quinta-feira, 20 de junho de 2019

PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE NATUREZA CIVIL.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028073-07.2013.8.16.0001 E 0005284-77.2014.8.16.0001 DE CURITIBA – 18ª VARA CÍVEL APELANTES: CLÍNICA DE RADIOLOGIA S/S LTDA. RECURSO ADESIVO: HERALDO DE OLIVEIRA MELLO JUNIOR APEADOS: OS MESMOS RELATOR: DES. VITOR ROBERTO SILVA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.  DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE E APURAÇÃO DE HAVERES DE SÓCIO RETIRANTE. RECURSO PRINCIPAL DA AUTORA: PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE NATUREZA CIVIL. NÃO ACOLHIMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE CONDUZ À NATUREZA EMPRESARIAL DA SOCIEDADE CONSTITUÍDA SOB A FORMA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELOS SÓCIOS, MÉDICOS, QUE CONSTITUI ELEMENTO DA EMPRESA. FUNDO DE COMÉRCIO E PERSECUÇÃO DE LUCRO. METODOLOGIA DE CÁLCULO DOS HAVERES. FLUXO DO CAIXA DESCONTADO. PERTINÊNCIA. MÉTODO MAIS ADEQUADO PARA AFERIR O EFETIVO VALOR DA EMPRESA. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. RECURSO ADESIVO DO RÉU: SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NA AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. AÇÃO DA APURAÇÃO DE HAVERES. SUCUMBÊNCIA INTEGRAL DA AUTORA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0028073-07.2013.8.16.0001 e 005284-77.2014.8.16.0001, em que é apelante Clínica Paranaense de Radiologia, recorrente adesivo Heraldo de Oliveira Mello e apelados os mesmos.

Trata-se de recurso principal e adesivo interpostos pela autora e réu, respectivamente, em face da sentença por meio da qual, simultaneamente, foi julgado procedente o pedido formulado na ação de dissolução parcial de sociedade (NPU 0005284-77.2014.8.16.0001) e parcialmente procedente o pedido formulado na apuração de haveres (NPU 00028073-07.2013.8.16.0001), na qual figuram no polo ativo, ainda, Maurizio Pedrazzani e Bruno Mauricio Pedrazzani.

Na ação de dissolução parcial de sociedade, o réu foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. Já na ação de apuração de haveres, as partes foram condenadas ao pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios, na mesma proporção, estes fixados em 10% do valor da condenação (mov. 140.1).

A autora de ambas as ações e ora apelante - Clínica de Radiologia SS Ltda. – aduz, em suma, que: a) nos termos do parágrafo único do artigo 966, do Código Civil e do artigo 9º, IX, do Código de Ética Médica, não pode ser equiparada a uma sociedade empresarial, o que implica dizer que em caso de saída de um dos sócios, cabe a cada um dos componentes da sociedade efetuar o pagamento de forma proporcional dos valores devidos aos credores; b) nos termos da cláusula 9ª, do contrato social, deve o apelado suportar proporcionalmente os prejuízos acumulados durante o tempo de funcionamento da clínica, ou seja, deve suportar com 49,50% do patrimônio líquido negativo da sociedade ao tempo de sua saída; c) o método o utilizado pelo perito não condiz com a realidade do caso concreto, em especial com o demonstrativo financeiro confirmado pela prova pericial que aponta patrimônio líquido negativo no importe de R$ 1.040.015,41, de modo que se as atividades empresariais fossem encerradas em 31/3/2013, apresentaria esse passivo descoberto; d) o não pode concluir que aexpert continuidade dos negócios permitirá à empresa reverter esse patrimônio líquido negativo, até porque que as dívidas só vem aumentando no decorrer dos anos; e e) o apelado deve suportar proporcionalmente os prejuízos acumulados durante todo o tempo de funcionamento da empresa. Com base nesses fundamentos, busca a reforma da sentença. (mov. 145.1)

O recorrente adesivo, por sua vez, alega, em resumo, que: a) não houve litigiosidade na ação de dissolução parcial de sociedade, não cabendo, portanto, a distribuição proporcional das custas entre as partes; b) com relação aos honorários, tem aplicação o artigo 603, § 1º, CPC; c) se não prevalecer tal entendimento, deve ser aplicado o princípio da causalidade, atribuindo à apelante a responsabilidade integral pelo pagamento dos ônus sucumbenciais; e d) inexistiu sucumbência recíproca na ação de apuração de haveres (mov. 151.2).

Os recursos foram respondidos (movs. 152.1 e 158.1), com preliminar de não conhecimento do recurso adesivo.

É o relatório.

Apelação

A autora não logrou êxito em comprovar que a sociedade não possui caráter empresarial, a atrair o disposto no parágrafo único, do artigo 966, do Código Civil. [1]

Ao contrário, trata-se de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, na qual a prestação de serviços médicos constitui elemento de empresa, objetivando lucro. A própria prova pericial não deixa dúvida quanto ao caráter empresarial da sociedade.

Deve ser considerado, ainda, que constou da sentença que a apelante é uma clínica tradicional em Curitiba, atuando dentro de instituição hospitalar renomada, não se podendo negar a existência de um estabelecimento empresarial e a descaracterização da natureza personalista dos serviços médicos prestados, fundamentos esses não elididos pela recorrente, que também não comprovou a alegação de que o espaço e os equipamentos que utiliza lhes foram cedidos pela Santa Casa de Misericórdia, o que implicaria na inexistência de fundo de comércio.

De se ver, a propósito, que apelante não demonstrou, também, que a liquidação deveria se dar de forma diversa daquela estabelecida na sentença, tão-somente porque se enquadraria como uma sociedade civil.

No tocante aos haveres do sócio retirante, a insurgência da apelante é quanto ao método utilizado pelo Perito para apurá-los, por entender, em suma, que o apelado, nos termos da cláusula 9ª do contrato social, deve suportar proporcionalmente os prejuízos[2] acumulados durante o tempo de funcionamento da clínica, ou seja, 49,50% do patrimônio líquido negativo da sociedade.

Razão não lhe assiste.

A apuração de haveres está regulada no artigo 1.031, do Código Civil, nos seguintes termos:

 

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

 

O contrato social é omisso, o que remete a necessidade de levantamento da situação patrimonial da sociedade, na forma estatuída pelo artigo 606 , do Código de[3]

Processo Civil.

Veja-se que a lei fala em, que não se confunde balanço de determinação com o balanço patrimonial e de resultado econômico, realizado ao final de cada ano, pois, como bem esclareceu o Perito do Juízo, esse balanço patrimonial apresenta, tão-somente, uma fotografia estática da entidade na data de sua emissão, e informa a situação que os sócios enfrentariam caso as atividades fossem encerradas naquele momento (mov. 93.1 – fl. 255).

Para apurar o valor dos haveres do sócio retirante, notificada em 8/4/2013, o Perito utilizou o método de apuração do fluxo do caixa descontado, chegando à seguinte conclusão (mov. 93.1 – fl. 259):

“Deste modo, o valor líquido da Empresa Requerente na data base de 31 de março de 2013, representativo da situação patrimonial da entidade quando da manifestação de vontade do Requerido acerca de sua retirada da sociedade, com base na metodologia do fluxo de caixa descontado e considerando a continuidade das operações, importa em R$ 232.223,20 (duzentos e trinta e dois mil, duzentos e vinte e três reais e vinte centavos):

[...]

Segundo consta na 10ª Alteração de Contrato Social da Clínica Paranaense de Radiologia S/S Ltda. (mov. 1.12 dos Autos), o Requerido detinha o equivalente a 49,50% (quarenta e nove vírgula cinquenta por cento) do capital social da entidade, o que lhe conferiria o equivalente a R$ 114.950,00 (cento e quatorze mil, novecentos e cinquenta reais e quarente a oito centavos), a título de receita pela venda de suas cotas.

[...]

Em resumo, a determinação do valor da entidade com base no método do fluxo de caixa descontado, segundo premissas mencionadas, apurou que a continuidade dos negócios permitirá que a empresa reverta a posição verificada de patrimônio líquido negativo (passivo à descoberto), gerando valor aos sócios e remunerando o sócio retirante pela venda de suas cotas sociais pelo valor de R$ 114.950,48 (cento e quatorze mil, novecentos e cinquenta reais e quarenta e oito centavos).

[...].”

Como se viu do trabalho técnico, no método de fluxo de caixa descontado há uma projeção futura de valorização do fundo de comércio, trazendo-se esse dado ao presente.

Referida metodologia, ao contrário do que sustenta a apelante, tem o mérito de melhor espelhar o efetivo valor do patrimônio do sócio, como, aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

 

DIREITO EMPRESARIAL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. SÓCIO DISSIDENTE. CRITÉRIOS PARA APURAÇÃO DE HAVERES. BALANÇO DE DETERMINAÇÃO. FLUXO DE CAIXA. 1. Na dissolução parcial de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o critério previsto no contrato social para a apuração dos haveres do sócio retirante somente prevalecerá se houver consenso entre as partes quanto ao resultado alcançado. 2. Em caso de dissenso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que o balanço de determinação é o critério que melhor reflete o valor patrimonial da empresa. 3. O fluxo de caixa descontado, por representar a metodologia que melhor revela a situação econômica e a capacidade de geração de riqueza de uma empresa, pode ser aplicado juntamente com o balanço de determinação na apuração de haveres do sócio dissidente. 4. Recurso especial desprovido. (REsp. 1335619, rel. Min.ª Nancy Andrighi, rel. Min.ª Nancy Andrighi, rel. p/o acórdão, Min. João Otávio de Noronha, DJe 27.03.2015)

 

A propósito, a adoção do balanço de determinação não exclui a metodologia do fluxo de caixa descontado, porquanto este tem por fim a aferição do valor da empresa, no qual se insere o fundo de comércio ou do aviamento (bens intangíveis), cujo valor, a toda evidência, abrange o nome e o potencial de lucro da empresa.

Do voto do Min. João Otávio de Noronha - que embora tenha ficado como relator, acompanhou o voto da Min.ª Nancy Andrighi, cuja conclusão, frise-se, prevaleceu -, consta precisa lição doutrinária a respeito, :verbis “É inegável que a empresa possui um valor de mercado deveras superior ao que consegue obter numa simples análise contábil como se dissolução total fosse.

A propósito, é oportuna a manifestação de Rocco, quando menciona que a partir do momento em que ‘a organização dos vários elementos da produção atinge um certo grau de eficiência, o valor do complexo organizado é superior ao da soma dos diferentes elementos da empresa que o compõem.

A apuração deve ser sempre de forma mais ampla possível, levando em conta o fundo de comércio, os bens corpóreos e incorpóreos, o da empresa. goodwill

Justamente por tais motivos é que afirmamos que o critério de apuração dos haveres deve ser melhor estudado, a fim de não trazer distorções, injustiças e verdadeiro enriquecimento sem causa, para um ou para outro sócio.

No nosso entender, é necessário que o aplicador da lei, seja ele juiz, advogado, árbitro ou perito, volte os olhos para outros critérios de avaliação que representem o valor real e justo da sociedade, que muitas vezes pode ser apurado pelo critério de avaliação de empresa com base no fluxo de caixa descontado trazido a valor presente.

É cristalino, em toda literatura contábil e econômica, que o critério de fluxo de caixa descontado é hoje o melhor método para encontrar o valor da empresa, sendo uma tecnologia científica contábil” (Marcus Elidius Micheli de Almeida, Direito Processual Empresarial, Elsevier Editora Ltda., 2012, p. 551/552)”

E do voto da Min.ª Nancy Andrighi, no qual, após longa digressão acerca das espécies de balanço e concluir que o mais adequado é o de determinação e afirmar que a metodologia do fluxo de caixa descontado “é rotineiramente utilizada em operações de”, constam as seguintesaquisição, fusão e incorporação de participações societárias considerações sobre o tema: “Trata-se, porém, de um método subjetivo, inexistindo regra ou consenso sobre quais variáveis devem obrigatoriamente compor o cálculo.

Seja como for, no cálculo do fluxo de caixa descontado, tem-se por praxe a inclusão do patrimônio intangível da sociedade, que corporifica uma expectativa futura de capacidade de geração de caixa ou de excesso de valor do negócio.

Dessa forma, conclui-se que a utilização da metodologia do fluxo de caixa descontado vai ao encontro da jurisprudência do STJ, no sentido de que a apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade limitada seja realizada mediante cálculo que aponte o valor patrimonial real da empresa.

A própria orientação desta Corte, de que a apuração de haveres se de por balanço de determinação – que, repise, compreende os bens intangíveis da sociedade – sinaliza a possibilidade de utilização do fluxo de caixa descontado.

(...)

Não se ignora o fato de que, ao se desligar da sociedade, o dissidente perde a condição de sócio, não mais se sujeitando aos riscos do negócio, ou seja, deixando de participar de eventuais lucros ou prejuízos apurados.

Entretanto, também não se pode ignorar que a saída do dissidente ontologicamente não difere da alienação de sua participação societária. Vale dizer, também na dissolução parcial há alienação de quotas sociais; a única diferença é que a adquirente é a própria sociedade (ou os sócios remanescentes)

(...)

Por outro lado, não se pode esquecer que o cálculo do fluxo de caixa descontado apresenta resultados futuros trazidos a, mediante aplicação de uma valor presente taxa que contempla o custo de oportunidade do capital empregado nade desconto remuneração das quotas sociais. Destarte, sofrendo a mais valia futura a um redução valor presente, com base em um fator de risco, a rigor não se pode falar em participação do sócio dissidente nos lucros futuros da empresa”. (grifos do original)

Resumindo, a utilização do balanço de determinação não exclui a metodologia de fluxo descontado, já que esta nada mais é do uma forma de avaliação do valor da empresa, mais especificamente do denominado e que, saliente-se, não fundo de comércio implica em atribuir, ao dissidente, lucros obtidos pela empresa após a sua saída da sociedade.

Nem se diga que essas conclusões não teriam mais eficácia em razão do novel art. 606 do CPC de 2.015. Isso porque esse dispositivo nada mais fez do que positivar o predominante entendimento jurisprudencial de que a apuração dos haveres deve ser feita a partir da situação da empresa na data da saída do sócio e mais com avaliação precisa do valor das quotas, com inclusão expressa dos bens intangíveis da empresa.

Logo, as conclusões do trabalho técnico, porque não infirmadas, devem ser mantidas.

Recurso adesivo

A preliminar de não conhecimento do recurso, sob alegação de que deveria ter sido interposto recurso autônomo nos autos em apenso, de dissolução de sociedade, não merece acolhimento.

Trata-se de duas ações conexas, que tramitam em apenso e foram julgadas por sentença una. Logo, não há óbice na interposição de recurso adesivo para discutir verba sucumbencial, tanto na ação de dissolução de sociedade, como na de apuração de haveres.

O recurso, portanto, comporta conhecimento.

Segundo o recorrente, como não houve litigiosidade na ação de dissolução de sociedade, haveria que se aplicar o disposto no artigo 603, § º1º, do Código de Processo[4] Civil.

Sem razão.

Primeiro, porque o réu se opôs, sim, à pretensão deduzida na dissolução societária, tanto que requereu fosse “o pedido de natureza constitutiva de exclusão julgado ” (mov. improcedente, reconhecendo-se na sentença, de forma declaratória, direito de retirada 36.1 – fl. 139).

Mas ainda que assim não fosse, como houve divergência no tocante aos valores a que o sócio retirante teria direito, esse acabou por se recusar a assinar a alteração contratual, impedindo sua formalização perante o serviço de Registro Civil de Pessoas Naturais.

Equivale dizer: não obstante a ausência de litigiosidade, foi a conduta do réu que deu causa ao ajuizamento da ação de dissolução de sociedade e, nessa perspectiva, correta a sentença que o condenou ao pagamento das verbas sucumbenciais.

Já com relação à apuração de haveres, assiste-lhe razão.

Não é o caso de reconhecer a sucumbência recíproca. Isso porque a defesa do réu foi toda no sentido de elaboração de balanço específico para apuração dos haveres sugerindo, inclusive, o método de fluxo de caixa descontado, que acabou por ser acolhido na sentença.

Logo, não há como reconhecer a sucumbência recíproca.

Assim, a sucumbência na ação de apuração de haveres deve recair integralmente em face da autora.

 

Conclusão

Nessas condições, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso principal e conhecer e dar parcial provimento ao recurso adesivo, para o fim de atribuir exclusivamente à autora os ônus da sucumbência da ação de apuração de haveres.

Por força do art. 85, § 11, do CPC, os honorários advocatícios do patrono do requerido, por conta da falta de êxito do apelo da autora – exclusivo em relação à ação de apuração de haveres, são majorados para 12% (doze por cento) do valor da condenação.

Quanto ao recurso adesivo, porque parcialmente provido, não cabe majoração, até porque já alterados em razão do não provimento do apelo.

Nessa conformidade: os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de ACORDAM, por unanimidade, em negar provimento ao apelo e em dar parcial provimento ao recurso adesivo, nos termos do voto do relator.

Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador Espedito Reis do Amaral, sem voto, e acompanharam o voto do Relator os Senhores Desembargadores Marcelo Gobbo Dalla Dea e Pericles Bellusci de Batista Pereira.

 

Curitiba, 13 de fevereiro de 2019.

 

Des. VITOR ROBERTO SILVA

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a[1] circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

O exercício social será encerrado em 31 de dezembro de cada ano, data em que será procedido o levantamento do[2]

Inventário, Balanço Patrimonial e o Balanço de Resultado Econômico, e apurado o resultado do exercício, sendo que após as deduções previstas em lei e formação das reservas que forem consideradas necessárias, os lucros ou prejuízos, serão distribuídos ou suportados pelos sócios na proporção de suas respectivas quotas de capital.

Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial[3] apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se os bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.

Art. 603. Havendo manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se[4] imediatamente à fase de liquidação.

§ 1º. Na hipótese prevista no, não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma das partes, e as custas caput serão rateadas segundo a participação das partes no capital social.

terça-feira, 18 de junho de 2019

RECURSO ESPECIAL Nº 1.782.024 - RJ (2018?0173938-7)

RELATORA     :     MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRIDO     :     INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
 
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE MARCA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. ART. 174 DA LEI 9.279?96.
 
1. Ação ajuizada em 14/1/2010. Recurso especial interposto em 12/12/2016. Autos conclusos à Relatora em 25/10/2018.

2. O propósito recursal, além de verificar se houve negativa de prestação jurisdicional, é definir (i) se a pretensão anulatória está prescrita; (ii) se houve cerceamento de defesa ou má valoração da prova; (iii) se o julgamento foi extra petita; e (iv) se deve ser declarada a nulidade da marca titulada pela recorrente.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente.

4. O diploma legal que trata especificamente de questões envolvendo direito de propriedade industrial – Lei 9.279/96 – contém regra expressa acerca da questão controvertida, dispondo que a pretensão de se obter a declaração de nulidade de registro levado a efeito pelo INPI prescreve em cinco anos, contados da data da sua concessão (art. 174).

5. Mesmo tratando-se de ato administrativo contaminado por nulidade, os efeitos dele decorrentes não podem ser afastados se entre a data de sua prática e o ajuizamento da ação já houve o transcurso do prazo prescricional previsto para incidência na correspondente hipótese fática, salvo flagrante inconstitucionalidade. Precedentes.

6. Entender que a ação de nulidade de marca é, em regra, imprescritível equivale a esvaziar o conteúdo normativo do dispositivo precitado, fazendo letra morta da opção legislativa e gerando instabilidade, não somente aos titulares de registro, mas também a todo o sistema de defesa da propriedade industrial.

7. Ademais, a imprescritibilidade não constitui regra no direito brasileiro, sendo admitida somente em hipóteses excepcionalíssimas que envolvem direitos da personalidade, estado das pessoas, bens públicos. Os demais casos devem se sujeitar aos prazos prescricionais do Código Civil ou das leis especiais. Precedente.

8. Hipótese concreta em que a ação anulatória foi ajuizada depois de transcorrido o prazo quinquenal estabelecido na lei especial, sendo impositiva a decretação da prescrição da pretensão anulatória.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de maio de 2019(Data do Julgamento)


MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Titular de conta bancária é responsável por cheque emprestado a terceiro

RECURSO ESPECIAL Nº 1.787.274 - MS (2016?0165869-4)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO MONITÓRIA. JULGAMENTO COM BASE NO COSTUME E NO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DISPOSITIVO LEGAL EXPRESSO. INTERPRETAÇÃO. CHEQUES EMPRESTADOS A TERCEIRO. FATO INCONTROVERSO. RESPONSABILIDADE DO EMITENTE PELO PAGAMENTO. JULGAMENTO: CPC?73.

1. Ação monitória ajuizada em 22?03?2011, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22?09?2015 e atribuído ao gabinete em 25?08?2016.

2. O propósito recursal é dizer sobre a possibilidade de julgamento com base no costume e no princípio da boa-fé, ante a existência de previsão legislativa em sentido diverso, bem como sobre a responsabilidade do emitente pelo pagamento dos cheques por ele emprestados a terceiro.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC?73.

4. Na ausência de lacuna, não cabe ao julgador se valer de um costume para afastar a aplicação da lei, sob pena de ofensa ao art. 4º da LINDB, conquanto ele possa lhe servir de parâmetro interpretativo quanto ao sentido e alcance do texto normativo.

5. A boa-fé objetiva é princípio fundamental do ordenamento jurídico, com conteúdo valorativo e nítida força normativa, o qual não se confunde com os princípios gerais do direito, mencionados no art. 4º da LINDB, que têm caráter informativo e universal, e finalidade meramente integrativa, servindo ao preenchimento de eventual lacuna normativa.

6. Na trilha da literalidade indireta, fundada na boa-fé objetiva, é possível admitir a inclusão de terceiro no polo passivo da ação monitória para exigir-lhe o pagamento do cheque, quando ele, inequivocamente, assumiu, perante o beneficiário, a obrigação a que corresponde o título.

8. Do ponto de vista do princípio da abstração, igualmente, a boa-fé objetiva funciona como baliza, de modo a permitir que o beneficiário, com base no negócio jurídico subjacente, do qual participou, exija o pagamento, por meio da ação monitória, do terceiro que, embora não tenha firmado na cártula – seja como emitente, endossante, ou avalista – a obrigação de pagar, a ela está vinculado pela causa que deu origem ao título.

9. A flexibilização das normas de regência, à luz do princípio da boa-fé objetiva, não tem o condão de excluir o dever de garantia do emitente do cheque, previsto no art. 15 da lei 7.357/85, sob pena de se comprometer a segurança na tutela do crédito, pilar fundamental das relações jurídicas desse jaez.

10. Hipótese em que, a despeito da nobre intenção do recorrido, deve ser condenado ao pagamento da quantia inscrita nos cheques por ele emitidos, sem prejuízo de posterior ação de regresso contra o interessado para reaver o valor que eventualmente venha a despender.

11. Recurso especial conhecido e provido.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

terça-feira, 11 de junho de 2019

Corrupção Privada e Pública


Corrupção – O FBI está investigando as gigantes Johnson & Johnson, Siemens, General Electric e Philips por suposto pagamento de suborno como parte de um esquema envolvendo a venda de equipamentos médicos no Brasil, disseram duas autoridades envolvidas na investigação brasileira à Reuters. Procuradores do Ministério Público Federal suspeitam que as empresas tenham feito pagamentos ilegais a autoridades para garantir contratos na área de saúde pública no país ao longo das últimas duas décadas. Autoridades brasileiras dizem que mais de 20 empresas podem ter participado de um “cartel” que pagava propinas e cobrava preços inflacionados por equipamentos médicos, como máquinas de ressonância magnética e próteses. As quatro multinacionais, que juntas têm valor de mercado de quase US$ 600 bilhões, são as maiores empresas estrangeiras a ser investigadas no âmbito das operações anticorrupção deflagradas no Brasil nos últimos anos. Grandes empresas americanas e europeias que tenham envolvimento comprovado em irregularidades no Brasil também podem enfrentar multas pesadas e outras punições, de acordo com a Lei de Práticas Corruptas no Exterior dos Estados Unidos (FCPA). Desde 1977, a lei tornou ilegal que cidadãos e empresas americanas ou empresas estrangeiras que tenham ações listadas nos EUA paguem autoridades estrangeiras para fechar negócios. (Valor, 20.5.19)

Função Social da Empresa


Ana Laura Calegari
André Dias 
Giovani Felipe 
Maria Eduarda de C. Yaros
Maria Júlia 
Yuri Mello


 
1.      O Estado Social e a função social da empresa  - Ana Laura

•       superação do formalismo e individualismo exacerbados do Estado Liberal

•       maior discussão acerca da intersubjetividade das relações jurídicas e da reaproximação do direito com a moral e a justiça

•       mudança do Estado Liberal para o Estado Social

•       intervenção do Estado para conciliar propriedade privada e liberdade de iniciativa com os interesses sociais.

•       Keynesianismo – modelo que estabelecia um Estado econômica e socialmente ativo

•       Comte foi o primeiro pensador a sugerir uma finalidade social para o bem privado, substituindo o caráter pessoal e arbitrário.

•       A importância da função social da empresa – e seu reconhecimento como instituição fundamental econômica, política e socialmente - crescia à medida que a função social da propriedade e do contrato ganhavam notoriedade.

•       Advento do Estado Social conciliou o capitalismo com o bem-estar social e promoveu a superação da dicotomia entre direito público e direito privado

•       Função social da propriedade alçada à princípio jurídico, houve aumento da discussão acerca do tema, tendo em vista que, por si só, não foi capaz de resolver o problema do exercício dos diretos subjetivos.

•       A função social da propriedade também se projetou sobre os bens de produção, a partir daí, o patrimônio da empresa está comprometido, além dos interesses dos sócios, com o os interesses da coletividade.

•       Devido a realidade complexa das empresas, a função social abrangeu, além dos bens de produção, o controle e administração das empresas, tendo em vista seu poder de controle e dissociação da propriedade.

•       Dificuldade de conciliar o princípio da função social da empresa com as modificações sobre a concepção de direitos subjetivos, era necessário harmonizar referido princípio com a outras normas econômicas constitucionais.


2.      Função social da empresa na CF de 1988 - André

•       Art. 170 da CF

•       Art. 170 + art. 1º + art. 3º, conjugam a base sobre a qual se estrutura a ordem econômica brasileira, dão proteção constitucional para a livre iniciativa através das liberdades de investimento, organização e/ou contratação.

•       A função social, mantém relação com todos esses princípios (art. 170), procurando destacar que o fim da empresa é o de proporcionar benefícios para todos os envolvidos diretamente com a atividade e, ainda, para a coletividade.

•       As normas de proteção da concorrência e de repressão estatal, ao garantir competitividade entre as empresas e garantir menores preços aos consumidores. (Uso do CDC em todas as atividades empresariais, ofertando proteção diferenciada aos destinatários finais de produtos e serviços).

•       A função social legitima a implementação de mecanismos para a distribuição dos resultados da atividade empresarial, assegurando a busco do pleno emprego (princípio consagrado no art. 170 da CF)

•       A função social da empresa impõe limites à atividade empresarial para que preserve os recursos naturais e promova o desenvolvimento econômico sustentável, através de vários deveres positivos.

•       Esses exemplos citados demonstram que todos esses princípios da ordem econômica estão conectados à função social da empresa, constituindo parâmetros para o direito societário como um todo.

•       Os princípios constantes do art. 170 da CF não esgotam o sentido da função social da empresa.

•       a função social não tem por fim aniquilar liberdades e direitos dos empresários e tampouco de tornar a empresa mero instrumento para a consecução de fins sociais. A função social tem por objetivo, com efeito, reinserir a solidariedade social na atividade econômica sem desconsiderar a autonomia privada, fornecendo padrão mínimo de distribuição de riquezas e de redução das desigualdades.

•       importante que se discuta de que maneira a função social altera a própria noção de interesse social da empresa e, assim, projetar seus efeitos sobre a atividade empresarial como um todo.

3.      O alcance da função social da empresa – Maria Julia

•       Para compreendermos o âmbito da incidência da função social da empresa, é necessário que adotemos uma visão integrada da empresa, a fim de se chegar a soluções coerentes, sistemáticas e que evitem uma excessiva funcionalização. Deve-se equilibrar a dimensão funcional com a autonomia privada.

•       O princípio da função social da empresa amplia e modifica o objetivo e o interesse social das sociedades empresárias

•       o interesse social é a baliza estrutural e valorativa da gestão das sociedades empresárias, estando seus desdobramentos filosóficos e técnico-operacionais em constante interpenetração.

•       Com o Estado Liberal, as sociedades contratuais se debruçavam unicamente sobre os interesses dos acionistas, após a derrocada do Estado Liberal, o foco mudou, e temos uma abordagem institucionalista do interesse social, onde a empresa não deveria buscar apenas o interesse de seus sócios, mas também outras pessoas.

•       Ainda, o contratualismo (interesse dos sócios) e o institucionalismo (interesse dos sócios e da comunidade) são conflitados, sob nova roupagem: shareholder-oriented (equivalente ao contratualismo) e stakeholder-oriented (equivalente ao institucionalismo)

•       As sociedades, especialmente a sociedade anônima, são palcos naturais de conflitos, no que toca aos acionistas controladores e minoritários (ou acionistas e administradores)

•       Em razão da função social da empresa, esses conflitos aumentaram exponencialmente, tendo em vista que além dos sócios, toda a coletividade deve ter seus interesses tutelados e protegidos.

•       A diferença entre os modelos de proteção dos shareholders e stakeholders, foi mitigada com a facilidade de acesso  à propriedade acionário pelo público geral, e, além disso, os direitos destinados a proteger essa minoria acionária demonstra que o modelo de stakeholder está ultrapassado, sendo os shareholders mais vantajosos para empresa e sociedade. (stakeholders continuam protegido, por salvaguardas contratuais e regulatórias)

•       Para por fim ao conflito, Hansmann e Kraakman dizem que o contratualismo prevalece sobre o institucionalismo, porém, a solução não deve ser extremista, é necessária uma visão que integre empresa e ordenamento para obtenção de soluções coerentes.

•       Válido destacar que, acertadamente, sob a ótica do institucionalismo a empresa não é uma instituição não-redutível ao interesse dos sócios, as companhias abertas

•       Ressalte-se que apesar do aumento dos conflitos com a inclusão do interesse dos stakeholders como interesse social, o interesse da empresa se sobressai em relação a qualquer grupo, devendo ter sua estrutura privada e destinada ao lucro, preservada.

•       Atrelado a função social da empresa, está o principio da manutenção da empresa, pois sua rentabilidade é pressuposto para que seja realizado qualquer outro interesse. Dessa forma, a manutenção da empresa não pode ficar sob a guarda de um único grupo que, de algum modo, se relacione com a empresa.

•       Muito embora o principio da função social da empresa seja amplo, ele é restringido por lei quando se trata da função social da empresa estatal (sendo este identificado como a realização do interesse coletivo ou atendimento a imperativo de segurança nacional constantes da Lei autorizadora.

•       O principio da função social da empresa encontra problemática também quando tratamos da mudança na forma de organização das empresas, onde verificamos a troca das estruturas anteriormente verticalizadas (hierárquicas) para uma estrutura coordenada de produção, onde os contratos asseguram a estabilidade das relações (contratos associativos e híbridos)

•       Frente a tal quadro, a incidência da função social da empresa tão somente sobre o controle ou a administração se mostra insuficiente para tutelar as situações de materialização do poder empresarial de maneira a proteger os demais afetados por suas consequências. Além disso, passam a exercer papel importante na organização empresarial figuras como fundos de investimento e formas de “controle” como a influência relevante produzida por práticas como o interlocking,37 cuja estrutura sem dúvida enseja maiores reflexões sobre a necessidade de garantia da observância dos deveres advindos da função social da empresa.

4.      A dimensão ativa da função social da empresa -  Yuri

4.1 Projeções da dimensão ativa sobre a distribuição dos recursos da empresa.

•       A função social comporta também uma dimensão ativa ou impulsiva além da delimitação dos interesses subjetivo, ela anula condutas antissociais sem comprometer o núcleo de individualidade

•       A base comum do aspecto positivo ou impulsivo da função social é a construção de uma sociedade justa e solidária, resgatando a liberdade de todos os membros da sociedade.

•       Há um questionamento sobre a necessidade de prévia intermediação legal para a concretização dessa dimensão ativa, pois a função social seria mera norma programática, destinada ao legislador e não aos cidadãos.

•       Como dito, a função social da empresa não se limita a ser simples norma programática, é principio que vincula a atividade empresarial, logo resta saber a medida da dimensão ativa ou impulsiva da função social da empresa.

•       Tendo em vista que o princípio da função social da empresa “melhora” o principio norteador da atividade econômica da CF/88 impõe obrigações que se destinam a garantir que o patrimônio, lucros e demais recursos sejam investidos da mesma forma, é preciso saber se referido princípio impõe algum tipo de redistribuição direta dos recursos empresariais.

•       Essa distribuição de recursos deve ser feita com cuidado para que a empresa não sofra muitos efeitos negativos, tais como: 1- engessamento da atividade empresarial; 2- aumento de custos; 3- o repasse dessas dificuldades para os custos finais, 4- enfraquecimento da prestação de contas; 5- amplo controle judicial sobre as decisões empresarias; 6- fuga de investimentos.

•       As obrigações impostas aos empresários devem ser claramente esclarecidas, para que não se responsabilize pessoalmente o empresário pelo descumprimento de clausulas gerais, necessária se faz a regulamentação estatal do mercado de capitais. (exemplo Lei. 13.303/2016, que promoveu; a introdução de soluções estruturais; a prevenção do conflito de interesses; a legitimação e estímulo da responsabilidade social voluntária)

•       Não é possível impor uma redistribuição de recursos das empresas apenas com a força de uma regra geral como o principio da função social da empresa, mas é necessário que se façam leis específicas. (observa-se que o princípio da função social da empresa não obriga o direcionamento do patrimônio, lucros e demais recursos da empresa)

4.2 – A reconfiguração dos destinatários dos deveres dos gestores

•       A função social da empresa, além de modificar os deveres gerais dos gestores, também reconfigura os destinatários das atividades empresariais, o dever de agir ganha importância, sem interferir na autonomia e individualidade dos sócios.

•       Com a adoção desse princípio, os acionistas assumem um compromisso com o interesse social, sem se olvidar, no entanto, de que o interesse da empresa deve prevalecer sobre o de qualquer grupo envolvido.

•       Apesar de se impor a todos os sócios, essa condição se apresenta num grau mais elevado para o sócio controlador, tendo em vista seu aumento de responsabilidade, com isso, corre-se o risco do abuso de direitos caso haja abuso de poder de controle.

•       O sócio controlador deve seguir a clausula geral do dever da lealdade, conectando-se fortemente ao interesse social, evoluindo conforme sua adaptação a novos fatos e vedação de condutas arbitrárias e discricionárias, onde deixa de observar o interesse da empresa. Caso o dever de lealdade seja quebrado, o controlador tem a obrigação de, além de ressarcir o dano, devolver o benefício indevido.

•       O dever de lealdade foi ampliado para fora do quadro societário da empresa em razão do princípio da função social da empresa, se estendendo para o interesse coletivo (ex. art. 116 § único da Lei das S/A).

•       Há, ainda, o dever de informação ao qual os gestores devem se submeter, pois as decisões por eles tomadas devem estar apoiadas em todas as informações à disposição deles, projetando-se sobre os interesses sociais.

•       O dever de diligencia é o primeiro dos deveres dos quais os gestores devem estar sujeitos, é considerado o dever de fluidez, onde são considerados o tamanho da empresa, a natureza de suas atividades, sua estruturação, o tempo e as circunstancias em que as decisões são tomadas. Esse dever é atrelado ao dever de informação, pois essas decisões devem ser tomadas após a aquisição do máximo de informações possíveis acerca do tema.

•       Além do dever de agir informado, o dever de diligência se incumbe também da organização empresarial, tendo em vista sua adequação a legislações que visam fazer cumprir regras em favor da coletividade, adquirindo relevância com os programas de compliance.

•       O compliance, assim, constitui ferramenta capaz de apresentar o comprometimento da empresa com o cumprimento das normas legais e, assim, de conferir accountability à gestão empresária. Na mesma linha, o fortalecimento de boas práticas de governança corporativa igualmente contribui para a construção de gestão transparente e orientada pelos princípios reitores da atividade empresarial

•       O dever de diligência também visa ampliar os destinatários das ações empresariais, ficando a cargo dos gestores, agora, como uma espécie de árbitros, sopesar os variados interesses por trás de uma decisão da empresa.

•       Apesar das dificuldades relacionadas à mediação dos conflitos provenientes da ampliação do rol de destinatários do dever de diligência, pode-se concluir que os poderes de controle e de administração sejam exercidos de maneira informada, moderada e proporcional, a fim de não criar danos desnecessários, inadequados ou desarrazoados para os demais interesses que se projetam sobre a empresa. Desse modo, por mais que a gestão deva ser orientada para o lucro e para a manutenção da empresa, caberá aos administradores trilhar esse caminho de forma ponderada e não excessiva, diante dos demais interesses que devem ser resguardados, sendo possível inclusive o afastamento de ações vantajosas para a sociedade e os sócios sempre que trouxerem danos desproporcionais a outros grupos envolvidos.

4.3 – Alternativas para a implementação da dimensão ativa da função social da empresa.

•       É importante que haja a adoção de alternativas, como exemplo o modelo de co-gestão, onde os stakeholders como os trabalhadores, possam dialogar e evitar os conflitos, tendo em vista que a empresa como um todo trabalha para que a atividade seja rentável e duradoura.

•       As empresas possuem responsabilidades sociais que dizem respeito à integração voluntária de preocupações sociais à atividade empresarial, indo além de obrigações previstas em lei, diferindo-se do compliance e conciliando o desenvolvimento social ao desenvolvimento das empresas.

•       Existem empresas cujo o objeto da atividade empresarial seja a atividade social, caso das empresas filantrópicas, servindo essa atividade como a forma de buscar lucro.

•       Assim surgiram as benfit Corporation (no modelo norte americano amplia os deveres de transparência, cuidado, lealdade e boa-fé), que buscam aliar o desenvolvimento social ao lucro.

4.4- Síntese Conclusiva: os desafios da operacionalização dos deveres oriundos da função social

•       Não é possível se cogitar um dever geral de redistribuição dos recursos e patrimônio da empresa, tendo em vista que, se com leis específicas já existem problemas relativos à criação de deveres positivos.

•       Em qualquer caso o ideal é que a função social da empresa seja implementada por meio de deveres claros e objetivos, e não cláusulas excessivamente abertas.

•       Há que se pensar igualmente em como o direito pode incentivar a realização da função social da empresa por meio de iniciativas como as soluções estruturais e a responsabilidade social voluntária.

•       O princípio da função social só é considerado efetivo se o principio da preservação da empresa for também posto em evidência.

5.      A dimensão de limitação a exercício de direitos e liberdades - Giovani

•       Além dos direitos positivos impostos às empresas, a dimensão negativa dos deveres também se apresenta como fundamental, pois apesar de estarem em aparente conformidade com o exercício de direitos subjetivos e liberdades, eles podem ser contrários as finalidades do ordenamento jurídico.

•       Os princípios constitucionais que regem a livre iniciativa empresarial ampliam os deveres dos gestores de empresas, que ao descumprir alguma norma, será responsabilizado pessoalmente. Os atos abusivos decorrem de assentos em direito, por isso são difíceis de apurar, quando comparados aos atos ilícitos comuns.

•       Em última análise, as abordagens sobre o abuso de direito têm em comum o pressuposto de que direitos subjetivos e liberdades não podem estar restritos a uma definição formal-legalista, mas devem ser contextualizados diante de suas finalidades sociais, da moral, da boa-fé, dos bons costumes, da aceitação ou reprovabilidade social das condutas, dentre outros critérios.

•       Os juízos que visam aferir o exercício abusivo de direitos podem trazer resultados falsos, tendo em vista a dificuldade de compreender quando um direito está sendo usado de maneira abusiva, sendo essa relação feita mediante observação da autonomia e a dignidade da pessoa humana.

•       Por parte da autonomia, o exame é feito com relação à garantia de direitos e interesses que impõem limites e condicionamentos aos gestores, ganhando destaque a culpa normativa.

•       A clausula de vedação ao abuso da livre iniciativa empresarial não é expressa, é retirada dos princípios do art. 170 da CF. Infrações à ordem econômica responsabilizam a companhia e, em certos casos, seus dirigentes.

•       Os deveres impostos aos empresários visam equilibrar poder e responsabilidade, portanto devem ser redirecionados e configurados corretamente, de maneira a considerar os interesses dos diversos stakeholders.

•       Sobre a conduta dos gestores não incide apenas a função social da empresa, mas também a boa-fé objetiva, servindo como parâmetro identificador do abuso de direito, que pode se dar por ação ou omissão do gestor.

•       Há diferença no regime aplicado aos gestores e controladores.

•       Interpretação ampliativa do art. 116 § único da Lei das S/A, visando coibir a omissão como forma de abuso.

•       Essa dimensão negativa da função social da empresa igualmente não se resume a enunciados normativos gerais, mas encontra densificação em diversas regras que têm por objetivo a limitação do exercício dos direitos e liberdades empresariais em prol do atendimento do interesse social.

•       Exemplos Lei de Falências (art. 129 e seguintes e arts. 54, 83, I)

•       Abuso de direito de voto (art. 115 da Lei das S/A, exemplo de exercício de direito abusivo) ainda que o voto não tenha prevalecido é cabível a responsabilização pessoal do acionista.

•       Princípio geral que proíbe o controlador de utilizar-se indevidamente do seu poder.

•       Obrigações aplicadas a gestão empresarial são de meio e não de fim (observar o business judgement rule).

6.      A dimensão hermenêutico-integrativa – Maria Eduarda

•       Essa dimensão torna possível a sistematização das regras que tornam a função social da empresa, operacional.

•       O ordenamento tem a função de facilitar a identificação de condutas proibidas, tanto na experiencia doméstica como na internacional, como condutas reveladores de comportamentos abusivos ou incompatíveis com as cláusulas gerais que orientam a gestão.

•       Os gestores não podem se sobrepor aos interesses da companhia e da comunidade societária.

•       Nem todas as normas aptas a responsabilizar pessoalmente o sócio são em forma de condutas vedadas (ex. art. 117, § 1º da Lei das S/A), os princípios da ordem econômica devem ser observados também como regras norteadoras da responsabilidade, sob pena de comprometer a unidade do sistema.

•       Essa dimensão contrapõe institucionalismo e contratualismo sob uma nova ótica, dando conta de que esse debate ainda não se encerrou. É preciso equilibrar as duas vertentes.

•       Vale pontuar, novamente, que a função social da empresa não significa a priorização de um dado grupo de interesse em detrimento de outro, mas determina a realização de balanceamento entre os interesses dos diversos credores envolvidos. (Ex. lei de falências)

•       A função social da empresa visa preservar e promover a manutenção da atividade empresarial como geradora de empregos e riquezas para a comunidade

•       Por fim, o caráter sistematizador do princípio da função social da empresa não necessariamente resultará na imposição de deveres ou na responsabilização pessoal, mas também se traduz no estímulo à remodelagem institucional das corporações, de maneira a acolher em maior medida os interesses dos stakeholders e evitar conflitos