terça-feira, 17 de março de 2020

Conduta Desleal - Empresário individual que se tornou Eireli pode ter bens executados


Estando a executada caracterizada como empresa individual quando o pedido dos atos de constrição foram redirecionados à pessoa física, deve esta responder de forma ilimitada, direta e pessoal com seus próprios bens.

Foi com base nesse entendimento que a 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal permitiu que patrimônio pessoal de um empresário fosse executado.

De acordo com os autos, após o autor vencer disputa judicial e nenhum bem da pessoa jurídica ter sido encontrado, foi solicitado que a execução atingisse os bens pessoais do administrador da companhia.

Após a fase de cumprimento da sentença, no entanto, a modalidade da firma foi alterada para Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli).

O TJ-DF, no entanto, considerou que o executado utilizou de uma artimanha para não ter seu patrimônio atingido.

"O não pagamento do débito em fase de cumprimento de sentença, somado ao fato de ter alterado a natureza jurídica da empresa para Eireli logo após o pedido do exequente de redirecionamento dos atos constritivos, constituem fortes indícios de que a executava está buscando esquivar-se de sua obrigação", diz o desembargador Roberto Freitas, relator do caso.

Assim, além de determinar a execução dos bens, a 3º Turma Cível aplicou multa de 5% do valor do débito ao empresário por considerar que ele incorreu em conduta desleal.

"Conforme o já exposto, devidamente intimada para realizar pagamento do débito, a parte devedora, após apresentado pedido de constrição de seus bens pessoais, altera a natureza jurídica da executada. Com isso, infringiu o dever de informação e de transparência patrimonial, utilizando a autonomia patrimonial da nova pessoa jurídica constituída como escudo à sua responsabilidade pessoal", conclui a decisão.


Revista Consultor Jurídico, 16 de março de 2020, 16h19

quarta-feira, 4 de março de 2020

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE MARCA.



RECURSO ESPECIAL Nº 1.832.148 - RJ (2019⁄0137378-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE: GOIÁS REFRIGERANTES S⁄A
ADVOGADOS: EURICO BARBOSA DOS SANTOS FILHO  - GO012702 - SILVERLENE OLIVA BARBOSA DOS SANTOS  - GO023224 
RECORRIDO:COCA COLA INDUSTRIAS LTDA
RECORRIDO:THE COCA COLA COMPANY
ADVOGADOS: PAULO PARENTE MARQUES MENDES  - RJ059313 - FELIPE BARROS OQUENDO  - RJ163788
 BÁRBARA ÂNGELA MOISÉS LEITÃO  - RJ207599
JOSÉ ROBERTO DE ALMEIDA JUNIOR  - RJ162697
INTERES.:INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

EMENTA - RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE MARCA. RENÚNCIA AO REGISTRO. EFEITOS EX NUNC. PERDA DO OBJETO DA AÇÃO. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. SÚMULA 7⁄STJ. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REITERADOS. INTUITO PROTELATÓRIO. APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 1.026, § 2º, DO CPC⁄15. REEXAME DE FATOS. SÚMULA 7⁄STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA.
1. Ação ajuizada em 25⁄8⁄2014. Recurso especial interposto em 17⁄9⁄2018. Autos conclusos à Relatora em 17⁄6⁄2019.
2. O propósito recursal é verificar (i) se houve perda superveniente do objeto da ação; (ii) se o acórdão apresenta nulidade em razão do indeferimento da prova pericial postulada; (iii) se a fundamentação do aresto é suficiente para amparar as conclusões nele apostas; (iv) se a distribuição dos ônus sucumbenciais foi feita de acordo com as circunstâncias da espécie; e (v) se deve ser afastada a multa do art. 1.026, § 2º, do CPC⁄15.
3. Como os efeitos decorrentes da renúncia ao registro operam-se prospectivamente – ex nunc –, sua extinção por esse motivo não enseja a perda do objeto da ação que veicula pretensão de declaração de nulidade da marca, pois a invalidação produz efeitos ex tunc – a partir da data do depósito do pedido (art. 167 da LPI).  
4. O entendimento consolidado do STJ acerca da interpretação do conteúdo normativo dos arts. 130 e 131 do CPC⁄73 (arts. 370 e 371 do CPC⁄15) aponta no sentido que compete ao juiz a direção da instrução probatória, apreciando livremente as provas produzidas a fim de formar a sua convicção, não havendo que se falar na violação desses dispositivos legais quando o juiz, sopesando todo o conjunto probatório produzido e carreado aos autos, julga a causa em sentido oposto ao pretendido pela parte, como no particular. Precedente.
5. O acórdão recorrido apresenta fundamentação adequada, tendo os julgadores reconhecido, à unanimidade, com base nas circunstâncias específicas dos autos, a necessidade de invalidação da marca JOCA COLA, em face da similitude existente com a marca das recorridas (COCA-COLA).
6. Não há nulidade processual quando o Tribunal julga integralmente a lide e soluciona a controvérsia em conformidade com o que lhe foi apresentado. O julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa de suas teses, devendo, apenas, enfrentar a demanda observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução.
7. A análise da insurgência quanto aos critérios orientadores da distribuição e da quantificação dos honorários sucumbenciais esbarra no óbice da Súmula 7⁄STJ.
8. Evidenciado, pelo Tribunal a quo, o propósito manifestamente protelatório na oposição de três embargos de declaração, é imperativa a aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC⁄15.
9. A análise do dispositivo precitado demandaria, no particular, reexame do conjunto fático dos autos, o que é inviável em recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7⁄STJ.
10. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.




ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Dr(a). JHONES FERREIRA DA SILVA, pela parte RECORRIDA: COCA COLA INDUSTRIAS LTDA.
Brasília (DF), 20 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento)


MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Documento: 106534203          EMENTA / ACORDÃO   - DJe: 26/02/2020

terça-feira, 3 de março de 2020

O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.800.032 - MT (2019⁄0050498-5)

RELATOR: MINISTRO MARCO BUZZI
R.P⁄ACÓRDÃO: MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE: JOSE PUPIN AGROPECUARIA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRENTE: VERA LUCIA CAMARGO PUPIN - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS: ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) - DF006811 OCTÁVIO LOPES SANTOS TEIXEIRA BRILHANTE USTRA  - SP196524    MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO  - DF018958
LIGIA CARDOSO VALENTE  - SP298337
CAMILA SOMADOSSI GONÇALVES DA SILVA  - SP277622
LUIZ FERNANDO VIEIRA MARTINS E OUTRO(S) - RS053731
ANA CAROLINA BUENO DO VALE  - SP387110
YURI GALLINARI DE MORAIS E OUTRO(S) - SP363150
RECORRIDO: BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADOS:  CRISTIANO KINCHESCKI E OUTRO(S) - DF034951
BRUNO RAMOS DOMBROSKI E OUTRO(S) - RJ173725
INTERES.:   ARYSTA LIFESCIENCE DO BRASIL INDUSTRIA QUIMICA E AGROPECUARIA S.A.
INTERES. :  ADAMA BRASIL S⁄A
INTERES. :  BANCO JOHN DEERE S.A
INTERES. :  BAYER S⁄A
INTERES. :  COOPERATIVA DOS COTONICULTORES DE CAMPO VERDE
INTERES. :  WIDAL & MARCHIORETTO LTDA
INTERES. :  SYNGENTA PROTEÇÃO DE CULTIVOS LTDA
INTERES. :  SEMPRE SEMENTES EIRELI
INTERES. :  METROPOLITAN LIFE INSURANCE COMPANY
INTERES. :  LUXEMBOURG BRASIL COMERCIO DE PRODUTOS QUIMICOS LTDA
ADVOGADO:        SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS  - SE000000M
INTERES.:   FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS:      JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA E OUTRO(S) - PR021731 RAFAEL DE OLIVEIRA GUIMARÃES  - PR035979 SANTORO ANGELO FIGUEIREDO DE SOUSA E SILVA E OUTRO(S) - SP273067 INTERES.: SOCIEDADE NACIONAL DE AGRICULTURA - "AMICUS CURIAE" ADVOGADOS: ANTÔNIO AUGUSTO DE SOUZA COELHO  - SP100060 FREDERICO PRICE GRECHI  - RJ097685

EMENTA - RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101⁄2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.

2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (...), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".

3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.

4. Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101⁄2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.

5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.

6. Recurso especial provido, com deferimento do processamento da recuperação judicial dos recorrentes.

ACÓRDÃO

Após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão dando provimento ao recurso especial, acompanhando a divergência, e o voto da Ministra Maria Isabel Gallotti negando provimento ao recurso especial, acompanhando o relator, e o voto do Ministro Antonio Carlos Ferreira no sentido da divergência, a Quarta Turma, por maioria, decide dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Raul Araújo. Vencidos o relator e a Ministra Maria Isabel Gallotti.
Brasília, 05 de novembro de 2019 (Data do Julgamento)


MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator

Documento: 102980130          EMENTA / ACORDÃO   - DJe: 10/02/2020

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE - NEGOCIATA MILIONÁRIA - Sócio enganado e que vendeu cotas por bagatela será indenizado no RS



Sócio que tira partido da situação de penúria de outro sócio numa negociação, sonegando informações preciosas e faltando com a boa-fé negocial, incorre em dolo acidental. Com esta conduta, pode ser obrigado, judicialmente, a reparar as perdas da parte lesada, como prevê o artigo 146 do Código Civil.
Decisão do TJ-RS condena sócio a indenizar o outro sócio enganado

Com a prevalência deste entendimento, a maioria da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que redimensionou as bases financeiras de um contrato de cessão de cotas em que o cedente saiu claramente prejudicado na negociação. Afinal, além de "comprar" o discurso de que a empresa estaria à beira da falência, ignorava negociações para sua venda para uma multinacional, por valor estratosférico. Assim, acabou vendendo suas cotas por um valor muito abaixo daquele pelo qual elas foram revendidas dias depois.

O relator das apelações, desembargador Niwton Carpes da Silva, disse que a prova acostada aos autos evidencia que o autor da "ação de complemento de preço por dolo ativo" foi lesado e ludibriado. E de forma mais intensa pelo sócio responsável pela negociação, com quem mantinha relações de amizade e alguma proximidade, pois este, ao esconder a venda da empresa, levou o autor a uma "situação ridícula, social e financeiramente", justificando a condenação dos réus em R$ 200 mil por danos morais.

Carpes não descartou, igualmente, a incidência do dolo positivo e/ou negativo na conclusão da negociação prejudicial levada a efeito, "pois o embuste, a enganação, a omissão, a falsa informação e a astúcia dos réus foram suficientes e bastantes para ilaquear [embaraçar] a manifestação de vontade livre do autor que, se soubesse da realidade dos fatos e, principalmente, da negociação em curso da empresa com a Companhia Americana, certamente o acordo seria celebrado em outras bases"’, anotou no acórdão, confirmando os fundamentos da sentença.

Caso concreto
Em julho de 2002, o empresário DZR, sócio dissidente da Indústria Riograndense de Óleos Vegetais Ltda. (EMPRESA REQUERIDA), com sede na Comarca de Pelotas (RS), ajuizou uma ação de dissolução parcial de sociedade limitada na 4ª Vara Cível da comarca para apurar haveres e deixar a empresa. Detentor de 28% das cotas sociais, ele já havia ingressado com pedido de retirada da sociedade em outubro de 2001. Ele contava com mais de 70 anos, padecia de câncer e estava afastado dos negócios, residindo na Argentina.

Em maio de 2006, o juízo local, considerando probabilidade do direito pleiteado, além da idade avançada e o estado de saúde do autor, concedeu a antecipação de tutela. Assim, determinou que a EMPRESA REQUERIDA pagasse R$ 405 mil por mês ao autor, em 12 parcelas mensais, até montante calculado pela auditoria contratada pelas partes. O não pagamento das parcelas levaria à cominação de multa diária no valor de R$ 10 mil em favor do autor.

Inconformada, a EMPRESA REQUERIDA entrou com recursos no Tribunal de Justiça gaúcho para suspender a antecipação de tutela, mas a decisão acabou confirmada em mais de uma oportunidade.

Em agosto de 2007, a Justiça, enfim, determinou o cumprimento da decisão judicial. No mês seguinte, premidos pela situação, um dos advogados e mais três representantes da empresa procuraram o juiz que cuidava do caso à época para alertá-lo sobre os reflexos financeiros de sua decisão. Em síntese, sustentaram que o cumprimento da antecipação de tutela iria quebrar a empresa.

Sensível e com a anuência do autor, o magistrado suspendeu temporariamente a decisão antecipatória, para dar chance a uma composição amigável do litígio. A composição, entretanto, não veio, pois a EMPRESA REQUERIDA queria rediscutir os "valores incontroversos" reconhecidos pela Justiça e devidos ao sócio retirante.

Cenário tétrico
Em dezembro de 2007, o também sócio SÓCIO OTAB viajou a Buenos Aires para negociar diretamente com o SÓCIO DZR. Para se assegurar de que obteria um bom acordo para cessão das cotas, Brito, segundo o acórdão, "pintou um cenário" desesperador para a EMPRESA REQUERIDA; ou seja, passou ao sócio dissidente a ideia de que a empresa se encontrava em estado pré-falimentar.

SÓCIO DZR, beirando os 80 anos, doente terminal e vivendo de aluguel, não teve outra escolha senão aceitar a proposta de R$ 3 milhões para ceder sua participação societária, já que não conseguia receber os valores reconhecidos em juízo. As duas partes assinaram, finalmente, a proposta de dissolução parcial da sociedade — pondo fim à ação judicial — no dia 30 de janeiro de 2008. A homologação judicial da dissolução, com a consequente cessão de cotas, ocorreu no dia 20 de fevereiro.

Exatamente dois dias após a formalização do negócio jurídico, o sócio dissidente soube, pelo jornal Diário Popular, de Pelotas, que a EMPRESA REQUERIDA havia sido vendida para o grupo americano NutraCea pela quantia de US$ 14 milhões. O anúncio do negócio deixou claro que a família Amaral Brito, representada por Osmar, já vinha "costurando" uma negociação com os norte-americanos há algum tempo, informação omitida nas tratativas de cessão de cotas.

Omissão de informações
Sentindo-se lesado, SÓCIO DZR ajuizou ação de complemento de preço por dolo ativo e omissivo na conclusão de negócio jurídico, violação da boa-fé e deveres fiduciários, cumulada com indenização por danos morais — tudo em face da EMPRESA REQUERIDA, de SÓCIO OTAB e dos demais sócios da família Amaral Brito. A data da inicial: 26 de agosto de 2008.

Na peça, o autor alegou que foi vítima dos réus, que omitiram informações sobre o negócio que estava em andamento, fornecendo dados falsos sobre a situação financeira da empresa, o que caracterizaria dolo acidental. Pediu a procedência da ação para o pagamento da diferença entre o preço que recebeu por seus haveres sociais e o preço que deveria ter recebido se sua cota fosse avaliada conforme o preço do negócio entabulado, além da indenização por danos morais.

No curso da ação, em 25 de maio de 2017, o autor veio a falecer. Ele foi substituído no processo pelo filho herdeiro do SÓCIO OZR, M Z S, que detém a procuração pública da viúva e dos demais irmãos.

Sentença procedente
Decorridos dez anos de tramitação processual, precisamente em 16 de agosto de 2018, a 1ª Vara Cível de Pelotas julgou totalmente procedente a demanda. Para o juiz Paulo Ivan Alves de Medeiros, ficou claro o dolo eventual por parte dos réus, o que atrai a aplicação do artigo 146 do Código Civil: "O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo". No caso concreto, não caberia a invalidação do contrato, mas apenas a reparação do prejuízo experimentado pela parte lesada, consistente no pagamento da diferença entre o preço pago pelas cotas e seu real valor.

"Impõe-se, assim, acolher o pedido de indenização por dano material, formulado na inicial. Também procede a pretensão reparatória por dano moral. O autor, pessoa idosa e com sérios problemas de saúde, foi vítima de uma manobra dos réus, que lhe causou um prejuízo milionário, o qual certamente teve reflexos negativos de ordem psicológica’", escreveu na sentença.

O juiz condenou os réus, solidariamente, ao pagamento da diferença entre o valor da cota-parte do autor, calculado com base no preço da venda da EMPRESA REQUERIDA, e aquele ajustado no acordo celebrado nos autos da ação de dissolução parcial de sociedade. E arbitrou a reparação moral em R$ 200 mil.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2020, 7h05


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Responsabilidade civil. Dano moral reflexo ou por ricochete. Morte da vítima. Legitimidade ativa para ação de indenização. Núcleo familiar. Irmãos. Avós.

STJ - Responsabilidade civil. Dano moral reflexo ou por ricochete. Morte da vítima. Prescindibilidade para a configuração do dano. Legitimidade ativa para ação de indenização. Núcleo familiar. Irmãos. Avós. Ilegitimidade passiva dos genitores de filhos maiores de idade. Recurso especial parcialmente provido. Dano moral. CCB/2002, art. 186 e CCB/2002, art. 927. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, art. 932,I. CCB/2002, art. 933.

«1. O dano moral por ricochete é aquele sofrido por um terceiro (vítima indireta) em consequência de um dano inicial sofrido por outrem (vítima direta), podendo ser de natureza patrimonial ou extrapatrimonial. Trata-se de relação triangular em que o agente prejudica uma vítima direta que, em sua esfera jurídica própria, sofre um prejuízo que resultará em um segundo dano, próprio e independente, observado na esfera jurídica da vítima reflexa.

2. São características do dano moral por ricochete a pessoalidade e a autonomia em relação ao dano sofrido pela vítima direta do evento danoso, assim como a independência quanto à natureza do incidente, conferindo, desse modo, aos sujeitos prejudicados reflexamente o direito à indenização por terem sido atingidos em um de seus direitos fundamentais.

3. O evento morte não é exclusivamente o que dá ensejo ao dano por ricochete. Tendo em vista a existência da cláusula geral de responsabilidade civil, todo aquele que tem seu direito violado por dano causado por outrem, de forma direta ou reflexa, ainda que exclusivamente moral, titulariza interesse juridicamente tutelado (CCB/2002, art. 186).

4. O dano moral reflexo pode se caracterizar ainda que a vítima direta do evento danoso sobreviva. É que o dano moral em ricochete não significa o pagamento da indenização aos indiretamente lesados por não ser mais possível, devido ao falecimento, indenizar a vítima direta. É indenização autônoma, por isso devida independentemente do falecimento da vítima direta.

5. À vista de uma leitura sistemática dos diversos dispositivos de lei que se assemelham com a questão da legitimidade para propositura de ação indenizatória em razão de morte, penso que o espírito do ordenamento jurídico rechaça a legitimação daqueles que não fazem parte da «família» direta da vítima (REsp. 1076160, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 21/06/2012).

6. A jurisprudência desta Casa, quanto à legitimidade dos irmãos da vítima direta, já decidiu que o liame existente entre os envolvidos é presumidamente estreito no tocante ao afeto que os legitima à propositura de ação objetivando a indenização pelo dano sofrido. Interposta a ação, caberá ao julgador, por meio da instrução, com análise cautelosa do dano, o arbitramento da indenização devida a cada um dos titulares.

7. A legitimidade dos avós para a propositura da ação indenizatória se justifica pela alta probabilidade de existência do vínculo afetivo, que será confirmado após instrução probatória, com consequente arbitramento do valor adequado da indenização.

8. A responsabilidade dos pais só ocorre em consequência de ato ilícito de filho menor. O pai não responde, a esse título, por nenhuma obrigação do filho maior, ainda que viva em sua companhia, nos termos do inciso I do CCB/2002, art. 932.

9. Recurso especial parcialmente provido.

PRECEDENTES CITADOS:

Civil. Dano moral. Bens jurídicos tutelados. Direitos da personalidade (REsp 1647452).
Processual civil. Legitimidade ativa. Ação de indenização por dano moral. Dano moral reflexo. Restrição aos membros da família direta da vítima (REsp 1076160).
Processual civil. Legitimidade ativa. Ação de indenização por dano moral. Dano moral reflexo. Legitimidade de irmãos da vítima (AgRg no Ag 1316179. AgInt no AREsp 1099667. AgInt no REsp 1165102).
Processual civil. Legitimidade passiva. Ação de indenização. Ilegitimidade do pai por ato ilícito de filho maior (REsp 1436401. REsp 1232011).

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES:

«[...] é possível, ao menos em tese, reconhecer que sofre dano moral indenizável aquele que presencia a morte de pessoa querida em um assalto, assim como o que presencia o cometimento de gravíssima lesão corporal, ainda que não haja morte, sendo ambos titulares de interesse juridicamente protegido, único, cuja indenização é capaz de ser demandada judicialmente, mesmo que a vítima direta no exemplo, aquele que sofreu as lesões graves decida não intentar ação indenizatória pela lesão que sofreu ao seu interesse juridicamente tutelado, igualmente único e distinto do interesse jurídico do terceiro».

«[...] a legitimação para propositura de ação de indenização por dano moral em razão de morte deve mesmo alinhar-se, mutatis mutandis, à ordem de vocação hereditária, com as devidas adaptações (como, por exemplo, tornando irrelevante o regime de bens do casamento), porquanto o que se busca é a compensação exatamente de um interesse extrapatrimonial.

Assim, o dano por ricochete alegados por pessoas não pertencentes ao núcleo familiar da vítima direta do evento danoso, de regra, deve ser considerado como não inserido nos desdobramentos lógicos e causais do ato, seja na responsabilidade por culpa, seja na objetiva, porque extrapolam os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente».

(VOTO VENCIDO EM PARTE) (MIN. RAUL ARAÚJO) «[...] Afasto a legitimidade dos ascendentes avós, em razão da precedência dos ascendentes pais da vítima do acidente. A meu ver, a sobrevivência dos pais afasta a legitimidade dos avós, que só estaria presente se estes fossem vivos e os pais da vítima não.

Com isso, reduzo mais o núcleo familiar em relação à escala dos acidentes e, por essa razão, mantenho a legitimidade dos pais e dos irmãos. Estes, normalmente, convivem mais de perto com a vítima de acidente e, por isso, dispensa a prova do abalo moral sofrido».»

(STJ (4ª T.) - Rec. Esp. 1.734.536 - RS - Rel.: Min. Luis Felipe Salomão - J. em 06/08/2019 - DJ 24/09/2019- 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

MARGEM DE INTERPRETAÇÃO - STJ mantém decisão que mandou empresa cumprir ordem do juízo arbitral


Cabe ao Poder Judiciário conferir coercibilidade às decisões arbitrais para garantir um resultado útil ao procedimento de arbitragem. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou o pedido de uma empresa para não se submeter à ordem judicial que deu eficácia a uma decisão arbitral.

Ministra destacou que deve existir relação de diálogo e cooperação entre os juízos estatal e arbitral, e não de disputa

Para a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, é aceitável a convivência de decisões arbitrais e judiciais, "quando elas não se contradisserem e tiverem a finalidade de preservar a efetividade de futura decisão arbitral", conforme entendimento já pacificado na Corte.

"A determinação de cumprimento de cartas arbitrais pelo Poder Judiciário não constitui uma atividade meramente mecânica", afirmou a ministra. De acordo com Nancy, por mais restrita que seja, "o Poder Judiciário possui uma reduzida margem de interpretação para fazer cumprir as decisões legalmente exaradas por cortes arbitrais".

De acordo com o processo, durante a execução de contrato para a exploração e venda de minério de ferro, dois empresários instauraram procedimento de arbitragem. Eles alegaram descumprimento do ajuste segundo o qual deveriam receber um valor fixo por tonelada de minério retirado da Mina Corumi (MG).

A proprietária da mina opôs embargos contra a decisão judicial que determinou que o Poder Judiciário desse cumprimento à carta arbitral que assegurou aos empresários o direito de acompanhar o processo de pesagem do minério. Alegou que não poderia sofrer os efeitos da decisão arbitral, já que não fez parte do procedimento de arbitragem.

Para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no entanto, a proprietária  teria de aceitar o cumprimento da ordem. No recurso ao STJ, a proprietária afirmou que o Judiciário extrapolou sua competência ao determinar o cumprimento da ordem do juízo arbitral, mesmo sabendo que ela não participou da arbitragem.

Convivência dos juízos

Para a ministra Nancy Andrighi, deve existir uma relação de diálogo e cooperação entre os juízos estatal e arbitral, e não uma relação de disputa.

Ela considerou que a harmonia entre os juízos se dá pela ausência de poder coercitivo direto das decisões arbitrais, competindo ao Judiciário a execução forçada do direito reconhecido pela arbitragem.

Sobre o caso concreto, a ministra destacou que a impossibilidade de verificar a quantidade de minério produzido na mina em questão pode comprometer significativamente a eficácia de uma futura decisão dos árbitros.

"A determinação feita pelo tribunal de origem, segundo a qual a recorrente deve suportar a vistoria pelos recorridos da quantidade de minério produzida pela mina durante o procedimento arbitral, não ofende a necessidade de consensualidade para a validez da cláusula compromissória que fundamenta o julgamento arbitral." Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.798.089
Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2020, 11h35