sábado, 28 de abril de 2012

Qual o papel do Estado frente as atividades comerciais?”



Entendemos que existe a plena necessidade do exercício da atividade empresarial, visto ser esta a principal fonte de “giro” da chamada economia de mercado. A atividade empresarial gera empregos, impostos, encargos previdenciários, e tudo isso alavanca a economia de um país.
Nesse aspecto, a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (Art. 170 da CF/1988), permitindo que as atividades empresariais sejam exercidas pelos agentes que atuam no mercado.
O Estado permite o exercício da atividade, porém a regulamenta, exigindo registro nos órgãos de registro de empresas, que ficam a cargo das Juntas Comerciais (Art. 967 do Código Civil). O Estado também exerce a atividade de fiscalização, como acontece por exemplo com a fiscalização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) no Mercado de Capitais (Lei 6.385/76)
Também regula o Estado algumas práticas comerciais consideradas como abusivas, previstos em institutos como o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) ou na Lei de Truste (Lei 8.884/94)
O Estado atua no sentido de retirar do mercado, mediante decisão judicial, os empresários que não merecem ali estar, isso pode ocorrer através do instituto da falência. (Lei 11.101/2005).

Professor Paulo Roberto Bastos Pedro, advogado especialista em direito empresarial, autor de livros voltados para o Exame da OAB e professor de cursinhos preparatórios.

“O que é uma sociedade leonina?”


Alguns empresários e economistas freqüentemente apontam um excesso de leis e procedimentos burocráticos como um dos fatores que atrapalham o crescimento econômico e, como um certo efeito colateral, incentivaria a opção pela corrupção ou a busca por outras ‘vantagens’. 

Professor da Uninove, Sérgio Gabriel, advogado e especialista em Direito Privado.

Resposta: Sociedade leonina é aquela em que se faz a distribuição do lucro em benefício de apenas um dos sócios. Esta distorção ocorria porque muitas sociedades eram criadas com a quase totalidade das quotas e favor de um sócio, existindo o outro apenas para justificar a composição de uma sociedade. Essa distorção já foi corrigida pelo legislador com a implantação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (980-A, CC), onde apenas uma pessoa figura como sócio de uma empresa de responsabilidade limitada.

Com morte de sócio, como fica a divisão da sociedade empresarial?



Sociedades empresárias costumam render diferentes abordagens no Exame da OAB. No Exame 2007.3, organizado pela Cespe, cobrou-se do candidato que apontasse que assumiria a sociedade após falecimento de um dos sócios.
Renato e Flávio eram sócios da pessoa jurídica X Comércio de Alimentos Ltda. Flávio era casado sob o regime de comunhão universal de bens e Renato era viúvo. Em julho de 2007, Renato faleceu em virtude de acidente automobilístico, deixando como único herdeiro seu filho de quatorze anos, o qual ficou sob a tutela de seu tio João. Com base nessa situação hipotética, assinale a opção correta.
a) O filho de Renato, representado por João, com a concordância do sócio remanescente, poderá continuar a empresa, sendo desnecessária autorização judicial se essa hipótese de sucessão estiver prevista no contrato social.
b) Os bens particulares, estranhos ao acervo da empresa, que o filho de Renato já possuía ao tempo da sucessão não responderão por dívidas da sociedade.
c) Se, durante a fase de liquidação, Flávio optar pela dissolução da sociedade, na alienação de bens imóveis integrantes do patrimônio da empresa, será necessária a outorga de sua esposa.
d) Se João não puder exercer atividade de empresário,  para que o filho de Renato possa continuar a empresa, deve-se nomear, com a aprovação judicial, um ou mais gerentes, ficando João isento da responsabilidade pelos atos do gerente nomeado.

Resposta:
A alternativa B está correta. De acordo com o artigo 974 do Código Civil/2002, o incapaz pode continuar a exercer a atividade empresarial desde que a sociedade limita tenha todo o seu capital social já integralizado, e que o patrimônio do incapaz, que não tiver relação com a atividade empresarial, seja preservado.

A alternativa A está incorreta, pois a participação do incapaz numa atividade empresaria depende da autorização do juiz ( artigo 974 do Código Civil/2002)

A alternativa C está incorreta, pois de acordo com artigo 978 Código Civil/2002, não é necessária a vênia conjugal para a alienação de bens imóveis pertencentes à atividade empresarial.

E, por fim, a alternativa D está incorreta, pois o representante legal nomeado pelo juiz será responsável pelos atos dos gerentes nomeados (artigo 975 Código Civil/2002).

Pergunta e resposta extraída do livro Questões comentadas do Exame da OAB, da editora Revista dos Tribunais, 2010, 3ª edição

sexta-feira, 27 de abril de 2012

ETAPAS DE REGISTRO DE SUA EMPRESA


Procedimentos Preliminares

1. Escolha da Razão Social e Nome Fantasia
No caso da escolha de um nome, é aconselhável ir à Junta Comercial de sua cidade, para checar se não existe outra empresa com nome igual ou semelhante ao que você escolheu, no mesmo ramo de negócios, evitando-se, assim, aborrecimentos futuros. Não copie nomes, marcas, já existentes, pois existem legislações específicas sobre o assunto.

2. Prepare a Documentação
A documentação vai depender do tipo de empresa que você escolher (sociedade ou firma individual) e das exigências dos órgãos de seu Estado ou Município.
Antes de partir para as etapas seguintes, providencie a documentação inicial de acordo com o Seguinte:
- Declaração de Empresa Individual (No caso de empresa Individual adquira o formulário em papelarias e preencha os dados solicitados.)
- Contrato Social (No caso de Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada.)

O CONTRATO SOCIAL deve conter os seguintes itens básicos:
Objeto social da empresa (finalidade), capital e valor das cotas de responsabilidade de cada sócio, quem vai assinar pela empresa, retiradas e pró-labores dos sócios, imprevistos na dissolução da sociedade, sede da empresa e documentos dos sócios. Assinar e rubricar todas as folhas (três vias), com testemunhas. No contrato social deverá constar a assinatura de um advogado inscrito na OAB e duas testemunhas, não podendo ter qualquer grau de parentesco com os sócios.
Documentos:
01 cópia autenticada do CPF, da Carteira de Identidade, do comprovante de residência, contrato de locação ou escritura de propriedade, 01 cópia do IPTU da sede da Empresa.

3. Defina o Local da Empresa
Para se obter a licença prévia de Funcionamento e Vigilância Sanitária, consulte a Prefeitura que deverá verificar se a empresa poderá abrir no local desejado, de acordo com a lei de zoneamento urbano. Consulte também o órgão ambiental de sua cidade, sobre a aprovação do local, em termos ambientais. O objetivo é avaliar se o ramo de atividade, o endereço e a situação do imóvel são compatíveis.
Importante: não alugue ou adquira o imóvel antes de verificar a viabilidade do funcionamento.

4. Registre sua Empresa
É importante realizar o registro de sua empresa, para ampliação de novos negócios e de mercado.
Prepare-se com a documentação necessária, pois você se tornará realmente um empresário, a partir das exigências legais, que a princípio, podem se configurar numa grande burocracia, para quem não está preparado e não conhece as legislações ligadas ao ramo de negócios empresariais. Portanto, sugerimos que você consulte antes toda a legislação referente ao seu negócio.
A exigência de documentos varia muito, de acordo com os seguintes aspectos: ramo de atividades, tipo de empresa (sociedade comercial ou firma individual), da região geografica, do estado, e, as vezes, até de município para município no Brasil.
Os procedimentos básicos estão relacionados nas etapas a seguir:

5 - Etapas para o Registro de Sociedade

Etapa 1 - Junta Comercial
Providencie o Registro de sociedade comercial e o enquadramento como Micro-empresa, a Junta Comercial Ihe fornecerá as informações sobre os documentos e procedimentos necessários. Existem em alguns Estados centrais onde todos os órgãos responsáveis por abertura de empresas estão reunidos no mesmo local.

Etapa 2 – Secretaria da Receita Federal / Secretaria Estadual da Fazenda
Nesta etapa você deverá procurar a SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL para providenciar a inscrição federal no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ e posteriormente, procurar a SECRETARIA ESTADUAL DE FAZENDA para sua inscrição estadual, esta inscrição deve ser feita após o arquivamento do contrato social na Junta Comercial.
Para maiores informações procure os órgãos responsáveis sobre o respectivo cadastramento.

Etapa 3 – Prefeitura
Procure a Prefeitura Municipal para retirar o Alvará de funcionamento.
Leve a documentação anterior. Para realizar esta etapa é preciso ter o Registro da Junta Comercial, o CNPJ e a aprovação prévia do local.
OBS: Verifique junto a Prefeitura, o valor da Taxa de Recolhimento Anual TLIF (taxa de localização, instalação e funcionamento).

6 - Etapas para Registro de Firma Individual

Etapa 1 – Cartório de Registro Civil de Pessoa Jurídica
Providencie o Registro de firma individual no órgão acima, que lhe fornecerá as informações sobre os documentos e procedimentos necessários. No Distrito Federal, o Registro de Firma Individual é realizado também na Junta Comercial de Brasília, como na de Sociedade.

Etapa 2 – Secretaria da Receita Federal / Secretaria Estadual da Fazenda
Nesta etapa você deverá procurar a SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL para providenciar a inscrição federal no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ e posteriormente, procurar a SECRETARIA ESTADUAL DE FAZENDA para sua inscrição estadual, esta inscrição deve ser feita após o arquivamento do contrato social na Junta Comercial.
Para maiores informações procure os órgãos responsáveis sobre o respectivo cadastramento.

Etapa 3 – Prefeitura Municipal
A documentação complementar será solicitada pela Prefeitura Municipal para tirar o alvará de funcionamento. Para realizar esta etapa é preciso se ter todos os registros e documentações obtidas anteriormente.

Lorena Ferreira Fernandes nº 24 turma A 2º ano – Direito (UENP)

(Questões de Prova) Magistratura/SP - Qual a diferença entre sociedade de fato e sociedade irregular?


Atualmente, depois da entrada em vigor do Código Civil de 2002, a sociedade de fato e a sociedade irregular são consideradas espécies do gênero sociedades em comum, reguladas nos artigos 986 a 990 do referido diploma legal.

Nada obstante sejam tratadas, na maioria das vezes, como expressões sinônimas, são conceitos que não se confundem.

Nunca é demais lembrar que a sociedade se constitui somente depois da inscrição (registro) do ato constitutivo (contrato social ou estatuto social) no órgão competente.

Partindo dessa premissa, e, em poucas palavras, deve-se compreender que sociedade de fato é aquela que não possui ato constitutivo, ao passo que, a sociedade irregular se evidencia por possuir ato constitutivo, mas não levado a registro.

Nos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho, tais sociedades se distinguem, também, pelo cabimento ou não de ação entre os sócios para a declaração da existência do vínculo societário.

Da simples leitura do artigo 987 , do Código Civil , verifica-se que aquele que integra uma sociedade de fato não pode valer-se de tal ação, mas, aquele que compõe sociedade irregular pode.

Estas são as principais diferenças entre essas espécies de sociedade.

(Pesquisa Turatti Junior)

Requisitos para responsabilizar os administradores

Nas últimas décadas, uma série de escândalos financeiros trouxe à baila a discussão sobre a responsabilização de administradores por desmandos e fraudes contábeis que pudessem colocar em perigo não só os “shareholders” (acionistas), como os denominados “stakeholders”, que, apesar de não serem investidores diretos no negócio, têm legítimo interesse na sua boa administração. É o caso dos empregados, dos credores da empresa e, por que não dizer, do próprio Fisco.
Para a proteção desses interessados e também com o objetivo de assegurar a boa administração empresarial, criou-se um arcabouço de regras relativas à governança corporativa cuja principal função foi a de instituir mecanismos de proteção e controle dos atos praticados pelos administradores e assegurar plena transparência da forma como os negócios são conduzidos.
Esses mecanismos de controle se materializaram, entre outros, no aumento da atuação das autoridades reguladoras e no aprimoramento das atividades de auditoria, além da crescente responsabilização de executivos pela administração fraudulenta de negócios.
O Fisco sempre dispôs de mecanismos próprios que lhe garantiram contínuo e absoluto controle de todas as atividades financeiras e operacionais realizadas pela empresa. De fato, por meio dos livros fiscais (de entrada, saída, estoque, LALUR etc), notas fiscais, certidões negativas de débitos, declarações (DECLAN, GIA, DIPJ, DIPF, DCTF, DIRF, RAIS, DACON, SINTEGRA, DIEF etc), e tantos outros mecanismos de controle, as autoridades fiscais (nos três níveis da federação) são as que dispõem, entre os “stakeholders”, dos melhores instrumentos de controle existentes.
No que concerne à responsabilização dos administradores, o Fisco conta com uma proteção legislativa adicional, corporificada nas regras contidas nos artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual os diretores gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.
Singela a redação, mas dela decorreu discussões de toda ordem. Citamos alguns exemplos.
A primeira dessas discussões foi travada em relação ao tipo de responsabilidade que se atribui ao administrador nas hipóteses transcritas no dispositivo acima. Seria ela solidária, subsidiária ou substitutiva? Na jurisprudência, há posicionamentos para todos os gostos, e as seguintes ementas demonstram bem isso:

  • "(...) a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios, prevista no art. 135 do CTN". (Primeira Seção REsp 1.101.728/SP, 11.03.2009)


  • “Esta Corte Superior de Justiça firmou compreensão de que a responsabilidade tributária substitutiva, prevista no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, atribuída ao sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de empresa comercial, exige prova da prática de atos eivados de vícios (...).” (AgRg no REsp 1160608/AL, Primeira Turma, 23.03.2010)


  • Súmula 430, de 13.05.2010 - “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”


Na doutrina, também houve divergência. Para o professor Hugo de Brito Machado, o administrador seria solidariamente responsável com o contribuinte; para a professora Misabel Derzi, a responsabilidade nesses casos seria substitutiva e, para o professor Leandro Paulsen, ela seria solidaria, mas somente nas hipóteses em que a pessoa jurídica se beneficiasse do ato ilegal, ou praticado com excesso de poderes pelo administrador.
Outra discussão disse respeito à natureza da infração cuja prática poderia resultar na atribuição da responsabilidade em exame.
O posicionamento inicial do STJ foi no sentido de que o mero não recolhimento de tributos já configuraria infração a lei para esse fim.

  • “O sócio gerente da sociedade limitada é responsável (...) pois age com violação a lei o sócio gerente que não recolhe os tributos devidos.” (Resp 34429-7-SP, Relator Min. Cesar Rocha, Primeira Turma, 23.06.1993)

Posteriormente, esse mesmo Tribunal modificou a sua jurisprudência para entender que “a responsabilidade tributária decorrente do art. 135 do CTN é subjetiva e refere-se às infrações à lei comercial, civil, trabalhista etc., e não ao mero inadimplemento da obrigação tributária” (Resp n. 933.909, Segunda Turma, Relator Ministra Eliana Calmon, em 24.06.2008).

Houve também discussões acerca da possibilidade de a mera mudança de domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimar o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente, mas o STJ acabou por firmar jurisprudência no sentido de que, sim, tal redirecionamento seria possível nessas circunstâncias, porque essa falha configuraria dissolução irregular de sociedade (Súmula 435 – “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”).

Mas, pergunto eu, a dissolução irregular de sociedade poderia ensejar a aplicação do disposto no artigo 135 do CTN?
Pela literalidade do dispositivo, parece-me que não. Ao examinar a possibilidade de o mero não pagamento de imposto configurar infração para os efeitos daquele dispositivo, a Professora Misabel Derzi sustentou que essa conclusão não seria admissível porque os créditos mencionados no art. 135 correspondem a obrigações resultantes de atos irregulares praticados pelos administradores. Se são obrigações resultantes de tais atos, sustenta a ilustre Professora, é porque o ilícito deve ser prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação, e jamais a ela posteriores, como é o caso do pagamento do tributo, que necessariamente ocorre posteriormente ao nascimento da respectiva obrigação.
Ora, o mesmo se dá com a dissolução irregular de sociedade, que representa, pela sua própria natureza, o fim do exercício das atividades da pessoa jurídica, não havendo, portanto, que se pressupor a existência de qualquer ato nem obrigação tributária que lhe seja subsequente. Não conheço precedentes que tenham examinado a questão sob esse enfoque, mas o debate é válido.
Outra dúvida que suscitou debates acalorados foi a possibilidade de haver a responsabilização do sócio-gerente que realiza a dissolução irregular da sociedade por créditos tributários relativos a fatos geradores ocorridos anteriormente ao seu ingresso na sociedade. A jurisprudência do STJ que conhecemos sobre esse aspecto da discussão foi no sentido de que tal responsabilização só é possível relativamente aos fatos geradores ocorridos durante o mandato do administrador que dissolve irregularmente a sociedade.
O mesmo raciocínio, por óbvio (e até por mais forte razão), deve ser aplicado em relação ao sócio-gerente que, apesar de ter sido o administrador da sociedade à época da ocorrência do fato gerador, não foi responsável pela sua dissolução irregular.
Mas, o debate que trago à reflexão, nesta oportunidade, é outro.
De acordo com as regras atualmente em vigor (Portaria da PGFN n. 180, de 25.02.2010), a inclusão dos administradores na Certidão da Dívida Ativa (CDA) é possível, desde que baseada em expressa declaração fundamentada por parte das autoridades competentes (RFB, PGFN ou, ainda, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE) sobre a prática de ato do qual possa resultar a respectiva atribuição de responsabilidade, nos termos do artigo 135 do CTN.
O entendimento prevalecente é o de que, se a CDA, na sua origem, já faz expressa menção aos administradores como responsáveis pelo pagamento do tributo, cabe a eles (e não ao Fisco) o ônus da prova de que não praticaram as irregularidades que lhes atribuiria tal responsabilidade. Se, por outro lado, a CDA não faz tal indicação e há o mero redirecionamento da execução, o ônus dessa prova, nessas hipóteses, cabe às autoridades fiscais (e não aos administradores).
A criação dessa regra representou evolução em relação à prática que até então prevalecia, segundo a qual tal inclusão (pasmem, inclusive a de advogados – mas, isso será tratado em outro artigo) era feita na CDA sem que houvesse a necessidade de qualquer fundamentação.
Mas, ainda há largo espaço para necessária evolução.
Há que se restringir tal inclusão aos casos em que o suposto responsável (seja ele sócio, administrador ou procurador) tenha tido a prévia oportunidade de se manifestar sobre a validade e procedência do respectivo crédito tributário, oportunidade essa que se materializa no contencioso administrativo tributário.
De fato, ao tratar do lançamento tributário, o artigo 142 do CTN o define como o procedimento que, além de verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido (propondo, quando for o caso, a aplicação da penalidade cabível), identifica o sujeito passivo.
Ou seja, é no lançamento que o sujeito passivo (contribuinte e responsável, nos termos do art 121 do CTN) deve ser identificado, e não quando da expedição da CDA nem, muito menos, no decorrer da execução fiscal.
E o processo administrativo, como já tive a oportunidade de demonstrar em outro artigo publicado nesta coluna do CONJUR (em 22.02.2012), tem a fundamental função de legitimar o título executivo objeto da execução fiscal. É por meio do contencioso administrativo que se verifica o atendimento aos princípios do contraditório, da ampla defesa, impessoalidade, moralidade administrativa e, principalmente, do devido processo legal.
Por essa razão, não há como legitimar-se o redirecionamento da execução fiscal contra administrador, sócio ou procurador que não tenha tido a oportunidade de, no decorrer da fase contenciosa administrativa, manifestar-se sobre a procedência do lançamento, seja em razão do mérito da cobrança, dos aspectos formais do lançamento, da matéria de fato, ou, ainda, da efetiva existência de irregularidades nos atos por ele praticados passíveis de torná-lo responsável pelo pagamento do tributo, nos termos do artigo 135 do CTN.
Do contrário, estar-se-á, sem qualquer fundamentação que tenha sido objeto de contraditório, em flagrante desrespeito ao devido processo legal, subjugando cidadãos presumidamente cumpridores dos seus deveres às agruras daqueles que são executados judicialmente em matéria tributária: penhora online, inscrição em lista de devedores, impossibilidade de obtenção de certidões negativas, entre tantas outras.
Tal resultado é inconcebível, inaceitável e incompatível com o Estado de Direito.

Gustavo Brigagão é sócio do escritório Ulhôa Canto, secretário-geral da ABDF (Associação Brasileira de Direito Financeiro) e presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro.

DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ESTATUTO DO IDOSO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL



RECURSO ESPECIAL Nº 950.663 - SC (2007?0106323-9)

RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S?A
ADVOGADO : GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)
RECORRIDO : IZAIR LUIZ POSSATO
ADVOGADO : ELIZABET CORREA E OUTRO


RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Banco do Brasil S?A ajuizou ação de execução em face de Izair Luiz Possato, na qual foi determinada penhora de imóvel, descrito na inicial, atingindo a nua propriedade (fls. 142).

Sobreveio agravo de instrumento (fls. 4-13), provido nos seguintes termos (fls. 170-175):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE REJEITADA, HAJA VISTA RECAIR SOBRE A NUA-PROPRIEDADE. IMPROCEDÊNCIA. DESNECESSIDADE DE RESIDIR O DEVEDOR NO IMÓVEL. MOTIVOS JUSTIFICÁVEIS. REFORMA DA INTERLOCUTÓRIA. RECURSO PROVIDO.

Opostos embargos de declaração (fls. 185-186) pelo Banco do Brasil, foram acolhidos (fls. 189-194) para mencionar explicitamente os dispositivos legais que fundamentaram a decisão embargada.

A instituição financeira interpôs o presente recurso especial (fls. 198-207), com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando violação aos arts. 1º e 5º da Lei 8.009?90, ao argumento de que a não residência do executado no imóvel impede seja ele considerado impenhorável, máxime em virtude de não subsistir o proprietário e sua família de renda advinda do aluguel do bem.

Foram apresentadas contrarrazões ao recurso (fls. 252-257).

Foi intentado recurso extraordinário (fls. 268).

Ambos os recursos foram admitidos na instância ordinária (fls. 266 e 268).

Em consulta ao sítio do Tribunal estadual, verificou-se que o processo foi temporariamente arquivado em 3?2?2010, aguardando decisão do recurso especial.

É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 950.663 - SC (2007?0106323-9)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S?A
ADVOGADO : GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)
RECORRIDO : IZAIR LUIZ POSSATO
ADVOGADO : ELIZABET CORREA E OUTRO


EMENTA



PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO. LEI 8.009?90. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. DEVEDOR NÃO RESIDENTE EM VIRTUDE DE USUFRUTO VITALÍCIO DO IMÓVEL EM BENEFÍCIO DE SUA GENITORA. DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ESTATUTO DO IDOSO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL.

1. A Lei 8.009?1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como um dos instrumentos de tutela do direito constitucional fundamental à moradia e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna, sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF?1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental.

2. A Carta Política, no capítulo VII, intitulado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso", preconizou especial proteção ao idoso, incumbindo desse mister a sociedade, o Estado e a própria família, o que foi regulamentado pela Lei 10.741?2003 (Estatuto do Idoso), que consagra ao idoso a condição de sujeito de todos os direitos fundamentais, conferindo-lhe expectativa de moradia digna no seio da família natural, e situando o idoso, por conseguinte, como parte integrante dessa família.

3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado. Forçoso concluir, então, que a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009?1990.



4. Ademais, no caso ora sob análise, o Tribunal de origem, com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso,  consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis. Infirmar tal decisão implicaria o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso a esta Corte ante o teor da Súmula 7 do STJ.

5. Recurso especial não provido.




VOTO



O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Cinge-se a controvérsia à definição acerca da impenhorabilidade ou não da nua propriedade de bem destinado à moradia da genitora do proprietário, em virtude de usufruto vitalício.

2.1. Por primeiro, cabe assinalar que o usufruto é direito real personalíssimo, importando o fracionamento do domínio: ao usufrutuário é concedido o direito de desfrutar do bem alheio, percebendo-lhe os frutos e dele podendo retirar proveito econômico;  ao nu-proprietário remanesce tão somente a posse indireta e o direito de dispor desse bem.

Nesse compasso, em regra, a pessoalidade do usufruto impõe a sua inalienabilidade, a qual, por sua vez, implica a impenhorabilidade desse direito, mas não de seus frutos, os quais, se tiverem expressão econômica, são passíveis de penhora em ação movida contra o usufrutuário, desde que a renda por este obtida seja desprovida de caráter alimentar.

A nua propriedade, a seu turno, é suscetível de constrição, salvo se, sendo o imóvel considerado bem de família, nele resida o nu-proprietário.

Erige-se nesse sentido a jurisprudência desta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS À EXECUÇÃO - LEI N. 8.009?90 - PENHORA INCIDENTE SOBRE O DIREITO REAL DE USUFRUTO DE BEM IMÓVEL - IMÓVEL UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA PELOS EXECUTADOS E USUFRUTUÁRIOS - IMPENHORABILIDADE - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1013834?SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07?12?2010, DJe 03?02?2011)

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. DEVEDORA DETENTORA DE 50% DO USUFRUTO. EXECUÇÃO PROPOSTA PELO NU PROPRIETÁRIO DETENTOR DOS OUTROS 50%. PENHORA DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE USUFRUTO. IMPOSSIBILIDADE.
I - Da inalienabilidade resulta a impenhorabilidade do usufruto. O direito não pode, portanto, ser penhorado em ação executiva movida contra o usufrutuário; apenas o seu exercício pode ser objeto de constrição, mas desde que os frutos advindos dessa cessão tenham expressão econômica imediata.
II - Se o imóvel se encontra ocupado pela própria devedora, que nele reside, não produz frutos que possam ser penhorados. Por conseguinte, incabível se afigura a pretendida penhora do exercício do direito de usufruto do imóvel ocupado pela recorrente, por ausência de amparo legal.
Recurso Especial provido.
(REsp 883.085?SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19?08?2010, DJe 16?09?2010)

2.2. Por outro lado, mas na mesma linha de raciocínio, a jurisprudência deste Tribunal Superior assentou a tese de que  o único imóvel do executado é tido como bem de família, ainda que este não o habite, se nele residir seus filhos e ex-cônjuge.

Confiram-se os seguintes precedentes:

CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. O imóvel em que reside a ex-esposa e os filhos do devedor tem o caráter de bem de família, merecendo a proteção legal da Lei nº 8.009, de 1990. A impenhorabilidade da meação impede que a totalidade do bem seja alienada em hasta pública. Recurso especial conhecido e provido para julgar procedentes os embargos de terceiro.
(REsp 931.196?RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 08?04?2008, DJe 16?05?2008)

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. IMÓVEL OCUPADO POR EX-COMPANHEIRA E PELO FILHO DO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE. RENÚNCIA AO FAVOR LEGAL. INVALIDADE. PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. LEI N. 8.009?90.
I. A proteção conferida à entidade familiar pela Lei n. 8.009?90 se estende à situação em que o imóvel constritado se acha ocupado pela ex-companheira e pelo filho do executado, sendo destituída de validade cláusula contratual em que ele abre mão do favor legal, que, por se cuidar de norma de ordem pública, é sempre preponderante.
II. Tampouco importa em renúncia ao benefício a indicação anterior do bem à penhora.
III. Precedentes do STJ.
IV. Recurso especial não conhecido. (REsp 507.686?SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, DJU de 22.03.04)

RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA - LEI N° 8.009?90 - IMPENHORABILIDADE.
Se o constituinte buscou proteger a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes considerando-a como entidade familiar (art. 226, § 4º, da CF), afigura-se justo que, no caso em exame, o benefício da impenhorabilidade instituído pela Lei n° 8.009?90 alcance o imóvel em que reside a ex-companheira e os filhos do proprietário desse bem constrito, ainda que este último, por força de acordo firmado na ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, não mais resida no mesmo imóvel.
Recurso Especial a que se dá provimento. (REsp 272.742?PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJU de 28.05.2001)

3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado.

A questão que se impõe é saber se tal justificativa é suficiente para lhe conferir a proteção engendrada pela Lei 8.009?1990, consoante entendeu o Tribunal de origem.

3.1. O direito à moradia foi citado inicialmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembléia Geral da ONU, tendo o Brasil como um dos seus signatários.

A citada Declaração estabelece que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, moradia, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (art. 25, §1o).

O principal instrumento legal internacional que trata do direito à moradia, ratificado pelo Brasil e por mais 138 países, é o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais e Culturais - Pidesc, adotado pela ONU em 1966.

O artigo 11, §1º, do Pidesc, dispõe que os Estados partes reconhecem o direito de toda pessoa à moradia adequada e comprometem-se a adotar medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito.

Faz-se mister ressaltar, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (entre outros, o RE 349.703?RS, julgado pelo Tribunal Pleno em 3?12?2008), que tratado internacional que versa sobre direitos humanos assume o status de norma supralegal, situando-se abaixo da Constituição, porém acima da legislação ordinária, de modo que o ordenamento jurídico interno deve contemplar formas para implementação dos seus mandamentos.

Nessa senda, a Constituição da República, em seu artigo 6º, encartou a moradia no bojo dos direitos sociais, alçando-a à qualidade de direito fundamental, já que se trata de capítulo inserto no título II da Carta Magna, intitulado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais":

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O constituinte originário exteriorizou a preocupação com a proteção desse direito fundamental à dignidade da pessoa humana em diversos outros dispositivos, tais como, o art. 23, IX, no qual estabelece como dever do Estado, nas suas três esferas, a promoção de programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, bem assim o art.  7º, IV, onde o direito à moradia é inserto como necessidade básica dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que deve ser atendida pelo salário mínimo.

Não se olvida que, anteriormente à Constituição de 1988, o Código Civil de 1916 tenha disciplinado o  bem de família. No entanto, seu extremo formalismo relegou o instituto à vala da aplicação raríssima, não atendendo satisfatoriamente, portanto, aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à moradia e à família, insertos na nova Carta.

Nesse contexto, exsurge a Lei 8.009?90, cujo art. 1º estabelece:

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

O mencionado diploma legal institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna.

Enfatizando o fundamento constitucional do instituto, Araken de Assis preleciona:

Inicialmente destinado à proteção da família, a evolução do instituto, no direito brasileiro, e a respectiva inserção no ambiente econômico contemporâneo acarretaram mudança significativa no âmbito da sua aplicação. A proteção se estendeu ao obrigado, tout court, haja ou não constituído família, amplitude revelada pela pela tutela dos bens domésticos (art. 2º, parágrafo único, da Lei 8.009?1990) da família sem imóvel residencial próprio. Por sua vez, essa proteção ao obrigado, mediante a técnica da impenhorabilidade, assegura-lhe o chamado patrimônio mínimo. A garantia dos meios mínimos de sobrevivência, que é a morada e seu conteúdo, observa um princípio maior, porque "orienta-se pelo interesse social de assegurar uma sobrevivência digna aos membros da família, realizando, em última instância, a dignidade humana".
É o princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, também o responsável pela humanização da execução, recortando do patrimônio o mínimo indispensável à sobrevivência digna do obrigado, sem embargo do dever de prestar que caracterizou o homestead. A norma jurídica (princípio e valor) fundamental, na feliz síntese de Ingo Wolfgang Sarlet, inserida no art. 1º, III, da CF?1988, fornece  o fundamento constitucional do instituto. (Manual da Execução. São Paulo: RT, 2010, p. 275-276).

O princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF?1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental.

É o que se verifica, por exemplo, em diversos precedentes jurisprudenciais desta Corte Superior que entenderam pela extensão dessa proteção à morada do devedor solteiro, a despeito de o artigo 1º da Lei 8.009?90 ser explícito no sentido de instituir, como beneficiário da impenhorabilidade da residência familiar, o casal ou a entidade familiar.

Confiram-se:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. EXECUÇÃO. INADIMPLEMENTO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DO DEVEDOR. REVISÃO DO ENCARGOS.
1. É vedada a esta Corte apreciar violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
2. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. O Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Precedentes.
3. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 585, II, CPC; 955 e 999, I, do CC; art. 6, § 1º, LICC; 9º da Lei 4.595?64; 27, § 5º, II, da Lei 9.069?95 impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da súmula 211?STJ.
4. Uma vez realizada a partilha em processo judicial de separação, cujo formal foi devidamente homologado pelo juiz competente, não cabe a penhora de imóvel pertencente a apenas um dos cônjuges, pois a proteção ao bem de família, no caso, se estende ao imóvel no qual resida o devedor solteiro ou solitário.
[...]
11. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.
(REsp 471.903?RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06?05?2010, DJe 24?05?2010)

DIREITO CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. CARACTERIZAÇÃO. HIPÓTESE DE DÍVIDA DOS CÔNJUGES QUE, APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO VISANDO AO SEU RECEBIMENTO, PROMOVEM SUA SEPARAÇÃO DE FATO, PARTINDO, CADA UM DELES, PARA RESIDIR EM UM DOS IMÓVEIS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO DO CASAL. PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE BEM DE FAMÍLIA ÀS DUAS RESIDÊNCIAS. IMPOSSIBILIDADE.
- O Superior Tribunal de Justiça já consolidou seu entendimento no sentido de que a proteção ao bem de família pode ser estendida ao imóvel no qual resida o devedor solteiro e solitário. Esse entendimento, porém, não se estende à hipótese de mera separação de fato entre cônjuges, com a migração de cada um deles para um dos imóveis pertencentes ao casal, por três motivos: (i) primeiro, porque a sociedade conjugal, do ponto de vista jurídico, só se dissolve pela separação judicial; (ii) segundo, porque antes de realizada a partilha não é possível atribuir a cada cônjuge a propriedade integral do imóvel que reside; eles são co-proprietários de todos os bens do casal, em frações-ideais; (iii) terceiro, porque admitir que se estenda a proteção a dois bens de família em decorrência da mera separação de fato dos cônjuges-devedores facilitaria a fraude aos objetivos da Lei.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 518.711?RO, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p? Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19?08?2008, DJe 05?09?2008)

CIVIL. IMÓVEL QUE SERVE DE RESIDÊNCIA PARA PESSOA SOLTEIRA.
IMPENHORABILIDADE. O imóvel que serve de residência para pessoa solteira está sob a proteção da Lei nº 8.009, de 1990, ainda que ela more sozinha. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 412536?SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 03?10?2002, DJ 16?06?2003, p. 334)

Cristalizando esse entendimento, a Súmula 364 deste Tribunal Superior:

O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o
imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

3.2. De outra parte, a Constituição da República, em seu capítulo VII, intitulado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso", preconizou especial proteção ao idoso, incumbindo desse mister a sociedade, o Estado e a própria família:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Regulamentando esse dispositivo, a Lei 10.741?2003 (Estatuto do Idoso) consagra ao idoso - como não poderia deixar de ser - a condição de sujeito de todos os direitos fundamentais:

Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Previu ainda o direito à moradia digna no seio da família natural, situando o idoso, por conseguinte, como parte integrante dessa família:

Art. 37. O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.

4. Dessarte, há enfatizar que a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009?1990.

Uma vez mais, cabe o magistério de Araken de Assis, para quem a interpretação literal do art. 1º da Lei 8.009?1990 deixa ao desabrigo diversas situações compatíveis com a noção contemporânea de família:

Na realidade, a composição familiar tutelada na regra abrange o casal unido pelo matrimônio; a união estável e a concubinária; a comunidade monoparental; a coabitação de parentes e até de pessoas sem laços de parentesco; as uniões homossexuais, com ou sem crianças; a comunidade formada pelos filhos de criação, sem vínculo jurídico formal. Todos formam "entidade familiar" perante a lei 8.009?1990.
[...]
Objeta-se que a interpretação extensiva das regras de impenhorabilidade não se harmoniza com o conceito de execução equilibrada. Todavia, no caso da residência familiar, sobrelevam-se os valores constitucionais [...]. (Op Cit. p. 284-285)

Em hipótese similar à dos autos, em que o imóvel era habitado pela mãe e pela avó do proprietário, a Terceira Turma deste Tribunal Superior entendeu por sua impenhorabilidade, corroborando o posicionamento ora perfilhado:

CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. O prédio habitado pela mãe e pela avó do proprietário, cujas dimensões (48,00 m2) são insuficientes para também abrigar sua pequena família (ele, a mulher e os filhos), que reside em imóvel alugado, é impenhorável nos termos da Lei nº 8.009, de 1990. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 186.210?PR, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 20?09?2001, DJ 15?10?2001, p. 259)

5. Ademais, no caso sob análise, o Tribunal de origem, de forma escorreita e com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso ante a plausibilidade da justificativa do proprietário pelo fato de lá não residir com seus descendentes, consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis (fls. 172-173):

Data venia, discordamos da ilustre magistrada. Muito embora reconheça-se a possibilidade de recair a penhora em bem de nu-proprietário, tal não deve ser admitida quando a propriedade for o único bem da família.
A nua-propriedade é aquela na qual o direito de exercer a propriedade do bem somente é alcançado quando cessar a existência de algum motivo impeditivo. Nos presentes autos, refere-se ao usufruto vitalício exercido pela progenitora do executado, o qual impede a este que exerça a propriedade do bem na sua integridade.
Merece reforma a decisão que admitiu tal penhora. O agravante juntou ao recurso de agravo certidão emitida pelo Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Videira, atestando a inexistência de outro bem de sua propriedade, que não aquele que serve de residência à sua mãe.
Embora se alegue que não exista dependência da progenitora para com o agravante, não se pode, no momento, querer apontar os motivos que o levaram a optar por residir em outro município. A busca por melhores condições de vida, em cidade que reúna melhores oportunidades de trabalho, educação e saúde não pode ser contestada, sob pena de se estar a interferir em questões de foro íntimo de qualquer cidadão.
Não obstante, juntou o agravante contrato de locação, bem como recibos de pagamento de aluguel e eletricidade, atestando que o imóvel no qual reside na atualidade não é de sua propriedade.

Infirmar tal conclusão implicaria o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso a esta Corte, ante o teor da Súmula 7 do STJ.

6. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

Intimação do recorrente consoante petição de fls. 283-291.

É o voto.


Documento: 21246505 RELATÓRIO, EMENTA E VOTO