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sábado, 12 de outubro de 2019

Utilização do trade dress de embalagens de vidro que são usadas para acondicionar as geleias Queensberry. Marca tridimensional devidamente registrada e em plena vigência.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.910 - SP (2016⁄0185736-0)

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de recurso especial interposto por Ritter Alimentos S.A. contra  acórdão assim ementado:

  • CONCORRÊNCIA DESLEAL - Utilização do trade dress de embalagens de vidro que são usadas para acondicionar as geleias Queensberry. Marca tridimensional devidamente registrada e em plena vigência. Requerida que passou a usar potes absolutamente semelhantes aos da autora. Produtos que são vendidos Iado a Iado nos supermercados. Demonstração da possibilidade de confusão e concorrência desleal. Pote de geleia utilizado pela autora há quase trinta anos, caracterizando o conjunto de imagens distintivo - Violação de direitos da propriedade industrial e usurpação que tem finalidade de aproveitamento - Sentença de procedência. Apelo para reforma. Não provimento.


Nas razões de recurso especial, alega a recorrente violação dos artigos 130, 131, 145, 293, 330, 345 e 460 do Código de Processo Civil (1973). Sustenta, além de negativa de prestação jurisdicional, que o acórdão recorrido é nulo, por ser extra petita. Indica, também, contrariedade aos arts. 122, 124, XIX, 189, I, e 210 da Lei 9.279⁄96; 492 e 1.275 do Código Civil e 472 do Código de Processo Civil (1973). Afirma cerceamento de defesa decorrente do indeferimento de prova pericial. Em seu entender, houve exame superficial dos potes de geleia cotejados, sem que fosse considerada a impressão do conjunto a fim de aferir que não houve concorrência desleal.
Procura demonstrar dissídio jurisprudencial.
Em contrarrazões, Kiviks Marknad Indústrias Alimentícias Ltda. afirma que sem sua autorização a recorrente utilizou sua marca registrada, não apenas o "trade dress" de produtos. Alega a desnecessidade de realização de perícia e afirma a incidência da Súmula 7.
É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.910 - SP (2016⁄0185736-0)
RELATORA :        MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
RECORRENTE     :        RITTER ALIMENTOS S⁄A
ADVOGADOS       :        RICARDO ZAMARIOLA JUNIOR  - SP224324
                  FRANCISCO AUGUSTO CALDARA DE ALMEIDA E OUTRO(S) - SP195328
                  LUCIANO DE SOUZA GODOY  - SP258957
                  LEONARDO DIB FREIRE  - SP341174
                  PEDRO GUILHERME DA MOTA DUTRA  - SP377896
RECORRIDO        :        KIVIKS MARKNAD INDUSTRIAS ALIMENTICIAS S.A
OUTRO NOME     :        KIVIKS MARKNAD INDÚSTRIAS ALIMENTÍCIAS LTDA
ADVOGADO        :        MÁRCIO LÔBO PETINATI E OUTRO(S) - SP246502
EMENTA

  • RECURSO ESPECIAL. USO INDEVIDO DE MARCA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMPARAÇÃO NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM SIMPLES OBSERVAÇÃO DAS EMBALAGENS DOS PRODUTOS EM CONFRONTO. DIREITO À PRODUÇÃO DE PROVA.
  • 1. A fim de se concluir pela existência de concorrência desleal decorrente da utilização indevida do conjunto-imagem de produto da concorrente é necessária a produção de prova técnica (CPC⁄73, art. 145). O indeferimento de perícia oportunamente requerida para tal fim caracteriza cerceamento de defesa
  • 2. Recurso especial provido.



VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI(Relatora): Em decisão singular, neguei provimento ao recurso especial, entendendo ser o caso de incidência da Súmula 7 desta Corte. Reanalisando os autos e levando em consideração os precedentes da Terceira Turma citados nas razões do agravo interno, determinei a conversão dos autos em recurso especial.

Kiviks Marknad Indústrias Alimentícias Ltda, ora recorrida, ajuizou ação indenizatória cumulada com pedido de cessação de uso em face de Ritter Alimentos S.A, alegando concorrência desleal causada pelo pote que a ré passou a adotar  para vender o mesmo tipo de produto (geléias), o qual entende ser bastante similar a embalagem por si utilizada (trade dress), ensejando confusão da clientela em prejuízo do seu público consumidor.

A ora recorrente sustenta que o trade dress de seu produto não se confunde com aquele dos produtos comercializados pela recorrida. Requereu, em primeiro grau, a produção de prova pericial, o que foi indeferido pela sentença, que procedeu ao julgamento antecipado da lide.
O Tribunal de origem rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa, com as seguintes ponderações (e-STJ fls. 611-613):
:
"Os integrantes da Turma não ignoram os termos de recente Acórdão assinado pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI (Resp. 1418171 CE, DJ de 10.4.2014) determinando realização de perícia para apurar "suposta utilização indevida da marca Ypióca pela recorrente, ao envasar sua cachaça nas garrafas litografadas" e não seguem a diretriz porque estão convictos da desigualdade dos fatos.

Portanto e como primeira premissa do veredicto colegiado, rejeita-se a preliminar de nulidade por falta de perícia, sem risco de ofender o disposto no art. 5º, LV da Constituição Federal. A prova, segundo um dos mais ilustres processualistas (SANTIAGO SENTIS MELENDO) se produz e se encaminha ao juiz como pressuposto persuasivo e de convicção e a sua finalidade é produzir a certeza de um fato (La preuba, Buenos Aires, EJEA, 1979, 9. 49). Respeitada a posição daqueles que consideram maiores esclarecimentos sobre a possibilidade de confusão entre os produtos que são apresentados em potes quase idênticos, deve ser aplicado o art. 131, do CPC, com referência da dispensa desse exame inútil. Evidente que nunca se obterá a unanimidade sobre a interpretação que se realiza comparando os potes e rótulos das geleias, o que não significa existir dúvida. Há, sim, maneira diversa de sentir a igualdade ou a diferença e até de avaliar o perigo da confusão e isso é normal ou de acordo com os sentidos e ângulos da cena analisada. Porém, não há como o jurista exigir que um publicitário ou um técnico em marketing forneça dados para subsidiar o que é possível aferir pelo conhecimento comum ou instinto natural. A perícia é uma perda de tempo que prejudica o processo e encarece os custos da demanda.

Ainda sobre as preliminares arguidas pela apelante, é de se consignar que seria igualmente desnecessária ao deslinde da cauda a demonstração de que o novo pote utilizado para acondicionar as geleias comercializadas pela requerida foi adotado como forma de minimizar perdas orgânicas. Ainda que tal fato estivesse comprovado, não se pode deixar de considerar que a requerida tinha o dever de respeitar os direitos marcários precedentes e pertencentes à autora, não servido tal fundamento para justificar a infração às normas de propriedade industrial."

Afastada a preliminar de nulidade de sentença em decorrência do indeferimento da perícia, a respeito do mérito o Tribunal de origem considerou o seguinte (e-STJ, fl. 614-18):

Conforme demonstram as fotografias de fls. 125⁄131; 135⁄141, as características inseridas na nova embalagem que passou a ser usada pela requerida são suficientes para causar prejuízos à autora, bem como causar confusão na massa consumidora, já que a similitude das formas de produtos que são vendidos lado a lado nas gôndolas dos supermercados poderia facilmente atrair o comprador para a aquisição das geleias da requerida pensando tratar-se daquelas fornecidas pela autora, dada a imitação levada a efeito. Essa situação não ocorre quando os produtos estão próximos, mas, sim, quando há desabastecimento temporário, o que é normal pela rotatividade dos estoques, o que poderá conduzir o freguês desavisado a comprar uma geleia pensando adquirir a outra que era sua verdadeira intenção.
Não somente deve o Judiciário efetivar a proteção do trade dress, como um todo (apesar de não haver sistema de registro de tal conjunto-imagem, em sua totalidade), como é certo que a marca tridimensional materializada pelo pote⁄embalagem de geleias produzidas pela requerente encontra-se devidamente registrada (fls. 107), de modo que a proteção almejada deveria mesmo ser deferida (art. 129 da LPI).
(...)
A requerente é um sujeito de direito que dispensa apresentação quanto à sua atuação no mercado de geleias, sendo identificada pelo público consumidor pela embalagem diferenciada que utiliza há quase 30 anos, de forma tridimensional quadrangular, fundo redondo e bocal circular amplo, características que contribuíram para consolidação da imagem-retrato que, no contexto da propriedade industrial, recebe a sugestiva denominação de Trade Dress, como esposado.
Não importa que o interior da embalagem da requerida ou alguns detalhes sejam diferentes, porque o ideal da LPI é coibir semelhanças que possam dar margem à confusão ou ao aproveitamento parasitário, o que fica patente no caso concreto.
(...)
É importante enfatizar que a forma visual do vidro utilizado por empresas que comercializam esse gênero alimentício não é mais um elemento neutro no marketing próprio da mercadoria, constituindo, sim, um diferenciador, e, embora não se vá ao ponto de dizer que a moldura diferencia um quadro a óleo, nos potes de geleia o formato distingue o produto, integrando um todo (trade drass), como na embalagem da autora e de outras fabricantes de geleias conceituadas, a exemplo do caso da St, Dalfour, uma geleia de preferência do consumidor e de invólucro bem diferenciado. Imitação da embalagem é deslealdade e busca tirar proveito da notoriedade, com clara intenção de desviar o cliente desatento e que compra um pote supondo estar adquirido o outro cuja imagem penetrou no consciente."
(...)
Não se nega que a requerida também ocupa lugar de destaque na venda de produtos de qualidade, mas o uso das novas embalagens, absolutamente semelhantes às usadas pela autora, gera uma incerteza e instabilidade no mercado, como provam as imagens encartadas às fls. 347⁄348, dentre outras."

O cotejo de fotografias dos produtos comercializados pela recorrente e pela recorrida levou, portanto, o Tribunal de origem a concluir que o uso de novas embalagens pela agravante leva a “incerteza e instabilidade no mercado”, dada a semelhança com as embalagens do produto da recorrida. Segundo aquela Corte, houve imitação que poderia levar o consumidor ao erro.

Tal a razão pela qual, em um primeiro momento, entendi pela aplicação da Súmula 7 deste Tribunal Superior ao caso concreto.

A questão, porém, não é de prova, mas jurídica. É de se reconhecer que o recurso especial não busca o reexame de prova, ou seja, a recorrente não pretende que este Tribunal Superior faça análise das fotografias consideradas pelo Tribunal de origem e a respeito delas exponha nova conclusão. Pede-se, isso sim, pronunciamento a respeito da admissibilidade do meio de prova de que se valeu a Corte a quo, mera comparação visual de fotografias das embalagens. A errônea valoração da prova sindicável na via do recurso especial é aquela que ocorre quando há má aplicação de norma ou princípio no campo probatório, o que ocorre no caso.

Trata-se, portanto, de exame de alegação de ofensa a regra de técnica probatória.

A controvérsia apresentada no recurso especial consiste em definir se a mera comparação de fotografias pelo julgador é suficiente para a verificação de imitação de trade dress capaz de configurar concorrência desleal, ou se, ao contrário, há necessidade de perícia técnica a fim de apurar se o conjunto-imagem de um estabelecimento, produto ou serviço conflita com a propriedade industrial de outra titularidade.

Revendo a questão, penso ser necessária a perícia, pelos motivos a seguir expostos.

O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos. Dados a ausência de tipificação legal e o fato de não ser passível de registro, a ocorrência de imitação e a conclusão pela concorrência desleal deve ser feita caso a caso. Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço.
Em precedente sobre o assunto, no REsp 1591294⁄PR, DJe 13⁄03⁄2018 , o relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, observando as sutilezas que podem separar a concorrência desleal da legítima prática competitiva, fez a seguinte observação no voto condutor:

  • (...) para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum.


No caso concreto, ao decidir com base em comparação de embalagens, na verdade com base em fotografias dessas embalagens, o Tribunal manteve indeferimento de prova técnica oportunamente requerida e, assim, dispensou os subsídios que a perícia poderia trazer quanto àqueles elementos.
Pela clareza na análise dessa questão, transcrevo trecho do voto condutor do acórdão proferido no Recurso Especial 1.353.451, também relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze:

Nesses casos, todavia, não é possível ao julgador consultar única e exclusivamente o seu íntimo para concluir pela existência de confusão de forma ampla e genérica, quando não há sequer o registro de embalagem em favor de alguma das partes. Em síntese, a exclusiva violação da concorrência não é fato dado a presunções atécnicas, mesmo porque sua tipificação legal não é objetiva e taxativa, dependendo do resultado concreto dessas ações, o qual depende, antes de mais nada, de uma análise técnica de propaganda e marketing.

Nota-se que, em situações como a dos autos, quando inexiste perícia técnica, as conclusões alcançadas são comumente extraídas de máximas da experiência – ou quiçá da inexperiência. Embora disciplinadas as presunções judiciais, entre as quais se disciplinou expressamente a utilização das regras de experiência comum ou técnicas, nos termos do art. 335 do CPC⁄1973, não se pode olvidar que essas regras não são meios de prova nem se realizam mediante a participação dos litigantes em contraditório. Nesse sentido, vale ainda o alerta de que "o fato que requer conhecimento técnico não interessa apenas ao juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o direito de discuti-lo de forma adequada, mediante, se for o caso, a indicação de assistentes técnicos" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção: de acordo com o CPC de 2015. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 850).

Seguindo o voto do Relator, a Terceira Turma reconheceu o cerceamento de defesa, configurado em razão do indeferimento da prova técnica, substituída naquele caso, como no presente, pela experiência dos julgadores, tendo o acórdão a seguinte ementa:

  • PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO AFIM. EMBALAGENS ASSEMELHADAS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 209 DA LEI N. 9.279⁄1996 (LPI). PERÍCIA TÉCNICA REQUERIDA. DISPENSA INJUSTIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
  • 1. O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.
  • 2. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial.
  • 3. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279⁄1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI).
  • 4. No entanto, por não ser sujeito a registro – ato atributivo do direito de exploração exclusiva – sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão.
  • 5. A confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado.
  • 6. O indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.
  • 7. Recurso especial conhecido e provido.


Nesse contexto, o indeferimento da prova pericial constituiu cerceamento de defesa, pois impossibilitou que a recorrente apresentasse ao Juízo elementos técnicos imprescindíveis para a formação de seu convencimento.

Para tal fim não era suficiente a mera comparação de imagens, pois se trata de prova de fato que depende de conhecimento técnico, conforme reconhecido nos precedentes da Terceira Turma acima mencionados, a cujas razões adiro. Violados, portanto, os arts. 130, 131, 145, 330 e 335 do CPC⁄73.
Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de anular o processo desde a sentença e deferir o pedido de produção de prova técnica, determinando o retorno dos autos à origem.
É como voto.


Documento: 90244847  RELATÓRIO, EMENTA E VOTO       

terça-feira, 18 de junho de 2019

RECURSO ESPECIAL Nº 1.782.024 - RJ (2018?0173938-7)

RELATORA     :     MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRIDO     :     INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
 
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE MARCA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. ART. 174 DA LEI 9.279?96.
 
1. Ação ajuizada em 14/1/2010. Recurso especial interposto em 12/12/2016. Autos conclusos à Relatora em 25/10/2018.

2. O propósito recursal, além de verificar se houve negativa de prestação jurisdicional, é definir (i) se a pretensão anulatória está prescrita; (ii) se houve cerceamento de defesa ou má valoração da prova; (iii) se o julgamento foi extra petita; e (iv) se deve ser declarada a nulidade da marca titulada pela recorrente.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente.

4. O diploma legal que trata especificamente de questões envolvendo direito de propriedade industrial – Lei 9.279/96 – contém regra expressa acerca da questão controvertida, dispondo que a pretensão de se obter a declaração de nulidade de registro levado a efeito pelo INPI prescreve em cinco anos, contados da data da sua concessão (art. 174).

5. Mesmo tratando-se de ato administrativo contaminado por nulidade, os efeitos dele decorrentes não podem ser afastados se entre a data de sua prática e o ajuizamento da ação já houve o transcurso do prazo prescricional previsto para incidência na correspondente hipótese fática, salvo flagrante inconstitucionalidade. Precedentes.

6. Entender que a ação de nulidade de marca é, em regra, imprescritível equivale a esvaziar o conteúdo normativo do dispositivo precitado, fazendo letra morta da opção legislativa e gerando instabilidade, não somente aos titulares de registro, mas também a todo o sistema de defesa da propriedade industrial.

7. Ademais, a imprescritibilidade não constitui regra no direito brasileiro, sendo admitida somente em hipóteses excepcionalíssimas que envolvem direitos da personalidade, estado das pessoas, bens públicos. Os demais casos devem se sujeitar aos prazos prescricionais do Código Civil ou das leis especiais. Precedente.

8. Hipótese concreta em que a ação anulatória foi ajuizada depois de transcorrido o prazo quinquenal estabelecido na lei especial, sendo impositiva a decretação da prescrição da pretensão anulatória.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de maio de 2019(Data do Julgamento)


MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Mantida sentença que determinou abstenção de uso da marca Café da Roça



A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial da empresa Café Cajuri Ltda. que buscava a rescisão de sentença que lhe impôs a abstenção de uso da marca Café da Roça. De forma unânime, o colegiado concluiu não estarem presentes irregularidades processuais ou erros de fato capazes de justificar o acolhimento do pedido rescisório.

Em processo de indenização e uso indevido de marca proposto pela empresa Café da Roça Ltda., o magistrado de primeiro grau entendeu que ela demonstrou ser proprietária da marca Café da Roça e, por consequência, determinou que a Café Cajuri deixasse de comercializar produtos utilizando indevidamente a marca. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Após o trânsito em julgado da condenação e o indeferimento do pedido rescisório pelo TJMG, a Café Cajuri interpôs recurso especial sob o fundamento de suposto erro de fato na sentença, já que o detentor da marca seria a empresa Café Vanil, e não a Café da Roça Ltda. A Café Cajuri também questionava a concessão de tutela jurisdicional a uma marca supostamente genérica.

O relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que a alegação do caráter genérico tem relação com a própria validade do registro da marca, pois a Lei de Propriedade Industrial excluiu de sua proteção as marcas que apresentem sinais de caráter genérico, comum, vulgar ou simplesmente descritivo.   

“A controvérsia acerca da validade desse registro não pode ser apreciada pela Justiça comum estadual, nem mesmo em caráter incidenter tantum, por se tratar de matéria da competência da Justiça Federal, tendo em vista o interesse do INPI nessa controvérsia”, afirmou o ministro ao afastar a possibilidade de conhecimento do recurso neste ponto.

Sucessão

Em relação à titularidade da marca, o relator destacou que a Justiça de Minas Gerais entendeu que a empresa Café da Roça, autora do pedido de abstenção de uso de marca, havia sucedido a titular originária da marca, o que lhe conferiu legitimidade para a propositura da demanda.

Apesar de entender que a análise sobre o suposto erro de fato exigiria a avaliação dos elementos fáticos do processo – o que é impedido pela Súmula 7 –, o ministro Sanseverino ressaltou que o titular originário da marca e a empresa atual possuem estabelecimento no mesmo local. Além disso, apontou o ministro, há nos autos documento não impugnado no processo principal que indica publicação na Revista de Propriedade Industrial sobre a transferência, por cessão, da marca registrada pela Café Vanil Ltda.

“Por tudo isso, torna-se irrelevante a alegação, deduzida no recurso especial, de que as empresas possuem CNPJ distintos, não havendo falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional quanto a esse ponto”, concluiu o ministro ao manter a sentença de abstenção de uso de marca.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.738.014 - MG (2015/0085836-0)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : CAFE CAJURI LTDA - ME
ADVOGADO : PAULO ROBERTO ROQUE ANTONIO KHOURI - DF010671
RECORRIDO : CAFE DA ROCA INDUSTRIA & COMERCIO LTDA - EPP
ADVOGADOS : LUIZ FERNANDO VALLADAO NOGUEIRA - MG047254
LUCILA CARVALHO VALLADAO NOGUEIRA E OUTRO(S) - MG134774

EMENTA - RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. TUTELA INIBITÓRIA. DEMANDA PROCEDENTE. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC/1973. NULIDADE DA MARCA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. JULGADOS DESTA CORTE SUPERIOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. SANATÓRIA GERAL.

1. Controvérsia acerca da rescisão de sentença que condenou a empresa ora recorrente a se abster de usar a marca "Café da Roça", de titularidade da ora recorrida.

2. Negativa de prestação jurisdicional não verificada na espécie.

3. Incompetência da Justiça comum estadual para apreciar, ainda que em caráter incidental, alegação de invalidade de marca, por se tratar de controvérsia que envolve interesse de autarquia federal, o INPI. Julgados desta Corte Superior.

4. Caso concreto em que a autora da rescisória alegou invalidade da marca "Café da Roça" em razão do caráter genérico de seus elementos constitutivos (violação à literalidade do art. 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial), controvérsia que escapa à competência da Justiça comum estadual, nos termos do item 3, supra.

5. Não conhecimento da ação rescisória no que tange ao fundamento da invalidade da marca.

6. Cabimento de ação rescisória na hipótese em que o juízo fundamentou a sentença em fato inexistente, não tendo havido controvérsia na demanda originária sobre esse ponto.  Doutrina sobre o tema.

7. Caso concreto em que se mostra inviável contrastar o entendimento do Tribunal de origem acerca da transferência da titularidade da marca à ora recorrida, pois tal providência demandaria reexame dos elementos probatórios carreados aos autos. Óbice da Súmula 7/STJ.

8. Alegação de irregularidade da representação processual em virtude da ausência de identificação da pessoa que subscreveu a procuração outorgada pela empresa autora da demanda originária.

9. Caráter preclusivo e sanável desse vício, operando-se a força sanatória geral da coisa julgada. Doutrina sobre o tema.

10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Dr(a). LUCIANA CRISTINA DE SOUZA, pela parte RECORRENTE: CAFE CAJURI LTDA – ME Brasília (DF), 12 de junho de 2018(Data do Julgamento) MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

sexta-feira, 1 de junho de 2018

INPI deve anular registro de marca com imitação ideológica, mesmo sendo evocativa

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença de primeiro grau e confirmou que o ato administrativo que concedeu o registro da marca Megafral deve ser anulado. Apesar de considerar Megafral uma marca evocativa, o colegiado decidiu que a empresa responsável deve ser proibida de utilizá-la, por se tratar de imitação ideológica.

As marcas Megafral e Bigfral estavam sendo utilizadas para a comercialização de fraldas descartáveis. De acordo com os autos, a empresa responsável pela Bigfral alegou que a substituição do prefixo “Big” por “Mega” não seria suficiente para afastar a ilicitude do registro da concorrente.

Ademais, a Lei de Propriedade Industrial (LPI) estabeleceu que fica impedido o registro da marca quando ocorre a “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia”.

Além de reproduzir a mesma ideia transmitida por outra marca anteriormente registrada, a imitação ideológica caracteriza-se pela atuação das empresas no mesmo segmento mercadológico, o que pode levar o consumidor à confusão ou à associação indevida, conforme prevê o artigo 124, XIX, da LPI.

Pedido de nulidade

A sentença acolheu o pedido de nulidade do ato do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registro à marca Megafral e condenou sua proprietária a se abster de usá-la, sob pena de multa de RS 10 mil por dia.

No entanto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região reformou a sentença e julgou improcedente o pedido de nulidade, por considerar que a marca Megafral é composta por termos de uso comum e evocativos.

Em recurso especial, a dona da Bigfral alegou violação dos artigos 124, VI e XIX, e 129 da LPI.

Tutela das marcas

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, “contrapondo-se as marcas em questão, a conclusão inafastável é no sentido do reconhecimento da existência de sensível afinidade ideológica entre elas (pois transmitem a ideia de fralda grande), o que pode implicar associação indevida por parte do público consumidor, de modo que o registro concedido ao recorrido deve ser invalidado, por malferimento ao artigo 124, XIX, da LPI”.

Segundo a ministra, a proteção marcária busca distinguir um determinado produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, mas de origem diversa. Nancy Andrighi esclareceu que não é preciso haver efetivo engano dos consumidores para ocorrer a tutela da marca.

Ao dar provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença de primeiro grau e determinar a incidência da multa, a relatora ressaltou que o caso em análise se diferencia de outros precedentes do STJ referentes às marcas evocativas.

“Ainda que a marca Bigfral possa ser considerada evocativa, tal fato não retira (ao contrário do que entendeu o tribunal de origem) o direito de seu titular, detentor de registro anterior, de se opor ao uso não autorizado de marca que transmita ao consumidor a mesma ideia acerca do produto que designa”, concluiu.

 Leia o acórdão.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA - DENOMINAÇÃO - EQUIPARAÇÃO AO NOME COMERCIAL - DIREITO DE EXCLUSIVIDADE - LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA - NOME ESTRANGEIRO

RECURSO ESPECIAL Nº 555.086 - RJ (2003⁄0114349-9)
RELATOR:MINISTRO JORGE SCARTEZZINI
RECORRENTE:GIDEÕES MISSIONÁRIOS DA ÚLTIMA HORA - GMUH
ADVOGADO:OSWALDO HORONGOZO E OUTROS
RECORRIDO:THE GIDEONS INTERNATIONAL E OUTRO
ADVOGADO:LUIZ LEONARDOS E OUTROS
EMENTA

RECURSO ESPECIAL - OFENSA A ENUNCIADO SUMULAR - NÃO CONHECIMENTO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - NÃO ALEGAÇÃO DE INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC - SÚMULA 211⁄STJ - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULA 356⁄STF - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO - ADMISSIBILIDADE - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA QUANTO A ALGUNS DOS PARADIGMAS COLACIONADOS - ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA - DENOMINAÇÃO - EQUIPARAÇÃO AO NOME COMERCIAL - DIREITO DE EXCLUSIVIDADE - LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA - NOME ESTRANGEIRO - CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS - MARCA - PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE - CONVIVÊNCIA DAS DENOMINAÇÕES E MARCAS DAS PARTES - POSSIBILIDADE.

1 - Não se conhece do recurso especial sob alegação de ofensa a enunciado sumular, vez que não equiparado a dispositivo de lei federal para fins de interposição do recurso com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional. Precedentes.

2 - Não cabe recurso especial se, apesar de provocado em sede de embargos declaratórios, o Tribunal a quo não apreciou a matéria impugnada, aplicando-se a Súmula 211⁄STJ. Para conhecimento da via especial, necessário seria a recorrente ter alegado ofensa, também, ao art. 535 do CPC. Precedentes.

3 - Inviável o conhecimento do recurso especial, nos termos da Súmula 356⁄STF, ante a ausência de prequestionamento, porquanto não alegada a matéria sequer em embargos declaratórios.

4 - Admite-se o prequestionamento implícito se, a par de não constar expressamente, quanto a determinado dispositivo, qualquer registro no v. acórdão recorrido, a matéria inserta no mesmo foi devidamente apreciada e decidida pelo Tribunal a quo. Precedentes.

5 - Quanto à divergência jurisprudencial (art. 105, III, "c", CF⁄88), é pacífico, neste Tribunal, o entendimento de que, a teor do art. 255 e parágrafos do RI⁄STJ, para sua  apreciação e comprovação, não basta a mera transcrição de ementas, devendo-se expor as circunstâncias que identificam os casos confrontados, impondo-se a similitude fática entre o v. acórdão recorrido e o paradigma com tratamento jurídico diverso, bem como juntar cópias integrais de tais julgados ou, ainda, citar repositório oficial de jurisprudência. Verificada a ausência de similitude fática entre o v. acórdão hostilizado e alguns dos paradigmas colacionados, o recurso merece conhecimento apenas parcial.

6 - A denominação das associações equipara-se ao nome comercial, para fins de proteção legal, consistente na proibição de registro de nome igual ou análogo a outro anteriormente inscrito (princípio da novidade). A exclusividade restringe-se ao território do Estado, no caso das Juntas Comerciais, em se tratando de sociedades empresárias, e tão-somente da Comarca, no caso dos Registros Civis das Pessoas Jurídicas, em se cuidando de sociedades civis, associações e fundações.

7 - A proteção ao nome estrangeiro deve ser requerida nos moldes estabelecidos pela lei nacional, conforme interpretação sistemática da Convenção da União de Paris.

8 - A análise da identidade ou semelhança entre duas ou mais denominações integradas por expressão de fantasia comum ou vulgar deve considerar a composição total do nome, a fim de averiguar a presença de elementos diferenciais suficientes a torná-lo inconfundível.

9 - Consoante o princípio da especialidade, o INPI agrupa os produtos ou serviços em classes, segundo o critério da afinidade, de modo que a tutela da marca registrada é limitada aos produtos e serviços da mesma classe. Outrossim, sendo tal princípio corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários de determinados produtos ou serviços, admite-se a extensão da análise quanto à imitação ou à reprodução de marca alheia ao ramo de atividade desenvolvida pelos respectivos titulares.

10 - Diversos os gêneros de atividade da recorrente, Gideões Missionários da Última Hora - GMUH, e das recorridas, The Gideons International Os Gidões Internacionais no Brasil, bem como suas classes de registro de marcas (respectivamente, serviços de publicação e distribuição de bíblias, testamentos e revistas, inseridos nas classes 11.10 e 40.15; e serviços de caráter comunitário, voltados à pregação evangélica, inseridos na classe 41.70, afasta-se a possibilidade de confusão entre o público das associações litigantes, impondo-se a convivência harmônica de suas denominações e marcas.

11 - Recurso parcialmente conhecido, com fulcro nas alíneas "a" e "c ", III, art. 105 da CF⁄88, e, nesta parte, provido, afastando-se a proibição de uso pela recorrente, quer em sua denominação, quer em sua marca, da palavra "gideões".

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade em, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram os Srs. Ministros BARROS MONTEIRO, CÉSAR ASFOR ROCHA, FERNANDO GONÇALVES. e ALDIR PASSARINHO JÚNIOR.
Brasília, DF, 14 de dezembro de 2004(data do julgamento).
 
 
MINISTRO JORGE SCARTEZZINI, Relator

Documento: 1583890EMENTA / ACORDÃO- DJ: 28/02/2005

quarta-feira, 18 de abril de 2018

PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS - PRETENSÃO DA AUTORA DE EXCLUSIVIDADE DE USO DO NOME "CHANDON" EM QUALQUER ATIVIDADE


RECURSO ESPECIAL Nº 1.209.919 - SC (2010?0168461-7)
RELATOR              :               MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO)
RECORRENTE      :               CHAMPAGNE MOET E CHANDON
ADVOGADO           :               PLÍNIO J AZAMBUJA BUENO E OUTRO(S)
RECORRIDO         :               CHANDON DANCETERIA E BAR LTDA
ADVOGADO           :               ELIAS ARGENTE SILVA E OUTRO(S) - SC007807

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO):

Trata-se de recurso especial interposto por CHAMPAGNE MOET E CHANDON, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS - PRETENSÃO DA AUTORA DE EXCLUSIVIDADE DE USO DO NOME "CHANDON" EM QUALQUER ATIVIDADE - AUSÊNCIA DE REGISTRO COMO MARCA DE ALTO RENOME - IMPOSSIBILIDADE - MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA - PROTEÇÃO RESTRITA AO RESPECTIVO RAMO DE ATIVIDADE - MANUTENÇÃO DO REGISTRO DE MARCA DA RÉ - EXERCÍCIO DE RAMOS DE ATIVIDADES DIVERSOS DAQUELE NOTORIAMENTE CONHECIDO DA AUTORA - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 125 E 126 DA LEI N. 9.279196 E DA CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS - SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO.

1. A proteção de nome comercial enquanto integrante de certa marca encontra previsão como tópico do direito marcário, dentre as vedações ao registro respectivo (arts. 64 e 65, V, da Lei n. 5.772?71). Destarte, e conquanto se objete que tal vedação visa à proteção do nome comercial de per si, o exame de eventual colidência entre marca integrada pelo nome comercial do titular versus marca alheia idêntica ou semelhante posteriormente registrada, não pode ser dirimido apenas com base na anterioridade, subordinando-se, em interpretação sistemática, aos preceitos relativos à reprodução de marcas, consagradores do princípio da especificidade (arts. 59 e 65, XVII, da Lei no 5.772?71). Precedentes.

2. Orientação que se mantém mesmo em face da Convenção da União de Paris, ante a exegese sistemática dos arts. 2º e 8º, não se havendo falar em proteção marcária absoluta tão-só porquanto composta de nome comercial. Precedente.

3. Consoante o princípio da especificidade, o INPI agrupa produtos e serviços em classes e itens, segundo o critério da afinidade, limitando-se, a tutela da marca registrada a produtos e serviços de idênticas classe e item.

4. Apenas em se tratando de marca notória (art. 67, caput, da Lei nº 5.772?71, atual marca "de alto renome", art. 125 da Lei nº 9.279?96), como tal declarada pelo INPI, não se perscrutará acerca de classes no âmbito do embate marcário, porque desfruta tutela especial impeditiva do registro de marcas idênticas ou semelhantes em todas as demais classes e itens. Outrossim, não se confundem as marcas "notória" e "notoriamente conhecida" (art. 60 bis da CUP, atual art. 126 da Lei no 9.279?96), esta, ainda que não registrada no Brasil, gozando de proteção, mas restrita ao respectivo "ramo de atividade"." (REsp 658702?RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini).

PRESCRIÇÃO - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - FATO CAUSADOR DO DANO AFASTADO - SENTENÇA CONFIRMADA - ANÁLISE DA MATÉRIA PREJUDICADA.

Afastada a alegação de agir causador de dano moral, prejudicado resta o exame da pretensão de indenização.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Em suas razões recursais, a ora recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, que o v. acórdão recorrido violou "o art. 8º da Convenção de Paris, que vigora no Brasil em conformidade com o Decreto no 635?92, o art. 462 do CPC, os arts. 124, incisos XV e XIX, 189, inciso I, da Lei no 9.279?96 (Lei da Propriedade Industrial)".

Afirma, para tanto, que:

(I) o nome empresarial é protegido pelo art. 8º da Convenção de Paris "em todos os países signatários da chamada União de Paris, inclusive o Brasil e a França e independentemente de qualquer registro ou formalidade";

(II) o Tribunal de origem não levou em consideração fato novo e relevante, no sentido de que a ora recorrida "não é titular de registro da marca 'CHANDON', mas sim de dois pedidos de registro, de nºs 821796119 e 822135132, que foram arquivados, sendo um deles indeferido (...). O nobre relator (...) interpretou simples pedidos de registro como se fossem registros já concedidos pelo INPI, que vieram, posteriormente, a ser um indeferido e o outro arquivado por falta de cumprimento de exigência, por força de decisões administrativas que ,se tornaram definitivas";

(III) o "art. 124, inciso XV, da Lei no 9.279?96, (...) proíbe o registro de patronímico ou sobrenome como marca, salvo com o consentimento do titular, herdeiros ou sucessores e a fortiori, veda seu uso. É incontroverso, pois a Recorrida não contestou a afirmação feita na inicial pela Recorrente e foi apresentado documento a esse respeito, que um de seus diretores era então, e ainda é, JEAN REMY MARIE RENE CHANDON-MOIÊT, valendo acrescentar que o sobrenome CHANDON remonta ao final do século XVIII, quando um de seus diretores possuía o sobrenome em questão";

(IV) o art. 126, XIX, da Lei 9.279?96 proíbe o registro de marca idêntica ou semelhante à de outrem, devidamente registrada para distinguir produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, de sorte a possibilitar engano ou confusão, e o art. 189, I, da Lei 9.279?96 proíbe o uso de marcas em tais condições, tipificando-o como crime. No entanto, "o acórdão na apelação, confirmado pelo acórdão nos embargos de declaração, afastou a argüição de colidência das marcas das partes litigantes, que são as mesmas ('CHANDON'), à alegação de que os produtos e serviços em jogo pertencem a classes diferentes. Esse posicionamento não encontra amparo na lei atual, que se refere a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, que podem pertencer, ou não, à mesma classe. A lei anterior, de n. 5.772?71, é que limitava a colidência de marcas à mesma classe, tendo deixado de vigorar a partir de 1996! No caso, há afinidade evidente entre os vinhos, inclusive os famosos vinhos espumantes da Recorrente, e os serviços prestados pela Recorrida em seu estabelecimento, que incluem os serviços de alimentação e de bebidas alcoólicas, inclusive vinhos e espumantes", até mesmo a própria Chandon;

(V) "o art. 126 da Lei no 9.279?96 (Lei da Propriedade Industrial), que confere proteção especial à marca notoriamente conhecida, ainda que não registrada no Brasil. Como a marca "CHANDON" da Recorrente está aqui devidamente registrada, o referido dispositivo legal e convencional (art. 60, bis, da Convenção de Paris) deveria ter sido aplicado à espécie";

(VI) na lição do jurista Rudolph Callmann, "existe, além da confusão de origem, o que ele chama confusão de negócios, que pode ocorrer se as partes tiverem atividades não concorrentes (...). Esse tipo de confusão é também denominada por outros juristas 'confusion of sponsorship', isto é, confusão de patrocínio, no sentido de que o público pode pensar que a segunda empresa no tempo é patrocinada pela primeira".

Contrarrazões apresentadas às fls. 401-406 (e-STJ).

Admitido o recurso na origem, subiram os autos.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.209.919 - SC (2010?0168461-7)

VOTO

O SENHOR MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) - RELATOR:

O v. acórdão recorrido decidiu a controvérsia em conformidade com a jurisprudência desta Corte de Justiça, segundo a qual as marcas de alto renome, registradas previamente no INPI como tal, gozam, nos termos do art. 125 da Lei 9.279?96, de proteção em todos os ramos de atividade, enquanto as marcas notoriamente conhecidas gozam de proteção internacional, independentemente de formalização de registro no Brasil, apenas em seu ramo de atividade, consoante dispõem os arts. 126 da referida lei e 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, ratificada pelo Decreto 75.572?75. Neste último, é plenamente aplicável o princípio da especialidade, o qual autoriza a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos.

O aresto proferido pela colenda Terceira Turma bem elucida a questão, in verbis:

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CANCELAMENTO DE REGISTRO DA MARCA "MEGAMASS". RECONHECIMENTO DA NOTORIEDADE DA MARCA ESTRANGEIRA "MEGA MASS". EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. ART. 6º BIS, 1, DA CUP. ART. 126 DA LEI N. 9.279?96.

1. O art. 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, que foi ratificado pelo Decreto n. 75.572?75 e cujo teor foi confirmado pelo art. 126 da Lei n. 9.279?96, confere proteção internacional às marcas notoriamente conhecidas, independentemente de formalização de registro no Brasil, e vedam o registro ou autorizam seu cancelamento, conforme o caso, das marcas que configurem reprodução, imitação ou tradução suscetível de estabelecer confusão entre os consumidores com aquela dotada de notoriedade.

2. Referida proteção não fica restrita aos produtos que sejam registráveis na mesma classe, exigindo-se apenas que sejam integrantes do mesmo ramo de atividade.

3. As marcas notoriamente conhecidas, que gozam da proteção do art. 6º bis, 1, da CUP, constituem exceção ao princípio da territorialidade, isto é, mesmo não registradas no país, impedem o registro de outra marca que a reproduzam em seu ramo de atividade. Além disso, não se confundem com a marca de alto renome, que, fazendo exceção ao princípio da especificidade, impõe o prévio registro e a declaração do INPI de notoriedade e goza de proteção em todos os ramos de atividade, tal como previsto no art. 125 da Lei n. 9.279?96.

4. Quando as instâncias ordinárias, com amplo exame do conjunto fático-probatório, cuja revisão está obstada pela incidência da Súmula n. 7?STJ, concluem que determinada marca estrangeira possui notoriedade reconhecida no ramo de suplementos alimentares em diversos países, não havendo dúvida acerca da possibilidade de provocar confusão nos consumidores, deve, portanto, ser mantido o cancelamento do registro da marca nacional de nome semelhante.

5. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 1.447.352?RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14?06?2016, DJe de 16?06?2016)

Nesse contexto, "a finalidade da proteção ao uso das marcas - garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da CF?88 e regulamentada pelo art. 129 da LPI - é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art.4º, VI, do CDC)" (REsp 1.105.422?MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10?05?2011, DJe de 18?05?2011)

Com efeito, o aludido princípio da especialidade visa a evitar a confusão no mercado de consumo do produto ou serviço prestado por duas ou mais marcas, de modo que, para tanto, deve ser levado em consideração o consumidor sob a perspectiva do homem médio.

A propósito:

DIREITO MARCÁRIO. RECUSO ESPECIAL. DISCUSSÃO ACERCA DA COLIDÊNCIA DE MARCAS. PROTEÇÃO ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE AFINIDADE OU IDENTIDADE DO SEGMENTO MERCADOLÓGICO. SÚMULA 7?STJ.
PÚBLICO-ALVO A QUEM SE DESTINA OS PRODUTOS OU SERVIÇOS. ANÁLISE SOB A ÓTICA DO CONSUMIDOR COMUM. REGRA. POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO DO CONSUMIDOR. MANUAL DE MARCAS DO INPI. CASO CONCRETO QUE PODE PROVOCAR CONFUSÃO OU ASSOCIAÇÃO INDEVIDA. AUTUAÇÃO EM MERCADOS AFINS. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A propriedade de marcas tem proteção assegurada pela Constituição da República (art. 5º, XXIX), sendo importante instrumento de interesse social e de desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

2. A revisão do acórdão recorrido sobre a identidade ou afinidade do segmento mercadológico das marcas demandaria a alteração das premissas fático-probatórias, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 7 do STJ.

3. A mera diferença no código de especificação do produto ou serviço, de acordo com a Classe Internacional adotada pelo INPI, não é suficiente para se chegar à conclusão sobre a relação de existência de afinidade, razão pela qual deve ser verificado o risco de confusão no mercado consumidor (REsp 1.340.933?SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10?3?2015, DJe 17?3?2015).

4. A questão acerca da confusão ou associação de marcas deve ser analisada, em regra, sob a perspectiva do homem médio (homus medius), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas integrantes da sociedade.

5. Em casos bem específicos, pode ser invocada a qualificação do público-alvo, para verificar a possibilidade, ou não, de coexistência de marcas.

6. Ainda que se trate de consumidores especializados, o âmbito de atuação das marcas não podem estar inserido em mercado que guarda ampla similitude ou afinidade, sob pena de provocar confusão ou associação indevida de marcas.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1.342.741?RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05?05?2016, DJe de 22?06?2016)

No caso dos autos, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina assim dirimiu a controvérsia trazida nos autos:

Por outro lado, constato dos autos que a Apelante, em 31.10.2000, pelo certificado de registro de marca n.º 820883662, obteve a concessão do registro da palavra "CHANDON", na classe "33" - vinhos, espumantes, bebidas destiladas ou aguardentes e licores, de apresentação?natureza "nominativa de produtos" (fl. 33).

Já a empresa Apelada, em 17.11.1999, obteve o registro da marca "CHANDON", de apresentação?natureza "mista de serviço", sob n.° 821796119, na classe "41.20" - negócio de danceteria (fl. 116).

Posteriormente, foi concedido novo registro da marca "CHANDON" à Apelada, agora em 06.04.2000, sob n.° 822135132, na classe "42" - "4.1.2; 27.5.1" - serviços de hotéis, saunas, massagens, alojamento, sanatórios, restaurantes, cantinas, serviços de agência de viagem ou de intermediários que asseguram reservas de hotéis e relatórios" (fl. 126).

Segundo orientação do Eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, JORGE SCARTEZZINI, inferem-se "dois princípios básicos do direito nacional marcário: 1) territorialidade, pelo qual, ainda que se explore determinada marca apenas em certo município ou região, uma vez registrada pelo INPI, a proteção incidirá contra o uso de terceiros, para produtos idênticos ou análogos, em todo o território pátrio; e 2) especialidade, especificidade ou novidade relativa, pelo qual a proteção da marca, salvo quando declarada "notória" pelo IN PI (atualmente, de "alto renome"), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço indicado quando do requerimento do registro. Assim, para facilitar o registro de marcas, definindo o âmbito da proteção a ser deferida, o INPI agrupa os produtos ou serviços em classes e itens, nos termos do Ato Normativo n° 51?81, segundo o critério da afinidade , de modo que a tutela da marca registrada é limitada aos produtos e serviços de idênticas classe e item.

Ainda, como o princípio da especialidade é corolário da necessidade de se evitar erro ou confusão entre os usuários de certos produtos ou serviços, cuida-se de um preceito relativo, admitindo-se, para atingir tal intuito, que a análise quanto á reprodução de marca alheia, seja parcial, total ou acrescida de palavras, estenda-se ao ramo de atividade desenvolvida pelos seus titulares (art. 65, XVII, da Lei n° 5.772?71). Ou seja, de qualquer forma, alegada a colidência marcária, é imprescindível que se perquira acerca das classes em que deferidos os registros pelo INPI, ou, ainda, acerca das atividades sociais desenvolvidas pelos titulares das marcas em conflito" (REsp 658702 ? RJ, j em 29?06?2006, DJ 21?08?2006 p. 254, grifei).

Observado o princípio da especialidade, constato que a Apelante desenvolve atividade relativa a produtos do ramo de bebidas (champagne, vinhos etc.), enquanto a Apelada está no ramo de danceteria, restaurantes e outros serviços, ou seja, desenvolvem atividades distintas e seus produtos são de classes diversas, dirigidos a públicos diferentes, o que impossibilitaria a alegada confusão.

(...)

Assim, "o direito de exclusividade de uso de marca, decorrente do seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual é deferido, não sendo possível a sua irradiação para outras classes de atividades." (RESP 142.954?SP, Relator Ministro Barros Monteiro, j em 21.09.1999, DJ 13?12?1999 p. 150).

Ademais, a simples venda de bebidas (inclusive da champagne da Autora!) no estabelecimento comercial da Apelada, não leva o consumidor a confundir as atividades dos litigantes - danceteria e produtora de vinhos e espumantes -, incorrendo, portanto, na impossibilidade de acolher a pretensão da Apelante no tocante ã caracterização da concorrência desleal, com a condenação da Apelada no pagamento de indenização.

No que tange a utilização da palavra "CHANDON" como referência ao patronímico de um dos seus sócios, tal circunstância "não altera o princípio maior da proteção ao nome comercial, subordinado ao princípio da anterioridade,..." (Resp 106763?SP, Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j em 19?09?2002, DJ 11?11?2002 p. 212, RDR vol. 33 p. 338).

No caso em comento, é sabido que a marca da champagne "MOÈT & CHANDON" é mundialmente conhecida, sendo, portanto, pouco provável que as empresas do ramo de bebidas?vinhos?vinhos espumantes, desconheçam a existência dessa marca.

Porém, tanto a marca "MÕET & CHANDON", como o patronímico "CHANDON" não foram registradas como marca de "alto renome", tendo sido, tão-só relativamente ao ramo pelo qual é notoriamente conhecida, ou seja, bebidas?vinhos?vinhos espumantes.

Já o registro da marca "CHANDON", efetivada pela empresa Apelada, está relacionado a outros segmentos de mercado, o que somente poderiam ser abrangidos por vedação de uso do nome, pelo registro impeditivo de "alto renome"..

E assim não tendo sido efetivado, a marca, ainda que notoriamente conhecida, mesmo que não fosse registrada, só vedaria o registro por terceiros, no ramo de atividade específico da Autora, repiso, bebidas?vinhos?vinhos espumantes.

(...)

Por outro lado, no que tange a alegação da Apelante de que a mesma teria tido sua imagem denegrida, "pelo fato de oferecer a Apelada, em seu cardápio (no qual aparece, com destaque, a palavra CHANDON), produtos de "sex shop"' (fl. 222), convém esclarecer que existe uma distinção importante entre notoriedade e reputação, qual seja, "a notoriedade diz respeito,..., ao conhecimento por um determinado número de consumidores. Já na reputação, além do conhecimento dos consumidores, da notoriedade que lhe é pressuposta, há transmissão de valores. Valores, geralmente advindos da qualidade do produto, que conferem à marca fama, celebridade, renome, prestígio. A transmissão dos valores é tão intensa no caso da reputação que não só indicam o valor dos produtos e serviços fornecidos pelo titular, mas transportam esse valores para qualquer outro produto ou serviço que seja assinalado por essa marca" (MAITÊ CECÍLIA FABBRI MORO. op. cit., p. 85-86).

A simples revenda da espumante fabricada pela Autora, no cardápio da empresa Apelada, na qual aparece a palavra "CHANDON", em nada afeta sua reputação ou imagem, pois a distinção dos produtos fornecidos no referido documento permitem ao consumidor, independentemente do grau de instrução, distinguir, de imediato, o produto e serviço por ela identificado.

Constam, ainda, da r. sentença os seguintes detalhes:

A autora explora a produção e venda de bebidas alcoólicas, em especial a de vinhos e vinhos espumantes (champagne), sendo que a ré tem como principal atividade a exploração de danceteria, aliada a venda de serviços e produtos, e nesses bebidas alcóolicas, inclusive a champagne CHANDON, de produção da autora. (fl. 241, e-STJ)
(...)
Ressalte-se ainda, que verifica-se dos documentos (fotografias) de fls. 92?94, juntados pela autora, que a grafia palavra Chandon na placa da fachada da ré é totalmente diversa da grafia da palavra CHANDON da autora (fts.90?91), sendo que aquelas (placas publicitárias) ainda trazem desenhos de anjos, o que não acontece com a marca da autora. Isso, por si só, já diferencia os produtos e a marca. (fls. 244-245, e-STJ)

Com essas considerações, infere-se que o uso das duas marcas não é capaz de gerar confusão aos consumidores, assim considerando o homem médio, mormente em razão da clara distinção entre as atividades realizadas por cada uma delas. Não há risco, de fato, de que o consumidor possa ser levado a pensar que a danceteria seria de propriedade (ou franqueada) da MOET CHÂNDON francesa, proprietária do famoso champanhe.

Por essa razão, não se tratando a recorrente de marca de alto renome, mas de marca notoriamente conhecida e, portanto, protegida apenas no seu mesmo ramo de atividade, não há como alterar as conclusões constantes do acórdão recorrido.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

Documento: 80964792           RELATÓRIO E VOTO