quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Propriedade Intelectual: protegendo a saúde


(Excerto do artigo Propriedade Intelectual e patente do medicamento contra hepatite C) de GABRIEL DI BLASI

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/propriedade-intelectual-e-patente-do-medicamento-contra-hepatite-c-04112018

As patentes são garantias legais construídas em um sistema internacional, que proporciona segurança jurídica para que inventores e empresas possam investir em um país. O Brasil é signatário da Convenção União de Paris, um acordo internacional que sedimenta bases da propriedade intelectual, entre eles direitos de se obter patentes, firmado em 1883, além de outro tratado internacional essencial denominado Acordo TRIPS (trade-related aspects of intelectual property rights). Já em âmbito nacional, há a própria Constituição Federal, que garante o direito fundamental do inventor de se obter uma patente, e, em sede infraconstitucional, a Lei de Propriedade Industrial (Lei n° 9.279/1996), que determina os critérios de patenteabilidade e todo o procedimento para se obter uma patente no Brasil.

Cumpre mencionar que patentes de medicamentos passaram a ser aceitas pelo Brasil a partir da Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/96. A depender do tipo de patente, esta pode ter entre 15 ou 20 anos de proteção de direito exclusivo, ou seja, somente a empresa que detém a patente no país poderá comercializar o objeto da mesma – e ainda o seu prazo de proteção é partir do depósito do pedido de patente no INPI, o que diminui significativamente o tempo efetivo de proteção da respectiva patente entre  5 e 11 anos de exclusividade aproximadamente. No entanto, tal qual qualquer outro bem, a patente é um bem intangível que a empresa poderá negociar a sua comercialização com interessados – inclusive o Estado. No caso específico da patente da vacina da Hepatite C, a Gilead informou por meio de um comunicado que entrou em fase de negociações com o Ministério da Saúde para que um tratamento para a Hepatite C seja disponibilizado à população brasileira. Cabe à população cobrar ao Estado que esta negociação seja feita.

Após o término do prazo de exclusividade de uma patente, o seu objeto passa a poder ser explorado por terceiros livremente sem qualquer tipo de sanção, é o que se chama na literatura especializada de “domínio público”. A partir, daí o medicamento inovador passa a ter outras versões, conhecidos pela alcunha de “medicamentos genéricos”. Ou seja, a própria existência de medicamentos genéricos depende, então, da fase anterior de inovação, do investimento de capital e de pessoal qualificado empreendido na criação de uma droga inovadora. Sem o medicamento inovador ou “de referência” não há o que se falar do medicamento genérico.

Ademais, as leis relacionadas acima são muito mais importantes do que aparentam. Elas garantem proteção jurídica a qualquer inventor, nacional ou estrangeiro, que queira investir no Brasil. Qualquer sinal grave de abalo a estas fundações legais pode refletir negativamente na economia do país, com consequências que variam entre queda do valor de empresas em bolsas de valores, fuga de capital e investimentos, cancelamento de pesquisas, perda de cientistas em instituições nacionais ou mesmo a decisão de não lançar determinado medicamento inovador no país. Uma situação instável arrisca, assim, empregos de empresas que resolvem abandonar o Brasil e vidas que poderiam ser salvas por medicamentos e/ou vacinas que não chegaram à fase final de pesquisa e desenvolvimento ou aqui não são comercializadas.


A decisão liminar obtida por Marina Silva, que está em paralelo com visões de Guilherme Boulos e José Serra, é um destes possíveis sinais de abalo. Afinal de contas, se o Brasil não é um país que honra suas tradições internacionais, suas próprias leis nacionais, por que empresas deveriam arriscar seus investimentos aqui? Este risco sempre é sopesado por empresas, e quem sofre as consequências são os brasileiros.


O INPI constitui uma Autarquia Federal independente constituída especificamente para analisar pedidos de registros de ativos de propriedade industrial. Esta é sua finalidade principal, acima de qualquer outra, e, para tanto, instituiu-se um procedimento em obediência à lei que deve ser sempre seguido. Assim, qualquer insinuação de intervenção de outro órgão do poder público (como as alegações de este ser subordinado ao Ministério da Industria, Comércio Exterior e Serviços) ignora sumariamente os princípios máximos da autonomia e da legalidade, além de desconsiderar que o INPI possui corpo técnico especializado com elevadíssimo conhecimento  técnico sobre patentes, que deve ser respeitado, salvo evidente erro técnico, que poderá ser questionado nas vias judicias por qualquer terceiro interessado e a qualquer momento. Por óbvio, erros de exame acontecem, mas eles devem enfrentar o rito de questionamento próprio, que não é aquele proposto por Marina Silva e Eduardo Jorge. A atitude desta chapa à presidência, visivelmente apoiada por partidos que disputam o mesmo cargo, ameaça toda a economia que a mesma pretende proteger.


São momentos como estes que causam grande insegurança jurídica a potenciais investidores no Brasil. As consequências já são sentidas há tempos, como queda do número de depósitos de pedidos de patentes no Brasil, indicando falta de interesses em investimentos no país. Esta situação não é sensível e sentida diretamente pela população, mas sim efetivamente, como na falta de medicamentos inovadores nas prateleiras.


Aos candidatos, tanto aqueles nomeados neste artigo quanto aos demais, lanço um desafio: ao invés de adotar posicionamentos visivelmente políticos e desfavoráveis aos investimentos no Brasil, invista em seus cidadãos, na educação básica, na pesquisa e no desenvolvimento, criando ambientes favoráveis para tal. Se gostaria que a patente da cura da hepatite C fosse de origem brasileira, dê condições a seus pesquisadores e respectivos institutos para que o resultado seja atingido ao invés de defender a hipotética fabricação local de um medicamento que está protegido pela tutela da patente.


Enquanto isto não ocorrer, a solução não é requerer a licença compulsória da patente, ou vulgarmente falando pedir a “quebra da patente”, que é fator de extrema excepcionalidade previsto em lei, mas sim licenciá-la em uma negociação regular e transparente entre empresa e Estado, agindo este último como mero negociante interessado no mercado. É preciso ter respeito ao INPI e às instituições brasileiras, pois na guerra da eleição presidencial de 2018, quem saiu perdendo na batalha da Propriedade Intelectual foi a população.


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