Khalil Nicolau
O que é estelionato?
o
Art. 171 - Obter,
para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos,
e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
§ 2º - Nas
mesmas penas incorre quem:
VI -
emite cheque, sem suficiente provisão de
fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
O que é cheque pós-datado?
o
o cheque pós-datado nada mais é do que a garantia de uma promessa de pagamento.
Mas pode ser estelionato!
o
o cheque é, por
sua natureza, uma ordem de pagamento à vista, emitida pelo sacador em favor
dele próprio ou de terceiro, contra determinado banco (sacado). Todavia, quando
se emite, de boa fé, um cheque “pré”, corresponde ele a uma promessa de
pagamento, uma garantia inclusive exigível (via execução) de uma dívida
contraida.
Cheque pós-datado é estelionato?
PODE SER ESTELIONATO. VEJAMOS:
o
“o
legislador tipificou a fraude no pagamento por meio de cheque como estelionato
especial”. Sim, fato (Art. 171 §2º inc. IV).
§
“o DOLO
do crime é a vontade de emitir o
cheque que sabe sem fundos em poder do sacado ou de frustrar injustamente o pagamento do título”
o
Quanto ao art.
171 §2º inc. IV, a jurisprudência
construiu o entendimento de que não se configura este tipo penal quando a
frustração é de uma promessa de pagamento.
o
É importante observar que a falta de provisão de
fundos de um cheque pode derivar de diversas situações, algumas delas inclusive
fortuitas. Assim, em princípio, um cheque sem fundos não enseja nada além da
devida reparação civil do lesado.
JURISPRUDÊNCIAS NO SENTIDO DE QUE NÃO É ESTELIONATO:
APELAÇÃO
CRIMINAL MINISTERIAL. ESTELIONATO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. CHEQUE PÓS-DATADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROMESSA DE
PAGAMENTO FRUSTRADA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso ministerial desprovido. (Apelação Crime
Nº 70049026610, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João
Batista Marques Tovo, Julgado em 28/06/2012) (TJ-RS - ACR: 70049026610 RS ,
Relator: João Batista Marques Tovo, Data de Julgamento: 28/06/2012, Sexta
Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/07/2012)
Ø INTEIRO TEOR:
O
réu Daniel Rodrigues, tanto na fase policial (fl. 12)
como na judicial (fls. 169/170),
admitiu ter repassado o cheque à
vítima, pré-datado para quinze dias, como pagamento de uma assadeira; todavia, disse tê-la comprado para um
amigo chamado João Nelson, que
se comprometeu em efetuar o depósito do valor correspondente no prazo
mencionado, o que, no entanto, não foi feito e, em razão disso, o seu cheque
“voltou”. Informou não ser
verdadeira a alegação da vítima de que teria ido no estabelecimento dela
diversas vezes, aduzindo que fora somente no dia em que comprou a assadeira.
Por fim, acrescentou que pedira para João Nelson depositar o valor da assadeira
para poder resgatar seu cheque, mas ele disse que não o faria porque o objeto
tinha dado problema.
Por outro lado, a vítima Gilberto Pumpmacher (fls.
142/144 e versos), apesar de algumas divergências, ratificou seu depoimento
policial (fl. 12), ao afirmar que o réu teria comparecido no seu
estabelecimento comercial numa primeira oportunidade, sozinho, e negociado uma
assadeira de frango, e em outra voltado com um caminhoneiro para pegá-la,
pagando por ela com cheque sem fundos. Confirmou ter sido o cheque pré-datado
pelo prazo de quinze dias, tanto que, quando foi resgatá-lo, não conseguiu.
Acrescentou que depois desse episódio não mais conseguiu contato com o acusado,
tampouco teve êxito na recuperação da assadeira ou do valor correspondente a
ela.
Este
é o contexto probatório de onde deverá ser extraída a solução para o caso
concreto, antecipando-se desde logo que o veredicto é absolutório.
(...)
Diante do que foi colhido nos autos, não
ficou demonstrado que tenha o réu Daniel agido com o tipo subjetivo do crime de
estelionato, isto é, em momento algum obrou com dolo para obter vantagem
ilícita
(...)
o
crime de estelionato deixou de se caracterizar no momento em que “a emissão do
cheque pré-datado como promessa de pagamento e não como ordem de pagamento à
vista” (TJDF: RT 788/640), ou
seja, “não sendo o cheque dado de acordo com sua natureza
específica, isto é, como pagamento à vista, e sim como garantia da dívida, não
há falar em fraude no pagamento por meio de cheque. Impõe-se
como garantia de dívida preexistente, não obtém o agente vantagem
alguma em dar o cheque à vítima, a qual de resto, fica amparada em documento
hábil para a cobrança de seu crédito
(...)
Qual
vem a ser a vantagem indevida na frustração da promessa de pagamento? Seria
simplesmente o valor do crédito frustrado? Se assim for entendido, todos os
inadimplementos contratuais com expressão econômica são potencialmente ilícitos
penais, além de ilícitos
civis, pois produzem uma vantagem indevida. Então, a frustração de promessa de
pagamento não é suficiente para configurar o crime de estelionato, mesmo em seu
tipo fundamental.”
APELAÇÃO CRIME. ESTELIONATO. PAGAMENTO COM CHEQUES PÓS
-DATADOS. O pagamento com cheque pós-datado desconfigura a fraude criminal,
uma vez que cheque com data futura tem
o significado de promessa de pagamento. A frustração deste pagamento poderá ser objeto de demanda cível. Além
disso, não restou comprovado nos autos o dolo do réu.
Imperativa a absolvição, com fundamento no art. 386, VII, do CPP. APELO PROVIDO. (Apelação Crime Nº
70036257558, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos
Alberto Etcheverry, Julgado em 28/04/2011) (TJ-RS - ACR: 70036257558 RS , Relator:
Carlos Alberto Etcheverry, Data de Julgamento: 28/04/2011, Sétima Câmara
Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/05/2011)
ESTELIONATO. CHEQUE PÓS-DATADO.
ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA POR ATIPICIDADE
DA CONDUTA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Embora
o cheque seja pagamento à vista sua emissão como promessa de pagamento futuro
afasta a incidência do crime de estelionato,
quer na modalidade geral, quer na específica, tipificadas, respectivamente, no
art. 171, cabeça, e em seu § 2º, do Código Penal, porquanto, nesse
caso, passa a constituir garantia de dívida e o inadimplemento no prazo
estabelecido caracteriza ilícito civil e não penal. Recurso
não provido. (TJ-PR 7859938 PR 785993-8 (Acórdão), Relator: Luiz Cezar Nicolau,
Data de Julgamento: 12/07/2012, 4ª Câmara Criminal)
RELATIVIZAÇÃO
RECURSO
ESPECIAL. CRIME DE ESTELIONATO. CONTRATO
DE COMPRA E VENDA. PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE
PÓS-DATADO E NOTAS PROMISSÓRIAS. AUSÊNCIA DE ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA.
PROMESSA DE FUTURO PAGAMENTO. DESCARACTERIZAÇÃO DO ESTELIONATO. JURISPRUDÊNCIA
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ENTENDIMENTO QUE PODE SER AFASTADO. PARTICULARIDADES
DO CASO CONCRETO. NECESSIDADE
DE ANÁLISE INDIVIDUALIZADA. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS TÍPICOS.
AUSÊNCIA. REJEIÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 395, I, DO CPP. 1. O Superior Tribunal
de Justiça firmou entendimento no sentido de que a frustração no pagamento de
cheque pós-datado e de nota promissória não caracteriza o crime de estelionato,
em virtude de não se tratar de ordem de pagamento à vista, mas apenas de
promessa de pagamento futuro. No entanto, o simples fato de
ser ou não cheque pós-datado/nota promissória não elide peremptoriamente a
tipicidade criminal, devendo cada caso ser analisado de acordo com suas
particularidades.
2. Nos termos do art. 41 do Código
de Processo Penal, a denúncia deverá conter a descrição do fato criminoso com
todas as suas circunstâncias, sob pena de rejeição, nos termos do art. 395 do
mesmo diploma normativo. 3. Em se tratando de imputação do
crime de estelionato, é necessário que a denúncia descreva: a) qual a fraude,
ardil ou artifício empregado pelo agente; b) a vantagem indevida obtida pelo
autor; c) a forma pela qual a vítima foi induzida ou mantida em erro; e d) qual
o erro a que foi induzido ou mantido o ofendido. 4. Não se verificando na denúncia a descrição
fática do ardil empregado pela recorrida, a forma pela qual a vítima foi
induzida a erro e qual seria esse erro, bem como a indicação de elementos
mínimos que possibilitem aferir a intenção da agente em fraudar o pagamento dos
títulos de crédito - quando da celebração do negócio jurídico -, correta a decisão
que rejeita a denúncia nos termos do art. 395, I, do CPP. 5. Recurso especial a
que se nega provimento. (STJ - REsp: 1098792 RS 2008/0237934-6, Relator:
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 03/09/2013, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 09/09/2013)
CURIOSIDADES
O credor que saca cheque
pós-datado “antes da hora” pode ser vítima de ação de danos morais!
RESPONSABILIDADE
CIVIL. DANO MORAL. APRESENTAÇÃO
ANTECIPADA DE CHEQUE PÓS-DATADO. INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE EMITENTES DE CHEQUES
SEM FUNDOS (CCF). DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR
RECONHECIDO. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE PARA AUTORIZAR O JULGAMENTO ANTECIPADO
DA LIDE. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. EXEGESE DO ART. 330,I, DO CPC.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "Constantes dos autos
elementos de prova documental suficientes para formar o convencimento do
julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a
controvérsia." (STJ-4ª Turma, AG. 14.952-DF-AgRg, Min. Sálvio de Figueiredo,
DJU 3.2.92). A teor do enunciado na Súmula 370
do Superior Tribunal de Justiça "caracteriza dano moral a apresentação
antecipada de cheque pré-datado", mormente se do ato ilícito resulta em
inscrição no cadastro de emitentes de cheques sem fundos. "Na
concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a
responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de
modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto." (STJ,
Resp n. 173.124-0/RS, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 19.11.2001). (TJ-SC -
AC: 197102 SC 2005.019710-2, Relator: Carlos Adilson Silva, Data de Julgamento:
13/10/2009, Primeira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação
Cível n. , de Tangará)
ATENÇÃO: O HC não é a via processual
adequada para se insurgir contra decisão que define a emissão de cheque
pós-datado como estelionato!!!
PROCESSUAL
PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
ESTELIONATO. CHEQUES PÓS-DATADOS. DEVOLUÇÕES. SUSTAÇÕES E FALTA DE PROVISÃO DE
FUNDOS. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA. AFERIÇÃO.
ATIPICIDADE. REVOLVIMENTO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.
RECURSO DESPROVIDO.
1. Em sucinta mas adequada análise, o magistrado singular mencionou que a
suposta atipicidade da conduta não se depreende com a clarividência necessária,
sem o regular trâmite processual. 2. Na espécie, foram emitidos
três cheques pós-datados para garantir o pagamento de acordo celebrado diante
do inadimplemento de contrato locatício, sendo que dois foram devolvidos por
contraordem - sustação - e o terceiro por falta de fundos. 3. A alegação de
agir atípico, consubstanciada na ausência de dolo, não relevada, primo oculi,
demanda inexoravelmente revolvimento de matéria fático-probatória, não
condizente com a via angusta do writ, devendo, pois, ser avaliada pelo Juízo a
quo por ocasião da prolação da sentença, após a devida e regular instrução
criminal, sob o crivo do contraditório. 4. Recurso a que
se nega provimento. (STJ - RHC: 28066 BA 2010/0070208-0, Relator: Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 15/08/2013, T6 - SEXTA TURMA,
Data de Publicação: DJe 26/08/2013)
PROCESSUAL
PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO.
CHEQUE. PÓS-DATADO OUPRÉ-DATADO. DUAS DEVOLUÇÕES. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS E
SUSTAÇÃO.AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FALTA
DE JUSTA CAUSA. AFERIÇÃO. MATÉRIAIMPRÓPRIA À VIA ELEITA.
1 - Em que pese a jurisprudência aceitar a tese da falta de justacausa, para
trancar a ação penal por estelionato, quando o cheque épós-datado ou, no jargão
popular, pré-datado, a espécie guarda peculiaridades que afasta essa premissa.
2 - Na espécie a devolução do cheque ocorreu
duas vezes, a primeirapor falta de fundos e, a segunda, por contraordem
(sustação), defendida na impetração como consequências de um contrato firmado
entre o paciente e a vítima, cujas bases previam o pagamento sob condição, cujo
implemento não se operou. 3 - Não foram
juntadas provas pré-constituídas que possam possibilitar a aferição desta tese,
estando mal instruído o habeas corpus. 4 - Súplica que, de resto, demanda
revolvimento fático-probatório não condizente com a via angusta do habeas
corpus, pois, conforme corrente doutrinária e jurisprudencial majoritária,
somente se justifica a interrupção, desde logo, da marcha processual quando perceptível,
primo ictu oculi, a falta de justa causa para apersecutio criminis, evidenciada
pela simples enunciação dos fatos ademonstrar a ausência de mínimo suporte
fático que dê base àacusação. 5 - Ordem denegada. (STJ - HC: 127470 MG
2009/0018124-7, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de
Julgamento: 12/06/2012, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2012)
Existe um “cadastro de emitentes
de cheques sem fundos” (ccf):
o
É
um cadastro que possui dados dos emitentes de cheques sem fundos, operacionalizado pelo Banco do Brasil.