RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.110 - SE (2011?0274399-2)RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : MANUELA ARAÚJO MELOADVOGADO : PABLO FERNANDES ARAÚJO HARDMAN E OUTRO(S)RECORRIDO : FERRAGEM NORDESTE - SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P PADVOGADO : AUREO GALVÃO FILHOEMENTAPROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE LIMITADA. SÓCIA MAJORITÁRIA QUE, DE ACORDO COM O CONTRATO SOCIAL, NÃO EXERCE PODERES DE GERÊNCIA OU ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE.1. Possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada atingir os bens de sócios que não exercem função de gerência ou administração.2. Em virtude da adoção da Teoria Maior da Desconsideração, é necessário comprovar, para fins de desconsideração da personalidade jurídica, a prática de ato abusivo ou fraudulento por gerente ou administrador.3. Não é possível, contudo, afastar a responsabilidade de sócia majoritária, mormente se for considerado que se trata de sociedade familiar, com apenas duas sócias.4. Negado provimento ao recurso especial.ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.Brasília (DF), 28 de maio de 2013(Data do Julgamento)MINISTRA NANCY ANDRIGHIRelatora
quinta-feira, 22 de maio de 2014
SOCIEDADE LIMITADA. SÓCIA MAJORITÁRIA QUE, DE ACORDO COM O CONTRATO SOCIAL, NÃO EXERCE PODERES DE GERÊNCIA OU ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE.
quarta-feira, 21 de maio de 2014
FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS
RECURSO ESPECIAL Nº 1.173.931 - RS (2010?0004289-4)
RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE: A P R - ESPÓLIO
REPR. POR: I M R - INVENTARIANTE
ADVOGADOS: PAULO LAITANO TÁVORA
FLÁVIO REZENDE VIEIRA
RECORRIDO: M DA G C
ADVOGADOS: ROLF HANSSEN MADALENO E OUTRO(S)
KARIN WOLF
INTERES.: M R E OUTROS
ADVOGADO: FLÁVIO REZENDE VIEIRA
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS.
1. O regime de bens aplicável às uniões estáveis é o da comunhão parcial, comunicando-se, mesmo por presunção, os bens adquiridos pelo esforço comum dos companheiros.
2. A valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada, adquiridas antes do início do período de convivência, decorrente de mero fenômeno econômico, e não do esforço comum dos companheiros, não se comunica.
3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, A Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Dr(a). PAULO LAITANO TÁVORA, pela parte REPR. POR: I M R
Brasília (DF), 22 de outubro de 2013(Data do Julgamento)
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Relator
Ação de dissolução parcial de sociedade cumulada com apuração de haveres
RECURSO ESPECIAL Nº 1.371.843 - SP (2012?0226443-1)
RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE: TECELAGEM LEONILDA LTDA
ADVOGADOS: JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO E OUTRO(S)
EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM
FERNANDO ANSELMO RODRIGUES E OUTRO(S)
FERNANDO CRESPO QUEIROZ NEVES E OUTRO(S)
RECORRENTE: D B
ADVOGADO: NELSON PAULO ROSSI JUNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO: B B DE O
ADVOGADOS: JORGE ARRUDA GUIDOLIN E OUTRO(S)
BRUNO VASCONCELOS CARRILHO LOPES E OUTRO(S)
OSWALDO DAGUANO JÚNIOR E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. CONHECIMENTO DA MATÉRIA IMPUGNADA. PRODUÇÃO DE PROVAS. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO. SÚMULA 7?STJ. DATA BASE PARA APURAÇÃO DE HAVERES. TÉRMINO DO AFFECTIO SOCIETATIS. PAGAMENTO DE HAVERES. PARCELA ÚNICA. POSSIBILIDADE. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7?STJ. APURAÇÃO DE HAVERES. LEGITIMIDADE PASSIVA. EXISTÊNCIA. PRODUÇÃO DE PROVAS. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7?STJ. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211?STJ. DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO INDICADOS. DEFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284?STJ.
1. Ação de dissolução parcial de sociedade cumulada com apuração de haveres ajuizada por sócio minoritário contra a sociedade limitada e o sócio majoritário.
2. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC, quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas partes.
3. Nos termos do artigo 515, §§ 1º e 2º, do CPC, o recurso de apelação devolve ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada, ainda que não resolvida pela sentença. Precedentes do STJ.
4. A apuração da suficiência dos elementos probatórios que justificaram o julgamento antecipado da lide e?ou o indeferimento de prova pericial demanda reexame provas.
5. A data-base para apuração dos haveres coincide com o momento em que o sócio manifestar vontade de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo indeterminado.
6. O prazo contratual previsto para o pagamento dos haveres do sócio que se retira da sociedade supõe quantum incontroverso; se houver divergência a respeito, e só for dirimida em ação judicial, cuja tramitação tenha esgotado o aludido prazo, o pagamento dos haveres é exigível de imediato.
7. O reconhecimento da nulidade do laudo pericial esbarra no óbice previsto na Súmula 7?STJ.
8. O valor fixado pelas instâncias ordinárias, a título de honorários advocatícios, somente pode ser alterado se for excessivo ou irrisório, sob pena de incidência da Súmula 7?STJ.
9. Consoante jurisprudência desta Corte, a retirada de sócio de sociedade por quotas de responsabilidade limitada dá-se pela ação de dissolução parcial, com apuração de haveres, para qual têm de ser citados não só os demais sócios, mas também a sociedade.
10. A apuração da suficiência dos elementos probatórios que justificaram o julgamento antecipado da lide e?ou o indeferimento de prova pericial demanda reexame provas. Incidência da Súmula 7?STJ.
11. Carece do necessário prequestionamento a matéria não debatida pelo Tribunal de origem, ainda que opostos embargos de declaração. Incidência da súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça.
12. Não indicado o dispositivo tido por violado, defeituosa se mostra a fundamentação, obstando a abertura da via especial, diante da incidência, por analogia, da Súmula 284?STF.
13. RECURSOS ESPECIAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e João Otávio de Noronha.
Dr(a). FERNANDO CRESPO QUEIROZ NEVES, pela parte RECORRENTE: TECELAGEM LEONILDA LTDA
Dr(a). CANDIDO RANGEL DINAMARCO, pela parte RECORRIDA: B B DE O
Brasília, 20 de março de 2014. (Data de Julgamento)
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator
domingo, 18 de maio de 2014
Agravo de Instrumento n. 2011.016785-4, de Joinville
Relator: Des. João Batista Góes
Ulysséa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RECONVENÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. DESTITUIÇÃO DO SÓCIO OSTENSIVO. INVIABILIDADE. ADMINISTRAÇÃO EXCLUSIVA. PREJUÍZO DA RELAÇÃO COM TERCEIROS. AUSÊNCIA DA VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
A atividade constitutiva do objeto social, na sociedade em conta de participação, é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.Ao sócio ostensivo incumbe gerir com cuidado e diligência os negócios da sociedade em conta de participação, podendo o sócio participante fiscalizar a gestão.O disposto para a sociedade simples é aplicável à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual.Em caso de inobservância pelo sócio ostensivo dos deveres de zelo e probidade na gestão do negócio, incumbe ao sócio participante a dissolução da sociedade, observado o disposto no art. 996 do Código Civil.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo
de Instrumento
n. 2011.016785-4, da comarca de Joinville (2ª
Vara Cível),
em que é agravante Renato
Luiz de Carvalho,
e agravado GBW
Incorporações Imobiliárias LTDA:
A Segunda
Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do
recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 11 de outubro de
2011, foi presidido pela Exma. Sra. Desa. Rejane Andersen, com voto, e dele
participou o Exmo. Sr. Des. Robson Luz Varella.
Florianópolis, 19 de outubro de 2011.
João Batista Góes
Ulysséa
Relator
RELATÓRIO
Renato Luiz de Carvalho interpôs agravo de instrumento contra a
decisão proferida na Reconvenção à Ação Declaratória de Rescisão Contratual n.
038.09.047011-4/001, oposta em face de GBW Incorporação Imobiliárias Ltda., que
indeferiu o pleito de antecipação de tutela na mencionada reconvenção em
relação ao pedido de destituição dos atuais administradores da Agravada na
gestão da sociedade em conta de participação existente entre as partes.
Em suas razões de recurso, o Agravante sustenta que:
(a) as partes firmaram contrato particular de constituição de
sociedade em conta de participação, em 2-6-2008, com o objetivo da construção e
incorporação do empreendimento imobiliário denominado Victor Colatto Residence,
no Município de Balneário Piçarras;
(b) a contribuição ao empreendimento foi ajustada na proporção
de 50% dos custos para cada uma das partes;
(c) a Agravada, na qualidade de sócia ostensiva, jamais remeteu
ao Recorrente o balancete mensal, limitando-se ao envio de planilha por e-mail
com informações acerca dos valores recebidos e pagos, embora obrigada a
disponibilizar informações ao sócio participante, sempre que por este
solicitado;
(d) não foi providenciada, pela Agravada, a abertura de conta
corrente específica para o empreendimento;
(e) até maio de 2009 o Agravante já havia investido R$
1.000.000,00 (um milhão de reais), enquanto a Agravada investiu apenas R$
688.000,00 (seiscentos e oitenta e oito mil reais), não obtendo êxito na
prestação de contas, motivo pelo qual diversas vezes as partes tentaram
convocar uma assembléia após uma série de notificações e contranotificações;
(f) ajuizou a Ação de Prestação de Contas n. 038.09.041347-1,
visando o conhecimento da situação contábil do empreendimento, enquanto que a
Agravada propôs a ação de origem, requerendo a rescisão do contrato com a
devolução dos valores pagos;
(g) ao ofertar a contestação na ação de rescisão, propôs
concomitantemente reconvenção, oportunidade em que requereu a destituição dos
administradores da sociedade em conta em participação, o afastamento da
mencionada sociedade e a nomeação de um administrador até a consecução do
objetivo da sociedade, pleitos esses indeferidos;
(h) a aplicação dos artigos 1.011 e 996, do CC, uma vez que o
administrador da sociedade em conta de participação não observa o dever de
diligência, atuando com negligência e desídia, se recusando a prestar contas e
realizar a abertura de conta corrente específica para o empreendimento um ano
após a celebração do contrato entre as partes, com exigências de aportes
financeiros;
(i) o afastamento imediato do administrador é medida que se impõe,
sob pena de prejuízos ao sócio participante, com a perda do capital investido,
mesmo porque a finalidade do afastamento dos administradores da Agravada
objetiva a garantia da correta administração do objeto da sociedade em conta de
participação, coibindo futuras irregularidades na administração;
(j) não pode ficar alheio às irregularidades cometidas, como
sócio participante, sendo seu direito fiscalizar a gestão dos negócios, nos
termos do art. 993, parágrafo único, do Código Civil.
Postulou o provimento do recurso para que seja reformada a
decisão atacada e destituídos os administradores da Agravada na gestão da
sociedade em conta de participação celebrada entre as partes, a fim de
impedi-los de realizar qualquer atividade em nome da sociedade, substituindo-os
por administrador judicial até a consecução do objeto social.
A decisão monocrática de fls.37/39 indeferiu o pedido de
antecipação da tutela recursal. O Agravante, requereu a reconsideração da
decisão (fls.44/47). Entretanto, o pedido foi negado (fl.52).
Devidamente intimada, a Agravada não apresentou contrarrazões
(fl.55).
Juntados novos documentos pelo Recorrente (fls. 57/63), a
Agravada manifestou-se às fls. 68/84.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Renato Luiz de
Carvalho de decisão que denegou o pleito de antecipação de tutela para
destituição dos administradores da Agravada da sociedade em conta de
participação estabelecida entre as partes, com a nomeação de administrador
judicial para a consecução do objeto da citada sociedade, proferida nos autos
da ação declaratória de rescisão contratual, promovida em face de GBW
Incorporações Imobiliárias Ltda.
Registre-se, inicialmente, ser incontroversa a constituição de
uma sociedade em conta de participação, conforme se depreende do "Contrato
Particular de Constituição de Sociedade em Conta de Participação" (fls.
305/311 dos autos de origem) firmado entre as partes, e que tem objeto, nos
termos de sua cláusula 6ª, "[...] a construção e a incorporação imobiliária
do empreendimento denominado VICTOR COLATTO RESIDENCE, [...]", localizado
no Município de Balneário Piçarras.
Nesse rumo, constata-se no mencionado contrato que a Agravada
G.B.W Incorporações Imobiliárias Ltda. é a sócia ostensiva e o Agravante Renato
Luiz de Carvalho é o sócio participante.
Anote-se que a sociedade em conta de participação está prevista
no art. 991 do Código Civil, que dispõe:
Na sociedade em conta de participação a atividade
constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em
seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade,
participando os demais dos resultados correspondentes.
Assim, no presente caso, a administração da sociedade em conta
de participação é exercida pela Agravada, na qualidade de sócia ostensiva,
incumbindo ao Agravante a participação nos resultados e nos investimentos na
sociedade.
Ademais, é necessário destacar que a sociedade em conta de
participação é caracterizada por não ter personalidade jurídica, pois seu ato
constitutivo não necessita de registro na Junta Comercial, conforme leciona
Fábio Ulhoa Coelho:
Definidas as sociedades empresárias como pessoas jurídicas, seria incorreto considerar a conta participação uma espécie destas. Embora a maioria da doutrina conclua em sentido oposto (Lopes, 1990), a conta participação, a rigor, não passa de um contrato de investimento comum, que o legislador impropriamente, denominou sociedade. [...]. (Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 510.)
Nesse tipo societário, a constituição é realizada por meio de um
sócio ostensivo, que realiza todos os negócios da empresa, em seu nome, de
forma pessoal e ilimitada, e pelo sócio participante, o investidor.
Dessa
forma, a responsabilidade pela atividade empresarial é atribuída tão-somente ao
sócio ostensivo.
Observa-se, portanto, dos documentos que instruem o presente
recurso, que o contrato particular de constituição de sociedade em conta de
participação foi devidamente firmado entre as partes, caracterizando, assim,
este tipo societário regido pelos arts. 991 a 996 do Código Civil.
Todavia, durante a execução do objeto social (construção e
incorporação do empreendimento anteriormente citado), surgiram divergências
entre as partes, cada uma imputando à outra a inexecução do contrato da
sociedade em conta de participação, o que acarretou, primeiramente, no
ajuizamento da ação de prestação de contas pelo ora Recorrente, e,
posteriormente, pela ora Recorrida foi intentada ação de rescisão contratual
c/c indenização, o que gerou a propositura de reconvenção, originando a decisão
ora impugnada.
Conforme citado, nos autos da ação de rescisão contratual
promovida pela sócia ostensiva, o ora Agravante foi devidamente citado, tendo
ofertado resposta por meio de contestação, oportunidade na qual propôs
reconvenção.
Na sua peça de reconvenção, o ora Agravante postulou a
destituição dos administradores da sociedade em conta em participação e os seus
afastamentos da mencionada sociedade, bem como a nomeação de um administrador
judicial até a consecução do objetivo da sociedade, pleitos esses indeferidos
pelo juízo a quo, por entender que "O direito do sócio
participante é tão-somente nos resultados do negócio, não podendo executá-lo
nem interferir na sua execução".
Nesse aspecto, a decisão não merece reparo.
Destaque-se, inicialmente, que incumbe ao sócio ostensivo, por
meio de seus administradores, gerir com com cuidado e diligência os negócios.
Nos termos do art. 996 do CC, aplicam-se subsidiariamente as regras da
sociedade simples, motivo pelo qual os administradores devem observar o
disposto no art. 1.011 do mesmo Diploma Legal, que determina:
O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas
funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar
na administração de seus próprios negócios.
Nesse rumo, leciona Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
Por outro lado, o sócio ostensivo é o único que se obriga pela sociedade – isso a significar que terceiros que não mantém relações jurídicas com ela nem por meio dela com os sócios participantes; só se relacionam com o sócio ostensivo que é quem, embora em nome pessoal, age por ela. Portanto, o sócio ostensivo é o administrador da sociedade em conta de participação e é de todo conveniente que o contrato social disponha minuciosamente a respeito. Na falta de previsão contratual, aplicam-se as regras do art. 1.010 e ss., onde são definidos os deveres e os limites de atuação do administrador, bem como suas responsabilidades perante os demais sócios.
O ostensivo age com ampla autonomia nas suas relações com terceiros, mas, perante os seus sócios ocultos, tem os deveres e as responsabilidades do administrador. Por isso, enquanto no seu negócio não tem satisfações para dar a ninguém, por ser o único interessado (como se dá quando é empresário individual), no desenvolvimento das atividades que são objeto da conta de participação, o sócio ostensivo deve atuar com o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração do seu próprio negócio (art. 1.011), sob pena de responder para com os participantes pelos prejuízos que à sociedade trouxer com conduta diversa. (Direito de Empresa. 2ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 155).
Portanto, o sócio ostensivo deve atuar com diligência e zelo na
condução da sociedade em conta de participação, com o objetivo de atingir o
objeto social delineado entre as partes.
De outro lado, o art. 993, parágrafo único, do CC concede ao
sócio participante o direito de fiscalizar a gestão da sociedade em conta de
participação:
Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.
Outrossim, pertinentes os ensinamentos de Alfredo de Assis
Gonçalves Neto:
O parágrafo único do art. 993, tecnicamente, deve ser
considerado uma norma autônoma em relação ao caput, visto tratar do
direito de fiscalização e da responsabilidade do sócio participante que
ultrapassa os limites internos da relação societária.
Realmente, no primeiro enunciado desse dispositivo está
assegurado ao sócio participante o direito de fiscalizar a gestão dos negócios
sociais – vale dizer, a conduta do sócio ostensivo no cumprimento das
obrigações que pactuaram entre si. Não é indicada a forma pela qual essa
fiscalização pode ser exercida. Se o contrato em que for pactuada a sociedade
em conta de participação nada dispuser, aplicam-se as disposições relativas à
sociedade simples. (ob. cit. p. 154).
Nesse rumo, sem nenhum dúvida, o direito de fiscalização do
Agravante está devidamente assegurado, podendo ele exercê-lo de forma plena,
por meio do exame dos livros e documentos, especialmente quanto ao estado do
caixa e a carteira da sociedade, todavia, restringindo-se em relação ao objeto
social comum entre as partes.
O direito de fiscalização, no presente caso, não engloba a
destituição do sócio ostensivo. Ou seja, a Agravada como administradora da
sociedade em conta de participação, uma vez que a cláusula 9ª-B do Contrato
Particular de Constituição de Sociedade em Conta de Participação (fl. 308 dos
autos de origem) é por demais clara: "A SCP será administrada pela 'SÓCIA
OSTENSIVA', observada a legislação e as disposições do presente contrato".
A destituição da sócia ostensiva como administradora para ser
nomeada administradora judicial consistiria em subversão da cláusula contratual
em questão, o que, prima facie, não parece ser a solução mais indicada,
principalmente por influenciar na relação com terceiros.
Nesse aspecto, bem leciona o anteriormente citado Alfredo de
Assis Gonçalves Neto:
Sendo o único sócio que se relaciona com terceiros e o fazendo em nome pessoal, o sócio ostensivo não pode ser destituído de suas funções de administrador, cabendo ao contrato social dispor a respeito da extensão de seus poderes e as restrições que lhes pode fazer a maioria, sem distinção quanto a ter ocorrido a investidura no contrato ou fora dele. As disposições do art. 1.019 e parágrafo único não incidem na espécie.Se o sócio ostensivo age em desacordo com as normas que definem sua atuação no domínio da sociedade em conta de participação, também não há como excluí-lo da sociedade, eis que ele é o único incumbido de dar cumprimento ao objeto social, não sendo a ele aplicável, por isso, a norma do art. 1.030 do Código Civil, mas os sócios participantes terão as alternativas de deliberar a dissolução da sociedade, se formarem maioria (art. 1.033, III), ou judicialmente, mostrando que o descumprimento das obrigações sociais pelo sócio ostensivo importa a impossibilidade de atingir os fins sociais (art. 1.034, II). (ob cit. p. 155).
No mesmo sentido, assevera Rubens Requião que:
O Código Civil garante ao sócio oculto o direito de fiscalizar a gestão social, mas o proíbe de intervir nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este nas obrigações em que intervir. [..] (Curso de Direito Comercial – 1º Vol. 29ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010. p. 489).
E, para arrematar, as lições de Amador Paes de Almeida:
Inexistindo sociedade comercial perante terceiros, girando os negócios exclusivamente em nome do sócio ostensivo, é evidente que só a este, e exclusivamente a este, cabe a gerência e administração dos negócios. Assim, o sócio-administrador é o próprio sócio ostensivo, que em seu nome e risco exerce o comércio. (Manual das Sociedades Comerciais. 16ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007. p. 117/118).
Em síntese, a destituição dos administradores da Agravada
significa a da própria Recorrida da qualidade de administradora da sociedade,
desvirtuando sua condição de sócia ostensiva, além de prejudicar a relação com
terceiros.
O art. 273, inciso I, do Código de Processo Civil, impõe que,
para a concessão da tutela antecipatória, sejam observados concomitantemente os
pressupostos da verossimilhança das alegações, da prova inequívoca e o fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Entretanto, diante das
razões acima expostas, não se vislumbra respaldo à pretensão sustentada e,
assim, podendo o sócio participante penetrar por outros caminhos legalmente
previstos.
Portanto, à vista do exposto, nega-se provimento ao recurso.
É o voto.
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Teoria Ultra Vires
REsp 704546 / DF RECURSO ESPECIAL 2004/0102386-0 Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 01/06/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 08/06/2010 LEXSTJ vol. 251 p. 93Ementa DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA.1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito.2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine.4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade.4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.6. Recurso especial improvido.
teoria da ultra vires
EDcl no AgRg no AREsp 161495 / RJ EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0064407-5Relator(a) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 17/12/2013 Data da Publicação/Fonte DJe 12/02/2014Ementa EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PELO PRESIDENTE DA ENTIDADE. AUSÊNCIA DE ASSINATURA CONJUNTA DO VICE-PRESIDENTE. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EM FAVOR DA PESSOA JURÍDICA NÃO QUESTIONADA. AGENTE "FIFA" CREDENCIADO. RELAÇÃO DIRETA COM O OBJETO SOCIAL DA PESSOA JURÍDICA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE ESPORTIVA. VALIDADE. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83/STJ. OBSCURIDADE. AUSÊNCIA.1. O Superior Tribunal de Justiça tem mitigado os rigores da teoria da ultra vires, mesmo após a edição do novo Código Civil, dando prevalência à boa-fé de terceiro, mormente nos casos em que a obrigação guarda relação com o objeto social e não se nega a prestação do serviço em benefício da sociedade contratante.2. O reexame da matéria que constitui o objeto do acórdão embargado na busca de decisão infringente é pretensão estranha ao âmbito dos embargos declaratórios, definido no artigo 535 do Código de Processo Civil.3. A atribuição de efeitos modificativos somente é possível em situações excepcionais, em que, sanada a omissão, contradição ou obscuridade, a alteração da decisão surja como consequência lógica e necessária.4. Embargos de declaração rejeitados.
domingo, 11 de maio de 2014
Curso Didático de Direito Empresarial: Títulos de Crédito
Capítulo VI – Teorias
6.1.
Introdução - 6.1.1. A teoria de Vivante do duplo sentido da vontade; 6.1.2.
Teoria da emissão; 6.1.3. Teoria da criação; 6.1.4. Teoria da aparência; 6.1.5.
Teoria adotada no Brasil.
6.1. Introdução
Várias são as
teorias criadas e desenvolvidas ao longo do tempo sobre títulos de crédito, sua
criação, circulação e outras sobre o direito obrigacional, o direito de emitir
e ou receber o crédito incorporado em documento especialmente posto por um
sujeito.
Dessas teorias
buscamos aprender algumas importantes que ainda traduzem o sentido jurídico
envolvendo um documento creditício.
6.1.1. A teoria de Vivante do duplo sentido da vontade
A posição de
Vivante, autor que se afastou das teorias legalistas para desenvolver a sua
teoria, inicialmente, era tentar explicar a posição jurídica do emitente do
título de crédito, do credor e daquele para quem o título foi transferido.
Primeiro,
reconhece a vontade como fonte das obrigações, para ele a fonte das obrigações deve
ter duplo sentido na vontade do emitente do título. Esse duplo sentido seria que
o emitente firmaria uma relação com o contratante e, ainda, com as pessoas que
possivelmente fossem receber o título que emitiu em favor daquele contratante.
Vivante salienta
que,
“para explicar a posição
distinta do devedor, há que penetrar nos motivos de sua vontade, fazer a
análise desta vontade, que é o fundamento da obrigação, e reconhecer que se
ele, para obter o benefício do crédito, quis dar à outra parte, seja vendedor
ou mutuante, um título apto para a circulação, quis também, não obstante, conservar
intatas contra ele as defesas que o direito comum proporciona. Mas a disciplina
do título deve adaptar-se a essa diferente direção da vontade que lhe deu
origem, devendo a condição de devedor regular-se conforme a relação jurídica
total que deu origem ao título, quando se encontra ante aquele com quem o
negociou; e se deve, em troca, ajustar a sua vontade unilateral, tal como se
manifestou no título, quando se encontra frente aos subsequentes portadores de
boa-fé” [1].
A vontade do
devedor, ainda segundo Vivante, se transformaria em natureza contratual com
relação ao seu credor imediato. Com relação ao contrato o título não se
desvincularia dele, mas o integraria, pois estando com ele vinculado, a
obrigação do devedor estaria atrelada em toda vida do título, inclusive ao
negócio jurídico subjacente, fato que levaria a investigação da causa do título
para findar o negócio cambial. A fonte de toda obrigação cambial nascida seria
o contrato inicial entre as partes.
Requião leciona
que “em relação ao seu credor, o devedor do título se obriga por uma relação
contratual, motivo por que contra ele mantém intatas as defesas pessoais que o
direito comum lhe assegura”; No
entanto, prossegue o Professor Requião, “em relação a terceiros, o fundamento
da obrigação está na sua firma (do emissor), que expressa sua vontade
unilateral de obrigar-se e essa manifestação não deve defraudar as esperanças
que desperta em sua circulação”[2]. Ou
seja, a obrigação cambial existirá mesmo na falta de cumprimento da obrigação
principal, quando o possuidor for de boa-fé.
A teoria sofreu
críticas por não ser uma declaração de duplo sentido, ao contrário, a vontade
seria uma só, “isto é,
como o emitente poderia estar obrigado perante os futuros possuidores, e
eventualmente não assumir obrigações perante o tomador imediato? Além disso,
como poderia a vontade unilateral do emitente ser suficiente para obrigá-lo
perante os credores posteriores, mas não seria suficiente para gerar uma
obrigação perante o credor imediato?” [3].
Por fim, a teoria
foi considerada duvidosa e ilógica, devido admitir o duplo sentido da vontade
do emitente, mas ainda perdura a certeza de sua não sobrevivência como teoria
final, pois “a obrigação cambial nasce independentemente do consentimento do
credor, logo, é muito difícil sustentar um negócio jurídico bilateral como
fonte da obrigação cambiária” [4].
6.1.2. Teoria da emissão
Os adeptos dessa
teoria priorizaram a voluntariedade da entrega do título pelo emissor ao
terceiro, ou seja, somente estaria obrigado ao pagamento do título em uma
eventual saída voluntária das mãos do seu emitente, caso contrário o emitente não
estaria obrigado com o título. O título subscrito teria sua circulação restrita
caso fosse emitido, e não posto em circulação pelo próprio emitente, pois ele assim
não estaria comprometido ao cumprimento do título.
O problema maior
estaria no caso do possuidor de boa-fé de posse do título, o subscritor do
mesmo não poderia opor exceção de falta
de emissão.
A teoria adota a
não obrigação do subscritor do título se ele saiu das suas mãos sem ou contra
sua vontade.
6.1.3. Teoria da criação
Para essa teoria
o título de crédito tem valor próprio por ter sua emissão fundada na declaração
unilateral de vontade do seu criador, pois as obrigações representadas nos
títulos de crédito são abstratas por dispensar a essencialidade da causa na
formação do título.
Segundo os
adeptos dessa teoria o título, após estar devidamente formalizado, possui valor
próprio e é fonte de direito de crédito a um futuro possuidor; se antes de
entregue ao credor o emitente é despojado do título, a obrigação já estará
encartada e seguirá junto com ele, independentemente das condições da
portabilidade. Para essa teoria o subscritor do título estaria obrigado a
cumprir o pagamento, mesmo nos casos de roubos ou extravio do documento.
Como o título
seria uma obrigação assumida pelo emitente e não pela sua vontade, o que se
exige é somente que esteja na posse de um terceiro de boa-fé, pois nesse caso,
o que importaria é a declaração firmada e
não a vontade posta pelo emitente.
É uma teoria que
não respeita a boa-fé, pois os seus adeptos aceitam que o emitente do título,
sabendo que o título está nas mãos de pessoas de má-fé, deve cumprir com a
obrigação encartada no título. A concepção da teoria é a de que a obrigação tem
existência pela simples assinatura do emitente.
Para Pontes de
Miranda, cuja citação é de Rubens Requião, o título em mãos do subscritor já
seria um “valor patrimonial e prestes a se tornar fonte de direito de crédito.
A vontade do devedor já não importa para tal efeito obrigacional: o título é
que produz.... É o título que cria a dívida. A única condição que se impõe a
sua eficácia é a posse pelo primeiro portador, qualquer que seja ela”[5].
No entanto, duas
linhas de análise discutem o momento da eficácia jurídica ou o momento do
aperfeiçoamento do vínculo. Em um primeiro
momento uma das linhas de análise estaria sustentando a eficácia do título quando
de sua assinatura, pois assim que houvesse a redação e assinatura do título, já
estaria produzindo os seus efeitos em relação ao devedor. Portanto, para o
exercício do direito de crédito, bastaria o título chegar às mãos de um credor,
fato que removeria o obstáculo para o exercício do crédito[6].
No segundo momento, a eficácia do
título ficaria subordinada a posse de um credor. Assim, “deve-se distinguir a
perfeição do título da sua eficácia e irrevogabilidade. A perfeição ocorreria
com a assinatura, que não precisa ser receptícia, já a vinculação do declarante
só ocorreria com a chegada dos títulos às mãos do credor” [7].
Portanto, ficou evidente
que a teoria assume que o simples preenchimento do título é fonte de obrigação.
6.1.4. Teoria da aparência
Para os adeptos
dessa teoria a obrigação cambiária nasceria da aparência criada no bojo do
título de crédito, ou seja, a aparência criada pelas declarações cambiais
existentes no título é que teriam valor, independentemente da vontade efetiva
do criador. Dá-se ênfase para a falta de conhecimento de possíveis divergências
existentes, pois independente delas o portador não tomaria conhecimento pela só
aparência do título.
Essa teoria está
ligada a literalidade do título, pois visa proteger o terceiro que deve confiar
no teor do documento de crédito. Os possíveis possuidores do título estariam
livres de qualquer convenção extracartular.
A simples
aparência do título não tem o condão de validar as obrigações cartulares e
afeta sim as demais obrigações que possivelmente foram assumidas no título.
6.1.5. Teoria adotada no Brasil
Para vários autores
o Direito Brasileiro não se filiou a nenhuma teoria, mas a doutrina adotou os
rigores da teoria da criação com
algumas luzes da teoria da emissão,
como nas palavras de Rubens Requião: “temperando os rigores da teoria da
criação com nuanças da teoria da emissão” [8].
O Código Civil
atual, em seu artigo 909 e parágrafo único, dispõe que o “proprietário que
perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele, poderá obter
novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos”,
aproximou-se da teoria da emissão, pois há uma proteção sobre que for
injustamente desapossado do título. Mesmo o credor de boa-fé seria prejudicado
se portador de título que o seu emissor foi injustamente desapossado.
Na realidade,
conforme doutrina atual, o Código Civil de 2002 errou ao tentar fazer a junção
entre as teorias da criação e da emissão.
O artigo 896 (O título de crédito não pode ser
reivindicado do portador que o adquiriu de boa-fé e na conformidade das normas
que disciplinam a sua circulação); artigo 901 (Fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao
legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé) e
parágrafo único (Pagando, pode o devedor
exigir do credor, além da entrega do título, quitação regular) e artigo 905
(O possuidor de título ao portador tem
direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao
devedor), estão filiados na teoria
da criação, pois é clara a proteção ao portador de boa-fé, “na medida em
que ele teria seus direitos resguardados” [9].
A título de
conhecimento de outras teorias, mas sem aprofundamento nas mesmas, temos: a) teoria contratualista, que enquadrava o
título de crédito na categoria dos contratos, pois o emitente de um título
celebraria um contrato com o beneficiário. Esse contrato seria cambiário,
portanto um direito novo revestido da autonomia cambiária e que não faria
confusão com o negócio jurídico firmado entre as partes; b) teoria da declaração unilateral de vontade,
para essa teoria a declaração unilateral seria a vontade criadora da
cambial e a letra de câmbio seria o papel-moeda dos comerciantes. Tal fato não
se sustenta atualmente[10];
c) teoria da boa-fé, por essa teoria
não basta a circulação ser de boa-fé, ou, o terceiro legitimado, para exercício
de seu direito deve estar de boa-fé, caso contrário o emitente poderá opor ao
possuidor de má-fé a exceção do dolo e, assim, anular os efeitos do título.
Nessa teoria privilegia-se a boa-fé e a segurança nas relações cambiárias;
surgiu para diminuir os efeitos da teoria da criação; d) teoria da pendência é a teoria proposta por Jhering, desenvolvida
por Bonelli e agora acolhida e modificada por Messineo [11],
que sustentam que o titular do direito é somente o que for o último
proprietário do título de crédito, ou
seja, aquele que possuir por último o título será o titular de direito estando
autorizado a exercer seus direitos cambiários; e) teoria da delegação, por essa teoria “o devedor autoriza o credor a delegar a um novo credor, e assim
sucessivamente”[12],
ou seja, aquele que emite um título de crédito deve delegar ao beneficiário
original poderes de transferência do crédito a um titulo sucessivo e assim, o
seu sucessor, poderá delegar sucessivamente os poderes do crédito alcançados.
Entenda-se,
porém, que das várias teorias adotadas ou sustentadas por doutrinadores
anteriores, o que determina a circulação do título é a emissão legítima e posse
de boa-fé, com seus sucessores e garantidores devidamente identificados.
[1]
apud Rubens Requião, Curso de Direito
Comercial, 2 vol., 23 ed São Paulo: Saraiva, p. 361
[2]
Idem
[3]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 43.
[4]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 43.
[5]
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial, 2 vol., 23 ed São Paulo: Saraiva, p. 363.
[6]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 45/46.
[7]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.
45/46.
[8]
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito
comercial. 2 vol. 23 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 365.
[9]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 50.
[10]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 44.
[11]
ASCARELLI, Túlio. Teoria Geral dos
Títulos de Crédito. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1943, p. 289.
[12]
ASCARELLI, Túlio. Teoria Geral dos
Títulos de Crédito. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1943, p. 293.
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