terça-feira, 7 de julho de 2015

LICITAÇÃO - IDONEIDADE FINANCEIRA DE LICITANTE IMPUGNADA

ADMINISTRATIVO - LICITAÇÃO - IDONEIDADE FINANCEIRA DE LICITANTE IMPUGNADA - RECURSO ADMINISTRATIVO PENDENTE - 1. A fase inicial da licitação, consubstanciada na habilitação das concorrentes, sofreu impugnação com a interposição de três recursos administrativos, não examinados. 2. Procedimento licitatório que, em continuidade, seguiu os seus trâmites até a abertura das propostas, sem solucionar o recurso administrativo pendente. 3. Afasta-se a tese da prescrição porque o termo inicial só passa a fluir da data do julgamento do recurso que impugnou ato pretérito. 4. Na apuração do capital social de uma empresa em licitação, considera-se inclusive o capital a ser integralizado, porque figura os créditos da sociedade como ativo. 5. Entretanto, se a parte integralizada do contrato não atende ao mínimo exigido no edital, considera-se a empresa, financeiramente, inidônea. 6. Situação da empresa apelante que, de um capital de R$ 250.000,00 (duzentos e cinzenta mil reais), só tinha como capital integralizado R$ 2.000,00 (dois mil reais), em desobediência ao mínimo exigido, 10% (dez por cento). 7. Segurança concedida. (STJ - MS 12.592/DF - (2007/0017424-7) - 1ª S. - Relª Min. Eliana Calmon - DJU 10.09.2007 )RJ22-2007-C1
Comentário Editorial Síntese

Comentário
O caso em tela é um mandado de segurança com pedido de liminar impetrado por uma empresa de telecomunicações contra ato do Ministro de Estado das Comunicações, que homologara as adjudicações de propostas da Comissão de Licitação, declarando uma outra empresa, concorrente da impetrante, vencedora do certame que participara.
Com a impetração, pretendeu a autora excluir a empresa vencedora do certame, com a anulação parcial do processo licitatório, a partir da sua habilitação, mantendo-se a licitação até a escolha de um novo vencedor, e a concessão da liminar para a imediata paralisação do certame.
De acordo com a exordial, na esfera administrativa concorreu a impetrante com a empresa vencedora e mais uma empresa na licitação para exploração dos serviços de radiodifusão sonora em freqüência modulada nas cidades de Taubaté e Guarujá, do Estado de São Paulo.
No processo licitatório, insurgiram-se as duas empresas vencidas contra a decisão que considerou habilitada a empresa vencedora, por entenderem faltar a ela idoneidade financeira e técnica. Ingressaram com recurso administrativo, sem sucesso, porque foi o pleito improvido. A licitação continuou e, ao final, logrou vencer a proposta da empresa impugnada, entendendo o Judiciário superada a fase antecedente, porque decorridos mais de cinco anos da decisão que considerou idônea a habilitação da empresa vencedora.
Alegou a impetrante ser ilegal o ato ministerial que chancelou tal entendimento, por entender que o ato aqui impugnado fere os princípios da vinculação ao instrumento convocatório e ao julgamento objetivo, ignorados no recurso administrativo, sendo absurdo falar-se em prescrição de processo licitatório ainda em tramitação, sendo certo que em um procedimento de licitação a determinação dos prazos para impugnações, interposições de recursos, representações e reconsiderações, está na lei.
Após a concessão da liminar, a autoridade impetrada prestou informações, alegando, em preliminar, a impropriedade da via eleita, a qual exige prova pré-constituída, e, no mérito, explicou que a administração considerou compatível com a exigência editalícia o capital social da empresa vencedora, computando a parte passível de integralização, à cargo de um dos sócios, na medida em que tal crédito compõe o ativo da empresa.
Argumentou que deixou de atender ao parecer da Consultoria Jurídica do Ministério, o qual opinou pela anulação da habilitação da empresa, porque o ato de habilitação ocorrera em 03.09.2001, sendo impossível alterar-se o ato após cinco anos, por estar consolidada a habilitação, por força do decurso do tempo.
Invocando o princípio da autotutela administrativa, conclui pela consolidação do ato impugnado, por força da prescrição.
Citada a empresa vencedora do certame, na qualidade de litisconsorte necessária, contestou, alegando, nas preliminares, a falta de interesse juridicamente protegido da impetrante; a inadequação da via eleita, à míngua de direito líquido e certo; e a incidência da prescrição, nos termos do art. 43, § 5º, da Lei nº 8.666/1993 , porque a habilitação da contestante foi impugnada, na ocasião oportuna, por 3 (três) empresas participantes do certame, sendo negado provimento aos três recursos na esfera administrativa, não sendo possível desabilitar um concorrente quando ultrapassada a fase de habilitação; e, no mérito, refuta com veemência a alegação de não atender, a empresa contestante, o requisito de idoneidade financeira, porque a não-integralização do capital social não é motivo para que se exclua uma empresa do processo licitatório, sendo exigência estranha à Lei nº 8.666/1993.
No decorrer do processo, a impetrante informou nos autos, por meio de petição, que o Tribunal de Contas da União, por decisão plenária, concedeu medida cautelar ordenando ao Ministério das Comunicações se abstivesse de expedir as portarias de outorga de permissão de exploração do Serviço de Radiodifusão Sonora em Freqüência, para as localidades de Taubaté e Guarujá, à empresa vencedora desse certame.
Manifestou-se o Ministério Público Federal pela concessão da segurança, considerando não ser possível computar, na avaliação da capacidade econômica de uma empresa, capital social a ser integralizado no futuro pelos próprios sócios; e que, se há recurso administrativo contra a habilitação, o prazo de prescrição só tem início a partir da intimação do julgamento do recurso.
Ao analisar a questão, a Ministra Relatora não conheceu das preliminares, alegadas, e não acatou a alegação de prescrição, defendida pela autoridade coatora e defendida na peça contestatória da litisconsorte.
Para melhor compreensão do posicionamento da Relatora, trazemos à baila alguns trechos do seu voto:
"A concorrência pública é constituída de um processo administrativo complexo que tem início com a publicação do edital e termina com a adjudicação da obra, etapa na qual é entregue ao vencedor do certame a obra ou o serviço licitado. Cada etapa constituiu-se em ato autônomo e que pode sofrer impugnação pelos interessados, impugnação que segue a tramitação de um procedimento, findo com o julgamento final da autoridade administrativa.
Se um ato do processo licitatório é impugnado, mesmo não havendo efeito suspensivo, o que propicia a continuidade do processo, enquanto não decidido por inteiro, com o julgamento final da impugnação não há preclusão ou prescrição, eis que o termo inicial da extinção é a decisão administrativa final do recurso.
Na hipótese, o prazo prescricional só teve início quando o Ministro de Estado das Comunicações, acolhendo o parecer da Conjur (Consultoria Jurídica), em 7 de dezembro de 2006, homologou a adjudicação, declarando a empresa Rádio e TV Schappo Ltda. vencedora do certame 029/2001.
Segundo o impetrado, a fase da habilitação estava finda a partir do ato que declarou as empresas habilitadas no certame, ultrapassando-se assim a fase inicial, e não mais poderia reabrir-se a querela. Entretanto, esqueceu-se de que, embora tivesse avançado o processo licitatório, com a abertura das propostas, inclusive, ficou em pendência recurso administrativo, só podendo computar-se o prazo prescricional a partir da decisão desse recurso.
No mérito, a questão é singela, bastando que se responda à indagação: na avaliação da capacidade econômica de uma empresa, é possível considerar como capital social mínimo exigido o que será futuramente integralizado pelos sócios, ou se avalia apenas o capital integralizado na oportunidade da avaliação?
Sabendo-se que a lei da licitação é precipuamente o edital, destacam-se dois itens nele contidos:
a) apresentação do balanço patrimonial e das demonstrações contábeis do último exercício social;
b) comprovação, pelo balanço, de patrimônio líquido igual ou superior a 10% do valor do preço mínimo da outorga, constante do Anexo I, o qual apresenta o mínimo de R$ 140.007,50 (cento e quarenta mil, sete reais e cinqüenta centavos) para o serviço FM em Taubaté, e o valor de R$ 148.362,50 (cento e quarenta e oito mil, trezentos e sessenta e dois reais e cinqüenta centavos) para igual serviço em Guarujá, num total de R$ 288.370,00 (duzentos e oitenta e oito mil, trezentos e setenta reais).
De acordo com o documento trazido aos autos pela empresa impetrante (fl. 102), não impugnado pela parte contrária, a qual figura como litisconsorte neste mandado de segurança, consubstanciado no balanço da empresa, o valor do capital social é R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), dos quais restam integralizar R$ 248.000,00 (duzentos e quarenta e oito mil reais), ou seja, à época da licitação a empresa Rádio e TV Chappo Ltda. possuía capital integralizado de apenas R$ 2.000,00 (dois mil reais).
A doutrina tem entendido que deve computar-se no requisito da idoneidade financeira o capital social, mesmo na pendência de integralização, porque o capital pendente integra o balanço como crédito da empresa, figurando no ativo empresarial. Nesse sentido, Justen Filho, ao comentar o art. 31, § 3º, da Lei de Licitações, e Jessé Torres Pereira Júnior, ao tecer considerações sobre o mesmo artigo em Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. Entretanto, ambos também entendem que o percentual mínimo exigido no edital deve estar integralizado na data de licitação.
'Advirta-se que na exigência de capital mínimo não se acomoda exigência de prazo mínimo para integralização de capital social, consoante decidido em precedente judicial, assim ementado:
A exigência de prazo mínimo para a integralização de capital social da empresa, a fim de aferir-se a sua idoneidade financeira como condição para participar de licitação, é ilegal, mesmo que tal exigência tenha sido formulada antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 2.300/1986. É que tal condição constituiu-se numa discriminação sem qualquer motivo plausível que justifique o interesse público.' (fl. 378, obra citada de Jessé Torres Pereira Júnior)

Na palavra abalizada de Marçal Justen Filho:
'Como fica a situação da sociedade cujo capital ainda não foi integralizado? Para fins de licitação, parece que o direito da sociedade relativamente ao capital apenas subscrito e não integralizado equivale a um direito de crédito. A pessoa jurídica é credora em face dos sócios pelo preço de emissão das ações (ou quotas) subscritas. Não existe diferenciação sob esse ângulo, entre esses e outros direitos de crédito que a sociedade possa deter.
[...]
O problema não se resolve, portanto, no âmbito do capital (ou patrimônio líquido) mínimo, mas sob o enfoque dos índices. Deve-se considerar a perspectiva de a sociedade receber os valores dentro de um determinado prazo. Se isso comprometer sua capacitação, deverá ser inabilitada por dito fundamento.' (fls. 350/351 da obra citada)
Chega-se à conclusão, pelo exame doutrinário da matéria, que não é imprescindível a integralização do capital para que se considere idônea uma empresa e, como tal, capaz de participar de uma licitação. Entretanto, é preciso que se avalie, no caso concreto, se a parte integralizada é capaz de fazer funcionar o empreendimento, sem comprometer o serviço ou a obra em processo de licitação."
E, com base nessas considerações, seguindo o posicionamento da Ministra Relatora, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça concedeu a segurança requerida, com o fim de anular o procedimento licitatório outrora realizado, a partir das habilitações.

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