sábado, 12 de outubro de 2019

Titular da marca Chandelle utilizada para designar produto de chocolate em creme, e que a recorrida inseriu no mesmo mercado, sobremesa cremosa de chocolate sob a marca Chocomilk.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.591.294 - PR (2014⁄0025337-9)


RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Cuida-se de recurso especial interposto por BRF Brasil Foods S.A. fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional.

Depreende-se do autos que Nestlé Brasil Ltda. e outras propuseram ação inibitória cumulada com perdas e danos contra a recorrente.

Em sua inicial, afirmou ser titular da marca Chandelle utilizada para designar produto de chocolate em creme, e que a recorrida inseriu no mesmo mercado, sobremesa cremosa de chocolate sob a marca Chocomilk. Alegou, em síntese, que o novo produto possui composição visual que imita o conjunto-imagem (trade dress) dos produtos que comercializa.

Em sentença, o pedido foi julgado improcedente.

Interposto recurso pelas ora recorridas, o Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 950-951):

  • PROPRIEDADE INDUSTRIAL - AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM PERDAS E DANOS - OCORRÊNCIA DE CONTRAFAÇÃO E CONCORRÊNCIA DESLEAL - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - AGRAVO RETIDO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - PREJUDICADO - OS PEDIDOS SE CONFUNDEM COM O MÉRITO DO RECURSO DE APELAÇÃO - APELAÇÃO CÍVEL - PROTEÇÃO AOS OUTROS SIGNOS DISTINTIVOS (ART. 5, XXIX DA CF) EM COMBATE AOS ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL (ART. 195 E INCISOS DA LEI N.º 9.279⁄96) - CONTRAFAÇÃO AO CONJUNTO IMAGEM, "TRADE-DRESS" - OCORRÊNCIA - SEMELHANÇA ENTRE OS ELEMENTOS POSTOS NA EMBALAGEM - INDIVIDUALMENTE SÃO SIGNOS DISTINTOS, MAS QUANDO ANALISADOS PERANTE O CONJUNTO DE IMAGEM GERAM CONFUSÃO AOS CONSUMIDORES - AS PEQUENAS DISTINÇÕES NAS EMBALAGENS NÃO LHES GARANTEM DISTINTIVIDADE - PRESENTES OS REQUISITOS CARACTERIZADORES DA CONCORRÊNCIA DESLEAL FUNDADA NA CONFUSÃO: ANTERIORIDADE DO PRODUTO CONCORRENTE; EXISTÊNCIA DE IMITAÇÃO E SUSCETIBILIDADE DE SE ESTABELECER A CONFUSÃO - PROTEÇÃO AO "TRADE-DRESS" DO PRODUTO CHANDELLE - NÃO RECONHECIMENTO DE AMPARO AO PRODUTO CHANDELLE LIGHT - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO A CONCORRÊNCIA ENTRE OS PRODUTOS CHANDELLE LIGHT E BATAVO CREAMY LIGHT - CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS - LUCRO CESSANTE NOS TERMOS DO ARTIGO 210 DA LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - DANOS MORAIS - AFASTAMENTO - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO DANO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - RECURSO ADESIVO - OCORRÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - AFASTAMENTO - MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PREJUDICADO - NEGADO PROVIMENTO - READEQUAÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA MODIFICADA.

Opostos embargos de declaração por ambas as partes, foram eles rejeitados.

Nas razões do presente recurso especial, as recorrentes alegam violação dos arts. 124 e 195 da Lei n. 9.279⁄1996; 186 e 944 do CC⁄2002; e 14, 16, 17, 18 e 333 do CPC⁄1973, bem como dissídio jurisprudencial.

Assevera a recorrente que foi atribuída a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) da recorrida, em razão da utilização de sinais comuns e da cor da embalagem, elementos que sequer seriam passíveis de registro para utilização exclusiva.

Acrescenta que não ficou demonstrada a utilização anterior do mesmo conjunto-imagem, e que o Tribunal de origem concluiu pela anterioridade da utilização em razão da existência do produto desde 1986, quando o produto da recorrida não era ainda denominado Chandelle, mas sim Chamborcy. Afirma o descumprimento da regra de distribuição do ônus da prova, de modo que o tribunal de origem teria presumido fato que dependia de prova não produzida pela autora, ora recorrida.

Pleiteia ainda o reconhecimento de litigância de má-fé, uma vez que a recorrida apontou, na petição inicial, a imitação de conjunto marcário de Chandelle Light quando este produto ainda não era produzido nem comercializado.

Por fim, concluem que não houve a prática de ato de concorrência desleal, uma vez que seus produtos são comercializados mediante marca própria ostensivamente apresentada na embalagem de forma a afastar a confusão pontencial entre os consumidores.

Contrarrazões apresentadas (e-STJ, fls. 1.272-1.306).

Em juízo prévio de admissibilidade, o Tribunal de origem não admitiu o recurso especial, dando azo à interposição do AREsp n. 472.356-PR, provido para determinar a reautuação do presente recurso.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.591.294 - PR (2014⁄0025337-9)


VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):

Cinge-se a controvérsia a verificar o preenchimento dos requisitos para proteção assegurada ao conjunto-imagem de produto ou serviço (trade dress) no que tange à concorrência desleal por confusão.

Esta Terceira Turma, recentemente, apreciou a questão da proteção ao trade dress sob o enfoque da concorrência desleal por confusão, no intuito de balizar e uniformizar a atuação jurisdicional. Trata-se do julgamento do recurso especial n. 1.353.451⁄MG, assim ementado:

  • PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO AFIM. EMBALAGENS ASSEMELHADAS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 209 DA LEI N. 9.279⁄1996 (LPI). PERÍCIA TÉCNICA REQUERIDA. DISPENSA INJUSTIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
  • 1. O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.
  • 2. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial. 3. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279⁄1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI).
  • 4. No entanto, por não ser sujeito a registro - ato atributivo do direito de exploração exclusiva - sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão.
  • 5. A confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado.
  • 6. O indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.
  • 7. Recurso especial conhecido e provido.
  • (REsp n. 1.353.451⁄MG, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 28⁄9⁄2017)

Na oportunidade, reconhecendo a inegável importância crescente dos elementos imateriais da empresa para atração do consumidor e identificação dos produtos e seus fabricantes, assinalou-se a necessidade de se esclarecer a distinção entre marca, desenho industrial e conjunto-imagem (trade dress) e, por consequência, divisar o tratamento jurídico dispensado a cada um. Nessa trilha, enfatizando a ausência de previsão legal específica para o amparo do trade dress, o qual consiste em conjunto visual global de um produto ou a forma de prestação de um serviço,  lembrou-se que sua proteção se fundamenta no dever geral de garantia de livre mercado, especialmente disposto no art. 209 da Lei n. 9.279⁄1996.

Todavia, ao se entrelaçar conceitos e vetores do direito concorrencial no direito de proteção à propriedade industrial, mormente em casos que não se debate propriedades registradas e objetivamente protegidas, a análise da confusão passa do plano abstrato (questão de direito) ao plano concreto (questão de fato) e, assim, inerentemente dependente de prova.

Isso porque não se pode ignorar que, em alguns nichos mercadológicos, os produtos ou serviços são apresentados ao consumidor por meio de elementos comuns e bastante difundidos no mercado. Essa similaridade dispersa, ao contrário de configurar uma conduta anticompetitiva, resulta num benéfico acirramento da competição na medida em que facilita ao consumidor identificar as opções de produtos semelhantes existentes no mercado, para então concluir sua decisão em favor da marca que melhor lhe aprouver, seja pelo critério de preço, seja pelo critério de qualidade, seja por qualquer outro critério que eleja voluntariamente. Desse modo, por resultar em incremento à competição, a entrada de conjunto-imagem semelhante em mercado já assemelhado não deve ser obstada por meio de intervenção judicial. Esta deverá ser excepcional e sempre pautada pela verificação concreta de que se está diante de algo novo e peculiar a ponto de despertar o Estado de sua inércia, consequência da livre concorrência e da liberdade de iniciativa adotadas no Brasil.

Desse modo, para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum.

2. Alegação de violação do art. 333 do CPC⁄1973

Muito embora seja imprescindível a prova técnica em casos como o dos autos, em que se debate a violação de trade dress por confusão, o acórdão recorrido, ao dar provimento à apelação interposta pela recorrida, entendeu suficiente a aplicação de máximas da experiência para concluir pelo potencial danoso da aproximação visual das embalagens. É o que se evidencia do seguinte trecho (e-STJ, fl. 962):

b) O outro requisito se configura pela simples suscetibilidade de estabelecer confusão entre os produtos, logo, o uso de signos distintivos de forma semelhante é o suficiente para caracterizar uma confusão.
c) Quanto à imitação; ao contrário do que mencionou o apelante, acredito que a nítida semelhança na estilização da linha de produtos da marca nominativa CHOCOMILK se dê pela padronização e não pela má-fé de captar uma classe consumidora (requisito não-obrigatório à concorrência desleal). A padronização das embalagens [de produtos diferentes da mesma fornecedora] é uma técnica de marketing comum às empresas de produtos alimentícios, pois visa promover o aumento nas vendas dos outros segmentos dessa mesma linha.
Todavia, essa tentativa de padronização tornou os conjuntos de imagens empregados pelas partes confundíveis, prática esta que deve ser combatida.

Contudo, ao contrário do fundamentado no acórdão recorrido e na linha das considerações acima, inexistindo registro da embalagem em favor de algum dos litigantes, não se cogita da existência de um direito de exploração exclusiva, de modo que a vedação à utilização por alguma das partes depende mesmo da caracterização efetiva de ato de concorrência desleal. Nesses casos, em que a causa de pedir é exatamente a prática de atos anticoncorrenciais por meio da utilização de conjunto-imagem assemelhado e apto a causar confusão no mercado consumidor, deve-se reconhecer que o cerne do processo repousa em fato cuja caracterização depende, a priori, de conhecimento técnico especial não exigível de um juiz de direito, devendo, por isso, o juiz se servir do auxílio técnico de expert.

Deve-se enfatizar que a necessidade de prova técnica, ainda que passível de dispensa pelo juiz da causa e pelos graus ordinários de jurisdição, conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, não pode ser afastada ao livre-alvedrio do Julgador, mas em situações justificadas e respaldadas em alguma das hipóteses taxativamente previstas no parágrafo único do art. 420 do CPC⁄1973, vigente à época, e repetidas no atual art. 464, § 1º, do CPC⁄2015.

No caso dos autos, todavia, nem sequer houve o pleito da recorrida, autora da presente ação, para produção de prova apta a demonstrar a existência da confusão entre os produtos concorrentes, o que a ela competia nos termos do art. 333, I, do CPC⁄1973. Ao contrário, na fase de especificação de provas e saneamento processual, a recorrida se manifestou, de forma expressa, pela desnecessidade de produção de provas adicionais de qualquer natureza. É o que se denota do seguinte trecho de sua petição (e-STJ, fls. 443):

5. Informa a Requerente, portanto, que não possui interesse na produção de provas adicionais, reservando-se, obviamente, ao direito de contraditar eventuais provas pleiteadas pela Requerida.

Por essa trilha, uma vez que a notória semelhança entre os dois produtos – reconhecida pelo TJ⁄PR – não é suficiente para caracterizar a concorrência desleal e que a prova técnica não foi oportunamente requerida (aliás, foi expressamente dispensada), a presente causa se resolve pela distribuição estática do ônus da prova, o qual recai, portanto, sobre a ora recorrida. Assim, não tendo a recorrida se desincumbido de provar o fato constitutivo de seu direito, qual seja, a existência de ato de concorrência desleal, deve mesmo ser provido o presente recurso para julgar improcedente a ação condenatória por ela proposta.

Com esses fundamentos, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença proferida, fixando os honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa.

É como voto.


Documento: 69689931  RELATÓRIO E VOTO    

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