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terça-feira, 25 de outubro de 2016

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA, ATRAVÉS DE TED (TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA DISPONÍVEL), SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO CORRENTISTA

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA, ATRAVÉS DE TED (TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA DISPONÍVEL), SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO CORRENTISTA - DEVOLUÇÃO DO VALOR DEBITADO INDEVIDAMENTE - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE.

Para que se condene alguém ao pagamento de indenização por dano moral, é preciso que se configurem os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, que são o dano, a culpa do agente, em caso de responsabilização subjetiva e o nexo de causalidade entre a atuação deste e o prejuízo.

Não obstante ter restado incontroversa a fraude praticada contra o banco-réu, através de estelionatário, que realizou transferência bancária, através de TED - Transferência Eletrônica Disponível, debitando vultuoso valor na conta corrente de titularidade das autoras, ainda assim, resta caracterizada a sua responsabilidade civil, em razão de ser ela objetiva, ligada aos riscos do negócio, consubstanciando a fraude uma das hipóteses de fortuito interno.

Não há dúvida de que se encontra configurado, na hipótese dos autos, o dano moral. A nosso aviso, o desconto realizado, de forma indevida, na conta corrente das autoras é hábil, por si só, a lhes causar angústia, intranquilidade de espírito e desequilíbrio no seu bem-estar e, via de consequência, dano moral.

Em relação ao quantum indenizatório, este Tribunal, a exemplo de várias outras Cortes brasileiras, tem primado pela razoabilidade na fixação dos valores das indenizações. É preciso ter sempre em mente que a indenização por danos morais deve alcançar valor tal, que sirva de exemplo para o réu, sendo ineficaz, para tal fim, o arbitramento de quantia excessivamente baixa ou simbólica, mas, por outro lado, nunca deve ser fonte de enriquecimento para as autoras, servindo-lhes apenas como compensação pela ofensa sofrida.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.217630-0/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A - APELADO(A)(S): SG CONSTRUÇÕES PESADAS LTDA

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA

RELATOR.





DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA (RELATOR)



V O T O

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por SG CONSTRUÇÕES PESADAS LTDA. e LUCIANA BARBOSA MONTEIRO DE CASTRO em face do BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A, alegando ser, a primeira autora, titular de conta corrente mantida junto ao réu, sendo a segunda sua sócia-majoritária, cabendo exclusivamente a esta todos os atos de administração, bem como a realização de movimentações na conta corrente em questão.

Alegaram que, em 30.11.2010, o réu, através de seu preposto, autorizou, indevidamente, uma transferência entre contas-correntes de titularidades diversas, debitando na conta bancária da primeira autora a quantia de R$297.000,00 (duzentos e noventa e sete mil reais). Esclareceram que a segunda autora não autorizou a referida transferência, sequer sendo consultada sobre ela.

Após inúmeras tentativas frustradas de resolver amigavelmente o ocorrido junto ao réu, lavraram Boletim de Ocorrência Policial, sendo o fato investigado criminalmente, com a conclusão, através de perícia grafotécnica realizada pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais, que a assinatura lançada na TED utilizada para a indigitada transferência, não pertence à segunda autora.

Não obstante, o réu recusou-se a apresentar os documentos solicitados para apuração da fraude, bem como a devolver o valor transferido indevidamente.

Sustentaram a ocorrência de danos materiais e a repercussão negativa que adveio do fato, maculando sua imagem e reputação. Pediram, ao final, a procedência da ação, com a condenação do réu a restituir o valor indevidamente debitado na conta corrente de titularidade da primeira autora, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, e a indenizá-las pelos danos morais sofridos.

Adoto o relatório da sentença de f. 380-384v, acrescentando que a ação foi julgada procedente, condenando-se o requerido ao ressarcimento do valor indevidamente transferido da conta corrente de nº 02012553-8, junto à agência 0317, de titularidade da primeira autora, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, e corrigido monetariamente, pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais, desde a data em que se deu a transferência.

Ainda condenou o réu a indenizar as autoras, a título de compensação pelos danos morais sofridos, com o valor de R$20.000,00, para cada uma, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde o evento danoso, corrigido monetariamente de acordo com a tabela da CGJMG, a partir da data da prolação da sentença.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (f. 390-394), asseverando que não pode ser responsabilizado a devolver o valor transferido a terceiros, não tendo se beneficiado daquele recurso financeiro. Aduz que o valor transferido foi creditado em conta corrente de titularidade da pessoa jurídica, PI Locação de Equipamentos, a pedido da Sra. Flávia de Carvalho Barbosa, que era sócia da primeira autora à época da transferência bancária, além de ser irmã da segunda requerente.

Argumenta, assim, que não praticou qualquer ato ilícito, asseverando que a transferência foi realizada através de documento devidamente assinado pela segunda autora, apresentado pela Sra. Flávia de Carvalho Barbosa, então sócia e procuradora da primeira autora, com amplos poderes para movimentar a conta corrente de sua titularidade.

Ressalta que não houve negligência, tendo conferido a assinatura aposta nos documentos que lhe foram apresentados e na TED de nº 004450 com aquelas lançadas nos cartões de assinatura da pessoa jurídica, similitude esta que também foi comprovada pela perícia grafotécnica realizada pelo Instituto de Perícias Brina Vidal Ltda.

Defende, ainda, que a situação narrada nos autos não é hábil a ensejar a reparação moral pretendida pelas autoras e que os danos morais não restaram comprovados. Alternativamente, pugnou pela minoração do quantum indenizatório.

Contrarrazões, às f. 397-404.

É o relatório.

A análise da controvérsia recursal deve ser realizada sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 - diploma em vigor à data da sentença e da interposição do presente apelo -, como se extrai dos termos do art. 14, da Lei nº 13.105/2015, instituidora do Novo Processo Civil brasileiro, em vigor desde 17/03/2016.

Eis o teor da aludido regramento legal:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.



Nesse sentido, confiram-se as lições doutrinárias a respeito do tema:

As normas processuais novas aplicam-se aos processos pendentes (arts. 14 e 1.046, CPC).

O art. 14 é mais completo, pois ressalva que a aplicação imediata da norma processual deve respeitar "os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

O dispositivo é muito bem escrito. Ele esclarece que não há nada de especial na aplicação de uma norma processual. A peculiaridade (se de fato existe alguma) é que o processo é uma realidade fática e jurídica bem complexa. O processo é um complexo de fatos jurídicos e de situações jurídicas, conforme demonstramos no item anterior.

O processo é uma espécie de ato jurídico. Trata-se de um ato jurídico complexo. Enquadra-se o processo na categoria "ato-complexo de formação sucessiva": os vários atos que compõem o tipo normativo sucedem-se no tempo, porquanto seja um conjunto de atos jurídicos (atos processuais), relacionados entre si, que possuem um objetivo comum, no caso do processo judicial, a prestação jurisdicional.

Cada ato que compõe o processo é um ato jurídico que merece proteção. Lei nova não pode atingir ato jurídico perfeito (art. 5o, XXXVI, CF/1988), mesmo se ele for um ato jurídico processual. Por isso o art. 14 do CPC determina que se respeitem "os atos processuais praticados".

Dois exemplos: a) recurso de agravo de instrumento interposto antes da vigência do novo CPC, em hipótese para a qual hoje não é cabível esse recurso, permanecerá pendente e deverá ser julgado - a regra nova não pode atingir um ato jurídico perfeitamente praticado nos termos da legislação anterior; b) arrematação perfeita ao tempo do código revogado, não pode agora ser desfeita por conta da aplicação da regra nova, como a que decorre do art. 891, parágrafo único.

Mas o processo também pode ser encarado como um efeito jurídico.

Nesse sentido, processo é o conjunto das relações jurídicas que se estabelecem entre os diversos sujeitos processuais (partes, juiz, auxiliares de justiça, etc.). Essas relações jurídicas processuais formam-se em diversas combinações: autor-juiz, autor-réu, autor-perito, juiz-órgão do Ministério Público etc.

Repita-se o que se disse acima: o termo "processo" serve, então, tanto para designar o ato processo com a relação jurídica que dele emerge.

Há direitos processuais: direitos subjetivos processuais e direitos potestativos processuais - direito ao recurso, direito de produzir uma prova, direito de contestar etc. O direito processual é uma situação jurídica ativa. Uma vez adquirido pelo sujeito, o direito processual ganha proteção constitucional e não poderá ser prejudicado por lei. Lei nova não pode atingir direito adquirido (art. 5o, XXXVI, CF/1988), mesmo se for um direito adquirido processual.

Por isso o art. 14 do CPC determina que se respeitem "as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

Dois exemplos.

a)Publicada a decisão, surge para o vencido, o direito ao recurso. Se a decisão houver sido publicada ao tempo do Código revogado e contra ela coubessem, por exemplo, embargos infringentes (recuso que deixou de existir), a situação jurídica ativa "direito aos embargos infringentes" se teria consolidado; essa situação jurídica tem de ser protegida. Assim, mesmo que o novo CPC comece a viger durante a fluência do prazo para a parte interpor embargos infringentes, não há possibilidade de a parte perder o direito a esse recurso, pois se trata de uma situação jurídica processual consolidada.

b) No CPC revogado, o Poder Público possuía prazo em quádruplo para contestar; no CPC atual, o prazo é dobrado. Com a citação, surge a situação jurídica "direito à apresentação de defesa". Assim, mesmo que o CPC comece a viger durante a fluência do prazo apresentação da contestação, que se iniciou na vigência do código passado, será garantido ao Poder Público o prazo quádruplo.

A aplicação imediata da norma processual não escapa à determinação constitucional que impede a retroatividade da lei para atingir ato jurídico perfeito e o direito adquirido. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Vol. 1, 17ª ed. - Salvador, Jus Podivm, 2015, p. 56-57)

(...). A legislação processual civil superveniente impacta de maneira imediata os processos pendentes, desde que respeitados eventuais direitos adquiridos processuais e os atos processuais perfeitos. Há efeito retroativo quando a lei nova é aplicada a situações jurídicas já consolidadas. O efeito retroativo é vedado pelo direito constitucional brasileiro (art. 5º, XXXVI, CF e 14, CPC). Há efeito imediato quando a legislação é aplicada a partir do momento em que entra em vigor, regendo as situações jurídicas posteriores. (...). O processo, considerado globalmente, é uma situação pendente até que advenha o trânsito em julgado. É uma atividade, por definição, projetada no tempo. O processo é um procedimento em contraditório, um procedimento adequado à consecução dos fins do Estado Constitucional, formado por vários atos processuais. Alguns desses atos já foram realizados - consideram-se já praticados e imunes à eficácia da lei nova, sob pena de retroatividade e ofensa ao ato processual perfeito. Outros atos já foram praticados e há relativa independência com os demais atos que devem se seguir na cadeia procedimental. Nesse caso, a lei processual nova vincula a partir desse momento. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDEIRO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 113)

Mesmo quando a lei nova atinge um processo em andamento, nenhum efeito tem sobre os fatos ou atos ocorridos sob o império da lei revogada. Alcança o processo no estado em que se achava no momento de sua entrada em vigor, mas respeita os efeitos dos atos já praticados, que continuam regulados pela lei do tempo em que foram consumados. Se, por exemplo, a lei nova não mais considera título executivo um determinado documento particular, mas se a execução já havia sido proposta ao tempo da lei anterior, a execução forçada terá prosseguimento normal sob o império ainda da norma revogada. Em suma: as leis processuais são de efeito imediato perante os feitos pendentes, mas não são retroativas, pois só os atos posteriores à sua entrada em vigor é que se regularão por seus preceitos

Tempus regit actum.

Deve-se, pois, distinguir, para aplicação da lei processual nova, quanto aos processos:

a) exauridos: nenhuma influência sofrem;

b) pendentes: são atingidos, mas respeita-se o efeito dos atos já praticados;

c) futuros: seguem totalmente a lei nova. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 56ª Ed - Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 38/39)

O Enunciado 54 este Tribunal de Justiça corrobora o que foi acima exposto, in verbis:



"Enunciado 54 - (art. 1046) A legislação processual que rege os recursos é aquela da data da publicação da decisão judicial, assim considerada sua publicação em cartório, secretaria ou inserção nos autos eletrônicos."



Dito isso, conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos legais de sua admissibilidade.

A reparabilidade ou ressarcibilidade do dano moral é pacífica na doutrina e na jurisprudência, mormente após o advento da Constituição Federal de 05.10.88 (art. 5º, incisos V e X), estando hoje sumulada sob o nº 37, pelo STJ.

Como observa Aguiar Dias, citado pelo Des. Oscar Gomes Nunes do TARS:

"a reparação do dano moral é hoje admitida em quase todos os países civilizados. A seu favor e com o prestígio de sua autoridade pronunciaram-se os irmãos Mazeaud, afirmando que não é possível, em sociedade avançada como a nossa, tolerar o contra-senso de mandar reparar o menor dano patrimonial e deixar sem reparação o dano moral." (cfr. Aguiar Dias, 'A Reparação Civil', tomo II, pág 737).

Importante ter-se sempre em vista a impossibilidade de se atribuir equivalente pecuniário a bem jurídico da grandeza dos que integram o patrimônio moral, operação que resultaria em degradação daquilo que se visa a proteger (cf. voto do Min. Athos Carneiro, no REsp nº 1.604-SP, RSTJ 33/521).

Caio Mário, apagando da ressarcibilidade do dano moral a influência da indenização, na acepção tradicional, entende que há de preponderar

"um jogo duplo de noções: a- de um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia (...); b- de outro lado, proporcionar à vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é o pretium doloris, porém uma ensancha de reparação da afronta..." (in Instituições de Direito Civil, vol II, 7ª ed. Forense, Rio de Janeiro, pág. 235).

E acrescenta que,

"na ausência de um padrão ou de uma contraprestação que dê o correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz o arbitramento da indenização..." (Caio Mário, ob. cit., pág. 316).

Deve-se registrar que os pressupostos da obrigação de indenizar são, no dizer de Antônio Lindembergh C. Montenegro:



"a- o dano, também denominado prejuízo; b- o ato ilícito ou o risco, segundo a lei exija ou não a culpa do agente; c- um nexo de causalidade entre tais elementos. Comprovada a existência desses requisitos em um dado caso, surge um vínculo de direito por força do qual o prejudicado assume a posição de credor e o ofensor a de devedor, em outras palavras, a responsabilidade civil" (aut. menc., "Ressarcimento de Dano", Âmbito Cultural Edições, 1992, nº 2, pág. 13)



No caso dos autos, resta incontroverso que, em 30.11.2010, foi feita uma transferência no valor de R$297.000,00 (duzentos e noventa e sete mil reais), através de uma TED (transferência eletrônica disponível), valor este debitado na conta corrente de nº 02012553-8, junto à agência 0317, de titularidade da primeira autora, para uma conta corrente de titularidade de terceiros.

O réu, em suas razões recursais, argumenta que a transação foi realizada a pedido da Sra. Flávia de Carvalho Barbosa, que também era, à época, sócia da primeira autora, e que teria apresentado uma procuração assinada pela segunda autora, sua irmã, conferindo-lhe poderes totais para representar a pessoa jurídica junto a si. Informou, ainda, que a Sra. Flávia de Carvalho Barbosa teria comparecido, no dia da realização da transferência, munida de duas "TED's", devidamente assinadas pela segunda autora.

Assevera que seu preposto, naquela oportunidade, conferiu as assinaturas lançadas no instrumento de procuração pública e nas TED's com aquelas lançadas nos cartões de assinatura da correntista, constatando a similitude entre si.

As autoras, por sua vez, aduzem que a única sócia autorizada, junto à instituição financeira, a realizar qualquer movimentação na conta corrente de titularidade da pessoa jurídica é a Sra. Luciana Barbosa Monteiro de Castro.

Asseveram que o réu, ao permitir a realização da transferência do vultoso valor de R$297.000,00 (duzentos e noventa e sete mil reais), sem qualquer autorização da sócia-administradora, sequer consultando-a sobre a movimentação, agiu de forma negligente, causando-lhes diversos contratempos e inumeráveis prejuízos de ordem material e moral.

Pois bem.

Nos termos da cláusula 7ª, do Contrato Social de constituição da primeira autora (f. 40-42 e 43-45), a administração da sociedade é exercida pela sócia, Luciana Barbosa Monteiro de Castro, segunda autora, detentora de 99% das quotas da sociedade. E, conforme previsto no parágrafo primeiro, a pessoa jurídica poderá, quando necessário, nomear procuradores para fins de auxílio nas áreas administrativas e financeiras.

À f. 277, o réu apresentou cópia de instrumento público de procuração, lavrado em 17/03/2010, através da qual a primeira autora, SG Construções Pesadas Ltda., representada pela segunda, Sra. Luciana Barbosa Monteiro de Castro, nomeava e constituía sua bastante procuradora, a Sra. Flávia de Carvalho Barbosa, com poderes totais junto ao Banco Mercantil do Brasil S/A.

Contudo, ao analisar a cópia da TED de nº 004450, utilizada para a realização da transferência (f. 61 e 284), verifica-se que a assinatura nela lançada, como se fosse da segunda autora, não é similar às constantes do cartão de assinatura-PJ, apostas quando da abertura da conta-corrente.

A assinatura constante da TED também é diferente da assinatura aposta no documento de identidade da segunda autora (f. 281).

Corroborando a ausência de similitude entre as formas apostas na TED e no cartão de assinatura-PJ, tem-se o laudo técnico confeccionado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais (f. 74-75), em que os peritos criminais concluíram pela falsidade da assinatura lançada na TED. Veja-se:

"(...) TIPO DE EXAME: - analítico comparativo de cinética e estrutura gráfica. Inicialmente, esclarecem os signatários que se deslocaram até a agência do Banco Mercantil do Brasil S/A, situada à Rua Conceição do Mato Dentro, n. 221, Bairro Ouro Preto, onde o Sr. André Felipe Ferreira da Mota, gerente da agência, informou que o documento original fora incinerado.

Cumpre aos signatários esclarecer que é regra documentoscópica não substituir o original por uma cópia, uma vez que vários elementos gráficos não são apreciáveis e apuráveis nas reproduções, prejudicando sensivelmente o estudo do gesto gráfico. Entretanto, no intuito de colaborar com a Justiça, acordaram em proceder às análises, assinando solidárias uma conclusão.

(...)

É falso o espécime de assinatura "JBMcno", aposto no documento motivo, isto é, não partiu do punho escritor de sua titulada, Luciana Barbosa Monteiro de Castro, segundo as divergências grafoestruturais constatadas no confronto com seus padrões, quais sejam, morfogênese dos símbolos alfabéticos: "B", "J", "M", "n", ataques, remates e sistemas de articulações." - destaquei.



Por sua vez, o laudo técnico apresentado pelo réu às f. 290-312 não tem força probante suficiente para derruir a conclusão constante do laudo confeccionado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais. Este foi elaborado e assinado, de forma solidária, por três autoridades policiais, dotados de fé pública, gozando de presunção de veracidade, ao passo que o laudo apresentado, de forma unilateral, pelo réu, representa a conclusão de somente um experto. Deve, portanto, prevalecer a conclusão do laudo técnico confeccionado pelos peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais.

Registre-se, outrossim, que a forma constante na TED é, ictu oculi, totalmente diversa das assinaturas da Sra. Flávia de Carvalho Barbosa, apostas em seu documentos de identidade (f. 279) e no cartão de assinatura-PJ existente nos arquivos do réu (f. 278).

Outro fato, no mínimo, intrigante, e que deve ser levado em consideração, é a apresentação, por uma das sócias da primeira autora, e que teria plenos poderes junto à instituição financeira, de um documento de transferência de dinheiro entre contas correntes não assinado por ela. Se realmente a Sra. Flávia de Carvalho Barbosa, com poderes totais de gerência financeira junto ao réu, tivesse comparecido à agência para efetuar a transferência do vultoso valor de R$297.000,00, por que razão portaria um documento de transferência que não estivesse assinado por ela?

Diante de tais fatos, penso que o réu agiu de forma negligente, tendo em vista a divergência das formas lançadas na TED e nos cartões de assinatura-PJ existentes em seu arquivo e o vultoso valor da transferência, pelo que deveria, pelo menos, ter entrado em contato com a segunda autora, com a finalidade de confirmar a transferência do valor de R$297.000,00 (duzentos e noventa e sete mil reais).

Resta, assim, caracterizada a sua responsabilidade civil, em razão de ser ela objetiva, ligada aos riscos do negócio, consubstanciando a fraude uma das hipóteses de fortuito interno.

Mister se faz destacar que cada vez são mais sofisticadas as fraudes praticadas, motivo pelo qual as instituições financeiras têm a obrigação de, frequentemente, aperfeiçoar os meios de que dispõem para evitar a ação de criminosos.

Saliente-se que somente haveria se falar em reconhecimento da excludente de responsabilidade civil, por fato de terceiro, na hipótese de ser este o único responsável pelo evento danoso, eliminando, totalmente, o nexo causal.

Nesse sentido, eis o magistério do saudoso Caio Mário da Silva Pereira:

"Nos seus efeitos, a excludente oriunda do fato de terceiro assemelha-se à do caso fortuito ou de força maior, porque, num e noutro, ocorre a exoneração.

Mas, para que tal se dê na excludente pelo fato de terceiro, é mister que o dano seja causado exclusivamente pelo fato de pessoa estranha. Se para ele tiver concorrido o agente, não haverá isenção de responsabilidade: ou o agente responde integralmente pela reparação, ou concorre com o terceiro na composição das perdas e danos." (in Responsabilidade Civil; 3ª ed.; 1992; Ed. Forense; p. 300).

Outrossim, confira-se a lição de José de Aguiar Dias:

"O fato de terceiro pode, também, constituir motivo de isenção da responsabilidade civil.

(...)

Em relação ao fato de terceiro, que figura, ao lado do caso fortuito ou de força maior, como fundamento de isenção, naquela expressão genérica de causa estranha, usada pelo art. 1.382 do Código Civil francês, há uma certa corrente de opinião que a reconhece sempre e sempre, como excludente de responsabilidade (...). Outros, porém, só em determinadas condições lhe atribuem tal efeito. Para dar, em fórmula sintética, o pensamento da segunda corrente, a que aderimos, podemos dizer que o fato de terceiro só exonera quando realmente constitui causa estranha ao devedor, isto é, quando elimine, totalmente, a relação de causalidade entre o dano e o desempenho do contrato. A questão é essencialmente ligada ao problema do nexo causal e parece-nos que não tem sido estudada desse ponto de vista. Em última análise, todo fato que importe exoneração de responsabilidade tira esse efeito da circunstância de representar a negação de causalidade." (in Da Responsabilidade Civil, vol. II, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 678-679).

Tal excludente de responsabilidade civil não se enquadra na circunstância dos autos. Além da responsabilidade civil do réu ser objetiva e a fraude ser risco da sua atividade, portanto, fortuito interno (Súmula nº 479, do STJ), no caso dos autos, ele agiu com culpa in ommitendo, por não ter se cercado das cautelas de praxe para evitar a ação de um falsário. Portanto, o evento danoso não teve como causa exclusiva a ação de um estelionatário, mas, ao revés, foi adjuvada pela negligência do réu.

A nosso aviso, em que pese o entendimento contrário do apelante, não há dúvida de que se encontra configurado, no caso em tela, o dano moral. A transferência do valor de R$297.000,00 (duzentos e noventa e sete mil reais), de forma indevida, da conta-corrente da autora para terceiros é hábil, por si só, a lhe causar angústia, intranquilidade de espírito, mal-estar e, via de consequência, dano moral.

A subtração, por estelionatário, de qualquer quantia, em conta bancária de terceiro, causa à parte lesada a sensação de insegurança, mal-estar, revolta e consequente abalo moral, que deve ser compensado.

In casu, repita-se, o desconto indevido realizado foi de quantia significativa, no montante de R$ 297.000,00 (duzentos e noventa e sete mil reais) o que, sem sombra de dúvida, autoriza o deferimento da indenização compensatória.

Nesse sentido, mutatis mutandis, confiram-se os seguintes julgados deste Tribunal de Justiça:

INDENIZAÇÃO - DANO MATERIAL - CONTA CORRENTE - TED - FRAUDE - PROVA - FORTUITO INTERNO.

A instituição bancária responde objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, por exemplo, movimentação de conta corrente com elaboração de TED mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. A movimentação financeira provada irregular da conta corrente, própria de fortuito interno, deve ser ressarcida a título de dano material. Recurso não provido. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.319881-2/001, Relator(a): Des.(a) Saldanha da Fonseca, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/10/2014, publicação da súmula em 13/10/2014)

RECURSO DE APELAÇÃO - PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - INOBSERVÂNCIA - NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO APELO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - SAQUES E TRANSFERÊNCIAS NÃO AUTORIZADAS EM CONTA CORRENTE - DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - FRAUDE - DEVER DE INDENIZAR DO BANCO - DANOS MORAIS - EXISTÊNCIA - MONTANTE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Os recursos em geral devem observar o princípio da dialeticidade, de forma a demonstrar e atacar o desacerto da decisão guerreada.

Não se conhece de parte de recurso interposto sem a indicação dos motivos específicos do inconformismo da parte, em contraposição aos fundamentos fáticos e jurídicos da sentença.

Nos termos da Súmula 479/ST, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".

A retirada de valor expressivo de numerário em conta corrente, de forma indevida, acarreta ao consumidor não um mero aborrecimento, mas profunda indignação e sensação de impotência, notadamente quando a importância subtraída não é imediatamente ressarcida.

Configurados os danos morais, é devida a respectiva indenização. Consoante entendimento uníssono da jurisprudência pátria, a indenização por danos morais não deve implicar em enriquecimento ilícito, tampouco pode ser irrisória, de forma a perder seu caráter de justa composição e prevenção.

Os honorários advocatícios devem ser arbitrados conforme o art. 20, §3º, do CPC. (TJMG - Apelação Cível 1.0090.11.004040-0/001, Relator(a): Des.(a) Leite Praça, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/06/2015, publicação da súmula em 23/06/2015)

APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - RELAÇÃO CONSUMERISTA - DANO CAUSADO POR FATO DO SERVIÇO - PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL - DÉBITOS EM CONTAS BANCÁRIAS, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DOS CORRENTISTAS - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MINORAÇÃO - POSSIBILIDADE - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - INOCORRÊNCIA.

No Código de Defesa do Consumidor, há previsão expressa de prazo prescricional para o exercício de pretensão oriunda de fato do serviço, no art. 27, sendo o lapso temporal de cinco anos, contados do conhecimento do dano e de sua autoria.

Para que se condene alguém ao pagamento de indenização por dano moral, é preciso que se configurem os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, que são o dano, a culpa do agente, em caso de responsabilização subjetiva e o nexo de causalidade entre a atuação deste e o prejuízo.

Não obstante ter restado incontroversa a fraude praticada contra o banco-réu, através de estelionatário, que realizou transferências on-line, aplicações e pagamentos de títulos nas contas-corrente e poupança de titularidade dos autores, ainda assim, resta caracterizada a sua responsabilidade civil, em razão de ser ela objetiva, ligada aos riscos do negócio, consubstanciando a fraude uma das hipóteses de fortuito interno.

Não há dúvida de que se encontra configurado, na hipótese dos autos, o dano moral. A nosso aviso, os descontos realizados, de forma indevida, nas conta-corrente e poupança dos autores são hábeis, por si sós, a lhes causar angústia, intranquilidade de espírito e desequilíbrio no seu bem-estar e, via de consequência, dano moral.

Em relação ao quantum indenizatório, este Tribunal, a exemplo de várias outras Cortes brasileiras, tem primado pela razoabilidade na fixação dos valores das indenizações. É preciso ter sempre em mente que a indenização por danos morais deve alcançar valor tal, que sirva de exemplo par a o réu, sendo ineficaz, para tal fim, o arbitramento de quantia excessivamente baixa ou simbólica, mas, por outro lado, nunca deve ser fonte de enriquecimento para os autores, servindo-lhes apenas como compensação pela ofensa sofrida.

Relativamente ao pedido de majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais, é importante consignar que, nas demandas em que há condenação, como a presente, os honorários são fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20%, observados o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado, bem como o tempo despendido para seu serviço, como determina o art. 20, §3º, do CPC.

No que tange à distribuição dos ônus sucumbenciais, é bem de ver-se que, em se tratando de indenização por danos morais, nos termos da súmula 326, do STJ, a "condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca". (TJMG - Apelação Cível 1.0148.10.006896-1/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Mariné da Cunha , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/02/2016, publicação da súmula em 01/03/2016)

Em relação ao quantum indenizatório, este Tribunal, a exemplo de várias outras Cortes brasileiras, tem primado pela razoabilidade na fixação dos valores das indenizações. É preciso ter sempre em mente que a indenização por danos morais deve alcançar valor tal, que sirva de exemplo para o réu, sendo ineficaz, para tal fim, o arbitramento de quantia excessivamente baixa ou simbólica, mas, por outro lado, nunca deve ser fonte de enriquecimento para os autores, servindo-lhes apenas como compensação pela ofensa sofrida.

Sobre essa matéria, Humberto Theodoro Júnior observa que:

"nunca poderá, o juiz, arbitrar a indenização do dano moral, tomando por base tão somente o patrimônio do devedor. Sendo, a dor moral, insuscetível de uma equivalência com qualquer padrão financeiro, há uma universal recomendação, nos ensinamentos dos doutos e nos arestos dos tribunais, no sentido de que 'o montante da indenização será fixado eqüitativamente pelo Tribunal' (Código Civil Português, art. 496, inc. 3). Por isso, lembra, R. Limongi França, a advertência segundo a qual 'muito importante é o juiz na matéria, pois a equilibrada fixação do quantum da indenização muito depende de sua ponderação e critério" (Reparação do Dano Moral, RT 631/36)" (in Dano Moral, Ed. Oliveira Mendes, 1998, São Paulo, p. 44)

Oportuna também é a lição de Maria Helena Diniz:



"(...) o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o 'quantum' da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível, tal equivalência. A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor; e compensatória, sendo uma satisfação que atenue a ofensa causada, proporcionando uma vantagem ao ofendido, que poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender a necessidades materiais ou ideais que repute convenientes, diminuindo, assim, seu sofrimento." (A Responsabilidade Civil por Dano Moral, in Revista Literária de Direito, ano II, nº 9, jan./fev. de 1996, p. 9)



Assim, observando critérios norteadores da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como os princípios orientadores da intensidade da ofensa, sua repercussão na esfera íntima das apeladas, a condição do apelante, que também foi vítima de fraude, o fato de que o valor subtraído da conta bancária da primeira autora ter sido considerável (R$297.000,00) e o caráter pedagógico da medida, considero que o quantum indenizatório fixado pelo magistrado de primeiro grau (R$20.000,00 para cada autora) encontra-se acima da média das indenizações fixadas por esta Corte, em casos análogos.

Portanto, a nosso aviso, a quantia arbitrada pelo magistrado deve ser reduzida para R$10.244,00 (dez mil, duzentos e quarenta e quatro reais), para cada autora, equivalente a treze salários mínimos, que se mostra justa e razoável à reparação dos danos morais suportados por elas, e se encontra dentro dos parâmetros desta câmara, para casos análogos.

A correção monetária do montante indenizatório, conforme entendimento já consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça, deverá incidir a partir da publicação da decisão em que foi arbitrada, reduzida ou majorada, posto que, até então, presume-se atual. A propósito:

"CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PRESSUPOSTOS FÁTICOS. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7-STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

1 - Aferir a existência de provas suficientes para embasar condenação por danos morais demanda revolvimento do material fático-probatório, soberanamente delineado pelas instâncias ordinárias, esbarrando, pois, a violação ao art. 1.060 do Código Civil de 1.916, no óbice da súmula 7-STJ.

2 - Admite o STJ a redução do quantum indenizatório, quando se mostrar desarrazoado, o que não sucede na espécie, em que houve morte decorrente de acidente de trânsito, dado que as Quarta e Terceira Turmas desta Corte têm fixado a indenização por danos morais no valor equivalente a quinhentos salários mínimos, conforme vários julgados.

3 - Os juros moratórios, no caso de indenização por danos morais decorrentes de acidente de trânsito, possuem como termo inicial a data do sinistro.

4 - Nos casos de danos morais, o termo a quo para a incidência da correção monetária é a data em que foi arbitrado o valor definitivo da indenização, ou seja, in casu, a partir da decisão proferida pelo Tribunal de origem.

5 - Há sucumbência recíproca, uma vez que as autoras lograram êxito apenas no que se refere ao pedido de indenização por danos morais em valor inferior ao requerido na inicial, sucumbindo na pretensão referente aos danos materiais e às despesas de funeral.

6 - Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (REsp nº 773.075/RJ. Rel.: Min. Fernando Gonçalves. Quarta Turma. Julgado em 27.9.2005. DJ.: 17.10.2005, p. 315).

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. A orientação deste Tribunal é de que, em se tratando de danos morais, o termo a quo da correção monetária é a data da prolação da decisão que fixou o quantum da indenização, devendo incidir os juros de mora a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extracontratual (Súmula 54/STJ). Embargos acolhidos." (Emb. decl. no REsp nº 615.939/RJ. Rel.: Min. Castro Filho. Terceira Turma. Julgado em 13.9.2005. DJ.: 10.10.2005, p. 359).

Relativamente ao pedido de devolução do valor transferido indevidamente, ele é corolário lógico do reconhecimento da responsabilidade objetiva do réu, não podendo a autora arcar com os prejuízos da conduta negligente do estabelecimento bancário.

Com tais razões de decidir, dou parcial provimento ao recurso, tão somente para reduzir o quantum da indenização por danos morais ao importe de R$10.244,00 (dez mil duzentos e quarenta e quatro reais), devido a cada autora, que deverá ser corrigido, pela Tabela da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, a partir da publicação deste acórdão, e acrescido de juros moratórios de 1%, nos termos previstos na sentença.

Condeno as partes ao pagamento pro rata (meio a meio) das custas recursais, observados, quanto às autoras, os termos do art. 12, da Lei n. 1.060/50.

DES. ANTÔNIO SÉRVULO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ROBERTO SOARES DE VASCONCELLOS PAES - De acordo com o(a) Relator(a).



SÚMULA: "RECURSO PROVIDO EM PARTE"

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Empresa não pode mudar contrato por estar passando dificuldades financeiras


O fato de a empresa estar passando por dificuldades financeiras não autoriza a alteração das condições de trabalho de forma prejudicial ao empregado. Permitir isso significaria transferir para o trabalhador os riscos do empreendimento, em alteração contratual ilícita e ofensa ao princípio da boa-fé objetiva.

Com esses fundamentos, a juíza Patrícia Vieira Nunes de Carvalho, da Vara do Trabalho de Cataguases (MG), determinou o pagamento de horas extras e valores referentes a 13º, férias e FGTS a um trabalhador que teve sua jornada de trabalho alterada de forma unilateral pela empregadora, que, alegando problemas financeiros, retirou uma folga semanal dele.

Admitido em julho de 2010, o empregado sempre trabalhou em turnos de revezamento com escala de seis dias de trabalho por dois de descanso, como previsto em norma coletiva da categoria. No entanto, a partir de julho de 2012, começou a trabalhar em turnos normais na escala de 6 por 1, ou seja, passou a usufruir de apenas uma folga semanal a cada seis dias de serviço. A empresa se justificou alegando que, em virtude de dificuldades econômicas, teve que extinguir a turma na qual o reclamante trabalhava e realocar os empregados em outras atividades, todas em turnos regulares de 6 por 1.

A magistrada, porém, não acatou a tese da ré. Ela explicou que o Direito do Trabalho proíbe que o empregador transfira para os seus empregados os riscos da atividade econômica (artigo 2º da CLT) e, ao ignorar essa norma legal, a empresa extrapolou os limites do seu poder diretivo.

"Sendo inerente ao negócio da empregadora a possibilidade de enfrentamento de crises econômicas e adversidades de mercado, os riscos decorrentes devem por ela ser suportados, ou, caso contrário, seriam transferidos ao trabalhador, em flagrante afronta ao princípio da alteridade", destacou a juíza.

A empregadora apresentou recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG). Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

Processo 0010555-52.2016.5.03.0052

quinta-feira, 17 de março de 2016

Empresa também responde se empregado usa função para cometer crime


Quando um funcionário usa sua função para cometer um crime, a empregadora também é responsável por ressarcir os danos causados pelo trabalhador, pois o cargo ocupado facilitou a ocorrência do delito. Assim entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao obrigar um banco a indenizar um cliente que teve valores de sua conta desviados pelo gerente.

Os desvios ocorreram quando o autor da ação trabalhava no exterior e depositava parte de seu salário em conta bancária no Brasil. Com o tempo, o cliente estabeleceu uma relação de confiança com o gerente do banco, que ficou responsável também pelos investimentos do correntista. Ao retornar do exterior e tentar fazer uma compra, o titular da conta foi surpreendido pela falta de crédito.

Ao descobrir que o gerente desviava valores de sua conta, o cliente ingressou com ação para ser ressarcido pelo banco. Segundo ele, todos os valores repassados foram desviados. Além do ressarcimento, o autor do processo pediu indenização por danos morais. A sentença de primeira instância reconheceu o direito do correntista, mas o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou a sentença.

O TRF-4 aceitou a justificativa do banco, de que o gerente agiu por conta própria, e não em nome da instituição, o que afastaria a responsabilidade da empresa. Porém, o entendimento foi reformado no STJ. Para o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso, não há como afastar a responsabilidade do banco nesse caso.

“Tendo o gerente se utilizado das facilidades da função para desviar valores da conta do cliente, deve a empregadora responder pelos danos causados. Cabível, portanto, o restabelecimento da sentença”, argumentou Sanseverino. O único ponto da sentença inicial não restabelecido foi a obrigação de indenizar os valores desviados movimentados fora da conta.

Essa parcela não foi devolvida porque, segundo o STJ, não há como provar a responsabilidade do banco nessas ações. O banco também terá que indenizar o correntista por danos morais por causa dos transtornos causados. “Os valores desviados foram vultosos, quase meio milhão de reais, de modo que esse fato, por si só, se mostra apto a abalar psicologicamente o correntista (ora recorrente), gerando obrigação de indenizar”, concluiu o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão.REsp 1.569.767

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Sócio menor de idade não responde por dívida tributária.

Menor de idade e sem nenhum poder de gestão, mesmo que conste no contrato social da empresa, não responde por dívida tributária. Por isso, a 1ª Vara Federal de Bento Gonçalves (RS) reconheceu a ilegitimidade da sócia de uma empreiteira para constar no polo passivo de uma execução fiscal.

A sócia entrou na empresa em 2003, com 16 anos, ao lado do pai, que sempre foi o gestor nos negócios. Em 2007, a União emitiu Certidão de Dívida Ativa no valor de R$ 412 mil contra a empresa por falta de recolhimento de verbas previdenciárias. A União tentou responsabilizar a sócia que, a essa altura, já era maior de idade. A defesa ajuizou exceção de pré-executividade em face da Fazenda Nacional, que foi acolhida naquela vara.

A juíza federal Luciana Dias Bauer apontou que a responsabilidade do sócio é verificada no momento do fato gerador ou quando se constata a dissolução irregular da empresa. Entretanto, reconheceu ter sido comprovado que a sócia não exercia poderes de gerência ou administração na sociedade.

A advogada Ligiane Fernandes, procuradora da empresa, explica que o Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar no REsp 808.386/SP, firmou entendimento de que os sócios cotistas, se não praticarem atos de gestão, não podem ser responsabilizados na forma dos artigos 134, inciso VII; e 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN). Conforme a advogada, a 1ª Turma do STJ já havia proclamado, também, que não há razão para responsabilizar, subsidiariamente, o sócio sem posição de gerência em caso de dissolução irregular da sociedade.

Clique aqui para ler a decisão.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Livros e instrumentos essenciais para a profissão são impenhoráveis


Livros, máquinas, ferramentas, utensílios, instrumentos e demais bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão são absolutamente impenhoráveis. O entendimento é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao negar recurso da Fazenda Nacional em um processo de execução fiscal contra uma indústria metalúrgica de Santa Catarina.

Na ação, a Fazenda solicitou que a Justiça determinasse o leilão de uma série de máquinas industriais da metalúrgica, para que fosse quitada uma dívida tributária de aproximadamente R$ 1 milhão. Em primeira instância, o pedido do órgão público foi negado.

Ambas as partes apelaram contra a decisão no tribunal. A Fazenda defendeu a penhora dos bens, uma vez que a impenhorabilidade só se aplica a entidades de pequeno porte. A metalúrgica, por sua vez, pediu a anulação da multa, alegando que o processo já estaria extinto.

Em decisão unânime, a 1ª Turma do TRF-4 manteve a sentença. A relatora do processo, desembargadora federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, entendeu que “se trata de equipamentos indispensáveis para o funcionamento da atividade-fim da empresa e, portanto, não podem ser leiloados”.

No entanto, a magistrada manteve a condenação, e a dívida deverá ser quitada de alguma outra forma. Maria de Fátima ressaltou que, segundo a legislação, esse tipo de processo só prescreve depois de decorridos 30 anos, o que não ocorreu no caso. Com informações da 

Assessoria de Imprensa do TRF-4.

Processo 0004401-44.2015.4.04.9999

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Cheque endossado não exige notificação de devedor


O endosso tem efeito de cessão de crédito e não exige a notificação do devedor, a não ser que o emitente do cheque tenha acrescentado ao título de crédito a cláusula "não à ordem", hipótese em que o título somente se transfere pela forma de cessão de crédito.

Esse foi o entendimento adotado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial interposto por uma empresa de factoring condenada por danos morais por ter inscrito uma devedora de cheque endossado, devolvido por insuficiência de fundos, em cadastro de inadimplentes, sem antes notificá-la.

A mulher alegou que tentou saldar a dívida com o estabelecimento comercial onde realizou a compra, mas que este havia sido extinto. Apenas quando seu nome foi negativado é que descobriu que o cheque tinha sido endossado a uma empresa de factoring.
 
Consignação de pagamento

Segundo a devedora, ela ajuizou uma ação de consignação de pagamento, com depósito judicial do valor devido ao credor original. Um ano depois, no entanto, ela foi novamente surpreendida com o seu nome incluído no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), por solicitação da empresa de factoring, que estava com o seu cheque.

 No STJ, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, deu provimento ao recurso da factoring. Segundo ele, “o endosso, no interesse do endossatário, tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar de observância da forma necessária à cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos artigos 288 e 290 do Código Civil (CC)”.

“O cheque endossado – meio cambiário próprio para transferência dos direitos do título de crédito, que se desvincula da sua causa, conferindo ao endossatário as sensíveis vantagens advindas dos princípios inerentes aos títulos de crédito, notadamente o da autonomia das obrigações cambiais – confere, em benefício do endossatário, ainda em caso de endosso póstumo, os efeitos de cessão de crédito”, explicou Salomão.

Em relação ao fato de a devedora ter movido a ação de consignação em pagamento ao credor originário, o ministro entendeu que isso não afasta o direito do endossatário do título, pois a quitação regular de débito estampado em título de crédito só ocorre com o resgate do cheque.
 
Para Salomão, o devedor deve “exigir daquele que se apresenta como credor cambial a entrega do título de crédito (o artigo 324 do CC, inclusive, dispõe que a entrega do título ao devedor firma a presunção de pagamento)”.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Livraria não deve indenizar família de jovem morto com taco de beisebol

A 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença e negou pedido de indenização formulado pela mãe de um jovem que morreu depois de ser agredido com um taco de beisebol dentro da Livraria Cultura, na Avenida Paulista, em São Paulo. De acordo com o colegiado, a agressão ocorrida foi aleatória e sem qualquer previsibilidade.

O filho da autora foi atingido na cabeça enquanto estava sentado na livraria. Ele ficou internado por dez meses na UTI do Hospital das Clínicas, mas não resistiu e morreu em consequência do trauma. Ela pediu indenização por danos morais e materiais sustentando que o sócio-administrador poderia ter previsto o acidente, uma vez que mantinha contato com o agressor, que, em outra oportunidade, já teria causados danos ao estabelecimento. 
A sentença da 6ª Vara Cível da capital julgou a ação improcedente, mas ela recorreu da decisão insistindo na produção de provas. De acordo com a mãe da vítima, a livraria deveria ter tomado providências para que fosse evitada a agressão violenta, uma vez que já estava ciente do comportamento do agressor.
O relator do processo, desembargador Carlos Alberto Garbi, entendeu que o risco em exame se desvencilha da atividade empresarial desenvolvida, visto que ocorreu efetivamente caso fortuito externo ou causa estranha, que rompe integralmente o nexo de causalidade. Para o relator, a agressão cometida por portador de esquizofrenia, imprevisível e absolutamente alheia à atividade da empresa. Em seu voto, Garbi explica que não se poderia esperar que a manutenção da livraria poderia envolver risco à integridade física de clientes. Assim, concluiu, ausente nexo causal, não se poderia impor a responsabilidade à livraria com fundamento na teoria do risco.
“Nas duas oportunidades em que o réu foi ouvido, prestou esclarecimento dos fatos. Embora tivesse o réu recebido cartas e também seu estabelecimento tivesse sido anteriormente danificado pelo agressor, não poderia ser extraído desses fatos razão que justificasse a adoção de medidas extremas de segurança. Isso porque os atos cometidos pelo agressor eram desconexos, incompreensíveis, de forma que não poderiam ser entendidos como risco de agressão aos clientes da ré, porque deles não se depreendia ameaça", afirmou. Os desembargadores Araldo Telles e João Carlos Saletti também participaram do julgamento e acompanharam o voto do relator.
O caso
O designer Henrique Pereira folheava livros da seção de arte da Livraria Cultura do Conjunto Nacional quando foi atacado inesperadamente com golpes na cabeça. Ele morreu dez meses depois, ainda internado.

Na época do crime, a polícia disse que o agressor e Pereira não se conheciam e que o acusado tinha um histórico de agressão e perturbação mental. Em abril de 2008, conforme o delegado Luís Ricardo Kojo, que cuidou do caso, o rapaz quebrou a vitrine e um televisor de plasma na mesma livraria, ato que lhe rendeu um processo. Um ano antes, em 2007, havia sido processado por danos materiais por atacar uma academia.
Em 2011, a juíza Carla de Oliveira Pinto Ferrari, da 1ª Vara do Júri de São Paulo, declarou inimputável Alessandre Fernando Aleixo, o agressor, e determinou sua internação em hospital de custódia. O laudo pericial juntado aos autos do processo concluiu que o réu tem transtorno delirante persistente, o que o torna totalmente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta e de se guiar segundo esse entendimento. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler a sentença que declarou o agressor inimputável.
Processo 0114154-08.2012.8.26.0100

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Punir empresas não é bom para o país, diz juiz Roberto Ayoub, do TJ-RJ


As sanções previstas na Lei Anticorrupção para as empresas envolvidas em casos de corrupção "não são boas para o país", afirmou o juiz Roberto Ayoub, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao palestrar sobre a recuperação judicial de companhias em dificuldade, nesta terça-feira (21/10). O magistrado, que ficou conhecido em todo o país por causa do processo que tentou evitar a falência da Varig, afirmou que o crime é praticado pelo administrador e que punir a pessoa jurídica só agrava o cenário da crise econômica.

“Punir a empresa representa punir a sociedade brasileira. Não é a empresa que prática atos temerários, mas quem a comanda. É esse alguém que me parece que tem de sofrer qualquer tipo de punição. A empresa gera emprego, riquezas. Então, vamos proibir a empresa de licitar? Vamos quebrá-la”, afirmou.

Ayoub falou no Congresso de Construção e Infraestrutura, que ocorreu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro. O evento foi promovido pela Comissão de Infraestrutura da seccional e pelo Instituto Brasileiro de Direito da Construção. Na ocasião, o juiz disse nunca ter assistido a uma crise da proporção que o Brasil vive atualmente, com tantas empresas em investigação por envolvimento em casos de corrupção.

Porém, na avaliação de Ayoub, da crise podem surgir grandes oportunidades, por isso o mais importante a se fazer no momento é preservar a credibilidade das empresas que se encontram em dificuldade. E uma forma de se fazer isso é responsabilizar o agente que colaborou para pôr a companhia em uma situação difícil.

Segundo o juiz, a Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência de empresas, também prevê instrumentos para evitar crimes no âmbito corporativo. Ele citou o artigo 64 da norma, que prevê o afastamento do gestor quando verificado o envolvimento dele com os crimes que tipifica. Na avaliação dele, a aplicação adequada do dispositivo pode garantir credibilidade à empresa e um ambiente com maior segurança jurídica, tornando-a atrativa aos olhos dos investidores.

“O investidor pensa que a empresa é boa, mas passa por dificuldades porque está na mão de quem a comandava. E essa pessoa sai. Quem entra no lugar dele? Um gestor nomeado pela assembleia de credores. Maior legitimidade não há. A partir desse momento, penso que se cria um ambiente de maior segurança jurídica, credibilidade e previsibilidade. Com essa conjugação, o investimento aparece”, destacou.

Risco maior
 
A advogada Mariana Tubiolo Tosi, do Feldens Madruga Advogados, que também participou do evento, afirmou que a Lei Anticorrupção e o Decreto 8.420/2015, que a regulamentou, estabeleceram sanções que podem levar as empresas à falência. “A preocupação com a corrupção não é mais apenas moral. O risco de as pessoas serem pegas está mais evidente”, frisou.

Entre as punições previstas, o advogado José Alexandre Buaiz Neto, do Pinheiro Neto Advogados, destacou as multas que pode chegar a 20% do faturamento até a impossibilidade de se contratar com a administração pública. Sem falar no prejuízo à imagem da companhia. No entanto, ele lembrou que as empresas que contam com código de ética e desenvolvem programas de compliance podem ter as penas reduzidas.

Na avaliação de Neto, os novos instrumentos são importantes para o combate à corrupção, mas tanto a lei como o decreto deixam uma série de dúvidas. O advogado citou como exemplo os acordos de leniência. De acordo ele, a legislação não deixou claro qual é o órgão competente para firmá-lo, se a Controladoria-Geral da União ou o Ministério Público Federal.

“É inegável que um país sem corrupção é um país melhor. Mas não podemos cair na teoria maquiavélica de que os fins justificam os meios. Isso é importante para que se evite alguns desmandos.”

Recuperação fraudulenta

Na palestra, Roberto Ayoub destacou que os juízes das varas empresariais devem avaliar com atenção as chances das empresas que entram com pedido de recuperação. De acordo com ele, essa análise prévia pode impedir que companhias sem condições de se recuperar usem o instituto apenas para procrastinar o pagamento do que devem.

Segundo a advogada Juliana Bumachar, que também participou do evento, a análise prévia da viabilidade da recuperação é complicada, por isso é importante que as empresas devedoras sejam transparentes.

Ela destacou que, dentre dez companhias em dificuldade que a consultam, apenas uma realmente apresenta condições de obter êxito com o processo de recuperação. “A gente tem um número crescente de falências e recuperação, mas só vamos ter o real panorama daqui a uns dois anos”, frisou.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Comercial. Direito de empresa. Capacidade. Inventário. Transmissão hereditária de firma individual.

TJSC - Comercial. Direito de empresa. Capacidade. Inventário. Transmissão hereditária de firma individual. Sentença de extinção do processo sem resolução de mérito. Carência de ação. Art. 267, inc. VI do CPC. Desconstituição do julgado

    Acórdão: Apelação Cível n. 2005.025103-5, de São Bento do Sul.
    Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari
    Data da decisão: 06.08.2008.
    Publicação: DJSC Eletrônico n. 525, edição de 09.09.08, p. 95.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INVENTÁRIO – TRANSMISSÃO HEREDITÁRIA DE FIRMA INDIVIDUAL – SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – CARÊNCIA DE AÇÃO – ARTIGO 267, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO – PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA QUE SE CONTINUE A ATIVIDADE DE EMPRESA – ARTIGO 974 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO ACOLHIDO. Um pedido só é juridicamente impossível quando há no ordenamento vedação expressa a que alguém exija sua realização no plano do direito material (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 64). ARTIGO 515, § 3º, DO DIPLOMA PROCESSUAL CIVIL – DECISÃO DA CAUSA PELO TRIBUNAL – MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO – CONDIÇÕES DE IMEDIATO JULGAMENTO – APELANTE CAPAZ E NÃO IMPEDIDO DE EXERCER EMPRESA – PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA – RELEVÂNCIA SOCIOECONÔMICA – INTERESSE PÚBLICO – CONVENIÊNCIA DA CONTINUAÇÃO DAS ATIVIDADES – JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A empresa desempenha função que extrapola os limites dos interesses patrimoniais de seus titulares, pois gera empregos, amplia o recolhimento de tributos e ativa a economia, além de incrementar importações e exportações, de maneira tal que sua preservação interessa à sociedade e ao Estado.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.025103-5, da comarca de São Bento do Sul (1ª Vara), em que é apelante Juares Pereira:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Juares Pereira contra a sentença proferida nos autos do inventário dos bens deixados por Antônio José Pereira.

A abertura do inventário foi deflagrada por Terezinha Regina da Silva, cônjuge sobrevivente, que foi nomeada inventariante (fl. 10) e, após compromisso firmado (fl. 13), prestou as primeiras declarações (fls. 16-20), informando que o único bem que o de cujus deixara foi "uma Firma CNPJ n. 42101566578, denominada Antônio José Pereira Serviços de Vigilância – ME, situada na rua Theodoro Schwaz, n. 79, bairro Serra Alta, na cidade São Bento do Sul – SC".

Junto com as primeiras declarações, foi requerida a substituição da inventariante por Juares Pereira, ora apelante, e juntados documentos.

Prestado novo compromisso (fl. 27), juntados manifestações e documentos, determinou o Magistrado de primeiro grau a intimação do inventariante para que informasse a existência de bens em nome do de cujus.

Em face da confirmação do inventariante de que o único bem deixado pelo autor da herança foi a "razão social" (fl. 64), e após manifestação do órgão do Ministério Público (fls. 72-73), o MM. Juiz a quo, reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido e, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgou extinto o feito sem resolução de mérito (fls. 75-80).

Irresignado com o decisum, interpôs o inventariante Juares Pereira a presente apelação cível, na qual argumentou ter apresentado o formal de partilha e a desistência dos demais herdeiros para que assumisse a administração da empresa individual, único bem deixado pelo falecido.

Aduziu que a manutenção da empresa deixada pelo de cujus seria de suma importância, pois que dela os familiares retirariam seu sustento.

Invocou o disposto no artigo 974, § 1º, do Código Civil, bem como o teor da Instrução Normativa n. 97 do Departamento Nacional do Registro do Comércio, e pugnou pelo provimento do apelo "para que seja autorizado o juízo 'a quo', proceder à ordem necessária para que seja retificado perante a junta comercial de São Bento do Sul-SC, a substituição do nome do 'de cujus' para o nome do Apelante, como sendo administrador da empresa Antônio José Pereira Serviços de Vigilância".

Recebido o apelo e remetidos os autos a este Tribunal, deu-se vista ao Excelentíssimo Procurador de Justiça Antenor Chinato Ribeiro, que entendeu não haver no caso interesse tutelável pelo Ministério Público.

VOTO

Cuida-se de apelação cível interposta por Juares Pereira contra a sentença do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da comarca de São Bento do Sul que, na forma do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgou extinto o feito sem resolução de mérito.

Pretende o apelante dar continuidade à atividade de empresa desempenhada individualmente pelo de cujus Antônio José Pereira (Antônio José Pereira Serviços de Vigilância – ME), tornando-se dela titular.

O MM. Juiz declarou a impossibilidade jurídica do pedido e, por conseqüência, julgou extinto o feito sem resolução de mérito (artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil).

Concessa venia, ao contrário do reconhecido pelo Magistrado de primeiro grau, tem-se o pedido do ora apelante como juridicamente possível.

Um pedido é juridicamente impossível quando há no ordenamento vedação expressa a que alguém exija sua realização no plano do direito material (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 64).

Essa condição da ação representa verdadeira exceção à garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), "portadora da regra de que em princípio todas as pretensões de tutela jurisdicional serão apreciadas pelo Estado-Juiz, só não o sendo aquelas que encontrarem diante de si alguma dessas barreiras intransponíveis" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2. v. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 302).

Nessa senda, com a devida vênia ao entendimento declinado pelo Juiz a quo – de que a firma individual extingue-se com a morte de seu titular –, não se pode afirmar como juridicamente impossível o pedido da apelante que visa obter autorização para dar continuidade à atividade de empresa desempenhada individualmente pelo extinto.

É que o artigo 974, caput e § 1º, do Código Civil expressamente permite a continuação da atividade de empresa antes exercida pelo autor da herança, mediante prévia autorização judicial, verbis:

Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança.

§ 1º. Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direito s adquiridos por terceiros.

Embora o artigo refira-se apenas à continuação da empresa pelo incapaz devidamente representado ou assistido, com igual razão é de se permitir que lhe dê continuidade a pessoa plenamente capaz, até mesmo porque nenhuma diferença substancial há entre os negócios jurídicos realizados por um ou por outro.

Veja-se, também, que o Manual de Atos de Registro de Empresário, expedido pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que "estabelece normas a serem observadas pelas Juntas Comerciais e respectivas clientelas na prática de atos no Registro de Empresas referentes a empresários", prevê em seu item 2.3, relativo às firmas individuais, subitem 2.3.5, o que segue:

2.3.5 – FALECIMENTO DO EMPRESÁRIO

A morte do empresário acarreta a extinção da empresa, ressalvada a hipótese de sua continuidade por autorização judicial.

2.3.5.1 – Sucessão "causa mortis" – sucessor capaz

A Junta Comercial arquivará a autorização judicial recebida (ato: 901 – OFÍCIO; evento: 961 – Autorização de transferência de titularidade por sucessão).

Em seguida, deverá ser arquivado Requerimento de Empresário, promovendo a mudança da titularidade.

Deverá constar do Requerimento de Empresário: ato: 002 – ALTERAÇÃO; eventos: 961 – Autorização de transferência de titularidade por sucessão e 022 – Alteração de dados e de nome empresarial. Será mantido o NIRE e o CNPJ da empresa.

Assim, desde que autorizado judicialmente, pode o herdeiro continuar a atividade de empresa exercida em vida pelo empresário falecido. Não há falar, portanto, em carência de ação pela impossibilidade jurídica do pedido, e merece reforma a sentença proferida pelo Togado de primeiro grau.

Com esteio nessas considerações, acolhe-se o recurso do apelante.

Desconstituída a sentença terminativa, abre-se a possibilidade de julgamento do meritum causae diretamente por este Tribunal, por "versar questão exclusivamente de direito" e estar "em condições de imediato julgamento", tal como dispõe o artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil.

O apelante Juares Pereira, filho do autor da herança, requereu nos autos do inventário autorização judicial para prosseguir no exercício da empresa individual titularizada por este em vida.

Conforme indicado nas primeiras declarações e reiterado pelo inventariante em manifestações seguintes, a firma Antônio José Pereira Serviços de Vigilância – ME, de CNPJ n. 42101566578, é o único bem deixado pelo de cujus.

Os demais herdeiros de Antônio José Pereira renunciaram expressamente a seus respectivos quinhões hereditários: Joatan Pereira (fl. 45), Antônio José Pereira Filho (fl. 50), Olímpio Pereira (fl. 36), Marilete Siqueira Pereira (fl. 42), Joel da Silva Pereira (fl. 33), Ivan da Silva Pereira (fl. 40), Juliano da Silva Pereira (fl. 51) e Tânia Siqueira Pereira (fl. 34).

Pelas razões acima já expostas, verifica-se, não só como juridicamente possível, mas como plenamente viável, o acolhimento da pretensão do apelante, mormente por não haver oposição de nenhum dos co-herdeiros.

Acerca da continuação do exercício da empresa, leciona Arnaldo Rizzardo (Direito de Empresa. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 65):

Se existente a empresa e vier a se tornar incapaz o sócio ou o titular, ou se o mesmo falecer, autoriza a lei a dar seguimento à empresa, como se descortina do art. 974: "Poderá o incapaz, por meio de representante, ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança".

Está-se diante da continuação da empresa, e não de sua formação, justificando Sérgio Campinho a introdução da disciplina pelo atual Código: "A matéria, que no direito anterior ao novo Código Civil gerava polêmica na doutrina, passou a ser legalmente admitida, em total desprestígio à teoria da preservação da empresa, reconhecida como um organismo vivo, de múltiplas relações com terceiros, gerando empregos, recolhimentos de tributos e promovendo a produção e distribuição de bens e serviços no mercado".

De outra banda, além de encontrar-se o apelante no pleno gozo da capacidade civil, não consta dos autos nenhuma informação de que esteja ele legalmente impedido de exercer empresa (artigo 972 do Código Civil).

Ademais, tenha-se em conta que a empresa desempenha função que extrapola os limites dos interesses patrimoniais de seus titulares, pois gera empregos, amplia o recolhimento de tributos e ativa a economia, além de incrementar importações e exportações, de maneira tal que sua preservação interessa à sociedade e ao Estado.

Acerca do papel da empresa na geração de empregos, relevam Luiz Antônio Ramalho Zanoti e André Luiz Depes Zanoti:

Merece destaque, inclusive, a importância da geração de empregos no contexto social, pela ação do empreendedorismo do empresário. Nesse sentido, mister se faz destacar que a empresa desempenha um papel de relevância socioeconômica na sociedade, pois além de ativar a economia como um todo, produzindo bens e serviços importantes para a consolidação do bem-estar das pessoas, gera postos de trabalho, como conseqüência natural, de forma a contribuir para com a satisfação das necessidades dos cidadãos. Assim, à medida que ocorre a satisfação dos anseios dessas pessoas, nesse nível, arrefecem-se as tensões sociais, visto que o homem passa a receber tratamento que enaltece a sua dignidade pessoal (A preservação da empresa sob o enfoque da nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=903>. Acesso: 21 jul. 2008).

Nessa senda, é de se observar que a empresa, em consonância com a moderna teoria de empresa e com o princípio de sua função social, é, antes de tudo, um bem social, que desempenha funções perante a coletividade. Reforçam os citados autores:

Desempenha [a empresa] papel preponderante no equilíbrio da balança de pagamentos do País. Nesse sentido, age por meio do incremento das exportações de bens e de serviços, mecanismos estes que contribuem para com a internalização de moedas estrangeiras, indispensáveis para se promover a amortização e liquidação de serviços e de dívidas externas.

Mesmo quando realiza operações de importação, a empresa também contribui para com a estabilização da balança de pagamentos do País, vez que tais inversões são engendradas com o objetivo de se adquirir insumos, tecnologia, máquinas e equipamentos, dentre outros, fundamentais para que se promova a modernização dos parques industriais, otimização da eficiência produtiva, e geração de bens e serviços para os consumos interno e externo. Logo, estando ela capacitada para atender às expectativas do consumidor interno, inibe-se a importação de bens e serviços assemelhados, ao mesmo tempo em que alavanca as exportações dos mesmos, para atender às necessidades do consumidor externo.

Os interesses sociais relacionadas à manutenção da empresa foram consagrados, definitivamente, com a Lei n. 11.101/2005, que, em seus dispositivos, prioriza a recuperação à liquidação da empresa, "a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica" (artigo 47).

Ensina Gladston Mamede (Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 2005. p. 417):

O princípio da função social da empresa reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente: tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária, prejudica também todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado.

Frente a esses importantes fatores, sobejam razões reveladoras da conveniência da continuação da empresa (artigo 974, § 1º, do Código Civil), tal como pretendido pelo apelante.

Assim, dá-se provimento ao apelo para autorizar Juares Pereira a continuar a exercer a da atividade de empresa desempenhada por Antonio José Pereira Serviços de Vigilância – ME.

Com o retorno dos autos à primeira instância, expeça o MM. Juiz, em favor de Juares Pereira, o competente alvará de autorização de continuidade do exercício da empresa Antonio José Pereira Serviços de Vigilância – ME, para arquivamento na Junta Comercial.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, esta Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade, conhecer do presente recurso e dar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 29 de maio de 2008, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador José Mazoni Ferreira, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Newton Janke.

Funcionou como Representante do Ministério Público, o Exmo. Sr. Dr. Mário Gemin.

Florianópolis, 6 de agosto de 2008.

Jaime Luiz Vicari

RELATOR

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A metadogmática do Direito Comercial brasileiro (parte 1)

 

É com grande satisfação que, em atenção ao honroso convite do professor Otávio Luiz Rodrigues Jr., contribuímos para esta prestigiosa coluna, mantida pela Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo.

A metadogmática transcende a dogmática[1] na sua objetividade, referindo-se, contudo, a categorias e conceitos dogmáticos. O termo é empregado, no contexto de uma metódica (teoria do método), para designar um produto da interpretação (possivelmente para fins de atualização do direito), que expresse uma visão externa do fenômeno jurídico, às vezes voltada à aplicação da norma, mas sempre dedicada a uma reflexão que confronta fatores exógenos aos dogmáticos.[2] Qualquer rearranjo programático (do âmbito, das funções ou das técnicas) de uma disciplina jurídica, que produza um resultado dogmático, pressupõe um diálogo entre política do direito e dogmática, que é próprio da metadogmática.

Uma metadogmática do direito comercial propõe, por exemplo, à porção da ciência objetiva do direito que caracteriza o direito comercial, um objeto, funções e técnicas, sem dizer a norma em seu conteúdo objetivo (mesmo que da proposta decorra um conteúdo).

Este artigo, dividido em quatro partes, expressa, nos itens II a IV, proposições próprias do discurso metadogmático, quer prestar alguma contribuição ao debate atual sobre o conteúdo do direito comercial, na medida em que as conclusões aqui expressas o antecedem, capazes, bem por isso, de inculcar impressões acerca dos seus caminhos.

O que é e para que serve o direito comercial
 
1. O direito comercial é o “direito privado externo da empresa”.[3] Não é, bem por isso, o estatuto jurídico da empresa, ainda que na empresa se funde o seu objeto. O direito comercial disciplina parte do fenômeno empresarial, que se secionou, para fins de regramento, por expurgos ideológicos e pela afirmação histórica de especialidades.

O regramento da empresa, que se refere a um direito interno (organização) e a um direito externo (exercício) da empresa, não é disciplina autônoma, mesmo que a empresa se converta crescentemente em uma categoria jurídica de grande força atrativa. Do seu regramento já se ocupam o direito comercial, o direito societário, e porções de outras ramas, a exemplo do direito econômico, do direito do consumo e do direito do trabalho.

2. A empresa, que corresponde – em quaisquer hipóteses conceituais – a uma fattispecie amplíssima, foi concebida, sob o espírito da regulação total[4], para desbordar os limites de um claudicante embate histórico-programático[5]; revolucionou a matriz regulatória do direito comercial, por meio da superação das velhas doutrinas objetivista e subjetivista, mas, sobretudo, por uma drástica restrição, combinada com paradoxal e majoritária contenção da autonomia privada.[6] A empresa é, nesse sentido, uma poderosa técnica de intervenção estatal na economia. A sua disciplina determina, paradoxalmente, as maiores restrições à autonomia privada e, ao mesmo tempo, boa parte do âmbito da autonomia privada.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).


[1] “A ciência do direito em sentido estrito, a ciência dogmática e sistemática do direito (Jurisprudência), é a ciência do sentido objetivo do direito positivo [...] É a ciência do sentido objetivo do direito positivo, nisto se distinguindo, sucessivamente: da História do direito, da Ciência comparativa do direito, da Sociologia e da Psicologia jurídicas as quais têm por objecto o ser do direito e os factos da vida jurídica”. Cf. Radbruch, G. A Filosofia do Direito. Coimbra: Armênio Armando, 1997, p. 395.

[2] Cf. SCHULZE-FIELIZ, H. “Das Bundesverfassungsgericht in der Krise des Zeitgeists – Zur Metadogmatik der Verfassungsinterpretation.” Archiv des Öffentlichen Rechts, Vol. 222, 1997, pp. 1-31.

[3] Essa assertiva caracteriza a chamada Neokonzeption des Handelsrechts. É compatível com o nosso modelo, porque atribui à empresa – a exemplo do que já se dá em nosso ordenamento – a condição de categoria jurídica estruturante do direito comercial alemão (mesmo que, naquele país, ainda não a tenham positivado). Isso se reforça pelos sucessivos expurgos que apartaram do nosso direito comercial a disciplina de porções significativas do fenômeno empresarial. Para uma descrição pormenorizada dessa noção, cf. SCHMIDT, K. Handelsrecht. 5. Aufl., Köln, Berlin, Bonn, München: Heymann, 1999, §3.

[4] Regulação total. A empresa é, em primeiro lugar, uma técnica regulatória. Decorre do desejo de engendrar um regramento de toda a atividade econômica, na certeza de que sua importância exorbita o espaço privado (i.e., o âmbito da autoconfiguração (Selbstgestaltung) das relações jurídicas por particulares), à produção de efeitos que interessam o público e que, por isso, devem ser – sob um modelo de economia normativa – submetidos pela ordem jurídica total. A ideia de um “direito da atividade econômica” se torna plausível na Alemanha de Weimar, em meio a uma forte degradação da economia e em resposta às suas causas precípuas, invariavelmente associadas ao oportunismo dos agentes de mercado e à ampla liberdade de que se beneficiavam. Cf. Hedemann, J. W.  
Deutsches Wirtschaftsrecht: Ein Grundriess. Berlin: Junker & Dünnhaupt, 1939. Nesse contexto, a empresa, que já era objeto de especulação doutrinária, afirmou-se como conveniente técnica de intervenção do Estado na economia.

[nota 4-I] Origens. O pensamento jurídico de tradição germânica já trabalhava, nos meados do século XIX, uma noção de empresa, sem se dar conta da amplitude e da importância de seu emprego futuro. A Geschäft, como propôs Endemann, era um organismo – afetado pelo lucro – para transcender os seus criadores. Cf. ENDEMANN, W. Das Deutsche Handelsrecht. Systematisch dargestellt. 2. Aufl. Heidelberg, 1868. § 15, p. 76 et seq. Autores como Hedemann, articulando essa forte orientação subjetivista ao interesse de dispor de uma técnica regulatória de amplíssimo espectro, propuseram que a empresa substituísse a pessoa jurídica. Cf. HEDEMANN, J. W. Das bürgerliche Recht und die neue Zeit, 1919, p. 17. Seria, todavia, na condição de objeto unitário de negócios, sob a influência de Von Ohmeyer, Pisko e Isay, que a empresa permitiria, mais tarde, um maior avanço dogmático. Cf. OHMEYER, K. E. von. Das Unternehmen als Rechtsobjekt. Mit einer systematischen Darstellung der Spruchpraxis betreffend die Exekution auf Unternehmen. Wien: Manz, 1906. p. 8 et seq; PISKO, O. Das Unternehmen als Gegenstand des Rechtsverkers. Wien: Manz, 1907. p. 46 et seq.; ISAY, R. Das Recht am Unternehmen. Berlin: Vahlen, 1910. p. 12 et seq.

[nota 4-II] Polissemia e variância tônica: do perfil subjetivo ao núcleo defletor de interesses. É certo, como nos dá conta Asquini, que na virada do século e ainda nas duas primeiras décadas do século XX, prevalecia, entre os muitos sentidos de empresa, um perfil subjetivo, sob a forte influência dos pais do Direito Econômico. Cf. Asquini, A. Profili dell’ Impresa. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, Milano: Francesco Vallardi, v. 41, pt. 1, 1943. O perfil prevalentemente subjetivo, que se deflagrava pela intenção originária de suplantar a pessoa jurídica, sofreria ajustes, até que o conceito de empresa evoluísse em complexidade, permeado por influxos ideológicos e por interesses públicos, afirmando-se, ao fim, já nos anos 1940, um traço funcional mais acentuado, que se sente na conjunção das ideias de organização, afetação (função) e atividade. Note-se, para explicar esse ajuste conceitual, que as mais adiantadas reflexões sobre a empresa iriam tratá-la, a partir dos anos 1930 e especialmente no auge do regime nacional-socialista, como especial núcleo defletor de interesses; assumiria a tarefa de introduzir importantes influxos ideológicos no ordenamento, a exemplo do que se tentou por meio da doutrina do Unternehmen an sich. Cf. Rathenau, W. Vom Aktienwesen: Eine Geschäftlische Betrachtung g. Berlin: Fischer Verlag, 1917; NETTER, O. “Zur aktienrechtlichen Theorie des ‘Unternehmens an sich’”. JWI, p. 2953-2956, 1927; “Gesellschaftsinteresse und Interessenpolitik in der Aktiengesellschaft”. Bank-Archiv, v. 30, 1930-1931, p. 57-65 e 86-95. Para uma visão histórica desse processo, mesmo que algo distorcida, JAEGER, P. G. L’interesse sociale. Milano: Giuffrè, 1964. p. 17 et seq. E superado, com a queda do Reich, um tom demasiado publicista (que inspirou, em 1937, as reformas da Aktiengesetz), à empresa remanesceria o sentido de centro de interesses ou de valores distintos daqueles dos seus suportes humanos, à afirmação de um Unternehmensinteresse, instruído por clamores de uma variada gama de “grupos de pressão” e, antes deles, por interesses de Estado (cf., nesse sentido, todas as leis que introduziram a participação operária nos órgãos de direção da macroempresa societária alemã, i.e., a Gesetz über die Mitbestimmung der Arbeitnehmer in die Aufsichtsraten und Vorstanden der Unternehmen des Berghaus und der Eisen und Stahl erzeugende Industrie (MontaMitbestG 1951), a Betriebsverfassungsgesetz de 1952 e a gesetz über die Mitbestimmung der Arbeitnehmer (MitbestG) de 1976). Deve-se lembrar, contudo, que, curiosamente, a empresa não é uma categoria jurisdicizada pelo direito alemão atual, para o qual o direito comercial ainda é o direito das “pessoas do comércio” (Recht der Kaufleute). Cf. HOFMANN, P. Handelsrecht, 11. Aufl., Berlin: Luchterhand, 2002, ROTH, G.H. Handels- und Gesellschaftsrecht, 6. Aufl., München: Vahlen, 2001, §1, 1c. Daí por que à concepção tradicional se opõe uma Neokonzeption des Handelsrechts. Cf. SCHMIDT, K. Handelsrecht..., op. cit., §3. Para um conceito de empresa influente na Alemanha atual, cf. RAISCH, P. Geschichliche Voraussetzungen, dogmatische Grundlagen und Sinnwandlung des Handeslrechts, Karlsruhe: C. F. Müller, 1965, p. 119 et seq.

[nota 4-III] A difusão da empresa como técnica regulatória e a empresa no Brasil. Essas ideias influenciariam, alicerçadas em modelo de Estado, um grande número de ordenamentos nacionais. A Itália de Mussolini, em vista de sua proximidade com a Alemanha nazista, atribuiu à empresa a condição de conceito estruturante para a matriz regulatória que se deduz do Codice Civile de 1942. Outros países, em meio a um projeto de ampliação do Estado, também encontraram na empresa uma conveniente ferramenta. Célebres comercialistas, a exemplo de Frederiq e VanRyn, cogitaram mesmo uma absorção do direito comercial pelo direito econômico, senão a sua completa superação, pelo advento de uma nova disciplina centrada na empresa como categoria fundamental. Cf. Frederiq, L. Traité de Droit Commercial Belge. V. 1, Gand: Rombaut-Fecheyr, 1946, p. 22; VanRyn, J. Principes de Droit Commercial. Bruxelles: Bruylant, 1954, p. 12. Bem por isso, no direito francês, também, a empresa exerce, até hoje, papel fundamental. Cf. Georges. Traité Élémentaire de Droit Commercial. 2. éd. Paris: LGDJ, 1951, p. 6 et seq. Nisso tudo, em especial no direito italiano, inspirou-se o nosso Código Civil, onde a norma do artigo 966, assim como a do artigo 2.082 do Codice Civile, não conceitua a empresa, senão por meio da definição de empresário. Entre nós, a empresa, para além de todas as funções regulatórias já referidas, proveu, em meio à suposta unificação do direito privado, uma especialização mínima, indispensável à distinção de fenômenos econômicos e de sua disciplina jurídica. A empresa é a atividade econômica, que decorre da organização e do emprego de elementos de produção, pelo empresário (individual ou sociedade empresária), em caráter profissional, para a produção ou à circulação de bens e de serviços, nos mercados. A ideia de afetação empresarial serve para distinguir, nesse contexto, como se disse, de todos os demais, os fenômenos econômicos sujeitos a um regramento particular. Cf. Broseta Pont, M. La Empresa, la Unificacion del Derecho de Obligaciones y el Derecho Mercantil. Madrid: Editorial Tecnos, 1965.

[5] A jurisdicização da empresa e o seu emprego como técnica regulatória ofertavam, para além de ampla cobertura da atividade econômica, um providencial efeito reflexo, capaz de superar a controvérsia original entre as concepções subjetiva e objetiva. A vertente subjetivista, mais antiga e de inspiração corporativa, tinha no direito comercial uma disciplina jurídica de classe profissional. Cf. Bracco, R. L’Impresa nel Sistema del Diritto Commerciale. Padova: CEDAM, 1960, p. 26 et seq. O objetivismo, defendido por autores do século XIX, restringia a atuação do direito comercial ao regramento dos atos de comércio. Sobre o processo de “objetivação” e expansão do direito comercial, intrinsecamente relacionado com a Revolução Industrial e a produção em massa, cf. Ascarelli, T. Iniciación al Estudio del Derecho Mercantil. Barcelona: Bosch, 1964, p. 101. A noção de ato de comércio, de um lado, seria – no contexto da empresa – absorvida pela ideia de atividade e, de outro lado, o foco das atenções deixaria de ser a conduta do comerciante, substituído pelo empresário. Em verdade, foi a natureza multifária e polissêmica da empresa que pacificou a antiga disputa pelo objeto do direito comercial (não sem ensejar, como veremos, novas controvérsias); a amplitude e plasticidade conceitual da empresa abrangeu todos os objetos programáticos até então atribuídos ao direito comercial. É certo que a transposição de tonicidade de um perfil a outro, especialmente a pendularidade subjetivo-funcional, proveria argumentos para acusações de uma superação putativa das velhas concepções subjetiva e objetiva. Cf. Fanelli, G. Introduzione alla Teoria Giuridica dell’Impresa. Milano: Giuffrè, 1950.

[6] Não sem razões, Asquini, já nos anos 1940, lecionava sobre um hibridismo público-privado do regramento da empresa. Cf. ASQuini, A. “Una Svolta Storica nel Diritto Commerciale”. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, Milano: Francesco Vallardi, v. 38, pt. 1, 1940, p. 514. 

Walfrido Jorge Warde Jr é advogado, bacharel em Direito pela USP e em filosofia pela FFLCH-USP, LLM pela New York University School of Law e doutor em Direito Comercial pela USP

Jose Luiz Bayeux Neto é advogado, bacharel e mestre em Direito Civil pela USP e professor de Direito Comercial do Mackenzie