quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O que é um agiota?

João Francisco Martins dos Santos

Agiota ou usurário é aquele que faz prática da usura, ou seja, empresta dinheiro fora do mercado de crédito legítimo, a taxas de juro ilegalmente elevadas e, sem as devidas autorizações legais para isso.

Os agiotas geralmente são procurados por pessoas que não têm crédito na praça por terem rendimentos insuficientes ou estarem excessivamente endividadas ou na lista dos devedores em atraso.

Precisamente por se tratarem muitas vezes de situações desesperadas, em que não há alternativa no mercado de crédito legal, os agiotas praticam normalmente, juros proibitivos. Contudo, em períodos de juros muito elevados, poderá haver agiotas a praticar juros mais baixos que os bancos.

Tal prática realmente é crime contra a economia popular, mais precisamente enquadrada no artigo 4º da Lei 1.521/51. Senão vejamos:

 Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito; (grifos nossos)

Ocorre que, a agiotagem pode caracterizar, ainda, crime contra o Sistema Financeiro Nacional eis que o agiota atua no mercado financeiro sem autorização para tanto. É o que dispõe o artigo 7º, inciso IV da Lei 7.492/86:

Art. 7º - Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários:
IV – sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida: (grifos nossos)

            Artigo 180, CP

Valor máximo das taxas de jurus.
           
            A lei da Usura (Dec. N. 22.626, de 7-4-1933) limita a estipulação da taxa de jurus a 1% ao mês. Assim dispõe, também, o art. 192, § 3º, da Constituição Federal.

            Nos termos da Lei n. 4.595/64, que regula o mercado de capitais, art. 4º, IX, as instituições financeiras podem praticar os jurus no limite estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional.

            Havia, portanto, duas taxas de jurus aplicáveis: uma para negócios entre particulares, e outra aplicável ao mercado de capitais.

            Art. 406, CC -> Aplicação da taxa SELIC?
            Art. 161, caput e § 1º CTN
            Pgs. 381 a 383 – Carlos Roberto

TAXAS DE JURUS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - AGOSTO

A taxa média de juros das operações de crédito do sistema financeiro, computadas as operações com recursos livres e direcionados, alcançou 19,3% em agosto, após expansão de 0,2 p.p. no mês e recuo de 0,3 p.p. em doze meses. A taxa média do crédito livre atingiu 28%, ao refletir elevações de 0,5 p.p. e 1,3 p.p. nas mesmas bases de comparação, enquanto, no crédito direcionado, a taxa média situou-se em 7,2%, assinalando estabilidade no mês e recuo de 0,8 p.p. nos últimos doze meses.

Nos empréstimos às famílias, a taxa média de juros alcançou 25,2% em agosto, registrando alta de 0,1 p.p. no mês e queda de 0,5 p.p. em doze meses. No segmento livre, a taxa média de juros situou-se em 36,5%, após alta mensal de 0,3 p.p., ao passo que nas operações com recursos direcionados, o custo médio subiu 0,1 p.p. no mês situando-se em 6,9%.

Na carteira referente a pessoas jurídicas, a taxa média de juros atingiu 14,7%, após variações de 0,3 p.p. no mês e -0,2 p.p. em doze meses. Nas operações com recursos livres, o custo médio cresceu 0,6 p.p. no mês, para 20,6%, refletindo, principalmente, as altas respectivas de 3,2 p.p e 0,9 p.p. nas modalidades cheque especial e capital de giro. Nas carteiras com recursos direcionados, a taxa média manteve-se em 7,4%, assinalando redução de 1,1 p.p. na comparação com agosto de 2012.

O spread bancário referente às operações de crédito do sistema financeiro, consideradas as operações com recursos livres e direcionados, situou-se em 11,3%, recuando 0,1 p.p. no mês e 1,4 p.p. em doze meses. Os spreads relativos aos créditos livres e direcionados corresponderam a 17,7 p.p. e 2,4 p.p., respectivamente.



Título de crédito como garantia de dívidas com agiota

            A regra é de que não se pode executar título de crédito provindo de agiotagem, pois nosso ordenamento jurídico reprova essa conduta.

            No entanto, alguns desdobramentos devem ser observados, pois se o título circulou, e acabou caindo nas mãos de pessoa de boa-fé, esta não poderá ver seu direito privado.

            Art. 896 CC.

            Art. 896 – O título de crédito não pode ser reivindicado do portador que oadquiriu de boa-fé e na conformidade das normas que disciplinam a suacirculação.
Este artigo reproduz, aproximadamente o disposto no artigo 1.994 do CódigoCivil Italiano, que diz:
“Quem adquiriu de boa-fé a posse de um título de crédito, de conformidade com as normas que lhe regulam a circulação, não está sujeito a reivindicação”.

 Se alguém é portador de um título de crédito que adquiriu de boa-fé, ninguémpoderá reivindicá-lo, ou seja, não se poderá reclamar o título ou o direito, pois oportador teve a boa-fé ao conseguí-lo e agiu conforme as normas que disciplinam a suacirculação.

Notícia 01

Declarada nulidade de cheque objeto de cobrança de agiotagem

Diante da ilicitude da prática de agiotagem (empréstimo a juros exorbitantes), a 9ª Câmara Cível do TJRS declarou a nulidade de cheque, sem circulação, objeto de cobrança ajuizada por agiota. Segundo o Colegiado, o negócio jurídico é nulo de pleno direito desde a sua formação e torna inexigível qualquer pagamento com relação ao título de crédito. A Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) veda a concessão de empréstimo a juros onzenários (excessivos, com grande usura).

O tomador do empréstimo interpôs recurso de apelação ao TJ contra a procedência da ação para cobrar cheque no valor nominal de R$ 16,31 mil. A Justiça de primeira instância não reconheceu a prática de agiotagem alegada pelo réu, executado.

Conforme o relator, Desembargador Odone Sanguiné, o cheque é título não causal e se constitui em prova da existência de débito. E, nesse caso, estaria dispensada a demonstração da causa jurídica subjacente. No entanto, assinalou, não houve circulação do título. O próprio tomador do título ajuizou ação de cobrança e de execução em relação ao cheque. “Inexistindo qualquer indicação de endosso nas cártulas.” 

Ressaltou que, diante da ausência de circulação, inexiste abstração do título. “Ou seja, a desvinculação do ato ou negócio jurídico que deu ensejo à sua criação, sendo possível discussão acerca da causa debendi (causa da dívida)”. Citou precedentes jurisprudenciais no mesmo sentido.

O magistrado destacou que o autor da execução não desmentiu a alegação de agiotagem a ele imputada. O apelado aduziu, genericamente, que seriam inverídicas as afirmações do executado. O mesmo ocorreu com relação às cópias dos canhotos de cheques juntados. 

Na avaliação do Desembargador Odone Sanguiné, não é possível a utilização do Poder Judiciário como meio de cobrança para dívidas de origem ilícita. Considerando que a emissão do cheque resultou da prática de empréstimo a juros onzenários (excessivos, com grande usura), declarou a nulidade absoluta de negócio jurídico nesse sentido.

Em geral, ressaltou, pagamentos de altas quantias referente a negócios lícitos não são feitas em cheque ou “dinheiro vivo”. Muito menos, continuou, sem a exigência de um recibo.

Para declarar a nulidade do negócio jurídico, é necessária a comprovação da existência da ilicitude do seu objeto, como dispõem os artigos 82 e 145 do Código Civil de 1916. A matéria também é regulada pelos art. 104, II e III e art. 166, II do Código Civil de 2002, além do art. 11 do Decreto nº 22.626/33.

Indébito – Segundo jurisprudência do STJ, a demanda sobre dívida já paga permite a imposição da obrigação de restituir em dobro, independentemente de reconvenção. Entretanto, o magistrado indeferiu o pedido de restituição em dobro dos valores já pagos pelo executado. A parte não comprovou os valores cobrados em duplicidade. E, também não pode se aproveitar da própria torpeza, disse. Enfatizou que o ordenamento jurídico é fundado na tutela da confiança, decorrente da boa-fé objetiva. “Portanto, não me parece correto que venha agora intentar ressarcimento em dobro, em razão de supostas cobranças indevidas originárias de negócio nulo, em razão de sua origem ilícita.”
Fonte: TJRS

Notícia 02

Prática de agiotagem não impede execução de contrato de empréstimo

Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que a prática de agiotagem, por si só, não impede a execução de contrato de empréstimo.

Para os ministros, a prática de agiotagem deve ser combatida, mas não é viável declarar a nulidade do contrato de empréstimo se o mutuário foi efetivamente beneficiado pela parte legal do negócio.

Assim, quem recebe devidamente o valor do empréstimo não pode se esquivar de honrar sua obrigação de pagar o valor recebido, acrescido dos juros legais, com a exclusão apenas do montante indevido conforme prevê a Lei da Usura (Decreto 22.626/33).

Agiotagem

O autor do recurso negado é um cidadão do Rio de Janeiro fez um empréstimo de R$ 70 mil junto a uma empresa que realizava operações financeiras sem autorização do Banco Central. Mediante contrato simulado, para não figurar a cobrança de juros acima do legalmente permitido, pessoas físicas que substituíram a empresa no contrato registraram que a quantia emprestada foi de R$ 98,2 mil, com juros moratórios de 1% ao mês, totalizando aproximadamente R$104 mil.

Diante da inadimplência no pagamento do empréstimo, os credores entraram com ação de execução do contrato, que tinha hipoteca de imóvel como garantia. O devedor, então, decidiu recorrer à justiça com pedido de nulidade da execução, pela prática de agiotagem.

Esse acréscimo no valor do empréstimo efetivo – que passou de R$ 70 mil para R$ 98 mil – mascarou a cobrança de juros de 8,11% ao mês, configurando a prática de usura, conforme reconheceu a Justiça do Rio de Janeiro.

O juízo de primeira instância concluiu pela nulidade do negócio jurídico e extinguiu a execução. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entretanto, reformou a sentença. No acórdão, a agiotagem foi reconhecida, mas a execução foi mantida com a readequação da dívida, que efetivamente era de R$ 70 mil, e dos juros aplicados.

Nulidade relativa

O devedor recorreu ao STJ pedindo que a sentença de primeiro grau fosse restabelecida. O ministro Raul Araújo, relator, lembrou em seu voto que na época em que foi feito o empréstimo estava em vigor o Código Civil de 1916, que incluía a simulação no rol das nulidades relativas, sendo possível o aproveitamento do negócio jurídico em sua parte válida.

Diante da comprovação do empréstimo, pelas instâncias ordinárias, com o devido repasse do valor pelos credores ao devedor, o ministro Raul Araújo entendeu que a decisão do tribunal estadual deveria ser mantida, uma vez que o devedor foi beneficiado pela parte legal do contrato.
“Se o mutuário recebeu devidamente o valor do empréstimo, não se pode esquivar, na condição de devedor, de honrar sua obrigação de pagamento do valor efetivamente ajustado, acrescido dos juros legais, mas desde que excluído o montante indevido, cobrado a título usurário”, disse o relator. Link: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=110541


Jurisprudência 01
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO LASTRADA EM NOTAS PROMISSÓRIAS - DEMANDA MOVIDA POR ENDOSSATÁRIO EM FACE DO EMITENTE - SENTENÇA REJEITANDO O PEDIDO. APELO DO DEVEDOR - CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO - TESE SUSTENTANDO A CIÊNCIA DO PORTADOR DOS TÍTULOS ACERCA DA ORIGEM ILÍCITA DAS PROMISSÓRIAS - MATÉRIA FÁTICA NÃO VENTILADA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO - INOVAÇÃO RECURSAL (ART. 517 DO CPC), IMPOSSIBILITANDO O EXAME PELO ÓRGÃO REVISOR - INSURGÊNCIA, ADEMAIS, QUE SE MOSTRA INÓCUA A DERRUIR A OBRIGAÇÃO CREDITÍCIA ESTAMPADA NAS CAMBIAIS FRENTE AO PORTADOR - MÉRITO - DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI À EMISSÃO DE NOTAS PROMISSÓRIAS EM FACE DE ENDOSSATÁRIO - ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE AGIOTAGEM - IRRELEVÂNCIA - CIRCULAÇÃO - AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO - INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS PERANTE TERCEIRO DE BOA-FÉ - PRINCÍPIO QUE IMUNIZA O ENDOSSATÁRIO, ATUAL PORTADOR, QUANTO A EVENTUAIS VÍCIOS NA ORIGEM DAS CAMBIAIS - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Somente após cabal demonstração da má-fé do endossatário é possível a oposição de exceções relativas ao negócio subjacente, pois é regra a inoponibilidade destas em virtude da autonomia e abstração dos títulos de crédito, cuja principal característica é facilitar a circulação e, conseqüentemente, a certeza da cobrança. (TJ-SC - AC: 44186 SC 2004.004418-6, Relator: Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, Data de Julgamento: 16/11/2007, Terceira Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Videira)

Jurisprudência 02

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CHEQUE. CHEQUE. TÍTULO DE CRÉDITO CAMBIARIFORME. AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO. DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. EXCEPCIONALIDADE. MÁ-FÉ DO TERCEIRO. PROVA. AUSÊNCIA. TERCEIRO DE BOA-FÉ. INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS. EXIGIBILIDADE DA CAMBIAL. PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO. 1. Sistema cambiário ­ presunção de legitimidade do título cambial. Diante da literalidade e autonomia do cheque, o portador nada tem que provar a respeito de sua origem. Ao devedor é que, suscitada a discussão do negócio subjacente, cumpre o encargo de provar a alegada agiotagem, devendo, outrossim, fazê-lo por meio de prova robusta, cabal e convincente, porquanto ainda na dúvida, o que prevalece é a presunção legal de legitimidade do título cambiário. 2. Cheque. Exigibilidade. Terceiro de boa-fé. Não tendo o apelante obtido êxito em demonstrar que o terceiro tinha conhecimento do suposto descumprimento do negócio jurídico subjacente quando do recebimento do cheque, e que, nessa condição, agia de má-fé, é de prevalecer os princípios da autonomia, da literalidade e da cartularidade dos títulos de crédito, concluindo-se pela inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, e, de conseqüência, pela exigibilidade do cheque. 3. Princípio da sucumbência. A sucumbência deve ser sopesada tanto pelo aspecto quantitativo quanto pelo jurídico, em que cada parte decai de suas pretensões e resistências, respectivamente impostas. Recurso de apelação desprovido. ACÓRDÃO (TJ-PR 8916634 PR 891663-4 (Acórdão), Relator: Jurandyr Souza Junior, Data de Julgamento: 01/08/2012, 15ª Câmara Cível)

 Jurisprudência 03

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. SUSPENSÃO DOS EMBARGOS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE TERCEIRO JULGADOS. NÃO RECONHECIDA POSSE DE BOA-FÉ. SUSPENSÃO NEGADA. AGIOTAGEM. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA NOS AUTOS. EXEGESE DO ARTIGO 333, I, DO CPC. NÃO COMPROVADA. EXCESSO DE EXECUÇÃO. NÃO CARACTERIZADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. A desconstituição de um título de crédito, fundada na prática de agiotagem, exige prova concreta da especulação por parte do credor, visando o lucro em razão da ganância. (TJ-SC - AC: 11458 SC 2006.001145-8, Relator: Saul Steil, Data de Julgamento: 26/10/2009, Câmara Especial Regional de Chapecó, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Concórdia)
 
Jurisprudência 04

APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DO DEVEDOR - NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - INOCORRÊNCIA - NOTA PROMISSÓRIA - AUSÊNCIA DA ASSINATURA DO EMITENTE, DA DATA E DO LOCAL DE EMISSÃO - DIFERENÇA DE GRAFIA - POSTERIOR PREENCHIMENTO - POSSIBILIDADE - TÍTULO FORMALMENTE PERFEITO - AGIOTAGEM - FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO CREDOR - COMPROVAÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES - MEDIDA PROVISÓRIA 1.820/99 - REPETIÇÃO DO INDÉBITO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - DESCARACTERIZAÇÃO. - Inexiste negativa de prestação jurisdicional ou ofensa ao art. 535 do CPC, quando o julgador se pronuncia de forma clara e suficiente sobre todas as questões apresentadas na demanda, notadamente porque o magistrado não está obrigado a rebater todos os argumentos trazidos pelas partes. Precedentes do STJ. - É válida a nota promissória preenchida pelo credor de boa-fé, posteriormente à sua emissão, até o momento da cobrança, cabendo ao emitente comprovar fraude no preenchimento. - O ônus da prova, quando alegada a prática de agiotagem, compete a quem a argúi, pois tal prática há de ser cabalmente demonstrada pelo conjunto de indícios capazes de gerar o convencimento do julgador acerca da prática ilícita promovida pelo credor. - A inversão do ônus da prova, por força do art. 3º da MP 1820/99, só tem aplicação quando demonstrada a verossimilhança do alegado pela parte supostamente prejudicada com a agiotagem. - A nota promissória é título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 585, I, do CPC, constituindo uma espécie de título de crédito que, apresentando-se devidamente formalizado, é revestido de força executiva quase inabalável, podendo ser desconstituída apenas por provas cabais de invalidade, cujo ônus é do devedor, nos termos do art. 333, inciso I, do CPC. - Não tendo o conjunto probatório comprovado que o título se originou irregularmente, nem mesmo demonstrada a má-fé do embargado, não pode ser o título desconstituído, pois, ""nadúvida, prevalece a cambial, que é título autônomo e abstrato, suficiente para provar o crédito do tomador, por si só"" (TJMG, Ap. 48.733, Rel. Des. Humberto Theodoro Júnior) - Inaplicável, in casu, o pedido de repetição de indébito, uma vez que o pedido de devolução de valores supostamente cobrados a maior tem como escopo coibir o enriquecimento sem causa. Logo, o pagamento indevido não pode ser presumido, devendo ficar cabalmente comprovado para ensejar a repetição. - Não há que se falar em litigância de má-fé, para os fins do art. 17, VI, do CPC, se o litigante não adotou intencionalmente conduta maliciosa e desleal. (TJ-MG 102230824765970011 MG 1.0223.08.247659-7/001(1), Relator: LUCAS PEREIRA, Data de Julgamento: 30/07/2009, Data de Publicação: 18/08/2009)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Legitimidade do Espólio do sócio falecido para ajuizar a ação de nulidade de título de compra e venda lavrado à sua revelia por meio de provimento judicial nulo.

RECURSO ESPECIAL Nº 695.879 - AL (2004?0127670-1)

RELATORA     :     MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
RECORRENTE     :     DELSON ALVES CAMELO E CÔNJUGE
ADVOGADO     :     SEVERINO DA COSTA GOMES NETO E OUTRO
RECORRIDO     :     JOSÉ FERNANDO DA ROCHA - ESPÓLIO
REPR. POR     :     MARIA LÚCIA DE ARÚJO ROCHA - INVENTARIANTE
ADVOGADO     :     JOÃO CARLOS LIMA UCHÔA
EMENTA

DIREITO CIVIL. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. ALEGAÇÃO DE OFENSA À COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA.
1. Dissolve-se a sociedade por morte de um dos sócios, sobretudo quando assentado pelo acórdão recorrido que o falecido era o único dos dois sócios da empresa remanescente.
2. Legitimidade do Espólio do sócio falecido para ajuizar a ação de nulidade de título de compra e venda lavrado à sua revelia por meio de provimento judicial nulo.
3. A coisa julgada material produz efeitos entre as partes, não sendo apta a prejudicar a parte que deveria figurar no pólo passivo da ação. Além disso, a ausência de citação ou a citação inválida configuram nulidade absoluta insanável por ausência de pressuposto de existência da relação processual.
5. Violação ao art. 20, § 4º do CPC configurada, pois os honorários de sucumbência foram estabelecidos de forma excessiva, manifestamente desproporcional ao valor econômico do êxito obtido pelos autores.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.


ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Brasília (DF), 21 de setembro de 2010(Data do Julgamento)


MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora

Documento: 11884437    EMENTA / ACORDÃO    - DJe: 07/10/2010

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Duplicata simulada; crime e cobrança indevida


Matheus Fedato

Duplicata é um título de crédito de emissão nas vendas mercantis à prazo, realizadas entre vendedor e comprador domiciliados no Brasil e que pressupõe uma compra e venda mercantil. Trata-se  de  um  título  de  crédito  formal,  nominal,  emitido  por  empresário comerciante  ou  prestador  de  serviço,  com  a  mesma  data,  valor  global  e vencimento  da fatura, representativo e comprobatório  de crédito  preexistente.  É uma  gêmea  da  fatura  da  qual  se  duplicou,  passando  a  circular  como  título autônomo, abstrato, negociável e transmissível por endosso.

Aparecem  na  duplicata  o  sacador  e  o  sacado.  Sacador  é  o  vendedor  da mercadoria, e o sacado o comprador. O sacador emite o título, a seu favor, contra o sacado, devendo o vendedor, obrigatoriamente ser comerciante. Para todos os efeitos mercantis e jurídicos, a duplicata equipara-se à Letra de Câmbio e a Nota Promissória.

Prática por demais comum nas transações comerciais, a emissão de duplicatas "frias" ou "simuladas" é fonte de dor de cabeça para muitos empresários, notadamente os pequenos que, com frequência, tem o desgosto de ver títulos em seu nome protestados indevidamente, com graves prejuízos para o seu fundo de comércio. Os emissores de tais documentos, usando evidentemente de má-fé, aproveitam-se da ignorância dos pequenos e aplicam-lhes esse tipo de golpe.

A má utilização dos títulos creditícios ocorre das seguintes formas: a) pela emissão de duplicatas sem que tenha ocorrido a referida transação; b) pela emissão das mesmas em valor superior ao do trâmite efetuado, com acréscimo de juros e outras cominações sem justificativas; ou c) pela emissão das mesmas em valor inferior ao do trâmite efetuado, com a intenção de fraudar o fisco.

Emitir duplicata sem causa constitui crime, conforme o artigo 172 do Código Penal: Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.
Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único -  Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas.



APELAÇÃO CRIMINAL - EMISSÃO DE DUPLICATAS SIMULADAS -  AGENTE QUE EMITIU SETE DUPLICATAS SEM QUALQUER CORRESPONDÊNCIA COM SERVIÇOS PRESTADOS - ALEGAÇÃO DE ERRO QUANTO À ILICITUDE DO FATO - TESE NÃO COMPROVADA AFIRMAÇÃO DE QUE SE TRATA DE MERO ILÍCITO CIVIL - RÉU QUE AGIU COM DOLO AO EMITIR DUPLICATAS FRIAS SABENDO QUE ELAS NÃO POSSUÍAM ORIGEM - EMISSÃO DOS TÍTULOS COM O OBJETIVO DE OBTER INDEVIDA VANTAGEM - DELITO CONFIGURADO PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA ESTELIONATO - CRIME DE EMISSÃO DE DUPLICATAS SIMULADAS CONFIGURADO - TIPO OBJETIVO QUE SE CONSUMOU COM A CIRCULAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO CONFISSÃO ESPONTÂNEA UTILIZADA PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO, DUPLICATA COMO OBJETO MATERIAL DO DELITO - DESNECESSIDADE DE EMISSÃO CONJUNTA DE NOTA FISCAL OU FATURA - MAJORAÇÃO EM GRAU MÁXIMO MANTIDA, EIS QUE PRATICADOS SETE DELITOS CONTINUADAMENTE PRETENDIDA DIMINUIÇÃO DA PENA POR TER MINORADO O PREJUÍZO SOFRIDO PELA VÍTIMA - AFIRMAÇÃO NÃO COMPROVADA NOS AUTOS RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SC - APR: 416720 SC 2006.041672-0, Relator: Torres Marques, Data de Julgamento: 06/02/2007, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação Criminal n. , de Itajaí.)
O CRIMINAL - ART. 172 DO CP - LETRA DE CÂMBIO SIMULADA - AUTORIA E MATERIALIDADE CABALMENTE COMPROVADA NOS AUTOS - BASTA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO DO ART. 172 DO CP A EMISSÃO E CIRCULAÇÃO DE TÍTULO (DUPLICATA E LETRA DE CÂMBIO) QUE NÃO CORRESPONDA A UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO OU VENDA DE MERCADORIA REALIZADA - CARGA PENAL READEQUADA DE OFÍCIO - RECURSO IMPROVIDO. "1. A simples emissão, sem correspondência a um negócio efetivo e real, configura o delito capitulado no art. 172 do CP, vez que se trata de crime formal independentemente de ocorrência ou não de prejuízo". 2.Se, pela análise dos autos, o réu preenche os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do CP, a pena privativa de liberdade deve ser substituída pela pena restritiva de direitos vez ser direito público subjetivo". (TJ-PR - ACR: 1774998 PR Apelação Crime - 0177499-8, Relator: Rafael Augusto Cassetari, Data de Julgamento: 21/03/2002, Segunda Câmara Criminal (extinto TA), Data de Publicação: 05/04/2002 DJ: 6095)


RESPONSABILIDADE CIVIL - PROTESTO DE DUPLICATAS SIMULADAS - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA DO NOME DA EMPRESA SACADA NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO SACADOR E DO ENDOSSATÁRIO - DANOS MORAIS. A duplicada simulada constitui título desprovido de eficácia para gerar relação jurídica entre sacador e sacado e o seu protesto indevido, com a conseqüente negativação do nome da empresa sacada nos cadastros restritivos de crédito, geram danos morais. O Banco, na condição de endossatário de duplicata emitida contra quem não é devedor, é solidariamente responsável pelos danos causados por sua indevida cobrança e seu ilegal protesto, máxime se tem prévia ciência da nulidade do título.Improvimento do recurso. (TJ-RJ - APL: 256965520088190001 RJ 0025696-55.2008.8.19.0001, Relator: DES. JOSE GERALDO ANTONIO, Data de Julgamento: 04/08/2010, SETIMA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 13/08/2010)

Pessoa jurídica não tem legitimidade para interpor recurso no interesse dos sócios

A primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que pessoa jurídica não possui legitimidade para propor recurso no interesse dos sócios. O entendimento unânime foi proferido em recurso especial da empresa Serv Screen Indústria e Comércio de Materiais Serigráficos LTDA contra a Fazenda Nacional.

A tese foi proferida sob o rito dos recursos repetitivos – artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC) – e deve orientar as instâncias inferiores da Justiça brasileira, sendo aplicada a todos os processos idênticos que tiveram tramitação suspensa até esse julgamento. Caberá recurso ao STJ apenas quando a decisão de segunda instância for contrária ao entendimento firmado pela Seção.

Direito alheio

No recurso especial apresentado no STJ, a empresa se insurgiu contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que afirmou que, o fato de a empresa agravante ser parte na execução fiscal, não lhe confere legitimidade para recorrer em nome próprio, na defesa de direito alheio, no caso, em nome dos sócios da empresa. Essa vedação está expressa no artigo 6º do CPC.

A empresa citou o artigo 499 do CPC – que faculta ao terceiro interessado interpor quaisquer recursos necessários à manutenção de seus direitos – para alegar que é parte legítima para recorrer da decisão da primeira instância que incluiu seus sócios no polo passivo da demanda. Sustentou que integra a relação jurídico-processual e poderia sofrer graves prejuízos com o cumprimento de tal decisão.

Ao analisar o caso, o ministro Ari Pargendler, relator do recurso, lembrou que o artigo 6º do CPC dispõe que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

Falta de previsão legal

Pargendler explicou que a substituição processual depende de expressa previsão legal, e “não há lei que autorize a sociedade a interpor recurso contra decisão que, na execução contra ela ajuizada, inclua no polo passivo os respectivos sócios”.

O relator também enumerou alguns precedentes do STJ nesse mesmo sentido, como o EDcl no AREsp 14.308, da relatoria do ministro Humberto Martins, o REsp 793.772, do ministro Teori Albino Zavascki e o AgRg no REsp 976.768, do ministro Luiz Fux. Com essas razões, a Seção negou provimento ao recurso especial da empresa.

Do pagamento de dívida de jogo com cheque



Aluno: Alfeu Paulo da Silva Júnior

Introdução

É de saber amplo e notório que as dívidas originárias de jogo e aposta são consideradas dívidas naturais e, como tais, não obrigam ao pagamento. Contudo, também é certo que tais débitos, uma vez pagos, são irrepetíveis (não podem ser recobrados). Com o presente estudo, pretende-se demonstrar que, uma vez que tais dívidas sejam quitadas com um cheque, é lícito que este seja executado judicialmente, haja vista que o pagamento já ocorreu e não há que se discutir eventual vício no título.

Do jogo e da aposta

Embora o jogo e a aposta possuam a mesma disciplina jurídica, são duas espécies distintas de contratos, com elementos caracterizadores próprios.
Enquanto o jogo se relaciona à prática de atividade intelectual ou física de uma pessoa, a aposta se coaduna com opiniões divergentes acerca de determinado assunto ou evento. Naquele, as partes desempenham um papel no resultado, enquanto neste, o acontecimento opiniativo está alheio à atividade dos apostadores (é incerto).

Preconiza Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 411):


“Jogo é o contrato por meio do qual duas ou mais pessoas obrigam-se a pagar determinada quantia ou coisa diferente de dinheiro àquele que resultar vencedor na prática de atividade intelectual ou física. No jogo, a soma prometida parte dos próprios participantes da atividade lúdica. Aposta é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas prometem soma ou equivalente em razão de opinião sobre determinado assunto, fato natural ou ato de terceiros. Credor da aposta será aquele cuja opinião coincidir com o que for considerado real ou verdadeiro”.

E complementa o saudoso Sílvio Rodrigues (1991, p. 391):


“O jogo é o ajuste pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam a pagar certa soma àquela que resulte vencedora na prática de determinado ato, a que todos se entregam. A aposta é o ajuste que duas ou mais pessoas, de opinião diferente sobre qualquer assunto, concordam em perder certa soma, ou certo objeto, em favor daquela, entre as contraentes, cuja opinião se verificar verdadeira”.


Por derradeiro, quanto à distinção entre tais negócios bilaterais, aclara Arnaldo Rizzardo (2009):


“Pelo contrato de jogo, há participação dos contratantes, da qual depende o resultado, isto é, o ganho ou a perda. Cada uma das pessoas entrega à outra certa soma em dinheiro ou um objeto determinado, comprometendo-se a perder o bem em favor da vencedora, dependendo o resultado da atividade a ser disputada pelas próprias partes. A ação dos envolvidos é o elemento essencial para a caracterização. Já na aposta, os disputantes não participam ou influem no ganho ou na perda, ou no acontecimento que determinará o resultado. Não há influência dos mesmos na realização do evento. A distinção está no motivo que dirige as vontades. Enquanto no jogo sobreleva o propósito de distração ou ganho e participação dos contendores, na aposta tem destaque o sentido de uma afirmação a par de uma simples expectativa”. 


Da natureza jurídica da obrigação decorrente de jogo ou aposta

Num primeiro, para se avaliar as conseqüências jurídicas decorrentes dos contratos de jogo ou aposta, é preciso se perquirir se tais negócios são legais ou regulamentados ou tidos como ilícitos ou simplesmente tolerados.

Quando se depara com um jogo ou uma aposta regulamentada, é certo que a dívida originária facultará livremente o ingresso em juízo para a sua cobrança. Trata-se de uma obrigação como qualquer outra. Entretanto, quando se avalia um jogo uma aposta simplesmente tolerada, encontra-se diante de uma obrigação natural, em que se resta aplicável o artigo 814 do Código Civil. In verbis:


“As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam o pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito”.


O diploma civil não deixa dúvidas de que as dívidas decorrentes de jogo e/ou aposta não obrigam o pagamento. Subsiste o débito, mas não a responsabilidade como elemento da obrigação. Nos dizeres de Venosa (2003, p. 412), “são créditos sem pretensão”.

Contudo, há um efeito deveras importante cominado em nossa legislação: não obstante a dívida não possua ação de cobrança correspondente, caso haja o pagamento, inexiste o direito de repetição. Noutras palavras, não subsiste o direito de reaver ou recobrar aquilo que fora pago em conseqüência de jogo ou aposta. Considera-se, simplesmente, que um débito válido fora quitado.

Novamente consoante os dizeres de Sílvio Rodrigues (1991, p. 392):


“Se o solvens voluntariamente entrega ao accipines a importância perdida, não lhe cabe o direito de repetir, pois que tal pagamento, embora inexigível, não era indevido”.


Complementados por Carlos Roberto Gonçalves (2002, p. 11):


“Uma vez que procedida à prestação do débito, bem assim tenha sido levada a efeito de forma espontânea e por pessoa capaz, não poderá repetir o que se pagou”.


O cheque como título executivo extrajudicial

O cheque se caracteriza como um título executivo extrajudicial e, de acordo com a legislação processual em vigor (bem como a Lei do Cheque – 7.357/85), faculta o ajuizamento de execução, independentemente da origem da dívida.

O cheque, como título executivo extrajudicial e título de crédito, figura como o documento necessário para o exercício de direito literal e autônomo nele representado – não se relaciona, assim, ao evento que lhe deu origem.

Por Gisele Leite (2007):


“É, pois, documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele representado. É corporificado num instrumento que passa a ter características próprias como a cartularidade, a autonomia, a literalidade. (...) A representação de um direito como um título executivo em nada interfere na dinâmica de tal critério na esfera substancial”.


O cheque é uma ordem de pagamento à vista, regulamentada pelo Decreto nº 57.595/66, em seu artigo 28. Uma vez emitido um cheque, deverá ser pago à vista pela instituição bancária respectiva.

Da possibilidade de cobrança (execução) de cheque dado em pagamento de dívida de jogo ou aposta

Como exposto, as dívidas decorrentes de jogo ou aposta são consideradas como obrigações naturais – o débito existe, mas não há como coagir o devedor a quitá-lo. Ademais, embora não sejam juridicamente exigíveis, uma vez pagas, não facultam o direito de repetição. A lei reputa válido e perfeito o pagamento de obrigação natural realizado por pessoa capaz (obviamente excepcionados os casos de dolo e coação).

Por outro lado, também se explanou que o cheque, título de crédito, é considerado ordem de pagamento à vista, com característica de literalidade e autonomia, completamente desvinculado à dívida que lhe deu origem.

Assim, parece inegável que se o cheque for dado como pagamento de dívida de jogo ou aposta deverá ser pago. Conseqüentemente, em não tendo suficiente provisão de fundos ou até mesmo em caso de sustação, poderá o portador ou o beneficiário se valer da ação de execução de título executivo extrajudicial e até mesmo de ação de cobrança (locupletamento ilícito) em eventual hipótese de prescrição.

Explicamos.

O simples recebimento do cheque, por parte do portador, significa pagamento. E o credor tem o direito de receber o título de crédito que porta. O emitente do cheque, então devedor de uma obrigação natural, não poderá alegar que não deve. O devedor realizou o pagamento e, em sendo este irrepetível, não poderá se valer de subterfúgios objetivando comprovar um vício no cheque.

O cheque emitido é tão somente um pagamento. Em sendo a cártula dotada de literalidade e autonomia, simplesmente perde qualquer relevância a causa de sua emissão. 

Este tem sido o entendimento de nossa jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, como se pode verificar:


“RECURSO ESPECIAL. DÍVIDA DE JOGO. PAGAMENTO. CHEQUES. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO. Dívidas de jogo ou de aposta constituem obrigações naturais. Embora sejam incabíveis, é lícito ao devedor pagá-las. Se o pagamento é realizado por meio de cheques sem provisão de fundos, admite-se o manejo de ação de locupletamento para cobrá-los, sem que esbarre na proibição da dívida de jogo.” (Resp 822922/ SP, Recurso Especial 2006/0039412-6 – Relator Ministro Humberto Gomes de Barros – Terceira Turma – Julgamento em 06 de março de 2008 – Publicação no DJE em 01 de agosto de 2008) (grifos nossos)


Se outrora nossos Tribunais apenas reconheciam o direito de terceiro de boa-fé, hoje é cediço que o beneficiário do cheque também pode executá-lo ou cobrá-lo em caso de insuficiência de fundos, sustação indevida, etc. Neste sentido:


“Pode ser exigido em juízo pelo beneficiário de cheque ou pelo terceiro de boa-fé a quem ele foi endossado, o pagamento de título entregue em solução de aposta”. (RT 518/202)


 A partir do momento em que houve o pagamento por intermédio do cheque, além de haver uma nova relação jurídica de débito e crédito, não se pode frustrar tal conduta (quitação) de modo ardiloso. A segunda parte do artigo 814 do diploma substancial civil deverá incidir.

Após a decisão do Superior Tribunal de Justiça de que os cheques dados em pagamento de dívida de jogo ou aposta podem ser cobrados no Judiciário, evitando-se o locupletamento ilícito e fazendo valer o efeito da irrepetição das dívidas naturais, encerrou-se a discussão de que o cheque emitido para pagamento de dívida de jogo seria nulo.


Este entendimento, ademais, encontra-se em perfeita consonância com os princípios do direito cambiário.


Atente-se que não se trata de uma forma obliqua de legalizar jogos ou apostas meramente tolerados (ou ilícitos), mas sim de respeitar toda a teoria aplicável aos títulos de crédito (que assegura a sua literalidade e autonomia) e o fato de que tais negócios (jogo e aposta) se caracterizam como contratos (embora imperfeitos) e, como tais, geram efeitos jurídicos (em especial e, principalmente, o da irrepetibilidade do pagamento).
A alegação de “impossibilidade jurídica do pedido” (de cobrança ou execução do título), hoje, não é mais viável, sendo descabida e ultrapassada.


GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações, 2002.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

VENOSA, Sílvio de. Direito civil: contratos em espécie. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.