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quinta-feira, 27 de junho de 2019

A sociedade entre marido e mulher e o novo Código Civil (Consultor Jurídico)


23 de julho de 2003, 16h06

A admissibilidade de marido e mulher se associarem em Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, por força do disposto no Código Comercial, no Estatuto da Mulher Casada e na legislação extravagante, após intenso debate, havia sido pacificada em face do entendimento afirmativo dominante em nossos Tribunais.

Em não havendo norma legal que a impedia, era válida a associação entre cônjuges em uma Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada.

Nada obstante, com o advento do novo Código Civil, o Direito de Empresa passou a ser regido, basicamente, pelas disposições de seu Livro II (Direito de Empresa), revogada que foi a Parte Primeira do Código Comercial do império e a legislação superveniente.

É de notar, porém, que a nova legislação não se aplica às Sociedades Anônimas, que continuam a ser regidas por lei especial (Lei 6.404 e alterações posteriores).

Destarte, em face da nova sistemática, as demais sociedades pré-existentes, agora classificadas em simples e em empresárias, têm prazo até o dia 12 de janeiro de 2.004 para a ela se adaptarem. Sem embargo do entendimento corrente que os efeitos da nova sistemática se aplicam, desde 12 de janeiro de 2.003, tanto às sociedades que vieram a se constituir após esta data, quanto às posteriores modificações naquelas a ela pré-existentes.

Veja-se, neste particular, que as adaptações a que o novo Código se refere envolvem questões multifacetadas, tais como a denominação social, o quorum para as deliberações, a exclusão de sócio, a Reunião e a Assembléia de sócios e assim por diante.

A inobservância do prazo para adaptação das antigas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitadas pode até implicar a desconsideração da sua personalidade jurídica, passando os sócios a responder solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, tal como nas Sociedades em Comum, em face do disposto no Artigo 990 do novo Código Civil.

No que diz respeito ao marido e mulher, dispôs o Artigo 977 do novo Código Civil, que é facultado aos cônjuges contratar sociedade desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens ou no regime da separação obrigatória.

Neste mister há que se recordar que o regime da comunhão universal é aquele em que há comunicação de todos os bens, presentes e futuros, entre os cônjuges, salvo algumas poucas exceções. Dentre elas é de mencionar as hipóteses dos bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade, dos bens gravados de fideicomisso, o direito do herdeiro fideicomissário antes de realizada a condição suspensiva e as doações antenupciais feitas por um cônjuge ao outro com a cláusula de incomunicabilidade.

De outra parte, há também que ser rememorado que o casamento por contraente que dependa para tal de suprimento judicial, ou que seja contraído com pessoa maior de 60 anos ou com a inobservância das causas suspensivas de sua celebração, implica a adoção obrigatória do regime de separação de bens.

As maiores atenções, no campo dos tipos societários, à luz do novo Código Civil, recaem, sem dúvida, sobre as Sociedades Limitadas (grosso modo as antigas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada), que tanto podem se constituir sob a forma de Sociedades Empresárias quanto de Sociedades Simples e que representam cerca de 96% de todas as sociedades legalmente constituídas no Brasil.

Indaga-se, por força do novo Código Civil, se marido e mulher casados no regime da comunhão universal de bens ou no regime da separação obrigatória podem ser sócios em Sociedade Limitada originariamente constituída antes do início de sua vigência, tal seja, antes 12 de janeiro de 2.003.
A questão é de singular interesse eis que até o advento da Lei do Divórcio (Lei nº 6.516/77) a vasta maioria dos casamentos no país eram contratados no regime da comunhão universal de bens, também denominado regime geral, por força da antiga legislação.

Em uma primeira leitura a resposta a esta perquirição parece ser negativa.
Logo, quando da adaptação ao novo Código Civil das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada contratadas entre marido e mulher, ou o marido ou a mulher teriam de ser excluídos do quadro de sócios. A menos que, alternativamente, os cônjuges tenham substituído, antes da adaptação societária, o regime da comunhão universal pelo regime da comunhão parcial de bens no casamento, com fundamento no Parágrafo 2º do Artigo 1.639 do novo Código Civil e mediante autorização judicial.

Ocorre, no entanto, que melhor considerado o comando do diploma civil - a proibição de marido e mulher serem sócios em Sociedade Limitada - sustenta-se que a limitação imposta pela nova legislação não alcança as sociedades entre eles contratadas, qualquer que seja o regime de bens do casamento, se constituídas originariamente antes do início da vigência do novo Código Civil, tal seja até o dia 11 de janeiro de 2.003.

Fundamenta-se a sustentação, em primeiro lugar, no princípio constitucional positivado no Artigo 5º, XXXVI da Carta Magna segundo o qual a lei nova não prejudicará o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Nesta esteira o novo Código Civil não pode subtrair ao marido e mulher, independentemente do regime de bens do casamento, o direito de se manterem sócios em sociedade contratada antes do início da sua vigência.

A este primeiro fundamento há de se acrescentar os postulados constitucionais (Artigo 170, II) asseguradores do direito à propriedade privada nas condições que menciona e do direito da livre associação (Artigo 5º). Em face deles não há como prosperar uma eventual alienação forçada de quotas sociais de Sociedade Limitada, por força de uma pretensa imposição da nova lei civil que, na realidade, não existe em face de comandos maior hierarquia.

É de se concluir, destarte, que em face dos princípios constitucionais da irretroatividade da lei, da proteção à propriedade privada e da livre associação, o comando do novo Código Civil que restringe a sociedade entre marido e mulher em Sociedade Limitada, em face do regime de bens no casamento, não se aplica àquelas sociedades validamente constituídas até o dia 11 de janeiro de 2003.
Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2003, 16h06

quinta-feira, 20 de junho de 2019

AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. RETIRADA DE SÓCIO. DISTRIBUIÇÃO DE QUOTAS SOCIAIS. ESVAZIAMENTO DA SOCIEDADE POR SOMENTE UMA DAS SÓCIAS


APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.449.085-0, DE REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO CENTRAL DE LONDRINA - 2ª VARA CÍVEL NÚMERO UNIFICADO:0035388-18.2011.8.16.0014 APELANTES: _________, NUNES & MOURA SS LTDA. ­ ME E _______ APELADOS: ________________. ­ ME RELATOR: DES. MARCELO GOBBO DALLA DEA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. RETIRADA DE SÓCIO. DISTRIBUIÇÃO DE QUOTAS SOCIAIS. ESVAZIAMENTO DA SOCIEDADE POR SOMENTE UMA DAS SÓCIAS, APÓS O AFASTAMENTO DA OUTRA. EVIDENCIADA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA SÓCIA QUE ESVAZIOU A EMPRESA. RECONHECIMENTO DE CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE A SOCIEDADE EM DISSOLUÇÃO E SOCIEDADE CONSTITUÍDA PELA SÓCIA REMANESCENTE. PARCELA DE IMÓVEIS UTILIZADOS PELA SOCIEDADE QUE PERTENCIAM A SÓCIA RETIRADA DA SOCIEDADE. DEVIDA INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PRO LABORE DEVIDO NO PERÍODO EM QUE A SÓCIA EXCLUÍDA FOI MANTIDA NA SOCIEDADE. IMPOSSIBILIDADE DE ANALISE DE DANOS MORAIS. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA NA APURAÇÃO DE HAVERES.

1. Primeiramente, cumpre esclarecer que ambas as sócias possuem interesse em dissolver a sociedade em relação a outra sócia, motivo pelo qual houve a proposição da presente demanda, bem como de reconvenção.

2. Pretende a Apelante que seja reconhecido que é detentora de 50% (cinquenta por cento) do capital social da empresa ora em dissolução. Com efeito a distribuição dos lucros da sociedade limitada se dará em acordo as vontades dos sócios. Tanto é assim, que as sócias transigiram ao firmar o contrato social, estabelecendo que a distribuição de lucros seria diversa da distribuição das quotas sociais. Diante deste contexto, o simples fato de haver distribuição de lucros, entre as sócias, desproporcional as quotas de cada uma, não justifica a redistribuição das mencionadas quotas sociais, as quais são completamente desvinculadas do lucro advindo da sociedade.

3. Hoje a sociedade que se pretende dissolver parcialmente, está completamente vazia, inclusive inoperante no momento. Desta forma, procurar o culpado pela quebra da "affectio" é buscar, quem sabe, uma solução à lide que poderá nunca se resolver, ou, prejudicar ainda mais quem já foi prejudicado o suficiente com a ruptura da sociedade. Neste particular, parece oportuno que ao caso se aplique a legislação no que se refere ao direito de retirada de sócio ­ ainda que não seja este o pedido, conforme decidido pelo Juízo de origem, por se tratar da medida mais justa a solucionar o caso concreto. Portanto, não há motivos a ensejar a modificação da sentença quando a retirada da sócia Luciana da sociedade empresária.

4. Verifica-se da narrativa do Interventor Judicial é que a sócia Samara, sozinha na administração da empresa, começou a esvaziar a empresa em dissolução e transferir todo o seu arcabouço para outra sociedade, da qual era sócia com terceiro. O esvaziamento de uma sociedade, cuja dissolução está sendo objeto de litígio judicial, e a transferência de todos os bens à outra sociedade, que pertence a uma só das sócias, é exercício temerário, e apto a causar prejuízos ao deslinde do feito. Desta forma, impõe- se o reconhecimento da existência de confusão patrimonial, entre a sociedade em dissolução e a sociedade para qual o seu patrimônio foi transferido. Aliado a isto, deve ser reconhecido que a sócia Samara litigou de má-fé, ao agir de modo temerário, e utilizando o processo para conseguir objetivo ilegal.

5. Parte das instalações físicas da empresa educacional, estavam localizadas em imóveis de propriedade única e exclusiva da sócia Luciana, sem que integrassem o acervo da sociedade. Tais imóveis eram cedidos a escola em razão da existência da sociedade, conforme informado por ambas as partes. Desta forma, a partir do momento que a sociedade deixou de existir, não havia mais qualquer obrigação de a sócia Luciana continuar disponibilizando os imóveis, livres de quaisquer ônus, a empresa educacional em dissolução. Todavia, a utilização contínua do imóvel pela empresa educacional, mesmo após a dissolução da sociedade, gera direito à sócia Luciana ao recebimento de perdas e danos. Assim, faz jus a sócia Luciana ao recebimento de alugueres e de indenização por deteriorações sofridas nos referidos imóveis.

6. É devido o "pro labore" e, caso não tenha sido alguma parcela quitada ou seus consectários, deve haver referida apuração em liquidação de sentença, por simples cálculo.

7. A presente lide não serve para apuração de existência de danos morais.

8. No que se refere a apuração de haveres, deve haver incidência de correção monetária, pela média do INPC/IGP- DI, sobre os haveres, cujo termo inicial se dá da data de retirada da sócia Luciana da sociedade, correspondente ao dia 15/06/2011. Por sua vez, no que se refere aos juros de mora, sua fluência se dá a partir da data em que deve haver o pagamento dos haveres da quota liquidada, corresponde ao prazo final de 90 (noventa) dias após a prolação de sentença de liquidação de haveres.

9. Ônus sucumbencial mantido.

10. Fixação de honorários sucumbenciais em 10% sobre o valor da condenação.

11. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTO PELAS REQUERENTES CONHECIDO E DESPROVIDO.

12. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTO PELA REQUERIDA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de
Apelação Cível nº 1.449.085-0, de Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - 2ª Vara CíveL

PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE NATUREZA CIVIL.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028073-07.2013.8.16.0001 E 0005284-77.2014.8.16.0001 DE CURITIBA – 18ª VARA CÍVEL APELANTES: CLÍNICA DE RADIOLOGIA S/S LTDA. RECURSO ADESIVO: HERALDO DE OLIVEIRA MELLO JUNIOR APEADOS: OS MESMOS RELATOR: DES. VITOR ROBERTO SILVA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.  DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE E APURAÇÃO DE HAVERES DE SÓCIO RETIRANTE. RECURSO PRINCIPAL DA AUTORA: PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE NATUREZA CIVIL. NÃO ACOLHIMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE CONDUZ À NATUREZA EMPRESARIAL DA SOCIEDADE CONSTITUÍDA SOB A FORMA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELOS SÓCIOS, MÉDICOS, QUE CONSTITUI ELEMENTO DA EMPRESA. FUNDO DE COMÉRCIO E PERSECUÇÃO DE LUCRO. METODOLOGIA DE CÁLCULO DOS HAVERES. FLUXO DO CAIXA DESCONTADO. PERTINÊNCIA. MÉTODO MAIS ADEQUADO PARA AFERIR O EFETIVO VALOR DA EMPRESA. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. RECURSO ADESIVO DO RÉU: SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NA AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. AÇÃO DA APURAÇÃO DE HAVERES. SUCUMBÊNCIA INTEGRAL DA AUTORA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0028073-07.2013.8.16.0001 e 005284-77.2014.8.16.0001, em que é apelante Clínica Paranaense de Radiologia, recorrente adesivo Heraldo de Oliveira Mello e apelados os mesmos.

Trata-se de recurso principal e adesivo interpostos pela autora e réu, respectivamente, em face da sentença por meio da qual, simultaneamente, foi julgado procedente o pedido formulado na ação de dissolução parcial de sociedade (NPU 0005284-77.2014.8.16.0001) e parcialmente procedente o pedido formulado na apuração de haveres (NPU 00028073-07.2013.8.16.0001), na qual figuram no polo ativo, ainda, Maurizio Pedrazzani e Bruno Mauricio Pedrazzani.

Na ação de dissolução parcial de sociedade, o réu foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. Já na ação de apuração de haveres, as partes foram condenadas ao pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios, na mesma proporção, estes fixados em 10% do valor da condenação (mov. 140.1).

A autora de ambas as ações e ora apelante - Clínica de Radiologia SS Ltda. – aduz, em suma, que: a) nos termos do parágrafo único do artigo 966, do Código Civil e do artigo 9º, IX, do Código de Ética Médica, não pode ser equiparada a uma sociedade empresarial, o que implica dizer que em caso de saída de um dos sócios, cabe a cada um dos componentes da sociedade efetuar o pagamento de forma proporcional dos valores devidos aos credores; b) nos termos da cláusula 9ª, do contrato social, deve o apelado suportar proporcionalmente os prejuízos acumulados durante o tempo de funcionamento da clínica, ou seja, deve suportar com 49,50% do patrimônio líquido negativo da sociedade ao tempo de sua saída; c) o método o utilizado pelo perito não condiz com a realidade do caso concreto, em especial com o demonstrativo financeiro confirmado pela prova pericial que aponta patrimônio líquido negativo no importe de R$ 1.040.015,41, de modo que se as atividades empresariais fossem encerradas em 31/3/2013, apresentaria esse passivo descoberto; d) o não pode concluir que aexpert continuidade dos negócios permitirá à empresa reverter esse patrimônio líquido negativo, até porque que as dívidas só vem aumentando no decorrer dos anos; e e) o apelado deve suportar proporcionalmente os prejuízos acumulados durante todo o tempo de funcionamento da empresa. Com base nesses fundamentos, busca a reforma da sentença. (mov. 145.1)

O recorrente adesivo, por sua vez, alega, em resumo, que: a) não houve litigiosidade na ação de dissolução parcial de sociedade, não cabendo, portanto, a distribuição proporcional das custas entre as partes; b) com relação aos honorários, tem aplicação o artigo 603, § 1º, CPC; c) se não prevalecer tal entendimento, deve ser aplicado o princípio da causalidade, atribuindo à apelante a responsabilidade integral pelo pagamento dos ônus sucumbenciais; e d) inexistiu sucumbência recíproca na ação de apuração de haveres (mov. 151.2).

Os recursos foram respondidos (movs. 152.1 e 158.1), com preliminar de não conhecimento do recurso adesivo.

É o relatório.

Apelação

A autora não logrou êxito em comprovar que a sociedade não possui caráter empresarial, a atrair o disposto no parágrafo único, do artigo 966, do Código Civil. [1]

Ao contrário, trata-se de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, na qual a prestação de serviços médicos constitui elemento de empresa, objetivando lucro. A própria prova pericial não deixa dúvida quanto ao caráter empresarial da sociedade.

Deve ser considerado, ainda, que constou da sentença que a apelante é uma clínica tradicional em Curitiba, atuando dentro de instituição hospitalar renomada, não se podendo negar a existência de um estabelecimento empresarial e a descaracterização da natureza personalista dos serviços médicos prestados, fundamentos esses não elididos pela recorrente, que também não comprovou a alegação de que o espaço e os equipamentos que utiliza lhes foram cedidos pela Santa Casa de Misericórdia, o que implicaria na inexistência de fundo de comércio.

De se ver, a propósito, que apelante não demonstrou, também, que a liquidação deveria se dar de forma diversa daquela estabelecida na sentença, tão-somente porque se enquadraria como uma sociedade civil.

No tocante aos haveres do sócio retirante, a insurgência da apelante é quanto ao método utilizado pelo Perito para apurá-los, por entender, em suma, que o apelado, nos termos da cláusula 9ª do contrato social, deve suportar proporcionalmente os prejuízos[2] acumulados durante o tempo de funcionamento da clínica, ou seja, 49,50% do patrimônio líquido negativo da sociedade.

Razão não lhe assiste.

A apuração de haveres está regulada no artigo 1.031, do Código Civil, nos seguintes termos:

 

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

 

O contrato social é omisso, o que remete a necessidade de levantamento da situação patrimonial da sociedade, na forma estatuída pelo artigo 606 , do Código de[3]

Processo Civil.

Veja-se que a lei fala em, que não se confunde balanço de determinação com o balanço patrimonial e de resultado econômico, realizado ao final de cada ano, pois, como bem esclareceu o Perito do Juízo, esse balanço patrimonial apresenta, tão-somente, uma fotografia estática da entidade na data de sua emissão, e informa a situação que os sócios enfrentariam caso as atividades fossem encerradas naquele momento (mov. 93.1 – fl. 255).

Para apurar o valor dos haveres do sócio retirante, notificada em 8/4/2013, o Perito utilizou o método de apuração do fluxo do caixa descontado, chegando à seguinte conclusão (mov. 93.1 – fl. 259):

“Deste modo, o valor líquido da Empresa Requerente na data base de 31 de março de 2013, representativo da situação patrimonial da entidade quando da manifestação de vontade do Requerido acerca de sua retirada da sociedade, com base na metodologia do fluxo de caixa descontado e considerando a continuidade das operações, importa em R$ 232.223,20 (duzentos e trinta e dois mil, duzentos e vinte e três reais e vinte centavos):

[...]

Segundo consta na 10ª Alteração de Contrato Social da Clínica Paranaense de Radiologia S/S Ltda. (mov. 1.12 dos Autos), o Requerido detinha o equivalente a 49,50% (quarenta e nove vírgula cinquenta por cento) do capital social da entidade, o que lhe conferiria o equivalente a R$ 114.950,00 (cento e quatorze mil, novecentos e cinquenta reais e quarente a oito centavos), a título de receita pela venda de suas cotas.

[...]

Em resumo, a determinação do valor da entidade com base no método do fluxo de caixa descontado, segundo premissas mencionadas, apurou que a continuidade dos negócios permitirá que a empresa reverta a posição verificada de patrimônio líquido negativo (passivo à descoberto), gerando valor aos sócios e remunerando o sócio retirante pela venda de suas cotas sociais pelo valor de R$ 114.950,48 (cento e quatorze mil, novecentos e cinquenta reais e quarenta e oito centavos).

[...].”

Como se viu do trabalho técnico, no método de fluxo de caixa descontado há uma projeção futura de valorização do fundo de comércio, trazendo-se esse dado ao presente.

Referida metodologia, ao contrário do que sustenta a apelante, tem o mérito de melhor espelhar o efetivo valor do patrimônio do sócio, como, aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

 

DIREITO EMPRESARIAL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. SÓCIO DISSIDENTE. CRITÉRIOS PARA APURAÇÃO DE HAVERES. BALANÇO DE DETERMINAÇÃO. FLUXO DE CAIXA. 1. Na dissolução parcial de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o critério previsto no contrato social para a apuração dos haveres do sócio retirante somente prevalecerá se houver consenso entre as partes quanto ao resultado alcançado. 2. Em caso de dissenso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que o balanço de determinação é o critério que melhor reflete o valor patrimonial da empresa. 3. O fluxo de caixa descontado, por representar a metodologia que melhor revela a situação econômica e a capacidade de geração de riqueza de uma empresa, pode ser aplicado juntamente com o balanço de determinação na apuração de haveres do sócio dissidente. 4. Recurso especial desprovido. (REsp. 1335619, rel. Min.ª Nancy Andrighi, rel. Min.ª Nancy Andrighi, rel. p/o acórdão, Min. João Otávio de Noronha, DJe 27.03.2015)

 

A propósito, a adoção do balanço de determinação não exclui a metodologia do fluxo de caixa descontado, porquanto este tem por fim a aferição do valor da empresa, no qual se insere o fundo de comércio ou do aviamento (bens intangíveis), cujo valor, a toda evidência, abrange o nome e o potencial de lucro da empresa.

Do voto do Min. João Otávio de Noronha - que embora tenha ficado como relator, acompanhou o voto da Min.ª Nancy Andrighi, cuja conclusão, frise-se, prevaleceu -, consta precisa lição doutrinária a respeito, :verbis “É inegável que a empresa possui um valor de mercado deveras superior ao que consegue obter numa simples análise contábil como se dissolução total fosse.

A propósito, é oportuna a manifestação de Rocco, quando menciona que a partir do momento em que ‘a organização dos vários elementos da produção atinge um certo grau de eficiência, o valor do complexo organizado é superior ao da soma dos diferentes elementos da empresa que o compõem.

A apuração deve ser sempre de forma mais ampla possível, levando em conta o fundo de comércio, os bens corpóreos e incorpóreos, o da empresa. goodwill

Justamente por tais motivos é que afirmamos que o critério de apuração dos haveres deve ser melhor estudado, a fim de não trazer distorções, injustiças e verdadeiro enriquecimento sem causa, para um ou para outro sócio.

No nosso entender, é necessário que o aplicador da lei, seja ele juiz, advogado, árbitro ou perito, volte os olhos para outros critérios de avaliação que representem o valor real e justo da sociedade, que muitas vezes pode ser apurado pelo critério de avaliação de empresa com base no fluxo de caixa descontado trazido a valor presente.

É cristalino, em toda literatura contábil e econômica, que o critério de fluxo de caixa descontado é hoje o melhor método para encontrar o valor da empresa, sendo uma tecnologia científica contábil” (Marcus Elidius Micheli de Almeida, Direito Processual Empresarial, Elsevier Editora Ltda., 2012, p. 551/552)”

E do voto da Min.ª Nancy Andrighi, no qual, após longa digressão acerca das espécies de balanço e concluir que o mais adequado é o de determinação e afirmar que a metodologia do fluxo de caixa descontado “é rotineiramente utilizada em operações de”, constam as seguintesaquisição, fusão e incorporação de participações societárias considerações sobre o tema: “Trata-se, porém, de um método subjetivo, inexistindo regra ou consenso sobre quais variáveis devem obrigatoriamente compor o cálculo.

Seja como for, no cálculo do fluxo de caixa descontado, tem-se por praxe a inclusão do patrimônio intangível da sociedade, que corporifica uma expectativa futura de capacidade de geração de caixa ou de excesso de valor do negócio.

Dessa forma, conclui-se que a utilização da metodologia do fluxo de caixa descontado vai ao encontro da jurisprudência do STJ, no sentido de que a apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade limitada seja realizada mediante cálculo que aponte o valor patrimonial real da empresa.

A própria orientação desta Corte, de que a apuração de haveres se de por balanço de determinação – que, repise, compreende os bens intangíveis da sociedade – sinaliza a possibilidade de utilização do fluxo de caixa descontado.

(...)

Não se ignora o fato de que, ao se desligar da sociedade, o dissidente perde a condição de sócio, não mais se sujeitando aos riscos do negócio, ou seja, deixando de participar de eventuais lucros ou prejuízos apurados.

Entretanto, também não se pode ignorar que a saída do dissidente ontologicamente não difere da alienação de sua participação societária. Vale dizer, também na dissolução parcial há alienação de quotas sociais; a única diferença é que a adquirente é a própria sociedade (ou os sócios remanescentes)

(...)

Por outro lado, não se pode esquecer que o cálculo do fluxo de caixa descontado apresenta resultados futuros trazidos a, mediante aplicação de uma valor presente taxa que contempla o custo de oportunidade do capital empregado nade desconto remuneração das quotas sociais. Destarte, sofrendo a mais valia futura a um redução valor presente, com base em um fator de risco, a rigor não se pode falar em participação do sócio dissidente nos lucros futuros da empresa”. (grifos do original)

Resumindo, a utilização do balanço de determinação não exclui a metodologia de fluxo descontado, já que esta nada mais é do uma forma de avaliação do valor da empresa, mais especificamente do denominado e que, saliente-se, não fundo de comércio implica em atribuir, ao dissidente, lucros obtidos pela empresa após a sua saída da sociedade.

Nem se diga que essas conclusões não teriam mais eficácia em razão do novel art. 606 do CPC de 2.015. Isso porque esse dispositivo nada mais fez do que positivar o predominante entendimento jurisprudencial de que a apuração dos haveres deve ser feita a partir da situação da empresa na data da saída do sócio e mais com avaliação precisa do valor das quotas, com inclusão expressa dos bens intangíveis da empresa.

Logo, as conclusões do trabalho técnico, porque não infirmadas, devem ser mantidas.

Recurso adesivo

A preliminar de não conhecimento do recurso, sob alegação de que deveria ter sido interposto recurso autônomo nos autos em apenso, de dissolução de sociedade, não merece acolhimento.

Trata-se de duas ações conexas, que tramitam em apenso e foram julgadas por sentença una. Logo, não há óbice na interposição de recurso adesivo para discutir verba sucumbencial, tanto na ação de dissolução de sociedade, como na de apuração de haveres.

O recurso, portanto, comporta conhecimento.

Segundo o recorrente, como não houve litigiosidade na ação de dissolução de sociedade, haveria que se aplicar o disposto no artigo 603, § º1º, do Código de Processo[4] Civil.

Sem razão.

Primeiro, porque o réu se opôs, sim, à pretensão deduzida na dissolução societária, tanto que requereu fosse “o pedido de natureza constitutiva de exclusão julgado ” (mov. improcedente, reconhecendo-se na sentença, de forma declaratória, direito de retirada 36.1 – fl. 139).

Mas ainda que assim não fosse, como houve divergência no tocante aos valores a que o sócio retirante teria direito, esse acabou por se recusar a assinar a alteração contratual, impedindo sua formalização perante o serviço de Registro Civil de Pessoas Naturais.

Equivale dizer: não obstante a ausência de litigiosidade, foi a conduta do réu que deu causa ao ajuizamento da ação de dissolução de sociedade e, nessa perspectiva, correta a sentença que o condenou ao pagamento das verbas sucumbenciais.

Já com relação à apuração de haveres, assiste-lhe razão.

Não é o caso de reconhecer a sucumbência recíproca. Isso porque a defesa do réu foi toda no sentido de elaboração de balanço específico para apuração dos haveres sugerindo, inclusive, o método de fluxo de caixa descontado, que acabou por ser acolhido na sentença.

Logo, não há como reconhecer a sucumbência recíproca.

Assim, a sucumbência na ação de apuração de haveres deve recair integralmente em face da autora.

 

Conclusão

Nessas condições, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso principal e conhecer e dar parcial provimento ao recurso adesivo, para o fim de atribuir exclusivamente à autora os ônus da sucumbência da ação de apuração de haveres.

Por força do art. 85, § 11, do CPC, os honorários advocatícios do patrono do requerido, por conta da falta de êxito do apelo da autora – exclusivo em relação à ação de apuração de haveres, são majorados para 12% (doze por cento) do valor da condenação.

Quanto ao recurso adesivo, porque parcialmente provido, não cabe majoração, até porque já alterados em razão do não provimento do apelo.

Nessa conformidade: os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de ACORDAM, por unanimidade, em negar provimento ao apelo e em dar parcial provimento ao recurso adesivo, nos termos do voto do relator.

Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador Espedito Reis do Amaral, sem voto, e acompanharam o voto do Relator os Senhores Desembargadores Marcelo Gobbo Dalla Dea e Pericles Bellusci de Batista Pereira.

 

Curitiba, 13 de fevereiro de 2019.

 

Des. VITOR ROBERTO SILVA

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a[1] circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

O exercício social será encerrado em 31 de dezembro de cada ano, data em que será procedido o levantamento do[2]

Inventário, Balanço Patrimonial e o Balanço de Resultado Econômico, e apurado o resultado do exercício, sendo que após as deduções previstas em lei e formação das reservas que forem consideradas necessárias, os lucros ou prejuízos, serão distribuídos ou suportados pelos sócios na proporção de suas respectivas quotas de capital.

Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial[3] apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se os bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.

Art. 603. Havendo manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se[4] imediatamente à fase de liquidação.

§ 1º. Na hipótese prevista no, não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma das partes, e as custas caput serão rateadas segundo a participação das partes no capital social.