou reservadas, e somente assim promoverá os valores da organização, encorajando as pessoas a expressarem suas preocupações, estando sempre pronto a ouvi-los, sem retaliação, assegurando que, seja quem for, será responsabilizado por atos que descumpram as normas internas e externas que regem a atividade da empresa.

O compliance, na sua dimensão de integridade, vem sendo difundido no país por leis federais e estaduais que concedem benefícios às empresas que o adotam, condicionados à demonstração de que buscam torná-lo efetivo, isto é, apto a produzir o desejado efeito de reduzir os atos de corrupção. Na dimensão concorrencial, encontra-se a expressa advertência sobre programas “de fachada”, assim definidos no Guia do Compliance publicado pelo CADE como aqueles “criados apenas para simular um interesse em comprometimento, também conhecidos como sham programs.” [5]

A lei não deixa dúvidas de que a comprovação dos efeitos do programa de integridade é indispensável à atribuição dos benefícios decorrentes do acordo de leniência, tanto assim que se refere à “aplicação efetiva de código de ética e de conduta” como condição para a celebração (art. 16 da Lei n. 12.846/13). Destaque-se que a norma legal expressamente prevê que o acordo “somente poderá ser celebrado” se e quando ficar comprovada a efetividade do programa. Vale lembrar que o descumprimento do acordo ensejará, além do impedimento de nova celebração pelo prazo de 3 anos, o restabelecimento da multa imposta de forma integral, o que torna a efetividade do programa verdadeira condição resolutiva do compromisso.

Ainda que as consequências do romance de Mr. Krzanich possam ser consideradas desproporcionais, do ponto de vista de nossa cultura latina, certamente demonstram a importância do pilar número 1 que todo programa de compliance deve possuir e comprovam, de forma inequívoca, o compromisso da administração superior, no caso, o board, com o cumprimento do código de ética da Intel.

O sistema de normas anticorrupção deve ser estímulo não à criação apenas formal de um programa de integridade, mas sim à busca de um renovado modelo de negócios que contemple a função social da empresa e crie uma consistente vantagem competitiva para aquelas que estão comprometidas com sua efetividade. É chegada a hora de as empresas atuarem em favor da promoção de uma cultura da integridade no Brasil.



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[1] https://newsroom.intel.com/news-releases/intel-ceo-brian-krzanich-resigns-board-appoints-bobswan-interim-ceo/
[2] https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/presidente-da-intel-brian-krzanich-deixa-cargo-aposrelacionamento-com-funcionaria,fe3d2621d9ea82587c8e975b93596e33aq2ggfzb.html
[3] http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-emanuais/novo-regulamento-empresa-pro-etica/view
[4] http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizespara-empresas-privadas.pdf
[5] http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guiacompliance-versao-oficial.pdf

Heloisa Carpena – Advogada. Profa. PUC-Rio. Doutora em direito (UERJ). Especialista em direito do consumidor. Integrou o MPRJ na área da proteção dos interesses coletivos. Certificada em advanced compliance pela CISI (2018)

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

RFB condena primeira empresa com base na Lei Anticorrupção


A Corregedoria da Receita Federal condenou a primeira empresa com base na Lei Anticorrupção, por tentativa de suborno a um funcionário do órgão, com a aplicação de multa de R$ 552.000,00.
Apresentada a denúncia pelo próprio servidor público à Receita Federal, a Polícia Federal foi imediatamente comunicada para possível apuração criminal.
Além da multa, a empresa terá de publicar a decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação, refletindo diretamente na imagem da empresa no mercado em que atua. Portanto, é fundamental que os dirigentes, profissionais de compliance e todos os colaboradores conheçam os princípios básicos e entendam a abrangência e aplicação da Lei nº 12.846/2013.
Abaixo destacamos os principais pontos da Lei:
  • Responsabilidade objetiva – as empresas podem ser punidas por atos de corrupção, independentemente de culpa, bastando a comprovação de que tais atos tenha sido praticados em seu interesse ou benefício.
  • Pena de multa de alto valor – A multa para os casos de corrupção é alta, podendo inclusive, levar uma empresa à falência. O valor pode chegar a 20% do faturamento bruto anual. Se não for possível fazer esse fracionamento, a pena passa a ser de R$ 6mil a R$ 60 milhões de reais, dependendo do tamanho da empresa.
  • Acordo de Leniência – A ideia é semelhante à das delações premiadas, que povoam os noticiários na atualidade.
  • Abrangência – Todas as esferas da administração pública (municipal, estadual e federal), assim como seus respectivos órgão e entidades.
  • Sem fronteiras – A norma se estende às empresas brasileiras que atuem n exterior, em qualquer país, mesmo naqueles que não possuem uma lei similar.
Nesse sentido, os profissionais de compliance adquirem importância estratégica dentro das empresas desenvolvendo programas com a finalidade de zelar pelo compromisso com a conformidade às leis e à ética.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Artigos do Código Civil que estudamos esse ano 2018


41Pessoas jurídicas do Direito Público
44Pessoas jurídicas: quem são
50Desconsideração da personalidade jurídica
53Associação: não tem fim econômico
391Responsabilidade patrimonial
966Conceito de empresário
971S. Rural
972Quem pode ser empresário
980Eireli
981Conceito de sociedade empresária
982Cooperativa (só p. único)
982Sociedade empresária X Sociedade Simples
983Soc. Simples constituída com elementos da empresária
984S. Rural constituída conforme sociedade empresária
984S. Simples Rural que vira Soc. Empresária (pode pedir falência)
985PJ e inscrição
986Sociedade em comum / Sociedade de fato / Sociedade irregular
990S. em Comum: responsabilidade ilimitada
991Sociedade em conta de participação
991S. em Conta de Participação: responsabilidade mista
995S. em Conta de Participação: exemplo de sociedade de pessoas
997Sociedade simples
997Contrato social: como fazer e o que tem
1003S. Simples: todo mundo tem que anuir para cesão de cotas (mais exemplo de s. de pessoas)
1015Sociedade não responde por obrigações assumidas pelos administradores que não esteja especificado no objeto social
1015Administradores: excesso de poderes
1016S. Simples: Administradores respondem solidariamente por prejuízos decorrentes de culpa
1018Administradores: indelegabilidade da Administração
1020Administradores: obrigações
1021Administradores: direito do sócio fiscalizar
1023S. Simples: responsabilidade ilimitada
1023Sócios: responsabilidades
1024Sócios: benefício da ordem
1025Sócios: dívidas anteriores
1026Liquidação das quotas
1028Resolução da sociedade em relação a um sócio (PROBLEMA: apuração de haveres)
1033Sociedade unipessoal em caso incidental
1039S. em Nome Coletivo
1039S. em Nome Coletivo: responsabilidade Ilimitada
1045S. em Comandita Simples
1045S. em Comandita Simples: responsabilidade mista
1052S. Limitada
1052S. Limitada: responsabilidade limitada
1053Limitada: rege-se, nas omissões, por regras da sociedade simples
1055Limitada: quotas
1057S. Limitada: no silêncio do contrato, é sociedade de pessoas
1088S. Anônima: responsabilidade limitada
1091S. em Comandita por Ações: responsabilidade mista
1093S. Cooperativa
1113Op. Intrasocietárias
1142Conceito de estabelecimento
1150Tipos de registro das empresas
1150Início da P.J.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Mantida sentença que determinou abstenção de uso da marca Café da Roça



A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial da empresa Café Cajuri Ltda. que buscava a rescisão de sentença que lhe impôs a abstenção de uso da marca Café da Roça. De forma unânime, o colegiado concluiu não estarem presentes irregularidades processuais ou erros de fato capazes de justificar o acolhimento do pedido rescisório.

Em processo de indenização e uso indevido de marca proposto pela empresa Café da Roça Ltda., o magistrado de primeiro grau entendeu que ela demonstrou ser proprietária da marca Café da Roça e, por consequência, determinou que a Café Cajuri deixasse de comercializar produtos utilizando indevidamente a marca. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Após o trânsito em julgado da condenação e o indeferimento do pedido rescisório pelo TJMG, a Café Cajuri interpôs recurso especial sob o fundamento de suposto erro de fato na sentença, já que o detentor da marca seria a empresa Café Vanil, e não a Café da Roça Ltda. A Café Cajuri também questionava a concessão de tutela jurisdicional a uma marca supostamente genérica.

O relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que a alegação do caráter genérico tem relação com a própria validade do registro da marca, pois a Lei de Propriedade Industrial excluiu de sua proteção as marcas que apresentem sinais de caráter genérico, comum, vulgar ou simplesmente descritivo.   

“A controvérsia acerca da validade desse registro não pode ser apreciada pela Justiça comum estadual, nem mesmo em caráter incidenter tantum, por se tratar de matéria da competência da Justiça Federal, tendo em vista o interesse do INPI nessa controvérsia”, afirmou o ministro ao afastar a possibilidade de conhecimento do recurso neste ponto.

Sucessão

Em relação à titularidade da marca, o relator destacou que a Justiça de Minas Gerais entendeu que a empresa Café da Roça, autora do pedido de abstenção de uso de marca, havia sucedido a titular originária da marca, o que lhe conferiu legitimidade para a propositura da demanda.

Apesar de entender que a análise sobre o suposto erro de fato exigiria a avaliação dos elementos fáticos do processo – o que é impedido pela Súmula 7 –, o ministro Sanseverino ressaltou que o titular originário da marca e a empresa atual possuem estabelecimento no mesmo local. Além disso, apontou o ministro, há nos autos documento não impugnado no processo principal que indica publicação na Revista de Propriedade Industrial sobre a transferência, por cessão, da marca registrada pela Café Vanil Ltda.

“Por tudo isso, torna-se irrelevante a alegação, deduzida no recurso especial, de que as empresas possuem CNPJ distintos, não havendo falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional quanto a esse ponto”, concluiu o ministro ao manter a sentença de abstenção de uso de marca.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.738.014 - MG (2015/0085836-0)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : CAFE CAJURI LTDA - ME
ADVOGADO : PAULO ROBERTO ROQUE ANTONIO KHOURI - DF010671
RECORRIDO : CAFE DA ROCA INDUSTRIA & COMERCIO LTDA - EPP
ADVOGADOS : LUIZ FERNANDO VALLADAO NOGUEIRA - MG047254
LUCILA CARVALHO VALLADAO NOGUEIRA E OUTRO(S) - MG134774

EMENTA - RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. TUTELA INIBITÓRIA. DEMANDA PROCEDENTE. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC/1973. NULIDADE DA MARCA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. JULGADOS DESTA CORTE SUPERIOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. SANATÓRIA GERAL.

1. Controvérsia acerca da rescisão de sentença que condenou a empresa ora recorrente a se abster de usar a marca "Café da Roça", de titularidade da ora recorrida.

2. Negativa de prestação jurisdicional não verificada na espécie.

3. Incompetência da Justiça comum estadual para apreciar, ainda que em caráter incidental, alegação de invalidade de marca, por se tratar de controvérsia que envolve interesse de autarquia federal, o INPI. Julgados desta Corte Superior.

4. Caso concreto em que a autora da rescisória alegou invalidade da marca "Café da Roça" em razão do caráter genérico de seus elementos constitutivos (violação à literalidade do art. 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial), controvérsia que escapa à competência da Justiça comum estadual, nos termos do item 3, supra.

5. Não conhecimento da ação rescisória no que tange ao fundamento da invalidade da marca.

6. Cabimento de ação rescisória na hipótese em que o juízo fundamentou a sentença em fato inexistente, não tendo havido controvérsia na demanda originária sobre esse ponto.  Doutrina sobre o tema.

7. Caso concreto em que se mostra inviável contrastar o entendimento do Tribunal de origem acerca da transferência da titularidade da marca à ora recorrida, pois tal providência demandaria reexame dos elementos probatórios carreados aos autos. Óbice da Súmula 7/STJ.

8. Alegação de irregularidade da representação processual em virtude da ausência de identificação da pessoa que subscreveu a procuração outorgada pela empresa autora da demanda originária.

9. Caráter preclusivo e sanável desse vício, operando-se a força sanatória geral da coisa julgada. Doutrina sobre o tema.

10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Dr(a). LUCIANA CRISTINA DE SOUZA, pela parte RECORRENTE: CAFE CAJURI LTDA – ME Brasília (DF), 12 de junho de 2018(Data do Julgamento) MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

McDonald’s deve indenizar cliente por assalto à mão armada em drive-thru


A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (18) que a rede de fast-food McDonald’s tem responsabilidade pelos danos sofridos por consumidor que foi vítima de assalto à mão armada no momento em que comprava produtos no drive-thru do restaurante. Com a decisão, o colegiado manteve indenização por danos morais fixada em R$ 14 mil pela Justiça de São Paulo.

“No caso dos autos, configurada efetivamente a falha do serviço, não parece razoável – apenas por não se tratar de estacionamento propriamente dito, mas de local em que o cliente parqueia o seu automóvel, em um estreito corredor, muitas vezes ficando encurralado aguardando atendimento, inclusive tarde da noite –, afastar a responsabilidade do fornecedor”, apontou o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão.

O sistema drive-thru é aquele em que o cliente é atendido sem sair do carro, normalmente disponível em restaurantes ou lanchonetes do tipo fast-food.

De acordo com o processo, enquanto comprava um lanche na cabine do drive-thru de uma loja McDonald’s no bairro de Moema, na capital paulista, o cliente foi abordado por um homem armado, que roubou sua carteira e a chave do veículo. Segundo a vítima, durante a abordagem do assaltante, nenhum dos funcionários do restaurante teria tentado ajudá-lo. 

Serviço defeituoso  

Em primeira instância, o juiz condenou o McDonald’s a indenizar o cliente por danos morais no valor de R$14 mil. O magistrado aplicou o Código de Defesa do Consumidor e enfatizou o caráter defeituoso do serviço que não fornece ao consumidor a segurança por ele esperada. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Por meio de recurso especial, a Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda. – operadora de restaurantes próprios e franqueadora da marca McDonald’s – alegou que não tem o dever legal de manter segurança armada em seus estabelecimentos, tampouco de evitar que ações criminosas ocorram nos locais onde a rede atua. Segundo o McDonald’s, o roubo à mão armada não constitui um risco inerente às suas atividades, de forma que não seria possível prever a ocorrência do crime.

O ministro Luis Felipe Salomão destacou inicialmente que o roubo com uso de arma de fogo é fato de terceiro equiparável à força maior, apto a excluir, como regra, o dever de indenizar, por ser evento “inevitável e irresistível, acarretando uma impossibilidade quase absoluta de não ocorrência do dano”.

No entanto, o relator observou que, em diversas situações, o STJ reconhece a obrigação de indenizar, a exemplo de delitos no âmbito das atividades bancárias, em estacionamentos pagos ou mesmo em estacionamentos gratuitos de shoppings e hipermercados.

Benefícios financeiros

Nesse contexto, Salomão apontou que a rede de restaurantes, ao disponibilizar o serviço de drive-thru aos seus clientes, acabou atraindo para si a obrigação de indenizá-los por eventuais danos causados.

“Isto porque, assim como ocorre nos assaltos em estacionamentos, a recorrente, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, assumiu o dever implícito de qualquer relação contratual de lealdade e segurança, como incidência concreta do princípio da confiança”, afirmou o ministro.

O ministro disse que, ao facilitar o atendimento com a abertura de seu balcão para o lado externo da loja, o McDonald’s possibilitou o aumento dos seus próprios lucros com a elevação do dinamismo de sua atividade. Por outro lado, ressaltou, a rede também permitiu que seus clientes fiquem menos protegidos, “salvo se passar a adotar a correspondente vigilância para o serviço, o que parece ser seu dever”.

“Portanto, diante de tais circunstâncias trazidas nos autos, tenho que o serviço disponibilizado foi inadequado e ineficiente, não havendo falar em caso fortuito ou força maior, mas sim fortuito interno, porquanto incidente na proteção dos riscos esperados da atividade empresarial desenvolvida e na frustração da legítima expectativa de segurança do consumidor médio, concretizando-se o nexo de imputação na frustração da confiança a que fora induzido o cliente”, concluiu o ministro.

No voto que foi acompanhado de forma unânime pelo colegiado, Salomão destacou que a configuração de responsabilização da rede de fast-food também advém da própria publicidade veiculada pela empresa, em que há a promessa de segurança aos clientes.
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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1450434