terça-feira, 7 de julho de 2015

HIPOTECA - BEM IMÓVEL - PROPRIEDADE - PESSOA JURÍDICA - VALIDADE - IMPENHORABILIDADE

HIPOTECA - BEM IMÓVEL - PROPRIEDADE - PESSOA JURÍDICA - VALIDADE - IMPENHORABILIDADE - "Recurso especial. Empréstimo. Pessoa jurídica. Garantia. Hipoteca. Bem imóvel. Propriedade. Outra. Pessoa jurídica. Validade. Impenhorabilidade. Bem de família. Alegação. Posterior. Sócio. Pessoa física. Descabimento. 1. É válida a hipoteca prestada por empresa que livremente ofereceu bem imóvel de sua propriedade para garantir empréstimo de outra pessoa jurídica, ainda que o sócio seja o representante legal das duas empresas. 2. Nessa hipótese, é descabida a alegação posterior formulada pelas pessoas físicas integrantes do casal de sócios acerca de eventual impenhorabilidade de bem de família, razão pela qual inviável a construção interpretativa, na espécie, no sentido da desconsideração da personalidade jurídica da empresa garante, sob pena de violação do dever de boa-fé objetiva dos contratantes, em especial na sua vertente do princípio da confiança (venire contra factum proprium). 3. Recurso especial a que se nega provimento." (STJ - REsp 1.422.466 - (2013/0383704-0) - 3ª T. - Rel. Min. Moura Ribeiro - DJe 13.03.2015 - p. 802)
Comentário Editorial Síntese


Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, cuja ementa é a seguinte:

"CIVIL - PROCESSO CIVIL - BEM DE FAMÍLIA - AUSÊNCIA DE EXAME EXPRESSO DA QUESTÃO - POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO A QUALQUER TEMPO - IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE PESSOA JURÍDICA - UTILIZAÇÃO PARA MORADIA DE SÓCIO E SEUS FAMILIARES - JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - NECESSIDADE DE O BEM POSSUIR FINALIDA DEHÍBRIDA DE RESIDÊNCIA E SEDE DO EMPREENDIMENTO - FINALIDADE DE PROTEÇÃO A PEQUENOS NEGÓCIOS - AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL PARA FINS DE EXERCÍCIO DE EMPRESA FAMILIAR - BEM DE PROPRIEDADE DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA DADO EM GARANTIA À DÍVIDA DA PRÓPRIA PESSOA JURÍDICA - NÃO CARACTERIZAÇÃO DE HIPÓTESE DE BEM DE FAMÍLIA DADO EM GARANTIA DE DÍVIDA DE TERCEIRO - SITUAÇÃO JURÍDICA FÁTICA DE TOLERÂNCIA OU POSSE PRECÁRIA NÃO COMPÕE SUBSTRATO PARA PERQUIRIR PROTEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE A QUAL SE FUNDA EM DIREITO REAL - MEIO MENOS ONEROSO - VALORAÇÃO QUE IMPRESCINDE DA EXISTÊNCIA DE MEIOS DIVERSOS DE SATISFAÇÃO DA DÍVIDA - DECISÃO MANTIDA
1. A matéria relativa à impenhorabilidade de bem de família pode ser alegada a qualquer tempo (matéria de ordem pública), desde que não tenha sido anteriormente alegada e examinada. Precedente do e. STJ.
2. A Corte Superior compreende no ambiente de proteção da impenhorabilidade em razão da condição de bem de família os imóveis que aliam uma dupla finalidade, a saber, residência e local de funcionamento de empresa de índole familiar. Dessa forma, a projeção da impenhorabilidade a pessoas jurídicas apenas se justifica quando se revelam como pequenas empresas com conotação familiar, a saber, em situações em que há identidade de patrimônios.
3. Quando o bem objeto da penhora constitui imóvel que, embora integrante do patrimônio de sociedade empresária, foi sempre utilizado apenas como moradia para um dos sócios e sua família, não se revela presente o caráter híbrido do imóvel que autoriza o alargamento da proteção. Ademais, se nunca houve a realização de empresa, não há suporte fático para se pleitear a aplicação do entendimento que se lastreia na utilização de um bem imóvel familiar para fins residenciais e empresariais.
3. A caracterização de um empreendimento empresarial como familiar para efeito da extensão social da norma da impenhorabilidade do bem de família para pessoa jurídica não se esgota no fato de os sócios serem integrantes de um núcleo familiar, devendo, ao revés, perpassar, necessariamente, pelo exercício da empresa em situação própria de pequenos negócios voltados à mantença da família.
4. É imprescindível a confusão do patrimônio relativo ao suposto bem de família entre família e empresa.
5. Na hipótese de bem imóvel ser da propriedade de sociedade empresária, a qual, em nome próprio, deu o bem em garantia a dívidas contraídas perante o agravado, não se vislumbra o enquadramento na inteligência jurisprudencial que veda que o bem de família suporte dívidas de terceiro. Isso porque o bem não está suportando a dívida de terceiros, e sim do próprio proprietário, o qual, por ser pessoa jurídica, não ostenta, a proteção de bem de família.
6. A detenção ou, inclusive, a posse precária não dão azo à proteção da impenhorabilidade de bens, a qual evidentemente destina-se ao direito de propriedade, o qual não se sedimenta pela longa ocupação do bem. Nesta feita, porque a penhora atacada recai sobre o direito de propriedade, e não sobre a realidade jurídica fática titulada pelos agravantes e sua família, não encontra amparo jurídico a exceção fincada na impenhorabilidade.
7. A execução rege-se pelo princípio da menor onerosidade, mas também pelo postulado da eficiência, razão pela qual apenas no caso de figurarem presentes meios diversos para a satisfação da dívida poder-se-ia cogitar da tarefa de valoração do meio menos ou mais oneroso.
8. Agravo de instrumento conhecido a que se nega provimento."

O STJ manteve o acórdão recorrido, com o desprovimento do recurso especial.

Vale trazer trecho do voto vencedor:

"No mérito, além de dissídio jurisprudencial, apontou-se negativa de vigência ao disposto nos arts. 1º e 3º, V, da Lei nº 8.009/1990. Asseveram que a garantia hipotecária foi prestada em favor de terceiro, no caso, a empresa [...], pela empresa [...]. (criada apenas para receber bens de herança transmitida à ora recorrente [...], que, por sua vez, é esposa do também recorrente, [...], ambos sócios da ARRT), a qual oferecera imóvel de sua propriedade para respaldar dívida representada por duas cédulas de crédito bancário (acostadas às fls. 395-400).

Assim, argumenta que ARRT não é parte no processo de execução, pois nunca contraiu empréstimo em seu benefício. Que o imóvel de propriedade dessa empresa (criada por força de decisão judicial e que nunca exerceu atividade mercantil, além de baixada e extinta na Receita Federal em outubro de 1997), dado em garantia hipotecária (em agosto de 1996), nunca pertenceu de fato à empresa, constituindo-se, desde a sua construção (em 1987), único bem de família dos ora recorrentes, que ali sempre moraram com seus três filhos e uma neta.

Por fim, observo que não se verifica hipótese de princípios constitucionais em colisão, pressuposto para a emissão de juízo de ponderação, que, ademais, não fora realizado sob o enfoque dos seus subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

Com essas considerações, parece-me claro que a parte recorrida (Banco do Brasil), de um lado, seguiu a liturgia legal para liberar o empréstimo à empresa ARR, mediante a constituição de hipoteca sobre o imóvel de propriedade da empresa ARRT, tudo devidamente registrado em cartório.

De outro lado, a parte que livremente oferecera o bem em garantia para a tomada do empréstimo, ARR (e, aqui, registre-se a atuação deliberada da sócia Carmem, como representante legal de ARR e ARRT, e dela e de seu marido, Goitacaz, como avalistas daquelas operações) passa, porém, em conduta totalmente contraditória com a sua anterior atuação no contrato, a arguir a impenhorabilidade daquele mesmo bem imóvel, agora sob o argumento de que se trataria de bem de família, o que denota evidente violação ao princípio da boa-fé objetiva, em especial na sua vertente do princípio da confiança (venire contra factum proprium).

José Rogério Cruz e Tucci disciplina sobre a Hipoteca judiciária:
"Havendo, pois, sentença de natureza condenatória, impondo ao réu o pagamento de quantia certa ou a entrega de determinada coisa, aflora para o autor o direito de constituição da hipoteca judiciária."

Dispõe, com efeito, o caput do art. 466 do Código de Processo Civil que: "A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos".

Comentando essa norma processual, aduz Moacyr Amaral Santos que: "Do só fato de haver sentença de efeito condenatório resulta, por força da lei, hipoteca judiciária sobre os bens imóveis do condenado e, assim, o poder do autor de fazer inscrevê-la mediante simples mandado do juiz"
Enfatizam, a propósito, Marçal Justen Filho, Eduardo Talamini e Egon Bockmann Moreira que a respectiva sentença constitui imediatamente a hipoteca judiciária, não importando qual seja o seu conteúdo e do que dela conste. "Basta que traga em si alguma condenação pecuniária ou a entrega de coisa".

E, por isso, sustenta Theotonio Negrão, à luz do transcrito art. 466, que a hipoteca judiciária "é consequência imediata da sentença, pouco importando a pendência ou não de recurso contra esta".

Verifica-se, nesse sentido, que, na esteira de alguns precedentes, a 12ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em julgamento unânime, teve oportunidade de patentear que, in verbis:

"A sentença que condena o réu no pagamento de prestação em dinheiro vale como título constitutivo de hipoteca judiciária (CPC, art. 466, caput).
Cuida-se de efeito que não depende do trânsito em julgado da decisão, nascendo da publicação da sentença de mérito condenatória (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, v. 2/230; PIMENTEL, Wellington Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil, v. III/567; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de conhecimento, v. II/667)."

Trilhando idêntico posicionamento, a 5ª Câmara do mesmo sodalício paulista, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 445.726-9, sendo Relator o Juiz Alvares Lobo, houve por bem dar provimento ao recurso, uma vez que, in casu, "a sentença foi proferida em ação de responsabilidade civil, decorrente de acidente automobilístico e condenada a agravada a reparar o dano, cujo montante será apurado por simples cálculo do Contador. Dispensando o trânsito em julgado da sentença, há um acórdão do e. Tribunal de Justiça e publicado na RT 596/99, sendo Relator o Des. Joaquim de Oliveira".

3. Procedimento para a constituição da hipoteca judiciária

A despeito de constituir importante instrumento preventivo de fraude à execução, verifica-se que, por não conter regulamentação procedimental específica, o instituto da hipoteca judiciária é de rara incidência prática.
Considerando a lacuna legal atinente ao procedimento a ser observado para a concretização dessa espécie de hipoteca, os doutrinadores pátrios têm procurado traçar algumas diretrizes básicas, sob pena de ser nula, ipso iure, aquela providência judicial.

Examinando essa relevante questão, Luiz Alberto Hoff anota ter sido muito incipiente o tratamento atribuído à hipoteca judicial pelo Código de Processo Civil, "e, por conseguinte, tão pouco lhe dedicou à doutrina, que aqueles que se deparam com o art. 466 do CPC, embora tendo à sua frente a afirmação da lei de que a sentença produz a hipoteca, não se animam a postular a sua especialização e inscrição por falta de diretriz processual; o caminho, entretanto, é simples, bastando peticionar nos próprios autos em que foi dada a sentença, registrando: 1) a estimativa da repercussão financeira da responsabilidade do perdedor da ação; 2) a existência de imóveis em nome do devedor, e seus valores estimados; 3) requerendo seja expedido o mandado de especialização da hipoteca sobre aqueles imóveis, ou sobre tantos quantos bastem à satisfação da responsabilidade. O juiz avaliará, com seu prudente arbítrio, os valores estimados pelo postulante, recorrendo a peritos, se necessário, mas sempre tendo em vista a necessidade de acelerar a inscrição da hipoteca".

Ademais, não pode restar dúvida que ao devedor - que vai sofrer todos os ônus emergentes do direito real de garantia consistente na hipoteca judiciária - devem ser asseguradas, no iter procedimental, todas as garantias ínsitas ao devido processo legal.

Recorde-se, aliás, que o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, acolhendo tradicional princípio de justiça, reza que: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Despiciendo salientar que a garantia da plenitude da defesa reclama sejam os sujeitos parciais do processo cientificados de todos os atos praticados no desenrolar do procedimento civil ou penal, com a probabilidade de manifestar-se sempre, e no prazo legal, ou no fixado pelo juiz, sobre a atividade desenvolvida pelo antagonista.

Com efeito, a bilateralidade da audiência, ou contraditoriedade, assenta-se num importantíssimo regramento, dito princípio de justiça, e determinante da exigência de tratamento paritário das partes, de tal sorte que haja o mais perfeito equilíbrio entre as suas respectivas atividades processuais.

Traduzindo doutrinação universal, aduzem, a propósito, Mauro Cappelletti e Vincenzo Vigoriti que:

"O direito de ação e defesa não está limitado ao pedido inicial ou à resposta, mas expressa também uma garantia geral do direito de ser adequadamente ouvido durante todo o procedimento. Cada fase do procedimento deve ser estruturada de tal modo que propicie às partes uma real oportunidade de defesa."

Deflui, à evidência, dessa perspectiva, o fundamento lógico da regra do contraditório, moldado na vetusta máxima audiatur et altera parte.

Expressão da estrutura dialética do processo, em decorrência do caráter bilateral da ação, a contraditoriedade inculca-se, marcantemente, no procedimento de formação de convencimento do juiz e decorrente pronunciamento judicial.

Daí por que se faz ela instituída, também, no interesse da própria Justiça e, consequentemente, do julgador, que, por força do diálogo encetado pelas opostas e contrastantes alegações, encontra, iluminado sob os mais diversos aspectos, o caminho da verdade e do Direito.

E, como não poderia ser diferente, o nosso Código de Processo Civil, em diversos dispositivos, assegura não só o direito de ser informado no momento da fase postulatória, como também a bilateralidade da audiência ao longo de todo o desenrolar do procedimento: arts. 125, 213, 214, 297, 398, 421, 452, 454, 518, 552, § 1º, 554.

É, aliás, da própria sistemática do Código de Processo Civil que se infere, também para a instituição da hipoteca judiciária, a exigência de observância do princípio do contraditório.

Realmente, se para a constituição da penhora - objetivando, igualmente, a garantir a efetividade futura de provimento condenatório - o devedor se manifesta a cada momento (arts. 652, 654, 655, 668, 669), não pode restar dúvida de que, para a hipoteca em apreço, o devedor também necessita ser ouvido!

E isso, até porque, a teor do disposto no art. 620 do Código de Processo Civil, "quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor".

Mas não é só...

Caio Mário da Silva Pereira, após elencar, como ressaltado, dentre os pressupostos da hipoteca judiciária a especialização, ensina que por esta se impõe "referência precisa ao imóvel gravado e à dívida garantida". Somente preenchidos todos os requisitos - complementa o civilista pátrio - é que se viabiliza a hipoteca judicial.

Esposando idêntica opinião, esclarece Wellington Moreira Pimentel que o direito de sequela decorrente da hipoteca judiciária não engloba todos os bens do devedor. É imprescindível que se especialize, isto é, "que se individualize o imóvel, ou imóveis, sobre os quais recairá a hipoteca judicial para que possa ser oponível a terceiros", e, por certo, para que possa ser registrada.

Por outro lado, mesmo assistindo direito ao credor, como visto, à hipoteca judiciária, deve ser ela efetivada, a teor da parte final do caput do art. 466 do Código de Processo Civil, em consonância com as normas cogentes da Lei de Registros Públicos.

Tal orientação, com efeito, tem sido perfilhada pelos pretórios brasileiros, inclusive pelo 1º Tribunal de Alçada Civil paulista, como evidencia, dentre outros, acórdão da 11ª Câmara, ao deixar assentado que a inscrição da hipoteca judiciária deve ser "ordenada pelo Juiz, de acordo com a forma prescrita na Lei de Registros Públicos, como determina, ainda, a parte final do art. 466, para produzir efeito em relação a terceiros...".

A 17ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, fiel a tal princípio, também teve oportunidade de patentear, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 88.873-2, que:
"A hipoteca judiciária pode ser inscrita, desde que se ajuste às disposições legais, independentemente de pendência ou não de recurso...".
Ora, o art. 175, III, da Lei de Registros Públicos, de clareza notória, dispõe que se faz necessário, para o respectivo registro, "o valor do contrato, da coisa, da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver".

Acrescente-se que a ordem judicial e, por via de consequência, o respectivo mandado deverá atender ao disposto nos arts. 175, III, e 225, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973." (Hipoteca judiciária e devido processo legal. Disponível em: http://online.sintese.com.)

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