segunda-feira, 14 de outubro de 2019

COMPRA ON-LINE. PRODUTO NUNCA ENTREGUE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SERVIÇOS BANCÁRIOS.

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS. FRAUDE. COMPRA ON-LINE. PRODUTO NUNCA ENTREGUE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA ENTRE PARTICULARES. COMPRA E VENDA ON-LINE. PARTICIPAÇÃO. AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO.


1. Ação ajuizada em 30/06/2015. Recurso especial interposto em 16/03/2018 e atribuído em 22/10/2018.


2. O propósito recursal consiste em determinar se o banco recorrido seria objetivamente responsável pelos danos suportados pelo recorrente, originados após ter sido vítima de suposto estelionato, perpetrado na internet, em que o recorrente adquiriu um bem que nunca recebeu.


3. Nos termos da Súmula 479/STJ, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".


4. O banco recorrido não pode ser considerado um fornecedor da relação de consumo que causou prejuízos à recorrente, pois não se verifica qualquer falha na prestação de seu serviço bancário, apenas por ter emitido o boleto utilizado para pagamento.


5. Não pertencendo à cadeia de fornecimento em questão, não há como responsabilizar o banco recorrido pelos produtos não recebidos.


Ademais, também não se pode considerar esse suposto estelionato como uma falha no dever de segurança dos serviços bancários prestados pelo recorrido.


6. Recurso especial não provido. (REsp 1786157/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 05/09/2019)

DOR MORAL Empresa terá que indenizar consumidor por corpo estranho em garrafa de cerveja


O artigo 8 da Legislação Consumerista protege o consumidor quando a sua saúde é colocada em risco, tanto no que se refere a aspectos físicos como psicológicos.

Marca foi condenada a indenizar consumidor em R$ 8 mil em MG

Com esse entendimento, o juiz Sérgio Murillo Pacelli, da 8ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, condenou a marca de cervejas Heineken a indenizar um consumidor pela presença de um corpo estranho em uma garrafa do produto.

Ao analisar o caso, o magistrado citou audiência de conciliação que não resultou em acordo entre as partes e alegou que o reclamante apresentou duas testemunhas que foram advertidas na forma da lei e corroboraram os fatos descritos por ele.

Segundo os testemunhos o produto em questão foi adquirido de forma intacta tendo o garçom aberto a garrafa de cerveja na mesa em que estava o reclamante.

Por fim, o magistrado também ressaltou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que “a simples exposição do risco a saúde ou mesmo da incolumidade física do consumir, bem como a mental, já é suficiente para configuração do instituto da dor moral, haja vista que o dano é presumido”. O reclamante foi representado pelo advogados Pedro Henrique Reis e Souza e Emmanuel Pedro Soares Pacheco.



Processo 5005173-69.2019.8.13.0145

Revista Consultor Jurídico, 13 de outubro de 2019, 16h37

domingo, 13 de outubro de 2019

Justiça obriga sogra a assumir dívida quase milionária de ex-genro



Colaboração para o UOL, em São Paulo



Resumo da notícia



  •     Sogra deverá assumir uma dívida quase milionária que o ex-genro tinha com um fundo
  •     Carlos......, o genro, era avalista de uma empresa que não quitou um empréstimo de mais de R$ 1 milhão
  •     No meio do processo, ele emprestou R$ 900 mil à ex-sogra por meio de contratos verbais
  •     A Justiça entendeu que, como o empréstimo do genro para a sogra também não havia sido pago, ela agora deveria ressarcir diretamente o fundo



    Segundo advogada, esta foi uma decisão é rara para um caso complexo



C...... devia dinheiro para Carlos, seu ex-genro, que devia dinheiro para um banco. Carlos nunca pagou o banco, e a sogra diz que pagou o genro, mas não tem como provar. Para resolver, a Justiça decidiu que C..... deverá assumir a dívida de Carlos e pagar diretamente para o banco.



A decisão foi do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que condenou a sogra a assumir uma dívida quase milionária do ex-genro. A Justiça levou em consideração um empréstimo de R$ 900 mil que ela havia tomado do genro, e sobre o qual não comprovou quitação, apesar de alegar ter pago tudo.



Agora, em vez de devolver a quantia para o ex-genro, C..... deverá pagar diretamente o fundo financeiro que comprou a dívida do banco. O valor hoje passa de R$ 1 milhão.



Genro declarou empréstimo para sogra



O caso começou quando Carlos ......., o ex-genro, pegou um empréstimo de R$ 370 mil para sua empresa, a CIA Têxtil, em um banco. O contrato foi assinado em nome da companhia, com ele como avalista.



Como o empréstimo não foi quitado, o banco entrou na Justiça, mas não foi encontrado nenhum bem ou imóvel nos nomes da CIA ou dele nas execuções de cobrança. A Justiça determinou, então, que fossem analisadas suas últimas declarações de Imposto de Renda.



É aí que a ex-sogra, C......, entra no processo. Nas declarações de IR, foram identificados quatro empréstimos de CARLOS para ela no valor total de R$ 900 mil. Os acordos foram feitos de forma verbal entre 2012 e 2015, quando o processo contra a CIA já rolava e ele ainda era casado com a filha de C......



Sogra confirma suposto empréstimo



C..... foi chamada à Justiça e confirmou que havia feito o suposto empréstimo por meio de acordos verbais, mas disse que já havia pago o ex-genro. O problema, disse ela, é que não tinha nenhum comprovante desse pagamento.



O fundo que comprou a dívida do banco pediu que os R$ 900 mil que a sogra devia fossem pagos diretamente ao fundo e não mais ao ex-genro.



Na primeira instância, a 7ª Vara Cível de São Paulo entendeu que o acordo verbal, sem contrato assinado, não serviria como prova e, dessa forma, o empréstimo não poderia ser comprovado.



O fundo recorreu em segunda instância, e a 11ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP decidiu que o acordo verbal e a confissão da sogra serviriam como prova do empréstimo. Agora, em vez de dever para o ex-genro, C..... deverá pagar sua dívida ao financeiro. Ainda cabe recurso contra a decisão.



É normal haver fraudes em casos de dívidas



Em casos como este, quando se descobre que o devedor fez transações financeiras enquanto evita pagar uma dívida, o mais comum é acusar que a transação foi uma fraude para evitar o pagamento (a pessoa passa os bens para um conhecido, de modo a não ser penhorado).



No caso da transferência de um imóvel, por exemplo, a transação seria desfeita e a casa seria penhorada para quitar a dívida, como se nunca tivesse sido vendida. "Só que existe um problema neste caso: com dinheiro não dá [para reaver], ele já foi", disse a advogada MTT, que assessorou o fundo.



Por isso, em vez de acusar fraude, ela decidiu pedir a penhora da quantia que a sogra devia a CALORS. "Se de fato existia este empréstimo, como existe, e ela ainda não havia devolvido o dinheiro, a lei permite que crédito seja penhorado", disse MTT.


Não há provas do empréstimo para a sogra



O problema é que não havia nenhum documento que comprovasse que CARLOS havia emprestado o dinheiro para a então sogra. Por isso MTT elogia a decisão.



  • "O legal é que entenderam que, se o contrato físico não existe, a prova se dá por indícios, como o IR e a confirmação dada pela própria sogra", afirmou a advogada. "No passado, contratos de um valor tão alto assim não podiam ser verbais, tinham de ser escritos. Mas a lei hoje não exige mais."



Este é um caso raro. A advogada diz que não achou casos semelhantes a este quando fez a pesquisa para preparar a defesa. "O caso, como um todo, é bastante peculiar, complexo mesmo para advogados, embora a penhora de créditos esteja prevista no Código de Processo Civil", afirmou.

sábado, 12 de outubro de 2019

AÇÃO MONITÓRIA. JULGAMENTO COM BASE NO COSTUME E NO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DISPOSITIVO LEGAL EXPRESSO. INTERPRETAÇÃO. CHEQUES EMPRESTADOS A TERCEIRO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.787.274 - MS (2016⁄0165869-4)

RELATORA :        MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE:        JOSÉ DIVONIR PERI
ADVOGADO:        FLÁVIA GIRALDELLI PERI  - MS059212
RECORRIDO:        DELAOR AFONSO VILELA
ADVOGADOS:        CYNTHIA RENATA SOUTO VILELA  - MS010909 
PAULO BELARMINO DE PAULA JÚNIOR E OUTRO(S) - MS013328
INTERES: WLADMIR MARTINS
ADVOGADO: ELIANE ARGUELO DE LIMA  - MS010932
INTERES: ADM FACTORING FIMENTO COMERCIAL LTDA

EMENTA

  • RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO MONITÓRIA. JULGAMENTO COM BASE NO COSTUME E NO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DISPOSITIVO LEGAL EXPRESSO. INTERPRETAÇÃO. CHEQUES EMPRESTADOS A TERCEIRO. FATO INCONTROVERSO. RESPONSABILIDADE DO EMITENTE PELO PAGAMENTO. JULGAMENTO: CPC⁄73.
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  • 1. Ação monitória ajuizada em 22⁄03⁄2011, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22⁄09⁄2015 e atribuído ao gabinete em 25⁄08⁄2016.
  • 2. O propósito recursal é dizer sobre a possibilidade de julgamento com base no costume e no princípio da boa-fé, ante a existência de previsão legislativa em sentido diverso, bem como sobre a responsabilidade do emitente pelo pagamento dos cheques por ele emprestados a terceiro.
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  • 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535, II, do CPC⁄73.
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  • 4. Na ausência de lacuna, não cabe ao julgador se valer de um costume para afastar a aplicação da lei, sob pena de ofensa ao art. 4º da LINDB, conquanto ele possa lhe servir de parâmetro interpretativo quanto ao sentido e alcance do texto normativo.
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  • 5. A boa-fé objetiva é princípio fundamental do ordenamento jurídico, com conteúdo valorativo e nítida força normativa, o qual não se confunde com os princípios gerais do direito, mencionados no art. 4º da LINDB, que têm caráter informativo e universal, e finalidade meramente integrativa, servindo ao preenchimento de eventual lacuna normativa.
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  • 6. Na trilha da literalidade indireta, fundada na boa-fé objetiva, é possível admitir a inclusão de terceiro no polo passivo da ação monitória para exigir-lhe o pagamento do cheque, quando ele, inequivocamente, assumiu, perante o beneficiário, a obrigação a que corresponde o título.
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  • 8. Do ponto de vista do princípio da abstração, igualmente, a boa-fé objetiva funciona como baliza, de modo a permitir que o beneficiário, com base no negócio jurídico subjacente, do qual participou, exija o pagamento, por meio da ação monitória, do terceiro que, embora não tenha firmado na cártula – seja como emitente, endossante, ou avalista – a obrigação de pagar, a ela está vinculado pela causa que deu origem ao título.
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  • 9. A flexibilização das normas de regência, à luz do princípio da boa-fé objetiva, não tem o condão de excluir o dever de garantia do emitente do cheque, previsto no art. 15 da lei 7.357⁄85, sob pena de se comprometer a segurança na tutela do crédito, pilar fundamental das relações jurídicas desse jaez.
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  • 10. Hipótese em que, a despeito da nobre intenção do recorrido, deve ser condenado ao pagamento da quantia inscrita nos cheques por ele emitidos, sem prejuízo de posterior ação de regresso contra o interessado para reaver o valor que eventualmente venha a despender.
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  • 11. Recurso especial conhecido e provido.
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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 23 de abril de 2019(Data do Julgamento)


MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Documento: 94930856  EMENTA / ACORDÃO   - DJe: 26/04/2019

Titular da marca Chandelle utilizada para designar produto de chocolate em creme, e que a recorrida inseriu no mesmo mercado, sobremesa cremosa de chocolate sob a marca Chocomilk.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.591.294 - PR (2014⁄0025337-9)


RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Cuida-se de recurso especial interposto por BRF Brasil Foods S.A. fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional.

Depreende-se do autos que Nestlé Brasil Ltda. e outras propuseram ação inibitória cumulada com perdas e danos contra a recorrente.

Em sua inicial, afirmou ser titular da marca Chandelle utilizada para designar produto de chocolate em creme, e que a recorrida inseriu no mesmo mercado, sobremesa cremosa de chocolate sob a marca Chocomilk. Alegou, em síntese, que o novo produto possui composição visual que imita o conjunto-imagem (trade dress) dos produtos que comercializa.

Em sentença, o pedido foi julgado improcedente.

Interposto recurso pelas ora recorridas, o Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 950-951):

  • PROPRIEDADE INDUSTRIAL - AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM PERDAS E DANOS - OCORRÊNCIA DE CONTRAFAÇÃO E CONCORRÊNCIA DESLEAL - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - AGRAVO RETIDO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - PREJUDICADO - OS PEDIDOS SE CONFUNDEM COM O MÉRITO DO RECURSO DE APELAÇÃO - APELAÇÃO CÍVEL - PROTEÇÃO AOS OUTROS SIGNOS DISTINTIVOS (ART. 5, XXIX DA CF) EM COMBATE AOS ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL (ART. 195 E INCISOS DA LEI N.º 9.279⁄96) - CONTRAFAÇÃO AO CONJUNTO IMAGEM, "TRADE-DRESS" - OCORRÊNCIA - SEMELHANÇA ENTRE OS ELEMENTOS POSTOS NA EMBALAGEM - INDIVIDUALMENTE SÃO SIGNOS DISTINTOS, MAS QUANDO ANALISADOS PERANTE O CONJUNTO DE IMAGEM GERAM CONFUSÃO AOS CONSUMIDORES - AS PEQUENAS DISTINÇÕES NAS EMBALAGENS NÃO LHES GARANTEM DISTINTIVIDADE - PRESENTES OS REQUISITOS CARACTERIZADORES DA CONCORRÊNCIA DESLEAL FUNDADA NA CONFUSÃO: ANTERIORIDADE DO PRODUTO CONCORRENTE; EXISTÊNCIA DE IMITAÇÃO E SUSCETIBILIDADE DE SE ESTABELECER A CONFUSÃO - PROTEÇÃO AO "TRADE-DRESS" DO PRODUTO CHANDELLE - NÃO RECONHECIMENTO DE AMPARO AO PRODUTO CHANDELLE LIGHT - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO A CONCORRÊNCIA ENTRE OS PRODUTOS CHANDELLE LIGHT E BATAVO CREAMY LIGHT - CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS - LUCRO CESSANTE NOS TERMOS DO ARTIGO 210 DA LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - DANOS MORAIS - AFASTAMENTO - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO DANO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - RECURSO ADESIVO - OCORRÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - AFASTAMENTO - MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PREJUDICADO - NEGADO PROVIMENTO - READEQUAÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA MODIFICADA.

Opostos embargos de declaração por ambas as partes, foram eles rejeitados.

Nas razões do presente recurso especial, as recorrentes alegam violação dos arts. 124 e 195 da Lei n. 9.279⁄1996; 186 e 944 do CC⁄2002; e 14, 16, 17, 18 e 333 do CPC⁄1973, bem como dissídio jurisprudencial.

Assevera a recorrente que foi atribuída a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) da recorrida, em razão da utilização de sinais comuns e da cor da embalagem, elementos que sequer seriam passíveis de registro para utilização exclusiva.

Acrescenta que não ficou demonstrada a utilização anterior do mesmo conjunto-imagem, e que o Tribunal de origem concluiu pela anterioridade da utilização em razão da existência do produto desde 1986, quando o produto da recorrida não era ainda denominado Chandelle, mas sim Chamborcy. Afirma o descumprimento da regra de distribuição do ônus da prova, de modo que o tribunal de origem teria presumido fato que dependia de prova não produzida pela autora, ora recorrida.

Pleiteia ainda o reconhecimento de litigância de má-fé, uma vez que a recorrida apontou, na petição inicial, a imitação de conjunto marcário de Chandelle Light quando este produto ainda não era produzido nem comercializado.

Por fim, concluem que não houve a prática de ato de concorrência desleal, uma vez que seus produtos são comercializados mediante marca própria ostensivamente apresentada na embalagem de forma a afastar a confusão pontencial entre os consumidores.

Contrarrazões apresentadas (e-STJ, fls. 1.272-1.306).

Em juízo prévio de admissibilidade, o Tribunal de origem não admitiu o recurso especial, dando azo à interposição do AREsp n. 472.356-PR, provido para determinar a reautuação do presente recurso.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.591.294 - PR (2014⁄0025337-9)


VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):

Cinge-se a controvérsia a verificar o preenchimento dos requisitos para proteção assegurada ao conjunto-imagem de produto ou serviço (trade dress) no que tange à concorrência desleal por confusão.

Esta Terceira Turma, recentemente, apreciou a questão da proteção ao trade dress sob o enfoque da concorrência desleal por confusão, no intuito de balizar e uniformizar a atuação jurisdicional. Trata-se do julgamento do recurso especial n. 1.353.451⁄MG, assim ementado:

  • PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO AFIM. EMBALAGENS ASSEMELHADAS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 209 DA LEI N. 9.279⁄1996 (LPI). PERÍCIA TÉCNICA REQUERIDA. DISPENSA INJUSTIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
  • 1. O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.
  • 2. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial. 3. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279⁄1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI).
  • 4. No entanto, por não ser sujeito a registro - ato atributivo do direito de exploração exclusiva - sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão.
  • 5. A confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado.
  • 6. O indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.
  • 7. Recurso especial conhecido e provido.
  • (REsp n. 1.353.451⁄MG, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 28⁄9⁄2017)

Na oportunidade, reconhecendo a inegável importância crescente dos elementos imateriais da empresa para atração do consumidor e identificação dos produtos e seus fabricantes, assinalou-se a necessidade de se esclarecer a distinção entre marca, desenho industrial e conjunto-imagem (trade dress) e, por consequência, divisar o tratamento jurídico dispensado a cada um. Nessa trilha, enfatizando a ausência de previsão legal específica para o amparo do trade dress, o qual consiste em conjunto visual global de um produto ou a forma de prestação de um serviço,  lembrou-se que sua proteção se fundamenta no dever geral de garantia de livre mercado, especialmente disposto no art. 209 da Lei n. 9.279⁄1996.

Todavia, ao se entrelaçar conceitos e vetores do direito concorrencial no direito de proteção à propriedade industrial, mormente em casos que não se debate propriedades registradas e objetivamente protegidas, a análise da confusão passa do plano abstrato (questão de direito) ao plano concreto (questão de fato) e, assim, inerentemente dependente de prova.

Isso porque não se pode ignorar que, em alguns nichos mercadológicos, os produtos ou serviços são apresentados ao consumidor por meio de elementos comuns e bastante difundidos no mercado. Essa similaridade dispersa, ao contrário de configurar uma conduta anticompetitiva, resulta num benéfico acirramento da competição na medida em que facilita ao consumidor identificar as opções de produtos semelhantes existentes no mercado, para então concluir sua decisão em favor da marca que melhor lhe aprouver, seja pelo critério de preço, seja pelo critério de qualidade, seja por qualquer outro critério que eleja voluntariamente. Desse modo, por resultar em incremento à competição, a entrada de conjunto-imagem semelhante em mercado já assemelhado não deve ser obstada por meio de intervenção judicial. Esta deverá ser excepcional e sempre pautada pela verificação concreta de que se está diante de algo novo e peculiar a ponto de despertar o Estado de sua inércia, consequência da livre concorrência e da liberdade de iniciativa adotadas no Brasil.

Desse modo, para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum.

2. Alegação de violação do art. 333 do CPC⁄1973

Muito embora seja imprescindível a prova técnica em casos como o dos autos, em que se debate a violação de trade dress por confusão, o acórdão recorrido, ao dar provimento à apelação interposta pela recorrida, entendeu suficiente a aplicação de máximas da experiência para concluir pelo potencial danoso da aproximação visual das embalagens. É o que se evidencia do seguinte trecho (e-STJ, fl. 962):

b) O outro requisito se configura pela simples suscetibilidade de estabelecer confusão entre os produtos, logo, o uso de signos distintivos de forma semelhante é o suficiente para caracterizar uma confusão.
c) Quanto à imitação; ao contrário do que mencionou o apelante, acredito que a nítida semelhança na estilização da linha de produtos da marca nominativa CHOCOMILK se dê pela padronização e não pela má-fé de captar uma classe consumidora (requisito não-obrigatório à concorrência desleal). A padronização das embalagens [de produtos diferentes da mesma fornecedora] é uma técnica de marketing comum às empresas de produtos alimentícios, pois visa promover o aumento nas vendas dos outros segmentos dessa mesma linha.
Todavia, essa tentativa de padronização tornou os conjuntos de imagens empregados pelas partes confundíveis, prática esta que deve ser combatida.

Contudo, ao contrário do fundamentado no acórdão recorrido e na linha das considerações acima, inexistindo registro da embalagem em favor de algum dos litigantes, não se cogita da existência de um direito de exploração exclusiva, de modo que a vedação à utilização por alguma das partes depende mesmo da caracterização efetiva de ato de concorrência desleal. Nesses casos, em que a causa de pedir é exatamente a prática de atos anticoncorrenciais por meio da utilização de conjunto-imagem assemelhado e apto a causar confusão no mercado consumidor, deve-se reconhecer que o cerne do processo repousa em fato cuja caracterização depende, a priori, de conhecimento técnico especial não exigível de um juiz de direito, devendo, por isso, o juiz se servir do auxílio técnico de expert.

Deve-se enfatizar que a necessidade de prova técnica, ainda que passível de dispensa pelo juiz da causa e pelos graus ordinários de jurisdição, conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, não pode ser afastada ao livre-alvedrio do Julgador, mas em situações justificadas e respaldadas em alguma das hipóteses taxativamente previstas no parágrafo único do art. 420 do CPC⁄1973, vigente à época, e repetidas no atual art. 464, § 1º, do CPC⁄2015.

No caso dos autos, todavia, nem sequer houve o pleito da recorrida, autora da presente ação, para produção de prova apta a demonstrar a existência da confusão entre os produtos concorrentes, o que a ela competia nos termos do art. 333, I, do CPC⁄1973. Ao contrário, na fase de especificação de provas e saneamento processual, a recorrida se manifestou, de forma expressa, pela desnecessidade de produção de provas adicionais de qualquer natureza. É o que se denota do seguinte trecho de sua petição (e-STJ, fls. 443):

5. Informa a Requerente, portanto, que não possui interesse na produção de provas adicionais, reservando-se, obviamente, ao direito de contraditar eventuais provas pleiteadas pela Requerida.

Por essa trilha, uma vez que a notória semelhança entre os dois produtos – reconhecida pelo TJ⁄PR – não é suficiente para caracterizar a concorrência desleal e que a prova técnica não foi oportunamente requerida (aliás, foi expressamente dispensada), a presente causa se resolve pela distribuição estática do ônus da prova, o qual recai, portanto, sobre a ora recorrida. Assim, não tendo a recorrida se desincumbido de provar o fato constitutivo de seu direito, qual seja, a existência de ato de concorrência desleal, deve mesmo ser provido o presente recurso para julgar improcedente a ação condenatória por ela proposta.

Com esses fundamentos, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença proferida, fixando os honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa.

É como voto.


Documento: 69689931  RELATÓRIO E VOTO    

É inegável a crescente importância da proteção aos elementos imateriais da empresa, entre os quais o nome empresarial, o nome de fantasia, a marca, a embalagem e o conjunto-imagem (trade dress) constituem importantes elementos de atração do consumidor e identificação dos produtos e seus fabricantes.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.353.451 - MG (2012⁄0239555-2)


RELATÓRIO


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Cuida-se de recurso especial interposto por Fábrica de Tecidos São João Evangelista S.A. fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional.

Depreende-se dos autos que Companhia Manufatora de Tecidos de Algodão propôs ação de obrigação de não fazer cumulada com reparação de danos na modalidade lucros cessantes e compensação de danos morais contra a recorrente.

Em sua inicial, sustentou ser titular da marca APOLO de algodão hidrófilo e derivados, cujos produtos seriam comercializados em embalagens especialmente desenvolvidas com padrão de cores e design afeitos à marca. Asseverou que a recorrente, sua concorrente no mesmo segmento de mercado há longa data, sob a marca FAROL, passou, repetinamente, a utilizar embalagens que faziam "clara alusão ao produto" (e-STJ, fl. 7) da recorrente.

Em sentença, o pedido foi julgado parcialmente procedente, a fim de condenar a recorrente a se abster "de comercializar o produto algodão hidrófilo (em caixa), com a marca 'FAROL', que imite a embalagem de idêntico produto da marca 'APOLO', sob pena de multa a ser fixada por este juízo, em caso de descumprimento" (e-STJ, fl. 444), bem como a pagar indenização a título de perdas e danos, a serem liquidadas por arbitramento.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento de apelações oportunamente interpostas por ambas as partes, negou provimento ao recurso da recorrente e deu provimento ao recurso da recorrida, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 563):
AÇÃO ORDINÁRIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - PRELIMINAR AFASTADA - CONCORRÊNCIA DESLEAL CONFIGURADA - SIMILARIDADE ENTRE AS EMBALAGENS DOS PRODUTOS POSTOS NO MERCADO - DETERMINAÇÃO DE ABSTENÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO - DANO MATERIAL DEVIDO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - FIXAÇÃO DO QUANTUM - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - Em matéria de colheita de provas, predomina prudente discrição do magistrado no exame da pertinência das provas requeridas ou não, para a formação do convencimento ante as circunstâncias de cada caso concreto. - Restando evidenciada a concorrência desleal, é procedente o pedido para que a demandada se abstenha de comercializar os produtos com embalagem semelhante à da autora. - Diagnosticada a contrafação e o comportamento reprovável da ré ao obrar em concorrência desleal, a indenização por reparação patrimonial é medida que se impõe. - Independentemente da qualidade do produto contrafeito, o consumidor é enganado e tem subtraída, de forma ardil, sua faculdade de escolha. Ele adquire o produto imbuído em erro, acreditando estar comprando o produto original e de determinada marca, o que ocasiona, por ricochete, usurpação de parte da identidade do fabricante, gerando lesão aos direitos da personalidade. - Tratando-se de ação condenatória, a verba honorária deve ser arbitrada com base no art. 20, §3º, do CPC.


Opostos dois embargos de declaração, ambos foram rejeitados.

Nas razões do recuso especial, alega a violação dos arts. 128, 333, 420, 460 e 535 do CPC⁄1973; 2º, 122, 123, 128, 131, 132, 195, 208, 209 e 210 da Lei n. 9.279⁄1996; e 186, 187 e 297 do CC⁄2002, bem como dissídio jurisprudencial.

  • Em síntese, a recorrente sustenta que a ausência de registro da embalagem, bem como dos signos distintivos nela utilizados perante o INPI inviabiliza a proteção pretendida nesta demanda. Conclui que não havendo registro, não há proteção marcária. Assevera ainda que era necessária a produção de prova pericial requerida, a fim de verificar, concretamente, a possibilidade de confusão dos consumidores diante das embalagens confrontadas, de modo que o indeferimento da prova requerida configurou cerceamento de defesa, em especial por se tratar de nicho em que as embalagens são assemelhadas. Afirma, por fim, a inexistência de presunção de danos morais, uma vez que não se trata de caso de contrafação de produtos, mas de uso de desenho gráfico não registrado e que, na eventualidade de ser mantida a condenação, os valores arbitrados em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) é exacerbado, impondo-se sua redução.


Foram apresentadas as contrarrazões (e-STJ, fls. 699-718).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.353.451 - MG (2012⁄0239555-2)


VOTO


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):

Cinge-se a controvérsia a verificar, a par da adequação da prestação jurisdicional entregue, a extensão da proteção assegurada ao conjunto-imagem de produto ou serviço (trade dress) no que tange à caracterização de danos morais e patrimoniais.

1. Alegação de violação dos arts. 128, 460 e 535 do CPC⁄1973

No que se refere à alegada negativa de prestação jurisdicional adequada, assevera a recorrente que o Tribunal de origem teria deixado de enfrentar os seguintes pontos:

i) dies ad quem das astreintes, uma vez que no curso da demanda houve alteração da embalagem impugnada;

ii) a inexistência do registro do trade dress da embalagem de algodão, o que afastaria a tutela jurisdicional para sua proteção; e

iii) a impossibilidade de presunção de dano moral em razão da suposta violação a direito de marca.

Com efeito, verifica-se que todos as questões apontadas como omissas encontram-se imbricadas com o próprio mérito do presente recurso.

Isso porque, na hipótese dos autos, afigura-se imprescindível a definição jurídica do pressuposto do registro e da espécie de direito lesado, a fim de se aquilatar a real necessidade de devolução dos autos ao Tribunal de origem para adequação da tutela jurisdicional.

2. Proteção ao conjunto-imagem (trade dress)

O trade dress ou conjunto-imagem, apesar de não ser questão inédita nesta Corte Superior, é ainda um tema consideravelmente novo e que tem suscitado diversos questionamentos em sede jurisdicional e doutrinária. Isso porque, a despeito de seu reconhecimento pelos Tribunais brasileiros, não há na nossa legislação sua definição, tampouco a previsão dos requisitos necessários para sua proteção ou a previsão clara de sanção na hipótese de eventual lesão.

  • Com efeito, um rápido levantamento da jurisprudência do STJ acerca do tema demonstra que, na maioria dos casos, a caracterização de afronta ao conjunto-imagem tem sido decidida, caso a caso, pelos Tribunais locais. Por consequência, esta Corte Superior tem se restringido a manter as conclusões dos acórdãos diante da inevitável incidência do óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Nesse sentido, cita-se os seguintes acórdãos: REsp n. 1.306.690⁄SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 23⁄4⁄2012; REsp n. 1.284.971⁄SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 4⁄2⁄2013; e AgRg no REsp n. 1.391.517⁄SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 2⁄3⁄2015; além de decisões monocráticas, entre as quais: AgRg no AREsp n. 523.706⁄SP, Rel. Min. Marco Buzzi, de 16⁄12⁄2016; AREsp n. 969.085⁄SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, de 20⁄9⁄2016; AREsp n. 515.146⁄SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, de 9⁄9⁄2016; AREsp n. 963.276⁄SP, Rel. Min. Raul Araújo, de 8⁄9⁄2016; Resp n. 1.354.609⁄SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, de 5⁄8⁄2016; AREsp n. 527.000⁄SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, de 1º⁄7⁄2016; AREsp n. 688.881⁄SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, de 11⁄5⁄2015.


Esses reiterados julgamentos deixam evidente, por um lado, o reconhecimento da proteção jurisdicional ao conjunto-imagem e, por outro, que a caracterização de sua violação deve se assentar sobre um conjunto fático-probatório que, a princípio, inviabilizaria o controle por esta Corte Superior. Contudo, verifica-se que, diante da lacuna regulatória, os fatos concretos levados em consideração pelas Cortes locais não guardam um padrão, de modo a impor atuação do STJ no sentido de  balizar e uniformizar a atuação jurisdicional.

É inegável a crescente importância da proteção aos elementos imateriais da empresa, entre os quais o nome empresarial, o nome de fantasia, a marca, a embalagem e o conjunto-imagem (trade dress) constituem importantes elementos de atração do consumidor e identificação dos produtos e seus fabricantes. Esse patrimônio imaterial, para além de contribuir na captação de clientes, afeta de forma direta o desenvolvimento e sucesso de diversos empreendimentos, modulando seu prestígio no mercado consumidor. Não é à toa que o constituinte previu de forma expressa a proteção desses direitos no art. 5º, XXIX, da Constituição Federal:

  • XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;



Nesse cenário, deve-se frisar que o conjunto-imagem, objeto do presente recurso, distingue-se dos institutos denominados marca e desenho industrial, muito embora possa ser formado pela utilização conjunta de ambos, acrescidos, ou não, de outros elementos visuais. Essa distinção é imprescindível para se divisar o tratamento jurídico dispensado a cada caso e as consequências advindas de condutas anticompetitivas praticadas em desrespeito a marca, desenho industrial ou conjunto-imagem. Com efeito, tem-se percebido uma confusão nas cortes locais quanto à utilização desses conceitos, como denuncia recente artigo de José Carlos Tinoco Soares (O emprego inadequado do termo trade dress. in Revista da ABPI, n. 144, set⁄out 2016, p. 3-15).

De fato, os três institutos - marca, desenho industrial e conjunto-imagem - têm, em comum, a finalidade mediata de designar um produto, mercadoria ou serviço, diferenciando-o dos concorrentes. Apesar da finalidade assemelhada, trata-se de institutos independentes.

Enquanto a marca é um sinal que designa a origem do produto, mercadoria ou serviço, o desenho industrial "protege a configuração externa de um objeto tridimensional ou um padrão ornamental (bidimensional) que possa ser aplicado a uma superfície ou a um objeto", conforme esclarece o próprio INPI (http:⁄⁄www.inpi.gov.br⁄menu-servicos⁄desenho⁄desenho-industrial-mais-informacoes). Noutros termos, enquanto a marca cria um vínculo duradouro entre o bem e a pessoa que o colocou em circulação, o desenho industrial insere no mercado uma inovação estética em objeto comum ou facilmente reproduzível em escala industrial. Essa distinção, apesar de parecer sutil, resulta numa gritante diferença quanto à proteção e aos requisitos para sua tutela legal.

Assim, as marcas, para serem registradas, devem atender à distintividade ou novidade relativa, ou seja, dentro do mercado em que se insere o produto, o sinal visivelmente perceptível deve se distanciar do domínio comum, a fim de propiciar a utilização comercial exclusiva por seu titular. Esta fruição exclusiva, que será assegurada por meio do registro,  pode se estender indefinidamente no tempo, desde que promovidas as tempestivas prorrogações. Isso porque o direito de exclusividade da marca tem por escopo assegurar ao consumidor a correspondência entre o produto designado e a empresa que o colocou em circulação.

Já o desenho industrial, por se caracterizar em uma inovação estética facilmente reproduzível em escala industrial, a partir de sua publicidade, passa a integrar o estado da técnica. Nota-se, portanto, que o desenvolvimento de desenhos industriais movimenta-se, ao longo do tempo, numa crescente, podendo ser posteriormente incorporada pelos produtos de seus concorrentes de forma lícita e regular. Ao seu desenvolvedor (autor) é assegurado, mediante registro, o direito de exploração exclusiva, porém temporária (até, no máximo, 25 anos), nos termos do art. 108 da Lei n. 9.279⁄1996:
Art. 108. O registro vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos contados da data do depósito, prorrogável por 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos cada.


Deve-se sublinhar que não são protegidos pelo registro de desenho industrial inovações que resultem em funcionalidades, vantagens práticas, materiais ou formas de fabricação - bens industriais protegidos por meio de patentes. Assim, o escopo imediato do instituto é a geração de incentivo à inovação estética, e a distintividade é dada em relação ao próprio bem, sem o estabelecimento de um vínculo com aquele que introduz essa inovação no mercado.

Em síntese, do ponto de vista do consumidor, a marca identifica o produtor⁄fornecedor, enquanto o desenho industrial identifica o próprio bem, que poderá vir a ser regularmente produzido por terceiros após o prazo de validade de seu registro.

Por sua vez, o denominado trade dress, não disciplinado na legislação nacional atual, tem por finalidade proteger o conjunto visual global de um produto ou a forma de prestação de um serviço. Materializa-se, portanto, pela associação de variados elementos que, conjugados, traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva de inserção do bem no mercado consumidor, vinculando-se à identidade visual dos produtos ou serviços.

Sua proteção vem sendo assegurada com fundamento no dever geral de garantia de livre mercado, ou seja, no dever estatal de assegurar o funcionamento saudável do mercado, de forma a expurgar condutas desleais tendentes a criar distorções de concorrência. Nesse cenário, dispôs o legislador, no art. 209 da LPI, o direito do prejudicado pela prática de concorrência desleal ao ressarcimento dos prejuízos materiais decorrentes, bem como o respectivo poder-dever de determinar a sustação de eventual violação aos diretos de propriedade industrial atribuído ao Estado-juiz. In verbis:
Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
§ 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.


Os limites concorrenciais, no quanto se entrelaçam ao direitos de propriedade industrial, introduzem conceitos e vetores imprescindíveis para a definição da amplitude da proteção da propriedade industrial. Não podem, porém, servir de discurso para chancelar o prolongamento temporal da proteção de inventos e desenhos industriais para além dos prazos estabelecidos em lei, tampouco dar proteção de maior envergadura que aquela legalmente estabelecida para bens equivalentes. Noutros termos, não se pode admitir que a pretexto de se proteger o conjunto-imagem de um produto, se assegure o uso exclusivo e indeterminado de uma determinada funcionalidade não registrada, por exemplo.

Assim, o diálogo entre concorrência e direitos exclusivos decorrentes de propriedades industriais é limitado e somente justificará a intervenção do Judiciário para afastar as condutas concorrenciais que desbordem a razoabilidade da disputa legítima, encontrando suas balizas ora na confusão do consumidor decorrente de imitação desleal, ora na usurpação de vantagem alheia decorrente da associação de seu produto ou serviço com a prestação de seu concorrente, situação em que é notório o intuito de "pegar carona" no sucesso obtido pelo investimento de outrem, e não para meramente assegurar um direito de exploração exclusiva a bem não registrado na forma legalmente exigida.

Tendo em vista que, na hipótese dos autos, a recorrida deixou evidente que sua causa de pedir se funda na confusão de seus consumidores (petição inicial à fl. 8, e-STJ) será esta a hipótese de concorrência desleal examinada no presente julgamento, ressalvando-se para outra oportunidade a perquirição necessária sobre os limites resultantes da utilização de associação desleal.

Ao se analisar a confusão entre marcas, Gama Cerqueira, na década de 1980, propunha a necessidade de se levar em conta, para além das semelhanças de apresentação do produto, o grau de atenção do consumidor comum, a natureza do produto e o meio em que seu consumo era habitual (Tratado de propriedade industrial, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, v. 2, p. 919), sustentando tratar-se sempre de matéria fática.

Com efeito, ao se enfocar a pretensão de registro de sinal como marca e a proteção exclusivamente marcária, a análise fica adstrita à demonstração de uma distintividade relativa, resultante do confronto com os demais signos registrados em determinada classe. Este exame é realizado em abstrato e levado a cabo pelo órgão técnico competente, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Isso porque o potencial de confusão entre marcas depositadas para registro, será analisado a priori e levará em consideração tão somente o signo cujo registro é pretendido e o confronto com os demais preexistentes no mesmo ramo mercadológico, o que se afasta da lição clássica de Gama Cerqueira. Nesse sentido, posicionava-se o saudoso prof. Denis Borges Barbosa (Proteção das marcas: uma perspectiva semiológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 87-88).

É verdade também que, àquela época, ainda não se debatia a proteção ao trade-dress tampouco se distinguia este dos demais institutos da propriedade industrial. De fato, a proteção ao conjunto-imagem tem origem temporal recente, ganhando contornos jurídicos próprios a partir de decisão da Suprema Corte Norte-Americana de 1992, no caso Taco Cabana, Inc. vs. Two Pesos, Inc (SOARES, José Carlos Tinoco. O emprego inadequado do termo trade dress. in Revista da ABPI, n. 144, set⁄out 2016, p. 5).

Assim, os critérios propostos por Gama Cerqueira parecem insuficientes e superados para o tratamento de conflito de marcas, seja em virtude da sofisticação do mercado global, em especial, em razão da difusão de condutas parasitárias por associação, seja pela praxe desenvolvida a partir da adoção do sistema marcário atributivo. Contudo, deve-se reconhecer que se tratam de critérios relevantes, ainda hoje, para a avaliação da confusão concreta implantada no espírito dos consumidores, especialmente nos casos de confronto de conjunto-imagem. Nesses casos, a argumentação transborda o mero confronto de marcas para alcançar a impressão global experimentada pelos consumidores diante de determinados produtos, a fim de averiguar a possibilidade concreta de induzi-los em erro.

Com efeito, os parâmetros anunciados por Gama Cerqueira já introduziam a importância fundamental dos elementos laterais à marca para captura da atenção e do interesse do público-alvo no momento do posicionamento de produtos no mercado. Nesse contexto, deve-se transpor a fronteira da questão de direito marcário para se adentrar ao campo fático da concorrência desleal, uma vez que se contrapõem marcas dessemelhantes ostensivamente utilizadas, como no caso dos autos, porém se alega que a imagem global do produto é capaz de implantar no imaginário do consumidor a confusão entre os produtos concorrentes.

Daí se extrai o destaque dado ao grau de atenção do consumidor-médio de um produto específico no momento em que é chamado a tomar a decisão de consumir.

Aqui parece ser relevante se reconhecer que, em alguns nichos mercadológicos, os produtos ou serviços são apresentados ao consumidor por meio de elementos comuns e bastante difundidos no mercado. Essa similaridade dispersa, ao contrário de configurar uma conduta anticompetitiva, resulta num benéfico acirramento da competição na medida em que facilita ao consumidor identificar as opções de produtos semelhantes existentes no mercado, para então concluir sua decisão em favor da marca que melhor lhe aprouver, seja pelo critério de preço, seja pelo critério de qualidade, seja por qualquer outro critério que eleja voluntariamente.

Aliás, a exigência do grau de distintividade parece ser uma constante na proteção de símbolos relacionados à exploração de bens de consumo de massa, conforme formulada pela Teoria da Distância alemã, de ampla aceitação na União Europeia, ou nas regras do direito norte-americano, onde também é exigida a distintividade. Nesse sentido, Geert W. Seelig afirma que as marcas muitas vezes idênticas ou semelhantes são usadas em áreas de atividade afim. Em geral, nesses casos, o público usuário está habituado à coexistência das marcas e presta mais atenção às diferenças entre elas. Se, posteriormente, são adicionadas novas marcas ainda semelhantes, não há confusão com as existentes, porque o consumidor já tem o hábito de prestar atenção às diferenças, ainda que pequenas, e, portanto, sabe distingui-las. A consequência deste processo é que o risco de confusão entre as marcas diminui." (apud BARBOSA, Dênis Borges. Da confusão e da associação em matéria de marcas. Disponível em  <http:⁄⁄www.denisbarbosa.addr.com⁄ arquivos⁄novidades⁄marca_de_industria.pdf>, acessado em 7⁄8⁄2017).

Com efeito, por incrementar a competição, a entrada de conjunto-imagem semelhante em mercado já assemelhado não deve ser obstada por meio de intervenção judicial. Esta deverá ser excepcional e sempre pautada pela verificação concreta de que se está diante de algo novo e peculiar a ponto de despertar o Estado de sua inércia, consequência da livre concorrência e da liberdade de iniciativa adotadas no Brasil.

Desse modo, para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Nesses casos, ao contrário, a busca de proteção contra um novo competidor é que caracterizará um comportamento imprevisível a denunciar uma conduta anticompetitiva que pretende tão somente dificultar o incremento da competição. Afinal, por que se indignar com um competidor quando tantos outros se utilizam dos mesmos elementos e de trade dress similar?

Em razão dessas nuances trazidas, diferentemente das questões de confrontação de marca, em que, de regra, basta o cotejo de marca a marca, no caso de tutela da concorrência, o exame técnico é recomendável.

Enfatiza-se que no confronto de marca há um registro formal com data específica, que marca o início da proteção e da utilização exclusiva, de modo que em regra é suficiente o confronto entre ambas a fim de verificar a existência de cópia ou similitude. Por sua vez, no caso de tutela da concorrência, o exame acaba sendo mais amplo, devendo se adentrar à situação fática do mercado e à possibilidade real de confusão, e não mais se fazendo suficiente o mero potencial de confusão em razão da semelhança que é atraído pela presunção iuris tantum decorrente do registro perante o INPI e do sistema atributivo adotado pela Lei n. 9.279⁄1996. Daí a necessidade de conhecimento técnico para se avaliar o efeito real da entrada no mercado de produto ou serviço visualmente assemelhado, o que configura o ato de concorrência desleal que dá causa às pretensões de proteção do trade dress.

3. Alegação de violação dos arts. 333 e 420 do CPC⁄1973

No que tange à necessidade de produção de prova pericial, nota-se que o acórdão recorrido enfrentou o tema de forma direta, concluindo pela manutenção do indeferimento da perícia técnica ao fundamento unânime de sua desnecessidade para demonstrar a notória semelhança visual entre as embalagens dos produtos de ambas as litigantes. Acrescentou-se, ainda, que a dispersão de embalagens semelhantes seria juridicamente irrelevante. O voto condutor assim fundamentou (e-STJ, fl. 569):
Demais disso, não se pode antever aceitável a embalagem da ré porque haveria outras embalagens semelhantes àquela no mercado. Ora, embora as embalagens das outras concorrentes possuam características que as diferenciam daquela da demandada e da autora, não se poderia aceitar o argumento de que, havendo certa semelhança entre todas, inexistiria, por si só, concorrência desleal, ou melhor, pelo fato de outras empresas, em tese, exercerem concorrência desleal, a ré estaria eximida de qualquer responsabilidade nesse âmbito.
De outra banda, ainda que conste do Parecer Técnico da ABTG (Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica), que as cores e os demais elementos das embalagens são diferentes, é importante registrar que tal análise foi feita de forma técnica, o que nenhum consumidor faz ao adquirir o produto.


Contudo, ao contrário do fundamentado no acórdão recorrido e na linha das considerações acima, inexistindo registro da embalagem em favor de algum dos litigantes, não se cogita da existência de um direito de exploração exclusiva, de modo que a vedação à utilização por alguma das partes depende mesmo da caracterização efetiva de ato de concorrência desleal. Nesses casos, em que a causa de pedir é exatamente prática de atos anticoncorrenciais por meio da utilização de conjunto-imagem assemelhado e apto a causar confusão no mercado consumidor, deve-se reconhecer que o cerne do processo repousa em fato cuja caracterização depende, a priori, de conhecimento técnico especial não exigível de um juiz de direito, devendo, por isso, o juiz se servir do auxílio técnico de expert.

Deve-se enfatizar que a necessidade de prova técnica, ainda que passível de dispensa pelo juiz da causa e pelos graus ordinários de jurisdição, conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, não pode ser afastada ao livre-alvedrio do Julgador, mas em situações justificadas e respaldadas em alguma das hipóteses taxativamente previstas no parágrafo único do art. 420 do CPC⁄1973, vigente à época, e repetidas no atual art. 464, § 1º, do CPC⁄2015. E, uma vez verificado que a justificativa apontada para seu afastamento não corresponde àquelas hipóteses, estar-se-á diante de uma violação legal sujeita ao controle desta Corte Superior.

Esse é o caso dos autos. Ainda que se esteja diante de uma notória semelhança entre os dois produtos – o que foi reconhecido pelo TJ⁄MG – a questão posta nos autos vai além, sendo imperioso determinar se esta similitude é aceitável do ponto de vista legal, como consectário de técnicas mercadológicas tendentes ao posicionamento de um determinado produto no mercado, ou se na realidade estamos diante de um ato abusivo, usurpador de conjunto-imagem alheio e passível de confundir o consumidor. E a dificuldade que daí emerge reside no fato de que muitas das características que assemelham os produtos se situam numa zona limítrofe entre o que se admite como concorrência saudável – e até desejável – e o que se reputa concorrência desleal e parasitária.

Nesses casos, todavia, não é possível ao julgador consultar única e exclusivamente o seu íntimo para concluir pela existência de confusão de forma ampla e genérica, quando não há sequer o registro de embalagem em favor de alguma das partes. Em síntese, a exclusiva violação da concorrência não é fato dado a presunções atécnicas, mesmo porque sua tipificação legal não é objetiva e taxativa, dependendo do resultado concreto dessas ações, o qual depende, antes de mais nada, de uma análise técnica de propaganda e marketing.

Nota-se que, em situações como a dos autos, quando inexiste perícia técnica, as conclusões alcançadas são comumente extraídas de máximas da experiência – ou quiçá da inexperiência. Embora disciplinadas as presunções judiciais, entre as quais se disciplinou expressamente a utilização das regras de experiência comum ou técnicas, nos termos do art. 335 do CPC⁄1973, não se pode olvidar que essas regras não são meios de prova nem se realizam mediante a participação dos litigantes em contraditório. Nesse sentido, vale ainda o alerta de que "o fato que requer conhecimento técnico não interessa apenas ao juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o direito de discuti-lo de forma adequada, mediante, se for o caso, a indicação de assistentes técnicos" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção: de acordo com o CPC de 2015. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 850).

Portanto, uma vez que os fatos postos nesses autos na condição de causa de pedir são essenciais ao deslinde da controvérsia e demandam de conhecimento técnico para sua caracterização e que houve oportuno requerimento para a produção de prova pericial pela parte sucumbente, reconheço a existência de violação do art. 420 do CPC⁄1973, que resultou no cerceamento de defesa da recorrente.

Com esses fundamentos, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para cassar a sentença proferida, determinando-se o retorno dos autos à origem para a realização da prova pericial requerida.

É como voto.



Documento: 69332209  RELATÓRIO E VOTO