quinta-feira, 15 de maio de 2014

Teoria Ultra Vires

REsp 704546 / DF RECURSO ESPECIAL 2004/0102386-0 Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 01/06/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 08/06/2010 LEXSTJ vol. 251 p. 93
Ementa DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA. 
1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito. 
2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.
3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine.
4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade.
4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.
6. Recurso especial improvido.

teoria da ultra vires

EDcl no AgRg no AREsp 161495 / RJ EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0064407-5
Relator(a) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 17/12/2013 Data da Publicação/Fonte DJe 12/02/2014 
Ementa EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PELO PRESIDENTE DA ENTIDADE. AUSÊNCIA DE ASSINATURA CONJUNTA DO VICE-PRESIDENTE. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EM FAVOR DA PESSOA JURÍDICA NÃO QUESTIONADA. AGENTE "FIFA" CREDENCIADO. RELAÇÃO DIRETA COM O OBJETO SOCIAL DA PESSOA JURÍDICA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE ESPORTIVA. VALIDADE. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83/STJ. OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. 
1. O Superior Tribunal de Justiça tem mitigado os rigores da teoria da ultra vires, mesmo após a edição do novo Código Civil, dando prevalência à boa-fé de terceiro, mormente nos casos em que a obrigação guarda relação com o objeto social e não se nega a prestação do serviço em benefício da sociedade contratante.
2. O reexame da matéria que constitui o objeto do acórdão embargado na busca de decisão infringente é pretensão estranha ao âmbito dos embargos declaratórios, definido no artigo 535 do Código de Processo Civil. 
3. A atribuição de efeitos modificativos somente é possível em situações excepcionais, em que, sanada a omissão, contradição ou obscuridade, a alteração da decisão surja como consequência lógica e necessária.
4. Embargos de declaração rejeitados.

domingo, 11 de maio de 2014

Curso Didático de Direito Empresarial: Títulos de Crédito

Capítulo VI – Teorias

6.1. Introdução - 6.1.1. A teoria de Vivante do duplo sentido da vontade; 6.1.2. Teoria da emissão; 6.1.3. Teoria da criação; 6.1.4. Teoria da aparência; 6.1.5. Teoria adotada no Brasil.


6.1. Introdução

Várias são as teorias criadas e desenvolvidas ao longo do tempo sobre títulos de crédito, sua criação, circulação e outras sobre o direito obrigacional, o direito de emitir e ou receber o crédito incorporado em documento especialmente posto por um sujeito.
Dessas teorias buscamos aprender algumas importantes que ainda traduzem o sentido jurídico envolvendo um documento creditício.

6.1.1. A teoria de Vivante do duplo sentido da vontade

A posição de Vivante, autor que se afastou das teorias legalistas para desenvolver a sua teoria, inicialmente, era tentar explicar a posição jurídica do emitente do título de crédito, do credor e daquele para quem o título foi transferido.
Primeiro, reconhece a vontade como fonte das obrigações, para ele a fonte das obrigações deve ter duplo sentido na vontade do emitente do título. Esse duplo sentido seria que o emitente firmaria uma relação com o contratante e, ainda, com as pessoas que possivelmente fossem receber o título que emitiu em favor daquele contratante.
Vivante salienta que,

“para explicar a posição distinta do devedor, há que penetrar nos motivos de sua vontade, fazer a análise desta vontade, que é o fundamento da obrigação, e reconhecer que se ele, para obter o benefício do crédito, quis dar à outra parte, seja vendedor ou mutuante, um título apto para a circulação, quis também, não obstante, conservar intatas contra ele as defesas que o direito comum proporciona. Mas a disciplina do título deve adaptar-se a essa diferente direção da vontade que lhe deu origem, devendo a condição de devedor regular-se conforme a relação jurídica total que deu origem ao título, quando se encontra ante aquele com quem o negociou; e se deve, em troca, ajustar a sua vontade unilateral, tal como se manifestou no título, quando se encontra frente aos subsequentes portadores de boa-fé” [1].

A vontade do devedor, ainda segundo Vivante, se transformaria em natureza contratual com relação ao seu credor imediato. Com relação ao contrato o título não se desvincularia dele, mas o integraria, pois estando com ele vinculado, a obrigação do devedor estaria atrelada em toda vida do título, inclusive ao negócio jurídico subjacente, fato que levaria a investigação da causa do título para findar o negócio cambial. A fonte de toda obrigação cambial nascida seria o contrato inicial entre as partes.
Requião leciona que “em relação ao seu credor, o devedor do título se obriga por uma relação contratual, motivo por que contra ele mantém intatas as defesas pessoais que o direito comum lhe assegura”; No entanto, prossegue o Professor Requião, “em relação a terceiros, o fundamento da obrigação está na sua firma (do emissor), que expressa sua vontade unilateral de obrigar-se e essa manifestação não deve defraudar as esperanças que desperta em sua circulação”[2]. Ou seja, a obrigação cambial existirá mesmo na falta de cumprimento da obrigação principal, quando o possuidor for de boa-fé.
A teoria sofreu críticas por não ser uma declaração de duplo sentido, ao contrário, a vontade seria uma só, “isto é, como o emitente poderia estar obrigado perante os futuros possuidores, e eventualmente não assumir obrigações perante o tomador imediato? Além disso, como poderia a vontade unilateral do emitente ser suficiente para obrigá-lo perante os credores posteriores, mas não seria suficiente para gerar uma obrigação perante o credor imediato?” [3].
Por fim, a teoria foi considerada duvidosa e ilógica, devido admitir o duplo sentido da vontade do emitente, mas ainda perdura a certeza de sua não sobrevivência como teoria final, pois “a obrigação cambial nasce independentemente do consentimento do credor, logo, é muito difícil sustentar um negócio jurídico bilateral como fonte da obrigação cambiária” [4].

6.1.2. Teoria da emissão

Os adeptos dessa teoria priorizaram a voluntariedade da entrega do título pelo emissor ao terceiro, ou seja, somente estaria obrigado ao pagamento do título em uma eventual saída voluntária das mãos do seu emitente, caso contrário o emitente não estaria obrigado com o título. O título subscrito teria sua circulação restrita caso fosse emitido, e não posto em circulação pelo próprio emitente, pois ele assim não estaria comprometido ao cumprimento do título.
O problema maior estaria no caso do possuidor de boa-fé de posse do título, o subscritor do mesmo não poderia opor exceção de falta de emissão.
A teoria adota a não obrigação do subscritor do título se ele saiu das suas mãos sem ou contra sua vontade.

6.1.3. Teoria da criação

Para essa teoria o título de crédito tem valor próprio por ter sua emissão fundada na declaração unilateral de vontade do seu criador, pois as obrigações representadas nos títulos de crédito são abstratas por dispensar a essencialidade da causa na formação do título.
Segundo os adeptos dessa teoria o título, após estar devidamente formalizado, possui valor próprio e é fonte de direito de crédito a um futuro possuidor; se antes de entregue ao credor o emitente é despojado do título, a obrigação já estará encartada e seguirá junto com ele, independentemente das condições da portabilidade. Para essa teoria o subscritor do título estaria obrigado a cumprir o pagamento, mesmo nos casos de roubos ou extravio do documento.
Como o título seria uma obrigação assumida pelo emitente e não pela sua vontade, o que se exige é somente que esteja na posse de um terceiro de boa-fé, pois nesse caso, o que importaria é a declaração firmada e  não a vontade posta pelo emitente.
É uma teoria que não respeita a boa-fé, pois os seus adeptos aceitam que o emitente do título, sabendo que o título está nas mãos de pessoas de má-fé, deve cumprir com a obrigação encartada no título. A concepção da teoria é a de que a obrigação tem existência pela simples assinatura do emitente.
Para Pontes de Miranda, cuja citação é de Rubens Requião, o título em mãos do subscritor já seria um “valor patrimonial e prestes a se tornar fonte de direito de crédito. A vontade do devedor já não importa para tal efeito obrigacional: o título é que produz.... É o título que cria a dívida. A única condição que se impõe a sua eficácia é a posse pelo primeiro portador, qualquer que seja ela”[5].
No entanto, duas linhas de análise discutem o momento da eficácia jurídica ou o momento do aperfeiçoamento do vínculo. Em um primeiro momento uma das linhas de análise estaria sustentando a eficácia do título quando de sua assinatura, pois assim que houvesse a redação e assinatura do título, já estaria produzindo os seus efeitos em relação ao devedor. Portanto, para o exercício do direito de crédito, bastaria o título chegar às mãos de um credor, fato que removeria o obstáculo para o exercício do crédito[6]. No segundo momento, a eficácia do título ficaria subordinada a posse de um credor. Assim, “deve-se distinguir a perfeição do título da sua eficácia e irrevogabilidade. A perfeição ocorreria com a assinatura, que não precisa ser receptícia, já a vinculação do declarante só ocorreria com a chegada dos títulos às mãos do credor” [7].
Portanto, ficou evidente que a teoria assume que o simples preenchimento do título é fonte de obrigação.

6.1.4. Teoria da aparência

Para os adeptos dessa teoria a obrigação cambiária nasceria da aparência criada no bojo do título de crédito, ou seja, a aparência criada pelas declarações cambiais existentes no título é que teriam valor, independentemente da vontade efetiva do criador. Dá-se ênfase para a falta de conhecimento de possíveis divergências existentes, pois independente delas o portador não tomaria conhecimento pela só aparência do título.
Essa teoria está ligada a literalidade do título, pois visa proteger o terceiro que deve confiar no teor do documento de crédito. Os possíveis possuidores do título estariam livres de qualquer convenção extracartular.
A simples aparência do título não tem o condão de validar as obrigações cartulares e afeta sim as demais obrigações que possivelmente foram assumidas no título.

6.1.5. Teoria adotada no Brasil

Para vários autores o Direito Brasileiro não se filiou a nenhuma teoria, mas a doutrina adotou os rigores da teoria da criação com algumas luzes da teoria da emissão, como nas palavras de Rubens Requião: “temperando os rigores da teoria da criação com nuanças da teoria da emissão” [8].
O Código Civil atual, em seu artigo 909 e parágrafo único, dispõe que o “proprietário que perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos”, aproximou-se da teoria da emissão, pois há uma proteção sobre que for injustamente desapossado do título. Mesmo o credor de boa-fé seria prejudicado se portador de título que o seu emissor foi injustamente desapossado.
Na realidade, conforme doutrina atual, o Código Civil de 2002 errou ao tentar fazer a junção entre as teorias da criação e da emissão.
O artigo 896 (O título de crédito não pode ser reivindicado do portador que o adquiriu de boa-fé e na conformidade das normas que disciplinam a sua circulação); artigo 901 (Fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé) e parágrafo único (Pagando, pode o devedor exigir do credor, além da entrega do título, quitação regular) e artigo 905 (O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor), estão filiados na teoria da criação, pois é clara a proteção ao portador de boa-fé, “na medida em que ele teria seus direitos resguardados” [9].
A título de conhecimento de outras teorias, mas sem aprofundamento nas mesmas, temos: a) teoria contratualista, que enquadrava o título de crédito na categoria dos contratos, pois o emitente de um título celebraria um contrato com o beneficiário. Esse contrato seria cambiário, portanto um direito novo revestido da autonomia cambiária e que não faria confusão com o negócio jurídico firmado entre as partes; b) teoria da declaração unilateral de vontade, para essa teoria a declaração unilateral seria a vontade criadora da cambial e a letra de câmbio seria o papel-moeda dos comerciantes. Tal fato não se sustenta atualmente[10]; c) teoria da boa-fé, por essa teoria não basta a circulação ser de boa-fé, ou, o terceiro legitimado, para exercício de seu direito deve estar de boa-fé, caso contrário o emitente poderá opor ao possuidor de má-fé a exceção do dolo e, assim, anular os efeitos do título. Nessa teoria privilegia-se a boa-fé e a segurança nas relações cambiárias; surgiu para diminuir os efeitos da teoria da criação; d) teoria da pendência é a teoria proposta por Jhering, desenvolvida por Bonelli e agora acolhida e modificada por Messineo [11], que sustentam que o titular do direito é somente o que for o último proprietário do título de crédito, ou seja, aquele que possuir por último o título será o titular de direito estando autorizado a exercer seus direitos cambiários; e) teoria da delegação, por essa teoriao devedor autoriza o credor a delegar a um novo credor, e assim sucessivamente”[12], ou seja, aquele que emite um título de crédito deve delegar ao beneficiário original poderes de transferência do crédito a um titulo sucessivo e assim, o seu sucessor, poderá delegar sucessivamente os poderes do crédito alcançados.
Entenda-se, porém, que das várias teorias adotadas ou sustentadas por doutrinadores anteriores, o que determina a circulação do título é a emissão legítima e posse de boa-fé, com seus sucessores e garantidores devidamente identificados.




[1]    apud Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, 2 vol., 23 ed São Paulo: Saraiva, p. 361
[2]    Idem
[3]    TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 43.
[4]    TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 43.
[5]    REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 2 vol., 23 ed São Paulo: Saraiva, p. 363.
[6]    TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 45/46.
[7]    TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 45/46.
[8]    REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2 vol. 23 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 365.
[9]    TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 50.
[10]   TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 44.
[11]   ASCARELLI, Túlio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1943, p. 289.
[12]   ASCARELLI, Túlio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1943, p. 293.

sábado, 10 de maio de 2014

Curso Didático de Direito Empresarial: Títulos de Crédito

8.11. Conhecimento de Depósito e Warrant
Decreto 1.102, de 21 de novembro de 1903

8.11.1. Noção Geral; 8.11.2. Conhecimento de depósito; 8.11.3. Warrant; 8.11.4. Os direitos dos portadores dos títulos


8.11.1. Noção Geral

Necessário compreender, antes, o que é o empreendimento “armazéns gerais” no mundo do Direito Empresarial. A necessidade de estocar mercadorias, para melhor negociar no futuro, forçou a criação de entidades privadas, cujo principal objetivo é guardar e conservar as mercadorias dos empresários que necessitam de tais serviços. Ao guardar a mercadoria o empresário poderá negociá-la em outro momento obtendo melhores lucros, essa a razão principal da guarda e conservação que são realizadas pelas empresas que denominamos de armazéns gerais.
Portanto, os armazéns gerais são empresas (naturais ou jurídicas) que se dedicam à guarda e conservação de mercadorias. Com esse objetivo específico de conservar mercadorias, estão autorizadas, segundo o art. 1º do Decreto 1.102/1903, a emitir títulos especiais que representam a mercadorias guardadas e que se encontram em conservação em seus armazéns.
O titular do armazém geral deve estar inscrito na Junta Comercial, quando deverá declarar a sua firma, ou, se se tratar de sociedade anônima, a designação que lhe for própria, o capital da empresa e o domicílio; a denominação, a situação, o número, a capacidade, a comunidade e a segurança dos armazéns; a natureza das mercadorias que recebem em depósito; as operações e serviços a que se propõem. A essas declarações juntarão: a) o regulamento interno dos armazéns e da sala de vendas públicas; b) a tarifa remuneratória do depósito e dos outros serviços; c) a certidão do contrato social ou estatutos, devidamente registrados, se se tratar de pessoa jurídica, conforme dispõe o art. 1º d o Decreto 1.102/1903.
Após todos os documentos apresentados pelo pretendente ao registro de um armazém geral, a Junta Comercial autorizará a sua matrícula e, no prazo de um mês, contado do dia que ocorreu a autorização, publicará o edital, as declarações, o regulamento interno e a tarifa; após o arquivamento na Junta Comercial e as devidas publicações exigidas por lei, o empresário assinará termo de responsabilidade como fiel depositário dos gêneros e mercadorias que receber. O empresário não poderá, antes de preenchidas tais formalidades e devidamente publicadas em edital da Junta Comercial, iniciar os serviços e operações objetos da empresa; quando os administradores dos armazéns gerais não forem os próprios empresários, mas sim prepostos, estes somente poderão entrar em exercício munidos de uma nomeação escrita que deverá estar inscrita no registro do comércio. Empresários, administradores ou fiéis de armazéns gerais que sofreram condenação por crime de falência culposa ou fraudulenta, estelionato, abuso de confiança, falsidade, roubo ou furto, não poderão inscrever-se como empresários de armazéns gerais.
Os armazéns gerais poderão exercer outras funções, no entanto a sua principal é a guarda e conservação de mercadorias quando firmam contrato de depósito. O armazém geral recebe a mercadoria firmando um contrato real com o depositante. O prazo estabelecido pelo art. 10 do Decreto 1.102/1903 será de seis meses, que começará a contar da data da entrada da mercadoria nos armazéns gerais, com a opção de prorrogar livremente entre as partes.
O art. 6º do Decreto 1.102/1903 estabelece que os armazéns gerais estão obrigados a passar recibo das mercadorias confiadas à sua guarda; esses recibos devem conter a quantidade, o número e marcas, o peso, medida ou a quantidade existente de mercadorias; devem ser emitidos no ato do recebimento; no verso deste recibo serão anotadas pelo armazém geral as retiradas parciais das mercadorias, durante o depósito. No ato da entrega das mercadorias ou dos títulos mencionados pelo do art. 15 o recibo deve ser restituído ao armazém geral. Será facultado a quem tiver o direito de livre disposição das mercadorias, durante o prazo do depósito (art. 10), substituir esses títulos por aquele recibo. Todo esse movimento diário dos armazéns gerais deve estar registrado em livros próprios, não deixando de anotar o que for preciso para a guarda e conservação das mercadorias.
Com essa orientação legal os armazéns gerais, ao receberem a mercadoria para guarda e conservação, emitem um documento representativo das mercadorias que podem ser negociados sem que se tenha que mobilizar a mercadoria, fato que melhora e facilita os negócios. O depositante poderá exigir do armazém geral um documento que se chama conhecimento de depósito e também o warrant, tornando-se um documento de crédito negociável. Dessa forma, o conhecimento de depósito e o warrant são títulos de crédito que representam, na verdade, uma mercadoria e não um valor em espécie. Os títulos de crédito emitidos pelos armazéns gerais, em substituição ao recibo comum, são unidos, porém separáveis à vontade do depositante. Pode ser que o depositante venha a vender ou constituir penhor sobre a mercadoria depositada, assim, ele poderá utilizar-se de um ou outro. Se vender, utilizará o conhecimento de depósito e, se der em penhor, utilizará o warrant. São títulos emitidos juntos, mas podem circular separados e cada um representando uma finalidade.
Sobre o recibo de depósito, que é o documento que o depositante terá quando entregar a mercadoria para guarda e conservação, o mesmo poderá ser substituído pelo conhecimento de depósito e warrant. O recibo de depósito representa uma segurança, confirmando que o depósito da mercadoria foi efetuado e não pode circular, ao contrário desses que são títulos de crédito representativos do depósito da mercadoria. O titular das mercadorias poderá solicitar ao armazém geral a sua substituição podendo, daí sim, fazer circular o crédito em mercadorias existentes que se encontram depositadas.

8.11.2. Conhecimento de depósito

Várias regras em comum possuem o conhecimento de depósito e o warrant, pois primeiro são títulos emitidos à ordem, transferíveis por endosso. Cada um deles, tanto o conhecimento de depósito quanto o warrant devem conter sua designação particular, a denominação da empresa do armazém geral e sua sede, o nome, profissão e domicílio do depositante ou de terceiro por este indicado; o lugar e o prazo do depósito, facultado aos interessados acordarem, entre si, na transferência posterior das mesmas mercadorias de um para outro armazém da emitente, ainda que se encontrem em localidade diversa daquela em que foi feito o depósito inicial. Devem ser feitas as anotações do local para onde se transferirá a mercadoria em depósito; e, para os fins do art. 26, parágrafo 2º, às despesas decorrentes da transferência, inclusive as de seguro por todos os riscos.
Os títulos devem conter, ainda, a natureza e quantidade das mercadorias em depósito, designadas pelos nomes mais usados no comércio, seu peso, o estado dos envoltórios e todas as marcas e indicações próprias para estabelecerem a sua identidade, ressalvadas as peculiaridades das mercadorias depositadas a granel; a indicação do segurador da mercadoria e o valor do seguro; a declaração dos impostos e direitos fiscais, dos encargos e despesas a que a mercadoria está sujeita, e o dia em que começaram a correr as armazenagens; a data da emissão dos títulos e assinatura do empresário ou pessoa devidamente habilitada por este.
O conhecimento de depósito tem como finalidade a demonstração da propriedade das mercadorias, e, no caso da sua transferência, ocorrerá a transferência das mercadorias depositadas. O endossatário, assim, tornar-se-á o novo proprietário e terá à sua disposição as mercadorias, inclusive podendo retirá-las do depósito como seu legítimo proprietário.
Como antes afirmado, o conhecimento de depósito e o warrant são emitidos juntos, porém podem ser separados. No entanto, quando da retirada da mercadoria da guarda e depósito é necessária a apresentação tanto do conhecimento do depósito quanto do warrant, pois quem for titular dos dois títulos será proprietário das mercadorias depositadas. Se, no entanto, somente o warrant for transferido por endosso, haverá apenas o penhor sobre as mercadorias; a transferência do warrant constituindo garantia sobre a mercadoria, com o devido valor, deve será anotada no verso do conhecimento do depósito, pois somente assim, se transferido o conhecimento, o terceiro tomará ciência do gravame nas mercadorias e o valor da dívida.

8.11.3. Warrant

Warrante, segundo Fran Martins, é um título formal, “que, representando, como o conhecimento, as mercadorias depositadas, serve, precipuamente, de instrumento comprobatório de penhor que se faz sobre elas”; e continua o autor: “a simples transferência do warrant dá ao cessionário o direito de penhor sobre as mercadorias, ficando o seu proprietário com a obrigação de solver essa dívida quando delas se desfizer”[1].
O warrant é emitido juntamente com o conhecimento de depósito, porém possuem funções distintas, pois este representa a propriedade das mercadorias depositadas e aquele é um instrumento de penhor que pesa sobre as mesmas mercadorias depositadas. Dessa forma, o warrant tem como função principal permitir que as mercadorias sejam dadas em garantia. Como pesa sobre a mercadoria depositada uma garantia, os custos do crédito serão menores.
Os requisitos estabelecidos pela legislação com relação ao warrant são os mesmos do conhecimento de depósito, segundo o art. 15 do Decreto 1.102/1903.
Os títulos (conhecimento de depósito e warrant) podem circular juntos (quando alguns autores os denominam de xifópagos) ou separados. O pressuposto que autoriza a circulação dos títulos é o endosso idêntico ao da letra de câmbio; inclusive pode ser endosso em branco ou em preto, portanto obedece ao mesmo regime do endosso de modo geral.
Quando o endosso se referir aos dois títulos há transferência da propriedade de forma plena e desembaraçada das mercadorias depositadas, pois pode o seu legítimo portador retirar tais mercadorias, dividindo-as em lotes ou partidas.
O endossante, quando transfere a mercadoria a terceiros, responde perante estes pela existência e disponibilidade das mercadorias, mas não responde por eventual inadimplemento dos armazéns gerais.
Os títulos são criados juntos, porém podem circular separados, como já afirmado, e a legislação autoriza ao titular a separar o conhecimento de depósito e o warrant, podendo ser endossados a pessoas diferentes. Quando isso ocorrer é necessário que o endosso ocorra, primeiro, no warrant, pois assim que endossado, será anotado no conhecimento de depósito os dados constantes no warrant.
O endosso no conhecimento de depósito transfere a propriedade das mercadorias que, em razão da emissão do warrant, possui o gravame do penhor. Tudo sob conhecimento do endossatário, pois ao adquirir a mercadoria por meio do conhecimento de depósito, comprará um bem alienado, tal como comprar um imóvel em que pende uma hipoteca. Adquire a propriedade, mas tem a obrigação de solver a dívida que está garantida pelo penhor, até o limite do valor da mercadoria que foi adquirida.

8.11.4. Os direitos dos portadores dos títulos

Aquele que detém os dois títulos tem o direito de retirar as mercadorias depositadas e, nesse caso, não será necessário qualquer pagamento. Pode até, se assim desejar, retirar as mercadorias de forma parcial. Ao retirar as mercadorias do depósito deve entregar os títulos.
Se o portador detém a posse do conhecimento de depósito terá ao seu dispor as mercadorias, no entanto, se os títulos foram endossados separados, preservam-se os direitos do portador do warrant. Nada impede, porém, de retirar a mercadoria, caso já tenha ocorrido o pagamento do warrant.
Já o portador do warrant tem o direito de receber determinada quantia do devedor principal, que é o primeiro endossante. O detentor do warrant tem um direito de crédito e deverá, no vencimento, apresentar o título ao primeiro endossante exigindo o pagamento. O detentor do conhecimento de depósito poderá pagar a quantia no armazém geral.
Em caso de extravio dos títulos, o titular do crédito avisará ao armazém geral que anunciará o fato durante três dias, pelo jornal de maior circulação da sede do armazém geral, segundo o art. 27 do Decreto 1.102/1903; no caso de se tratar do conhecimento de depósito e correspondente warrant, ou só do primeiro, o interessado poderá obter duplicata ou a entrega das mercadorias, garantindo o direito do portador do warrant, se este foi negociado, ou do saldo à sua disposição se a mercadoria foi vendida, observando-se o processo do § 2º, que correrá perante o juiz do comércio em cuja jurisdição se achar o armazém geral. O interessado requererá a notificação do armazém geral para não entregar sem ordem judicial a mercadoria ou saldo disponível no caso de ser ou de ter sido ela vendida, na conformidade dos artigos 10, § 4º, e 23, § 1º, justificará sumariamente a sua propriedade, ex vi dos §§ 1º e 2º do art. 27.
O requerimento deve ser instruído com um exemplar do jornal em que for anunciada a perda e com a cópia fiel do talão do título perdido, fornecida pelo armazém geral e por este autenticada.
Existem ainda o certificado de depósito agropecuário e o warrant agropecuário, que tratam exatamente de títulos que garantem o depósito agropecuário. São conhecidos pelas siglas CDA e WA.


[1]    MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 393.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Os títulos de crédito no novo CPC

Art. 710. São títulos executivos extrajudiciais:
 I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;
III - o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas;
IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;
V - os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida;
VI - o crédito decorrente de foro e laudêmio;
VII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
VIII - o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete ou de tradutor, quando as custas, os emolumentos ou os honorários forem aprovados por decisão judicial;
IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
X - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
§ 1º A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.
§ 2º Não dependem de homologação, para serem executados, os títulos executivos extrajudiciais oriundos de país estrangeiro.
§ 3º O título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação.

Dicas do Novo CPC

Bens dos sócios de empresas só serão confiscados depois de defesa

O projeto do novo Código de Processo Civil (CPC - PL 8046/10), aprovado em Plenário nesta quarta-feira, traz inovações que protegem o empresariado. Os bens dos sócios só poderão ser usados para quitar dívidas da empresa depois da defesa os envolvidos. Hoje, uma ordem do juiz permite o confisco desses bens sem que os sócios sejam consultados.
O projeto cria o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, em que os sócios terão direito de defesa antes que o juiz decida se eles terão ou não os bens penhorados. A desconsideração da personalidade jurídica permite que o patrimônio pessoal dos sócios seja usado para pagar dívidas das empresas, se for comprovada fraude ou má-fé. É um instrumento muito utilizado na cobrança de dívidas trabalhistas, por exemplo.
A proposta cria normas restritivas para a penhora de contas e investimentos das empresas, impedindo o congelamento de recursos usados como capital de giro. O texto também impede que o confisco de dinheiro depositado em contas bancárias e investimentos seja feito em plantão judicial. Além disso, determina que a penhora do faturamento das empresas seja usada como último recurso.
“Criamos uma série de dispositivos que não desorganizam a empresa no caso de penhora”, disse o relator do projeto, deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
 Uma mudança feita em Plenário impede a penhora das contas e investimentos de pessoas ou empresas em caráter provisório. Esses bens só poderão ser confiscados pela Justiça depois de uma sentença. Teixeira já adiantou que vai defender a alteração desse ponto pelo Senado.
 Outra mudança feita em Plenário proíbe o juiz, em regra, de determinar a intervenção judicial em uma empresa. Essa intervenção só poderá ser feita em último caso e observando as normas já previstas pela Lei do Cade.

Dicas do Novo CPC

Bens dos sócios: a Justiça só vai poder confiscar os bens dos sócios para pagar dívidas da empresa depois de ouvir todas as partes. Hoje o juiz pode decidir o confisco sozinho;
Bloqueio de contas: a penhora de contas e investimentos não poderá ser feita por liminar, e o confisco do faturamento da empresa só será usado como último recurso; 
Intervenção: o juiz não poderá determinar a intervenção judicial da empresa na sentença. Essa intervenção só será realizada se não houver outra possibilidade e se a Lei do Cade (12.529/11) autorizar. 

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