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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Sócio que fingiu ser empregado em ação trabalhista é multado por má-fé


Um homem foi condenado a pagar R$ 20 mil por litigância de má-fé porque a juíza Tatiane Pastorelli Dutra, da 1ª Vara do Trabalho de Diadema (SP), concluiu que ele fingiu ser empregado no processo.
O homem alegou que foi contratado como gerente-geral e que teve o contrato encerrado depois de dois meses, mas continuou exercendo a função informalmente por cerca de dois anos. Ele pediu o reconhecimento de vínculo empregatício e, para comprovar as alegações, juntou aos autos e-mails trocados com a empresa e extratos bancários.
A juíza concluiu, no entanto, que os fatos narrados não apresentam contornos de verossimilhança. Isso porque, além dessa ação trabalhista, o autor ajuizou também uma ação na Justiça comum afirmando que firmou um contrato de sociedade com a empresa processada.
Tal prova, segundo a juíza, já seria suficiente para negar o pedido. Porém, ela acrescentou que há outras pistas que o autor mentiu no processo. Na sentença, a juíza narra que, ao deixar o cargo de gerente, o homem propôs sociedade, por meio de sua filha, que ingressou na empresa.
Além disso, ele se tornou sócio em uma segunda empresa que começou a negociar com o antigo empregador. De acordo com a juíza, isso explica os e-mails juntados e os extratos de pagamento. A magistrada afirma que, por um desgaste comercial, a filha do autor foi afastada da sociedade, o que motivou a ação trabalhista, como uma espécie de vingança.
"É certo, portanto, que o reclamante não manteve qualquer relação empregatícia posterior ao encerramento formal do contrato de trabalho, e que parte da narrativa, aqui descrita na peça vestibular, mostra-se fantasiosa, fruto da desgastada relação comercial estabelecida entre reclamante e reclamada, imbuída com intuito vingativo", diz a sentença.
Assim, por considerar que o autor da ação alterou a verdade dos fatos com o objetivo de prejudicar a empresa, a juíza condenou o homem a pagar multa por litigância de má-fé, na importância de 10% do valor da causa, o que equivale a R$ 20 mil. "É patente o dolo de enganar o juízo e, valendo-se de eventual falha da defesa, enriquecer-se ilicitamente, em um verdadeiro estelionato judicial", complementou.
Clique aqui para ler a sentença.
1000837-59.2017.5.02.0261

sexta-feira, 20 de abril de 2018

ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA - DENOMINAÇÃO - EQUIPARAÇÃO AO NOME COMERCIAL - DIREITO DE EXCLUSIVIDADE - LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA - NOME ESTRANGEIRO

RECURSO ESPECIAL Nº 555.086 - RJ (2003⁄0114349-9)
RELATOR:MINISTRO JORGE SCARTEZZINI
RECORRENTE:GIDEÕES MISSIONÁRIOS DA ÚLTIMA HORA - GMUH
ADVOGADO:OSWALDO HORONGOZO E OUTROS
RECORRIDO:THE GIDEONS INTERNATIONAL E OUTRO
ADVOGADO:LUIZ LEONARDOS E OUTROS
EMENTA

RECURSO ESPECIAL - OFENSA A ENUNCIADO SUMULAR - NÃO CONHECIMENTO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - NÃO ALEGAÇÃO DE INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC - SÚMULA 211⁄STJ - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULA 356⁄STF - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO - ADMISSIBILIDADE - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA QUANTO A ALGUNS DOS PARADIGMAS COLACIONADOS - ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA - DENOMINAÇÃO - EQUIPARAÇÃO AO NOME COMERCIAL - DIREITO DE EXCLUSIVIDADE - LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA - NOME ESTRANGEIRO - CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS - MARCA - PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE - CONVIVÊNCIA DAS DENOMINAÇÕES E MARCAS DAS PARTES - POSSIBILIDADE.

1 - Não se conhece do recurso especial sob alegação de ofensa a enunciado sumular, vez que não equiparado a dispositivo de lei federal para fins de interposição do recurso com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional. Precedentes.

2 - Não cabe recurso especial se, apesar de provocado em sede de embargos declaratórios, o Tribunal a quo não apreciou a matéria impugnada, aplicando-se a Súmula 211⁄STJ. Para conhecimento da via especial, necessário seria a recorrente ter alegado ofensa, também, ao art. 535 do CPC. Precedentes.

3 - Inviável o conhecimento do recurso especial, nos termos da Súmula 356⁄STF, ante a ausência de prequestionamento, porquanto não alegada a matéria sequer em embargos declaratórios.

4 - Admite-se o prequestionamento implícito se, a par de não constar expressamente, quanto a determinado dispositivo, qualquer registro no v. acórdão recorrido, a matéria inserta no mesmo foi devidamente apreciada e decidida pelo Tribunal a quo. Precedentes.

5 - Quanto à divergência jurisprudencial (art. 105, III, "c", CF⁄88), é pacífico, neste Tribunal, o entendimento de que, a teor do art. 255 e parágrafos do RI⁄STJ, para sua  apreciação e comprovação, não basta a mera transcrição de ementas, devendo-se expor as circunstâncias que identificam os casos confrontados, impondo-se a similitude fática entre o v. acórdão recorrido e o paradigma com tratamento jurídico diverso, bem como juntar cópias integrais de tais julgados ou, ainda, citar repositório oficial de jurisprudência. Verificada a ausência de similitude fática entre o v. acórdão hostilizado e alguns dos paradigmas colacionados, o recurso merece conhecimento apenas parcial.

6 - A denominação das associações equipara-se ao nome comercial, para fins de proteção legal, consistente na proibição de registro de nome igual ou análogo a outro anteriormente inscrito (princípio da novidade). A exclusividade restringe-se ao território do Estado, no caso das Juntas Comerciais, em se tratando de sociedades empresárias, e tão-somente da Comarca, no caso dos Registros Civis das Pessoas Jurídicas, em se cuidando de sociedades civis, associações e fundações.

7 - A proteção ao nome estrangeiro deve ser requerida nos moldes estabelecidos pela lei nacional, conforme interpretação sistemática da Convenção da União de Paris.

8 - A análise da identidade ou semelhança entre duas ou mais denominações integradas por expressão de fantasia comum ou vulgar deve considerar a composição total do nome, a fim de averiguar a presença de elementos diferenciais suficientes a torná-lo inconfundível.

9 - Consoante o princípio da especialidade, o INPI agrupa os produtos ou serviços em classes, segundo o critério da afinidade, de modo que a tutela da marca registrada é limitada aos produtos e serviços da mesma classe. Outrossim, sendo tal princípio corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários de determinados produtos ou serviços, admite-se a extensão da análise quanto à imitação ou à reprodução de marca alheia ao ramo de atividade desenvolvida pelos respectivos titulares.

10 - Diversos os gêneros de atividade da recorrente, Gideões Missionários da Última Hora - GMUH, e das recorridas, The Gideons International Os Gidões Internacionais no Brasil, bem como suas classes de registro de marcas (respectivamente, serviços de publicação e distribuição de bíblias, testamentos e revistas, inseridos nas classes 11.10 e 40.15; e serviços de caráter comunitário, voltados à pregação evangélica, inseridos na classe 41.70, afasta-se a possibilidade de confusão entre o público das associações litigantes, impondo-se a convivência harmônica de suas denominações e marcas.

11 - Recurso parcialmente conhecido, com fulcro nas alíneas "a" e "c ", III, art. 105 da CF⁄88, e, nesta parte, provido, afastando-se a proibição de uso pela recorrente, quer em sua denominação, quer em sua marca, da palavra "gideões".

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade em, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram os Srs. Ministros BARROS MONTEIRO, CÉSAR ASFOR ROCHA, FERNANDO GONÇALVES. e ALDIR PASSARINHO JÚNIOR.
Brasília, DF, 14 de dezembro de 2004(data do julgamento).
 
 
MINISTRO JORGE SCARTEZZINI, Relator

Documento: 1583890EMENTA / ACORDÃO- DJ: 28/02/2005

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL. CONTRATO VERBAL.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.416.227 - RJ (2013⁄0361498-3)
RELATORA:MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE:GUILHERME ALBERTO RODRIGUES SARAIVA E OUTRO
ADVOGADOS:PAULO GUSTAVO LOUREIRO OURICURI  - RJ088063
LEONARDO CAMANHO CAMARGO E OUTRO(S) - RJ088992
RECORRIDO:CARLOS FRANCISCO THEODORO MACHADO RIBEIRO DE LESSA
ADVOGADOS:ANTÔNIO PEREIRA LEITÃO E OUTRO(S) - RJ009284
ÁLVARO CÉSAR RODRIGUES PEREIRA  - RJ058486
EMENTADIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL. CONTRATO VERBAL. PRAZO INDETERMINADO. ESBULHO POSSESSÓRIO. PERDA DO PONTO EMPRESARIAL. DEVER DE INDENIZAR.1. Ação de indenização por danos matérias e compensação de dano moral ajuizada em 19⁄10⁄2007, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 29⁄07⁄2010 e concluso ao Gabinete em 25⁄08⁄2016. Julgamento pelo CPC⁄73.2. O propósito recursal é dizer sobre a negativa de prestação jurisdicional e sobre o dever de o recorrido indenizar os recorrentes pela perda do ponto empresarial.3. Reconhecida a existência de um contrato de locação entre as partes, desdobrou-se a relação possessória, de tal forma que, enquanto locatário, o recorrente tinha a posse direta do imóvel, e o recorrido, locador, a posse direta (posses paralelas).4. Quando o recorrente, possuidor direto, permitiu, transitoriamente, que o recorrido, possuidor indireto, realizasse obras no imóvel, tinha este o dever de cessar a prática de atos materiais sobre o bem ao término da reforma. Entretanto, ao manter o recorrido, unilateralmente, o imóvel em seu poder, além do prazo convencionado para a devolução, passou a exercer a posse injusta, em razão do esbulho, causador da perda do ponto empresarial pelo recorrido.5. Se é verdade que a denúncia vazia não gera o dever de indenizar a perda do ponto empresarial, desde que realizada a devida notificação, também é verdade que não pode o locador, para retomar o imóvel, esbulhar a posse do locatário, sob pena de responder por perdas e danos.6. Nos termos do art. 402 do CC⁄02, a respectiva indenização abrange, além do valor correspondente às máquinas, equipamentos, móveis e utensílios que guarneciam o estabelecimento, o ponto empresarial que o recorrente efetivamente perdeu por conta do esbulho praticado pelo recorrido.7. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.Brasília (DF), 12 de dezembro de 2017(Data do Julgamento)MINISTRA NANCY ANDRIGHI 
Relatora

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Recurso interposto por acionistas minoritários de companhia que integra o 'Grupo Daslu', inconformados com a concessão da recuperação judicial.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.539.445 - SP (2015?0045669-6)
RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por BERNESE ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA. E OUTROS, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

"Agravo. Recuperação judicial. Recurso interposto por acionistas minoritários de companhia que integra o 'Grupo Daslu', inconformados com a concessão da recuperação judicial. Alegação de violação ao direito de veto à transferência da 'Marca Daslu', direito previsto em acordo de acionistas, violando o art. 53, III, da LRF, artigos 104, 106 e 187 do CC. Os acionistas, minoritários ou majoritários, não podem impedir a concessão de recuperação judicial derivada da aprovação do plano pela assembleia-geral de credores. As querelas intrassocietárias deverão ser dirimidas no palco judicial adequado e não nos lindes do processo de recuperação judicial. Os interesses dos acionistas não se sobrepõem ao princípio da preservação da empresa e de sua função social, nem aos interesses da comunidade de credores. Ausência de interesse e legitimidade recursal. Recurso não conhecido" (fls. 582-583 e-STJ).

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 602-608 e-STJ).

Em suas razões (fls. 617-630 e-STJ), os recorrentes sustentam violação do art. 59, § 2º, da Lei nº 11.101?2005.

Alegam que, na condição de credores devidamente habilitados, têm legitimidade e interesse para recorrer da decisão que homologa o plano e defere o pedido de recuperação judicial.

Ponderam que "o fato de uma das Recorrentes (Bernese Administração e Participações Ltda.) ser acionista minoritária de uma das Recorridas ('Lomel Empreendimento Comerciais S.A.') jamais poderia acarretar ausência de legitimidade recursal" (fl. 627 e-STJ).

Acrescentam que, mesmo diante da qualidade de acionista minoritária da Bernesse Administração e Participações Ltda, esse entendimento não obstaria o conhecimento do agravo de instrumento quanto aos demais credores que não têm relação societária com o Grupo Daslu.

Aduzem também que o agravo de instrumento interposto na origem não versa exclusivamente a respeito de conflitos societários, mas também de gravíssimas ilegalidades praticadas na recuperação judicial, sendo a mais significativa delas a inexistência de avaliação da marca Daslu.

Contrarrazões apresentadas às fls. 636-650, 660-676 e 680-684 e-STJ.

Inadmitido o recurso na origem (fls. 692-693 e-STJ), os autos ascenderam a esta Corte com o agravo (fls. 696-705 e-STJ), ao qual foi dado provimento por esta relatoria para determinar a sua reautuação como recurso especial (fls. 759-760 e-STJ).

O Ministério Público Federal, por meio do parecer da lavra da eminente Subprocuradora-Geral da República Maria Soares Camelo Cordioli, opinou pelo provimento do recurso especial, em parecer assim sintetizado:

"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO. CONVERSÃO EM RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LEGITIMIDADE PARA IMPUGNAR PLANO DE RECUPERAÇÃO. CREDORES. ART. 59, § 2º, LEI 11.101?2005. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INCABÍVEL.
PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL" (fl. 769, e-STJ).

É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.539.445 - SP (2015?0045669-6)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3?STJ).

A irresignação não merece prosperar.

Cinge-se a controvérsia a definir as seguintes questões: (i) se o credor tem legitimidade para recorrer da decisão que concede a recuperação judicial, ainda que ele possua também a condição de acionista minoritário de uma das sociedades do grupo submetido ao processo recuperacional, e (ii) em quais hipóteses o credor tem interesse para interpor agravo de instrumento contra decisão que concede a recuperação judicial.

1. Breve histórico

Na origem, BERNESE ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA. E OUTROS interpuseram agravo de instrumento (fls. 1-31 e-STJ) contra decisão do magistrado de primeiro grau que homologou o plano e concedeu a recuperação judicial do grupo econômico denominado Daslu.

A decisão de fls. 485?486 (e-STJ) concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento "apenas para que a transferência da marca DASLU perante o INPI fique suspensa até o julgamento deste agravo, devendo eventual numerário pago pela marca ser mantido em depósito judicial".

A liminar foi revogada pela decisão de fls. 495?497 (e-STJ), destacando-se o seguinte fundamento:

"(...)
1. Diante dos esclarecimentos que complementam as razões recursais, verifico que, efetivamente, durante a assembleia-geral de credores foi feita proposta de suspensão do conclave para ser promovida a avaliação, em separado, da marca 'Daslu', sendo a proposta rejeitada por 88,8% dos credores. Diante disso, foi aprovado o plano que prevê a alienação da UPI, que inclui a marca 'Daslu', por expressiva maioria (90% da classe I; 100% e 66,7% da classe II e 81,3% e 91,9% da classe III).

No âmbito estrito de cognição da antecipação da tutela, deve prevalecer o entendimento desta Câmara especializada no sentido de que a Assembleia-Geral de Credores é soberana na aprovação ou rejeição do plano" (fls. 495?496, e-STJ).

Em sequência, o agravo de instrumento foi julgado, não sendo conhecido (fls. 577?594, e-STJ). Sobreveio, então, o presente recurso especial.

2. Da violação do artigo 59, § 2º, da Lei nº 11.101?2005

O pedido recursal está assentado no § 2º do art. 59 da Lei nº 11.101?2005 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e de Falências - LRF), segundo o qual, "contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público".

Afirmam os recorrentes que na qualidade de credores regularmente habilitados na recuperação judicial têm legitimidade para recorrer da decisão que concede a recuperação judicial, sustentando que o Tribunal de origem "jamais poderia restringir, cercear e negar tal direito aos recorrentes" (fl. 626, e-STJ).

Ressaltam que o fato de um dos recorrentes ser também acionista minoritário da recorrida Lommel Empreendimentos Comerciais S.A. jamais poderia acarretar a ausência de legitimidade recursal.

Destacam que o plano apresentado padece de gravíssimas ilegalidades, dentre as quais a inexistência de avaliação do maior ativo das recorridas, a marca Daslu, o que viola frontalmente a exigência contida no artigo 53, III, da Lei nº 11.101?2005, no sentido de que o plano deve estar acompanhado de laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Conforme se colhe dos autos, a recorrente Bernesse Administração e Participações Ltda. detém 12,5% (doze e meio por cento) do capital social da sociedade Lommel, uma das empresas que compõem o grupo Daslu e, nessa condição, firmou acordo de acionistas, em março de 2007, que lhe garantia, dentre outros benefícios, o direito de participação nos novos negócios entabulados pela Lommel em todos os casos que a marca Daslu viesse a ser empregada (fl. 9, e-STJ).

Além disso, segundo memorando de entendimentos firmado entre os sócios, a eficácia do plano de recuperação judicial estava condicionada à prévia análise e aprovação dos recorrentes.

Essas obrigações, de acordo com os recorrentes, foram descumpridas, prevendo o plano de recuperação a criação de uma nova sociedade que receberá ativos e passivos do grupo, inclusive a marca Daslu, sem especificar a forma como as obrigações contraídas junto aos minoritários seria atendida.

Em vista disso, os recorrentes peticionaram nos autos, sustentando "a necessidade de atuação do órgão jurisdicional no exercício do controle de legalidade do Plano de Recuperação Judicial" (fl. 13, e-STJ), argumentando, em síntese, que: (i) o plano não foi instruído com avaliação do mais relevante ativo das recuperandas, a marca Daslu; (ii) as proposições do plano somente podem produzir efeitos com sua expressa aprovação; (iii) o plano de recuperação não disciplina como serão satisfeitas as obrigações assumidas junto aos sócios, inclusive no tocante à participação nos novos negócios envolvendo a marca Daslu, e (iv) as relações entre as sociedades Chipilands, Retail e Grupo Daslu merecem exame do órgão jurisdicional e ensejam a convocação de nova assembleia geral de credores, possibilitando ampla participação dos interessados na aquisição da marca.

O juízo de primeiro grau entendeu que as questões apresentadas não obstavam a aprovação do plano (fls. 467?468), decisão mantida pelo acórdão recorrido.

Com efeito, o Tribunal de origem concluiu que as matérias trazidas à apreciação pelos recorrentes têm natureza societária e, portanto, devem ser dirimidas em processo próprio. Sob essa perspectiva, os recorrentes litigariam não na qualidade de credores, mas de sócios minoritários, o que caracterizaria sua ilegitimidade.

Além disso, as questões apresentadas foram analisadas pelos credores em assembléia, que decidiu favoravelmente à aprovação do plano de recuperação judicial, entendendo pela suficiência da avaliação do ativo com a juntada de laudo econômico-financeiro e pela viabilidade da alienação da UPI (unidade produtiva isolada), que incluiu a marca "Daslu". Assim, entendeu a Corte local que, sob o argumento de que estariam exercendo controle de legalidade, os recorrentes pretendiam, em verdade, atacar a operação de transferência da UPI e da marca "Daslu", matéria para a qual a assembleia é soberana, daí carecerem de interesse.

Eis o trecho do acórdão, no que interessa à espécie:

"(...)
Os agravantes têm razão quando dizem que no acordo de acionistas foi avençado que 'dependerá do voto afirmativo do Grupo Bernese a aprovação de uma eventual recuperação judicial ou extrajudicial da companhia, caso haja, tem tal recuperação, (i) venda ou transferência de ativos e desde que essa venda ou transferência de ativos ocorra por um valor inferior àquele arbitrado pela medida de valores apurados por duas empresas de auditoria a serem escolhidas pelo Grupo Bernese dentre Pricewaterhouse Coopers, Deloitte Touche Tohmatsu, KPMG Auditores Independentes ou Ernst & Young prejudicial ao grupo Bernese (fairness opinion)' (fl. 124).

Com base no poder de veto da operação de transferência da marca 'DASLU', prevista no plano de recuperação judicial do 'Grupo Daslu', compareceram à AGC realizada em 24?02?2011, representados pelo ilustre advogado Dr. Renato Mange, e requereram a suspensão do ato assemblear. Posta em votação a pretensão suspensiva, da ata consta que: 'ato contínuo, o administrador judicial atendendo ao quanto solicitado, submete à votação dos presentes a suspensão da AGC, chamando-os nominalmente, obtendo o seguinte resultado, no total de R$ 80.824.013,63, votaram a favor da suspensão R$ 13.841.561,52 equivalentes a 17.2% e votaram contra a suspensão R$ 66.442.445,11, equivalente a 88.8%, restando reprovada a suspensão da AGC' (fl. 367). Após rejeitar o pleito suspensivo, os credores presentes ao ato assemblear aprovaram o plano de recuperação judicial que prevê a alienação da UPI, que inclui a marca 'DASLU', por expressa maioria (90% da classe I, 100% e 66,7% da classe II e 81,3% e 91,9% da classe III).

Diante de tal situação e considerando-se que esta Câmara Reservada tem proclamado reiteradamente a soberania da assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação judicial, não têm os acionistas minoritários o direito de vetar o plano aprovado pelo conclave de credores, sobrepondo-se seus interesses de sócios aos da sociedade-empresária e de todos os demais credores e interessados na preservação da empresa. O direito dos minoritários, mesmo que resguardado por pacto parassocial, não pode prevalecer sobre direitos da própria companhia e de seus credores, os quais aprovaram o plano que veio instruído com o 'Laudo Econômico-Financeiro' de fls. 220?276, atendendo-se, sob a ótica dos credores, a exigência do art. 53, III, da  Lei nº 11.101?2005. Por isso mesmo, afirmei na decisão de fl. 496, que as querelas intrassocietárias deverão ser dirimidas no palco judicial adequado e não nos lindes do processo de recuperação judicial que abrange objetivos que pairam acima daqueles titularizados pelos sócios minoritários, majoritários ou controladores.

(...) Por isso, não se admite que interesses de sócios, sejam eles minoritários ou majoritários, obstaculizem a recuperação da companhia e, desta forma, optem pela falência da sociedade, sob o pretexto de exercerem prerrogativas ou direitos que lhes foram concedidos em pacto parassocial.
(...)
Nessa linha de entendimento, o recurso não será conhecido, haja vista que, apesar de estar fundamentado na violação do inciso III, do art. 53, da  Lei nº 11.101?2005 e dos artigos 104, 106 e 187, do Código Civil, em rigor, ataca a operação de transferência da UPI e da Marca 'DASLU' para as empresas CHIPPILANDS e RETAIL, vale dizer, insurge-se contra o plano de recuperação aprovado pela Assembleia-Geral de Credores, mercê do que, não ostentam legitimidade e interesse recursal" (fls. 590?592, e-STJ - grifou-se).

Em nenhum momento, portanto, afirmou-se que o credor da companhia, simplesmente por ostentar a qualidade de sócio, carece de legitimidade para exercer o controle de legalidade do plano de recuperação, preocupação externada no cuidadoso parecer do Ministério Público Federal.

Vale destacar, no ponto, que os recorrentes requereram sua habilitação na recuperação judicial na qualidade de credores de obrigação de fazer, obrigações essas decorrentes de acordo de acionistas e memorando de entendimentos, como se extrai dos termos do pedido:

"(...)

6. Portanto, desde o início de 2007, existem obrigações em relação aos ora Habilitantes envolvendo a preservação de sua participação acionária na LOMMEL, a participação em 'novos negócios' do Grupo que envolvam a 'MARCA DASLU' e quaisquer ativos intangíveis, assim como, o direito à participação na alienação de quaisquer imóveis.
7. Por se tratarem de obrigações assumidas entre janeiro e abril de 2007, portanto, 'existentes' quando do ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial (08?07?2010; art. 49 da LRF), elas deveriam ter sido contempladas na relação de credores, conforme exigência do artigo 51, III, da  Lei nº 11.101?05, inclusive para que os demais credores e terceiros interessados tenham pleno conhecimento a seu respeito.

8. Efetivamente, as obrigações noticiadas nesta Habilitação, uma vez instaurado o processo de Recuperação Judicial do 'Grupo Daslu' (julho?2010), por serem 'úteis e necessárias ao processo' devem ser levadas ao conhecimento dos demais credores e interessados na realização de 'novos negócios', o que corrobora a necessidade de acolhimento deste incidente" (fl. 66, e-STJ).

Nesse contexto, não há como afastar a conclusão do Tribunal de origem no sentido da ausência de legitimidade dos credores que, na realidade, atuam como acionistas, buscando impor aos credores da recuperação judicial a satisfação de obrigações que dizem respeito somente aos sócios.

Ademais, conforme consignou a Corte de origem, as questões societárias foram submetidas à assembleia geral de credores que, após sua análise, aprovou o plano de recuperação judicial.  Destaca-se o seguinte trecho da ata da assembleia:

"(...)
Dr. Renato Mange, pelos acionistas minoritários da Lommel, propõe que se deve respeitar o direito dos seus representados à participação em todos os novos negócios que vierem no futuro a ser entabulados direta ou indiretamente pela Lommel em todos os casos em que a marca Daslu ou qualquer intangível do Grupo Daslu venha a ser empregado. Proposta esta recusada pela Recuperanda, entendendo ser descabida, uma vez que se trata de matéria de âmbito societário" (fl. 367, e-STJ).

No que diz respeito à necessidade de avaliação da marca Daslu de forma individualizada, questão que estaria atrelada à legalidade, já que a ausência de laudo de avaliação da marca implicaria violação do artigo 53, III, da Lei nº 11.101?2005, verifica-se que, conforme assentado pelo Tribunal paulista, também foi submetida à análise da assembleia geral de credores, consoante o seguinte excerto da ata:

"(...)
Ato contínuo, o Dr. Thomas Felsberg consigna que o plano é basicamente investimento em nova unidade.
(...)
Ato contínuo, o Dr. Renato Mange, que representa os sócios minoritários da Lommel, solicita informações sobre o que vai constituir a UPI, de quem será a marca, tendo em vista não estar claro no plano. Sendo-lhe respondido pelo Dr. Thomas que a UPI esta descrita no plano, o investidor vai adquirir o que a lei chama de estabelecimento, o que vai implicar consequentemente na transferência da marca Daslu, ou seja, a marca será transferida ao adquirente.
Tomando a palavra, o Dr. Renato Mange, pelos sócios minoritários da Lommel, questiona se a marca será transferida juntamente com toda a UPI, bem como se pesa ônus sobre a marca, e ainda qual o ônus. Sendo-lhe respondido que se trata de Alienação Fiduciária, não podendo informar qual o valor e o nome do credor no momento, e que será informado durante esta AGC aos credores presentes.
Ato contínuo, o Dr. Pecoraro, que representa o credor Shopping Cidade Jardim, questiona com relação a marca, que se trata de um ativo valioso, logo, se foi apresentado algum laudo de avaliação da marca.
Sendo respondido que, quando da apresentação do plano foram apresentados os laudos exigidos por lei. Questiona ainda o Dr. Eduardo Pecoraro, se o laudo da marca encontra-se presente.
Tomando a palavra o representante do credor Daycoval, questiona com relação a forma de pagamento. Indagando sobre a existência de aval do investidor. Sendo-lhe respondido pelo Dr. Joel, representando as recuperandas, que as dívidas serão assumidas pela UPI.
Os advogados da Recuperanda esclareceram ainda, que quando uma empresa está em recuperação judicial, ela tem a possibilidade de venda de ativos, para tanto necessário se faz um laudo de avaliação. Tendo sido aberta para quaisquer terceiros investidores a possibilidade de investimento na nova UPI, logo, basicamente houve uma estrutura para que os investidores, conhecendo a marca, os ativos, etc, é que definissem e avaliassem o negócio e dizendo qual o valor dos ativos, e aquele que adquirir será aquele que oferecer maiores recursos para capitalizar a UPI. O que conta neste tipo de operação é o valor futuro do negócio, ou seja, a rentabilidade do negócio.
Em sequencia o advogado do credor W Torre, indagou se existe um prazo estabelecido para que ocorra a alienação da UPI, e ainda por conta de tais divergências com relação ao valor da marca, concorda que realmente seja interessante que os avaliadores da marca, como investidores e como pessoas que tem conhecimento sobre o mercado com relação a venda de roupas, saberão qual o valor da marca, inclusive com elementos necessários que um adquirente poderia pagar. Assim, argumentou que antes de avaliarmos se o plano é interessante ou não, que venha antes a informação de um laudo de avaliação da marca para aí verificar se o plano é ou não aceitável, sugerindo a suspensão da AGC.
Tomando a palavra o Dr. Bruno, advogado do credor HSBC, ressalta que o valor da marca neste momento é irrelevante, tendo em vista que o que vai valer serão as propostas que ainda serão apresentadas" (fls. 363?364, e-STJ - grifou-se).


Assim, conforme se extrai do trecho supratranscrito, a inexistência de avaliação individualizada da marca foi expressamente debatida pelos credores, que optaram, como forma de soerguimento da sociedade, pela constituição de uma unidade produtiva isolada (UPI) a ser alienada por propostas fechadas, nos termos do artigo 60 combinado com o artigo 142, II, da  Lei nº 11.101?2005, votando pela irrelevância da avaliação (fl. 393, e-STJ).

Veja-se que, nessa hipótese, a alienação se dará pelo maior valor oferecido, ainda que inferior ao valor da avaliação (art. 142, § 2º, da  Lei nº 11.101?2005).

Nesse contexto, conclui-se que o ponto da avaliação em separado da marca está diretamente ligado ao mérito do plano de recuperação, para o qual a assembleia geral de credores é soberana, como reconheceu a Corte local, concluindo pela ausência de interesse dos recorrentes na interposição do agravo de instrumento.

A propósito, a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

"(...)
Em princípio, todos os credores anteriores ao pedido de recuperação judicial estão sujeitos aos efeitos do plano de recuperação aprovado em juízo. Mesmo os que haviam se oposto ao plano e votado por sua rejeição devem se curvar à decisão judicial respaldada na maioria dos credores. Não têm outra alternativa". (Comentários à  Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 246 - grifou-se)



E prossegue o ilustrado autor:

"(...)
Contra a decisão concessiva caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo, ao qual se legitima qualquer credor e o Ministério Público. O objeto do recurso só pode dizer respeito ao desatendimento das normas legais sobre convocação e instalação da Assembleia ou quórum de deliberação. Nenhuma outra matéria pode ser questionada nesse recurso, nem mesmo o mérito do plano de recuperação aprovado". (idem, pág. 247 - grifou-se)

A jurisprudência desta Corte está consolidada no mesmo sentido, entendendo que a assembleia geral de credores é soberana no tocante ao mérito do plano de recuperação judicial:

"DIREITO FALIMENTAR. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADOS. SÚMULA 283?STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211?STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.
1- Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
2- A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado - quando suficiente para a manutenção de suas conclusões - impede a apreciação do recurso especial.
3- A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.
4- No que concerne ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, a assembleia-geral de credores é soberana em suas deliberações.
5- Hipótese em que o acórdão recorrido não se manifestou a respeito dos argumentos invocados pela recorrente acerca da necessidade ou não de exame das circunstâncias constantes no art. 53 da Lei n. 11.101?2005. Dessa forma, nos termos do enunciado n. 211 da Súmula?STJ, não se revela possível a análise da irresignação recursal.
6- A insurgência encontra óbice, igualmente, no enunciado n. 7 da Súmula?STJ, pois a existência de descrição pormenorizada dos meios de recuperação no plano aprovado, a demonstração da viabilidade econômica da recuperanda e a higidez do laudo de avaliação de bens e ativos da sociedade constituem elementos que, para serem modificados, exigem o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos.
7- Recurso especial não provido."
(REsp 1.374.545?SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18?06?2013, DJe 25?06?2013 - grifou-se)


"RECURSO ESPECIAL. AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO DIRIGIDO CONTRA A DECISÃO QUE CONVOLOU A RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA. OBRIGATÓRIA CONVOCAÇÃO DE NOVA ASSEMBLEIA DE CREDORES QUANDO ANULADA AQUELA QUE APROVARA O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTENTE QUALQUER UMA DAS CAUSAS TAXATIVAS DE CONVOLAÇÃO.
1. No processo recuperacional, são soberanas as decisões da assembleia geral de credores sobre o conteúdo do plano de reestruturação e sobre as objeções?oposições suscitadas, cabendo ao magistrado apenas o controle de legalidade do ato jurídico, o que decorre, principalmente, do interesse público consubstanciado no princípio da preservação da empresa e consectária manutenção das fontes de produção e de trabalho.
2. Nessa perspectiva, sobressai a obrigatoriedade da convocação de nova assembleia quando decretada a nulidade daquela que aprovara o plano de recuperação e que, consequentemente, implicara a preclusão lógica das objeções suscitadas por alguns credores.
3. No caso concreto, o magistrado, após considerar nula a assembleia geral de credores que aprovara o plano de reestruturação, não procedeu à nova convocação e, de ofício, convolou a recuperação em falência, sem o amparo nas hipóteses taxativas insertas nos incisos I a IV do artigo 73 da Lei 11.101?2005, quais sejam: (i) deliberação da assembleia geral de credores sobre a inviabilidade do soerguimento da sociedade empresária; (ii) inércia do devedor em apresentar o plano de reestruturação no prazo de 60 (sessenta) dias contado da decisão deferitória do processamento da recuperação judicial; (iii) rejeição do plano de recuperação pela assembleia geral de credores, ressalvada a hipótese do cram down (artigo 58, §§ 1º e 2º, da Lei 11.101?2005); e (iv) descumprimento sem justa causa de qualquer obrigação assumida pelo devedor no plano, durante o período de dois anos após a concessão da recuperação judicial.
5. Em vez da convolação da recuperação em falência, cabia ao magistrado submeter, novamente, o plano e o conteúdo das objeções suscitadas por alguns credores à deliberação assemblear, o que poderia ensejar a rejeição do plano ou a ponderação sobre a inviabilidade do soerguimento da atividade empresarial, hipóteses estas autorizadoras da quebra. Ademais, caso constatada a existência de matérias de alta indagação e que reclamem dilação probatória, incumbir-lhe-ia remeter os interessados às vias ordinárias, já que o plano de recuperação fora aprovado sem qualquer impugnação.
6. Recurso especial provido a fim de cassar a decisão de convolação da recuperação judicial em falência e determinar que o magistrado de primeiro grau providencie a convocação de nova assembleia geral de credores, dando-se prosseguimento ao feito, nos termos da Lei 11.101?2005."
(REsp 1.587.559?PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06?04?2017, DJe 22?05?2017 - grifou-se)

Nesse contexto, nada há a reparar no acórdão local, que entendeu pela ausência de legitimidade e interesse dos recorrentes para a interposição do agravo de instrumento de que trata o artigo 59 da Lei nº 11.101?2005 quando a pretensão é exercitar direito de acionista e discutir o conteúdo do plano de recuperação judicial.

3. Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.



PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS - PRETENSÃO DA AUTORA DE EXCLUSIVIDADE DE USO DO NOME "CHANDON" EM QUALQUER ATIVIDADE


RECURSO ESPECIAL Nº 1.209.919 - SC (2010?0168461-7)
RELATOR              :               MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO)
RECORRENTE      :               CHAMPAGNE MOET E CHANDON
ADVOGADO           :               PLÍNIO J AZAMBUJA BUENO E OUTRO(S)
RECORRIDO         :               CHANDON DANCETERIA E BAR LTDA
ADVOGADO           :               ELIAS ARGENTE SILVA E OUTRO(S) - SC007807

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO):

Trata-se de recurso especial interposto por CHAMPAGNE MOET E CHANDON, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS - PRETENSÃO DA AUTORA DE EXCLUSIVIDADE DE USO DO NOME "CHANDON" EM QUALQUER ATIVIDADE - AUSÊNCIA DE REGISTRO COMO MARCA DE ALTO RENOME - IMPOSSIBILIDADE - MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA - PROTEÇÃO RESTRITA AO RESPECTIVO RAMO DE ATIVIDADE - MANUTENÇÃO DO REGISTRO DE MARCA DA RÉ - EXERCÍCIO DE RAMOS DE ATIVIDADES DIVERSOS DAQUELE NOTORIAMENTE CONHECIDO DA AUTORA - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 125 E 126 DA LEI N. 9.279196 E DA CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS - SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO.

1. A proteção de nome comercial enquanto integrante de certa marca encontra previsão como tópico do direito marcário, dentre as vedações ao registro respectivo (arts. 64 e 65, V, da Lei n. 5.772?71). Destarte, e conquanto se objete que tal vedação visa à proteção do nome comercial de per si, o exame de eventual colidência entre marca integrada pelo nome comercial do titular versus marca alheia idêntica ou semelhante posteriormente registrada, não pode ser dirimido apenas com base na anterioridade, subordinando-se, em interpretação sistemática, aos preceitos relativos à reprodução de marcas, consagradores do princípio da especificidade (arts. 59 e 65, XVII, da Lei no 5.772?71). Precedentes.

2. Orientação que se mantém mesmo em face da Convenção da União de Paris, ante a exegese sistemática dos arts. 2º e 8º, não se havendo falar em proteção marcária absoluta tão-só porquanto composta de nome comercial. Precedente.

3. Consoante o princípio da especificidade, o INPI agrupa produtos e serviços em classes e itens, segundo o critério da afinidade, limitando-se, a tutela da marca registrada a produtos e serviços de idênticas classe e item.

4. Apenas em se tratando de marca notória (art. 67, caput, da Lei nº 5.772?71, atual marca "de alto renome", art. 125 da Lei nº 9.279?96), como tal declarada pelo INPI, não se perscrutará acerca de classes no âmbito do embate marcário, porque desfruta tutela especial impeditiva do registro de marcas idênticas ou semelhantes em todas as demais classes e itens. Outrossim, não se confundem as marcas "notória" e "notoriamente conhecida" (art. 60 bis da CUP, atual art. 126 da Lei no 9.279?96), esta, ainda que não registrada no Brasil, gozando de proteção, mas restrita ao respectivo "ramo de atividade"." (REsp 658702?RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini).

PRESCRIÇÃO - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - FATO CAUSADOR DO DANO AFASTADO - SENTENÇA CONFIRMADA - ANÁLISE DA MATÉRIA PREJUDICADA.

Afastada a alegação de agir causador de dano moral, prejudicado resta o exame da pretensão de indenização.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Em suas razões recursais, a ora recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, que o v. acórdão recorrido violou "o art. 8º da Convenção de Paris, que vigora no Brasil em conformidade com o Decreto no 635?92, o art. 462 do CPC, os arts. 124, incisos XV e XIX, 189, inciso I, da Lei no 9.279?96 (Lei da Propriedade Industrial)".

Afirma, para tanto, que:

(I) o nome empresarial é protegido pelo art. 8º da Convenção de Paris "em todos os países signatários da chamada União de Paris, inclusive o Brasil e a França e independentemente de qualquer registro ou formalidade";

(II) o Tribunal de origem não levou em consideração fato novo e relevante, no sentido de que a ora recorrida "não é titular de registro da marca 'CHANDON', mas sim de dois pedidos de registro, de nºs 821796119 e 822135132, que foram arquivados, sendo um deles indeferido (...). O nobre relator (...) interpretou simples pedidos de registro como se fossem registros já concedidos pelo INPI, que vieram, posteriormente, a ser um indeferido e o outro arquivado por falta de cumprimento de exigência, por força de decisões administrativas que ,se tornaram definitivas";

(III) o "art. 124, inciso XV, da Lei no 9.279?96, (...) proíbe o registro de patronímico ou sobrenome como marca, salvo com o consentimento do titular, herdeiros ou sucessores e a fortiori, veda seu uso. É incontroverso, pois a Recorrida não contestou a afirmação feita na inicial pela Recorrente e foi apresentado documento a esse respeito, que um de seus diretores era então, e ainda é, JEAN REMY MARIE RENE CHANDON-MOIÊT, valendo acrescentar que o sobrenome CHANDON remonta ao final do século XVIII, quando um de seus diretores possuía o sobrenome em questão";

(IV) o art. 126, XIX, da Lei 9.279?96 proíbe o registro de marca idêntica ou semelhante à de outrem, devidamente registrada para distinguir produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, de sorte a possibilitar engano ou confusão, e o art. 189, I, da Lei 9.279?96 proíbe o uso de marcas em tais condições, tipificando-o como crime. No entanto, "o acórdão na apelação, confirmado pelo acórdão nos embargos de declaração, afastou a argüição de colidência das marcas das partes litigantes, que são as mesmas ('CHANDON'), à alegação de que os produtos e serviços em jogo pertencem a classes diferentes. Esse posicionamento não encontra amparo na lei atual, que se refere a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, que podem pertencer, ou não, à mesma classe. A lei anterior, de n. 5.772?71, é que limitava a colidência de marcas à mesma classe, tendo deixado de vigorar a partir de 1996! No caso, há afinidade evidente entre os vinhos, inclusive os famosos vinhos espumantes da Recorrente, e os serviços prestados pela Recorrida em seu estabelecimento, que incluem os serviços de alimentação e de bebidas alcoólicas, inclusive vinhos e espumantes", até mesmo a própria Chandon;

(V) "o art. 126 da Lei no 9.279?96 (Lei da Propriedade Industrial), que confere proteção especial à marca notoriamente conhecida, ainda que não registrada no Brasil. Como a marca "CHANDON" da Recorrente está aqui devidamente registrada, o referido dispositivo legal e convencional (art. 60, bis, da Convenção de Paris) deveria ter sido aplicado à espécie";

(VI) na lição do jurista Rudolph Callmann, "existe, além da confusão de origem, o que ele chama confusão de negócios, que pode ocorrer se as partes tiverem atividades não concorrentes (...). Esse tipo de confusão é também denominada por outros juristas 'confusion of sponsorship', isto é, confusão de patrocínio, no sentido de que o público pode pensar que a segunda empresa no tempo é patrocinada pela primeira".

Contrarrazões apresentadas às fls. 401-406 (e-STJ).

Admitido o recurso na origem, subiram os autos.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.209.919 - SC (2010?0168461-7)

VOTO

O SENHOR MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) - RELATOR:

O v. acórdão recorrido decidiu a controvérsia em conformidade com a jurisprudência desta Corte de Justiça, segundo a qual as marcas de alto renome, registradas previamente no INPI como tal, gozam, nos termos do art. 125 da Lei 9.279?96, de proteção em todos os ramos de atividade, enquanto as marcas notoriamente conhecidas gozam de proteção internacional, independentemente de formalização de registro no Brasil, apenas em seu ramo de atividade, consoante dispõem os arts. 126 da referida lei e 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, ratificada pelo Decreto 75.572?75. Neste último, é plenamente aplicável o princípio da especialidade, o qual autoriza a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos.

O aresto proferido pela colenda Terceira Turma bem elucida a questão, in verbis:

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CANCELAMENTO DE REGISTRO DA MARCA "MEGAMASS". RECONHECIMENTO DA NOTORIEDADE DA MARCA ESTRANGEIRA "MEGA MASS". EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. ART. 6º BIS, 1, DA CUP. ART. 126 DA LEI N. 9.279?96.

1. O art. 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, que foi ratificado pelo Decreto n. 75.572?75 e cujo teor foi confirmado pelo art. 126 da Lei n. 9.279?96, confere proteção internacional às marcas notoriamente conhecidas, independentemente de formalização de registro no Brasil, e vedam o registro ou autorizam seu cancelamento, conforme o caso, das marcas que configurem reprodução, imitação ou tradução suscetível de estabelecer confusão entre os consumidores com aquela dotada de notoriedade.

2. Referida proteção não fica restrita aos produtos que sejam registráveis na mesma classe, exigindo-se apenas que sejam integrantes do mesmo ramo de atividade.

3. As marcas notoriamente conhecidas, que gozam da proteção do art. 6º bis, 1, da CUP, constituem exceção ao princípio da territorialidade, isto é, mesmo não registradas no país, impedem o registro de outra marca que a reproduzam em seu ramo de atividade. Além disso, não se confundem com a marca de alto renome, que, fazendo exceção ao princípio da especificidade, impõe o prévio registro e a declaração do INPI de notoriedade e goza de proteção em todos os ramos de atividade, tal como previsto no art. 125 da Lei n. 9.279?96.

4. Quando as instâncias ordinárias, com amplo exame do conjunto fático-probatório, cuja revisão está obstada pela incidência da Súmula n. 7?STJ, concluem que determinada marca estrangeira possui notoriedade reconhecida no ramo de suplementos alimentares em diversos países, não havendo dúvida acerca da possibilidade de provocar confusão nos consumidores, deve, portanto, ser mantido o cancelamento do registro da marca nacional de nome semelhante.

5. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 1.447.352?RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14?06?2016, DJe de 16?06?2016)

Nesse contexto, "a finalidade da proteção ao uso das marcas - garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da CF?88 e regulamentada pelo art. 129 da LPI - é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art.4º, VI, do CDC)" (REsp 1.105.422?MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10?05?2011, DJe de 18?05?2011)

Com efeito, o aludido princípio da especialidade visa a evitar a confusão no mercado de consumo do produto ou serviço prestado por duas ou mais marcas, de modo que, para tanto, deve ser levado em consideração o consumidor sob a perspectiva do homem médio.

A propósito:

DIREITO MARCÁRIO. RECUSO ESPECIAL. DISCUSSÃO ACERCA DA COLIDÊNCIA DE MARCAS. PROTEÇÃO ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE AFINIDADE OU IDENTIDADE DO SEGMENTO MERCADOLÓGICO. SÚMULA 7?STJ.
PÚBLICO-ALVO A QUEM SE DESTINA OS PRODUTOS OU SERVIÇOS. ANÁLISE SOB A ÓTICA DO CONSUMIDOR COMUM. REGRA. POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO DO CONSUMIDOR. MANUAL DE MARCAS DO INPI. CASO CONCRETO QUE PODE PROVOCAR CONFUSÃO OU ASSOCIAÇÃO INDEVIDA. AUTUAÇÃO EM MERCADOS AFINS. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A propriedade de marcas tem proteção assegurada pela Constituição da República (art. 5º, XXIX), sendo importante instrumento de interesse social e de desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

2. A revisão do acórdão recorrido sobre a identidade ou afinidade do segmento mercadológico das marcas demandaria a alteração das premissas fático-probatórias, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 7 do STJ.

3. A mera diferença no código de especificação do produto ou serviço, de acordo com a Classe Internacional adotada pelo INPI, não é suficiente para se chegar à conclusão sobre a relação de existência de afinidade, razão pela qual deve ser verificado o risco de confusão no mercado consumidor (REsp 1.340.933?SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10?3?2015, DJe 17?3?2015).

4. A questão acerca da confusão ou associação de marcas deve ser analisada, em regra, sob a perspectiva do homem médio (homus medius), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas integrantes da sociedade.

5. Em casos bem específicos, pode ser invocada a qualificação do público-alvo, para verificar a possibilidade, ou não, de coexistência de marcas.

6. Ainda que se trate de consumidores especializados, o âmbito de atuação das marcas não podem estar inserido em mercado que guarda ampla similitude ou afinidade, sob pena de provocar confusão ou associação indevida de marcas.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1.342.741?RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05?05?2016, DJe de 22?06?2016)

No caso dos autos, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina assim dirimiu a controvérsia trazida nos autos:

Por outro lado, constato dos autos que a Apelante, em 31.10.2000, pelo certificado de registro de marca n.º 820883662, obteve a concessão do registro da palavra "CHANDON", na classe "33" - vinhos, espumantes, bebidas destiladas ou aguardentes e licores, de apresentação?natureza "nominativa de produtos" (fl. 33).

Já a empresa Apelada, em 17.11.1999, obteve o registro da marca "CHANDON", de apresentação?natureza "mista de serviço", sob n.° 821796119, na classe "41.20" - negócio de danceteria (fl. 116).

Posteriormente, foi concedido novo registro da marca "CHANDON" à Apelada, agora em 06.04.2000, sob n.° 822135132, na classe "42" - "4.1.2; 27.5.1" - serviços de hotéis, saunas, massagens, alojamento, sanatórios, restaurantes, cantinas, serviços de agência de viagem ou de intermediários que asseguram reservas de hotéis e relatórios" (fl. 126).

Segundo orientação do Eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, JORGE SCARTEZZINI, inferem-se "dois princípios básicos do direito nacional marcário: 1) territorialidade, pelo qual, ainda que se explore determinada marca apenas em certo município ou região, uma vez registrada pelo INPI, a proteção incidirá contra o uso de terceiros, para produtos idênticos ou análogos, em todo o território pátrio; e 2) especialidade, especificidade ou novidade relativa, pelo qual a proteção da marca, salvo quando declarada "notória" pelo IN PI (atualmente, de "alto renome"), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço indicado quando do requerimento do registro. Assim, para facilitar o registro de marcas, definindo o âmbito da proteção a ser deferida, o INPI agrupa os produtos ou serviços em classes e itens, nos termos do Ato Normativo n° 51?81, segundo o critério da afinidade , de modo que a tutela da marca registrada é limitada aos produtos e serviços de idênticas classe e item.

Ainda, como o princípio da especialidade é corolário da necessidade de se evitar erro ou confusão entre os usuários de certos produtos ou serviços, cuida-se de um preceito relativo, admitindo-se, para atingir tal intuito, que a análise quanto á reprodução de marca alheia, seja parcial, total ou acrescida de palavras, estenda-se ao ramo de atividade desenvolvida pelos seus titulares (art. 65, XVII, da Lei n° 5.772?71). Ou seja, de qualquer forma, alegada a colidência marcária, é imprescindível que se perquira acerca das classes em que deferidos os registros pelo INPI, ou, ainda, acerca das atividades sociais desenvolvidas pelos titulares das marcas em conflito" (REsp 658702 ? RJ, j em 29?06?2006, DJ 21?08?2006 p. 254, grifei).

Observado o princípio da especialidade, constato que a Apelante desenvolve atividade relativa a produtos do ramo de bebidas (champagne, vinhos etc.), enquanto a Apelada está no ramo de danceteria, restaurantes e outros serviços, ou seja, desenvolvem atividades distintas e seus produtos são de classes diversas, dirigidos a públicos diferentes, o que impossibilitaria a alegada confusão.

(...)

Assim, "o direito de exclusividade de uso de marca, decorrente do seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual é deferido, não sendo possível a sua irradiação para outras classes de atividades." (RESP 142.954?SP, Relator Ministro Barros Monteiro, j em 21.09.1999, DJ 13?12?1999 p. 150).

Ademais, a simples venda de bebidas (inclusive da champagne da Autora!) no estabelecimento comercial da Apelada, não leva o consumidor a confundir as atividades dos litigantes - danceteria e produtora de vinhos e espumantes -, incorrendo, portanto, na impossibilidade de acolher a pretensão da Apelante no tocante ã caracterização da concorrência desleal, com a condenação da Apelada no pagamento de indenização.

No que tange a utilização da palavra "CHANDON" como referência ao patronímico de um dos seus sócios, tal circunstância "não altera o princípio maior da proteção ao nome comercial, subordinado ao princípio da anterioridade,..." (Resp 106763?SP, Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j em 19?09?2002, DJ 11?11?2002 p. 212, RDR vol. 33 p. 338).

No caso em comento, é sabido que a marca da champagne "MOÈT & CHANDON" é mundialmente conhecida, sendo, portanto, pouco provável que as empresas do ramo de bebidas?vinhos?vinhos espumantes, desconheçam a existência dessa marca.

Porém, tanto a marca "MÕET & CHANDON", como o patronímico "CHANDON" não foram registradas como marca de "alto renome", tendo sido, tão-só relativamente ao ramo pelo qual é notoriamente conhecida, ou seja, bebidas?vinhos?vinhos espumantes.

Já o registro da marca "CHANDON", efetivada pela empresa Apelada, está relacionado a outros segmentos de mercado, o que somente poderiam ser abrangidos por vedação de uso do nome, pelo registro impeditivo de "alto renome"..

E assim não tendo sido efetivado, a marca, ainda que notoriamente conhecida, mesmo que não fosse registrada, só vedaria o registro por terceiros, no ramo de atividade específico da Autora, repiso, bebidas?vinhos?vinhos espumantes.

(...)

Por outro lado, no que tange a alegação da Apelante de que a mesma teria tido sua imagem denegrida, "pelo fato de oferecer a Apelada, em seu cardápio (no qual aparece, com destaque, a palavra CHANDON), produtos de "sex shop"' (fl. 222), convém esclarecer que existe uma distinção importante entre notoriedade e reputação, qual seja, "a notoriedade diz respeito,..., ao conhecimento por um determinado número de consumidores. Já na reputação, além do conhecimento dos consumidores, da notoriedade que lhe é pressuposta, há transmissão de valores. Valores, geralmente advindos da qualidade do produto, que conferem à marca fama, celebridade, renome, prestígio. A transmissão dos valores é tão intensa no caso da reputação que não só indicam o valor dos produtos e serviços fornecidos pelo titular, mas transportam esse valores para qualquer outro produto ou serviço que seja assinalado por essa marca" (MAITÊ CECÍLIA FABBRI MORO. op. cit., p. 85-86).

A simples revenda da espumante fabricada pela Autora, no cardápio da empresa Apelada, na qual aparece a palavra "CHANDON", em nada afeta sua reputação ou imagem, pois a distinção dos produtos fornecidos no referido documento permitem ao consumidor, independentemente do grau de instrução, distinguir, de imediato, o produto e serviço por ela identificado.

Constam, ainda, da r. sentença os seguintes detalhes:

A autora explora a produção e venda de bebidas alcoólicas, em especial a de vinhos e vinhos espumantes (champagne), sendo que a ré tem como principal atividade a exploração de danceteria, aliada a venda de serviços e produtos, e nesses bebidas alcóolicas, inclusive a champagne CHANDON, de produção da autora. (fl. 241, e-STJ)
(...)
Ressalte-se ainda, que verifica-se dos documentos (fotografias) de fls. 92?94, juntados pela autora, que a grafia palavra Chandon na placa da fachada da ré é totalmente diversa da grafia da palavra CHANDON da autora (fts.90?91), sendo que aquelas (placas publicitárias) ainda trazem desenhos de anjos, o que não acontece com a marca da autora. Isso, por si só, já diferencia os produtos e a marca. (fls. 244-245, e-STJ)

Com essas considerações, infere-se que o uso das duas marcas não é capaz de gerar confusão aos consumidores, assim considerando o homem médio, mormente em razão da clara distinção entre as atividades realizadas por cada uma delas. Não há risco, de fato, de que o consumidor possa ser levado a pensar que a danceteria seria de propriedade (ou franqueada) da MOET CHÂNDON francesa, proprietária do famoso champanhe.

Por essa razão, não se tratando a recorrente de marca de alto renome, mas de marca notoriamente conhecida e, portanto, protegida apenas no seu mesmo ramo de atividade, não há como alterar as conclusões constantes do acórdão recorrido.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

Documento: 80964792           RELATÓRIO E VOTO