A questão é relevante no caso concreto, pois restou incontroverso, desde a petição inicial, que o veículo foi furtado, durante a madrugada, em posto de gasolina, pois o segurado teria deixado as portas abertas e a chave na ignição (fl. 256).
A discussão é se essa conduta do segurado pode ser considerada como um agravamento intencional do risco objeto do contrato de seguro.
O acórdão recorrido não reconheceu a ocorrência de agravamento intencional, pois era costume do autor e outros clientes deixarem a chave na ignição enquanto estavam no posto de gasolina.
Com a devida vênia, tenho que, no presente caso, se mostra inequívoco o "voluntário e consciente" agravamento do risco do objeto do contrato, que foi determinante para a subtração do veículo.
Ressalte-se que o furto ocorreu às duas horas da madrugada, deixando-se o veículo com as portas abertas e a chave na ignição, não se podendo conceber que tal conduta possa ser qualificada como mero descuido do segurado.
Pelo contrário, essa conduta voluntária do segurado ultrapassa os limites da culpa grave, incluindo-se nas hipóteses de agravamento do risco na linha dos precedentes desta Corte, determinando o afastamento da cobertura securitária.
Nesse sentido:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE SEGURO. CULPA IN VIGILANDO. APOSSAMENTO DO BEM POR EMPREGADO INABILITADO. AGRAVAMENTO DO RISCO PELO SEGURADO. DEVER DE INDENIZAR. AUSÊNCIA.
1. Ação de cobrança distribuída em 06.12.2006, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 10.10.2013.
2. Cinge-se a controvérsia em definir se a culpa in vigilando da empresa, ao não evitar que empregado inabilitado para dirigir se aposse do bem segurado, afasta a cobertura securitária.
3. À vista dos princípios da eticidade, da boa-fé e da proteção da confiança, o agravamento do risco decorrente da culpa in vigilando da empresa, ao não evitar que empregado não habilitado se apossasse do veículo, tem como consequência a exclusão da cobertura, haja vista que o apossamento proveio de culpa grave do segurado.
4. Recurso especial não provido. (REsp 1.412.816?SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15?05?2014, DJe 30?05?2014)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. SEGURO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ DE TERCEIRO CONDUTOR. FATO NÃO IMPUTÁVEL À CONDUTA DO SEGURADO. EXCLUSÃO DA COBERTURA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Para a recusa de pagamento de indenização securitária, o agravamento do risco deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado. A presunção de que o segurado tem por obrigação não permitir que o veículo seja conduzido por pessoa em estado de embriaguez é válida até a efetiva entrega do veículo a terceiro.
2. Condições e valores de pagamento estipulados no contrato de seguro deverão ser analisados pelo magistrado de primeira instância.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no REsp 1.341.392?SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20?06?2013, DJe 01?07?2013)
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. ACIDENTE PESSOAL. ESTADO DE EMBRIAGUEZ. FALECIMENTO DO SEGURADO. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. IMPOSSIBILIDADE DE ELISÃO. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO-COMPROVADO. PROVA DO TEOR ALCOÓLICO E SINISTRO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. CLÁUSULA LIBERATÓRIA DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ARTS. 1.454 E 1.456 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.
1. A simples relação entre o estado de embriaguez e a queda fatal, como única forma razoável de explicar o evento, não se mostra, por si só, suficiente para elidir a responsabilidade da seguradora, com a consequente exoneração de pagamento da indenização prevista no contrato.
2. A legitimidade de recusa ao pagamento do seguro requer a comprovação de que houve voluntário e consciente agravamento do risco por parte do segurado, revestindo-se seu ato condição determinante na configuração do sinistro, para efeito de dar ensejo à perda da cobertura securitária, porquanto não basta a presença de ajuste contratual prevendo que a embriaguez exclui a cobertura do seguro. (...) (REsp 780.757?SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 01?12?2009, DJe 14?12?2009)
Pontes de Miranda, ao analisar a questão sob a égide do art. 1.454 do Código Civil de 1916, asseverava que:
Diz o Código Civil, art. 1.454: "Enquanto vigorar o contrato, o segurado abster-se-á de tudo o quanto possa aumentar os riscos ou seja contrarário aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro". A pena é justificada pelo fato de ter sido o próprio interessado quem transforma 'in peius' a situação de fato, que foi apreciada pelo segurador ao ter de aceitar a oferta do contrato de seguro. Para que haja a pena, é preciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao tempo da aceitação existisse o risco agravado, não teria aceito a oferta, ou teria exigido prêmio maior. (DE MIRANDA, PONTES. Tratado de Direito Privado - Tomo XLV. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 487)
Sobre o agravamento do risco nos contratos de seguro, Voltaire Marensi refere o seguinte:
Data venia, refletindo melhor sobre o caso ora ventilado, entendo que a agravação dos riscos é efetivamente de ordem subjetiva, notadamente levando-se em consideração o art. 768 do Código Civil de 2002, mas que, também, obedece a parâmetros de ordem econômico-estrutural. Com ensinanças nos mestres estrangeiros, particularmente em Garrigues, J. Contrato de Seguro Terrestre, Madrid, 1982, a seguradora não responde, propriamente, pelo risco em si causado pelo segurado, a não ser nos casos de seguro de responsabilidade civil, no qual ela, seguradora, obriga-se a reembolsar as despesas que seu segurado, por ato culposo, tenha lesado terceiro. (MARENSI, Voltaire. O seguro no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 18).
Por fim, Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel, ao analisarem o art. 768 do Código Civil, corroboram o entendimento aqui sustentado, verbis:
Agravar o risco equivale a aumentar a probabilidade de ocorrência da lesão ao interesse garantido, ou a severidade dessa lesão.
(...)
Como já afirmado, o novo Código, no seu art. 757, adotou orientação bastante diversa, mais correta e mais moderna, isto é, a prestação da seguradora é a garantia do interesse legítimo exposto a risco.
Há retidão conceitual na norma. Quando durante a execução do contrato celebrado o segurado agrava intencionalmente o risco, o comportamento revela o perecimento do interesse legítimo, objeto do contrato. Afinal, para que seja legítimo o interesse garantido é imprescindível que o segurado deseje preservar o status quo e não queira, nem lhe seja vantajosa, a realização do risco.
(...)
É necessário diferenciar a intenção de agravar o risco da prática intencional de ato que leva despercebidamente a essa agravação. Neste último caso, a solução dependerá da gravidade ou intensidade dos efeitos gravosos do comportamento. Comportando-se o segurado de maneira que a realização do risco ou aumento da intensidade dos seus efeitos se torne previsível, é de se aplicar a regra da caducidade. (in o Contrato de Seguro. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 80-81)
Finalmente, a interpretação do enunciado normativo do art. 768 do Código Civil deve ser feita à luz do princípio da boa-fé objetiva, que constitui um dos pilares do Direito do Seguro.
Aliás, no Código Civil de 1916, a regra do art. 1443 ("O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes"), reproduzida, com pequenas alterações, pelo art. 765 do atual CC, era o único momento em que se fazia referência expressa ao princípio da boa-fé objetiva.
Essa disposição legal está atualmente redigida nos seguintes termos:
Art. 765 - O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
Extrai-se desse enunciado normativo que a boa-fé é uma estrada de duas mãos, aplicando-se tanto ao segurador, como ao segurado, que devem manter uma conduta pautada por seus ditames (lealdade, honestidade, probidade) desde a celebração do contrato de seguro, mantendo-se ao longo da execução da relação obrigacional dele nascida, conforme também estatuído no art. 422 do CC.
Portanto, merece provimento ao recurso especial, reconhecendo-se a ocorrência de violação ao art. 768 do Código Civil pelo acórdão recorrido e julgando-se improcedente a demanda.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial para julgar improcedente a demanda, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00.
É o voto.
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