sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

ENDOSSO IRREGULAR. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA DE TERCEIRO, MEDIANTE FRAUDE. RESPONSABILIDADE DO BANCO SACADO (LEI 7.357/85, ART. 39).

Endosso irregular





AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. CHEQUE NOMINAL E CRUZADO DESTINADO A DEPÓSITO JUDICIAL. ENDOSSO IRREGULAR. DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA DE TERCEIRO, MEDIANTE FRAUDE. RESPONSABILIDADE DO BANCO SACADO (LEI 7.357/85, ART. 39). PRECEDENTE QUALIFICADO (TEMA 466). AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Nos termos do art. 39 da Lei do Cheque, nº 7.357/85, a regularidade do endosso deve ser verificada pelo bancos sacado e apresentante do título à câmara de compensação.
2. Segundo entendimento desta Corte, "a conferência da regularidade do endosso não se limita apenas ao mero exame formal, de modo perfunctório, das assinaturas e dos nomes dos beneficiários dos títulos, de molde a formar uma cadeia ininterrupta de endossos, que conferiria legitimidade ao último signatário em favor do portador da cártula. A legitimidade também é determinada pelos poderes que o endossante detém, especialmente quando representa uma pessoa jurídica" (REsp 1.837.461/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe de 28/08/2020).
3. Na hipótese, cabia à instituição financeira recorrida a constatação de que, sendo os cheques cruzados, nominais à Justiça Federal e destinados a depósito judicial (consignação em juízo), não seria possível a transferência por meio de simples endosso, independentemente da autenticidade ou não da assinatura no verso da cártula.
4. A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.197.929/PR, processado sob o rito dos recursos especiais repetitivos (TEMA 466), firmou o entendimento de que "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (REsp 1.197.929/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe de 12/09/2011).
5. Agravo interno provido para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial.
(AgInt no AREsp n. 1.690.580/CE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 22/3/2021, DJe de 13/4/2021.)


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Dicas de filme

O Próprio Enterro


O Próprio Enterro é um filme norte-americano de drama dirigido por Maggie Betts para o Prime Video. Na trama baseada em eventos reais, Jeremiah O’Keefe (Tommy Lee Jones) é o dono de uma funerária que, após um acordo que deu errado, corre risco de perder o negócio - que já está em sua família há gerações. Para salvar o empreendimento, ele decide contratar o advogado pouco convencional Willie E. Gary (Jamie Foxx). Juntos, os dois lutam incansavelmente para deter uma elaborada rede de corrupção corporativa e injustiça racial.





domingo, 23 de fevereiro de 2025

CNJ aprova resolução que estabelece normas para uso de IA generativa nos tribunais


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nesta terça-feira (18/2) resolução que estabelece normas para o so de inteligência artificial nos tribunais brasileiros. O texto prevê a obrigatoriedade de supervisão humana, a classificação dos sistemas de IA conforme o nível de risco e a criação de uma instância responsável por monitorar e atualizar as diretrizes de uso da tecnologia nos tribunais brasileiros, o Comitê Nacional de Inteligência Artificial.

O tema já era regulado pela Resolução 332/2020, contudo, o novo texto atualiza a normativa incluindo a inteligência artificial generativa, tecnologia que possibilita a criação de novos conteúdos a partir do reconhecimento de padrões. Os tribunais terão 12 meses, a serem contados a partir da publicação da resolução, para adequar seus projetos e modelos, em desenvolvimento ou já implantados.



Alexandre de Moraes suspende Rumble no Brasil

O bloqueio à plataforma de vídeos ocorreu por falta de representação legal no país e descumprimento de ordem judicial


Alguns excertos da decisão do Ministro Alexandre de Moraes na PETIÇÃO 9.935 DISTRITO FEDERAL

Leia aqui a decisão na íntegra  

Ou aqui


O artigo 997, inciso VI do Código Civil, estabelece que a constituição de qualquer sociedade, obrigatoriamente, deve indicar as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições, pois os os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções (CC, art. 1016), pois a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores (CC, art. 1022).

Observe-se que, mesmo a sociedades estrangeira – que é aquela “constituída fora do Brasil ou que, mesmo constituída no Brasil, mantém sua sede fora do território nacional” (Código Civil Comentado: Doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002/ CLAUDIO LUIZ BUENO DE GODOY [et al.]; coordenação CEZAR PELUSO. – 17. ed. e atual. – Santana de Parnaíba [SP]: Manole, 2023, p. 1047) – para poder atuar legalmente no Brasil, necessita de de autorização prévia do governo federal, nos termos do art. 11, § 2o da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (“não poderão, entretanto, ter no Brasil: filiais, agências ou estabelecimentos, antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo Brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira”), com EXPRESSA COMPROVAÇÃO DE NOMEAÇÃO DE REPRESENTANTE NO BRASIL, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização (CC, art. 1.134, §1o, V).

Essa obrigação de indicação de representante legal em território nacional, como ensinam ERASMO VALLADÃO A. E N. FRANÇA e MARCELO VIEIRA VON ADAMEK, tem por finalidade:

evitar que a sociedade estrangeira possa exercer as suas atividades no território brasileiro, fora do alcance da fiscalização e do controle do poder público, em condições privilegiadas e de favorecimento em comparação aos demais agentes do mercado nacional” (Da livre participação, como regra, de sociedade estrangeira em sociedade brasileira de qualquer tipo, p. 5).

No mesmo sentido, nos termos do art. 1.138 do CC, para poder atuar em território nacional, é obrigatória a indicação de “representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade”. Além disso, prevê, no art. 1.137 do CC que, “a sociedade estrangeira autorizada a funcionar ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil”, pois, nas lições de ALFREDO DE ASSIS GONÇALVES NETO:

591. Representante permanente no Brasil

A sociedade estrangeira, uma vez autorizada a funcionar no Brasil precisa designar um gestor para que administre seu braço brasileiro. Disso podem incumbir-se seus próprios administradores estrangeiros, contando que aqui venham residir, ou um novo administrador designado especificamente para a função.

Com esse propósito, prevê o Código Civil, como já previa a lei anterior (Dec.-lei 2.627/1940, art. 67), que a sociedade nomeie, em caráter permanente, um representante para responder por tudo que diga respeito à sua presença no território nacional. Ele há de ser uma pessoa natural, brasileira ou estrangeira; se for estrangeira, deve obter permissão de permanência para trabalhar no Brasil. Não se trata de um simples representante para a prática de certos atos; ele deve assumir o papel de verdadeiro administrador, com todos os poderes inerentes à função que é própria de um gestor geral dos negócios da sociedade em solo brasileiro. Ele há de ter, assim, os poderes ad negotia e os que se fizerem necessários para resolver todas as questões que envolverem a sociedade e a sua atividade no território nacional.

(...)

Dentre os poderes dessa representação, sobressai o mais importante de todos, que é o de receber citação para demandas que contra a sociedade venham a ser propostas. Possuindo a sociedade estrangeira alguém que, no Brasil, receba citação para ações relativas a assuntos de seu interesse, os que contra ela demandarem não precisarão pedir a expedição de cartas rogatórias para citá-la no exterior, com as dificuldades inerentes à sua tramitação que, muitas vezes, inviabilizam as demandas”. (Direito de Empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 563).

Por fim, a Lei 9.472, de 16 de julho de 1997 que “Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional no 8, de 1995”, igualmente, exige que o direito de uso de radiofrequências somente será outorgado a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País (art. 86). Para execução de serviço de telecomunicações que utilize satélite, geoestacionário ou não, independentemente de o acesso a ele ocorrer a partir do território nacional ou do exterior, a norma é igualmente expressa ao exigir “empresa constituída segundo as leis brasileiras e com sede e administração no País, na condição de representante legal do operador estrangeiro” (art. 171, § 1o).

Desse modo, quando a empresa for estabelecida no Brasil, embora integrante de grupo econômico de pessoa jurídica de internet sediada no exterior, estará sujeita à legislação brasileira no tocante a qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional.


Decisão Liminar


DIANTE DE TODO O EXPOSTO, presentes os requisitos legais necessários, fumus boni iuris – consistente nos reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros, para instituir um ambiente de total impunidade e “terra sem lei” nas redes sociais brasileiras, bem como o periculum in mora – consistente na manutenção e ampliação da instrumentalização da RUMBLE INC., por meio da atuação de grupos extremistas e milícias digitais nas redes sociais, com massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio, antidemocráticos, DETERMINO A SUSPENSÃO IMEDIATA, COMPLETA E INTEGRAL DO FUNCIONAMENTO DO “RUMBLE INC.” em TERRITÓRIO NACIONAL, até que todas as ordens judiciais proferidas nos presentes autos – inclusive com o pagamento das multas – sejam cumpridas e seja indicado, em juízo, a pessoa física ou jurídica representante em território nacional. No caso de pessoa jurídica, deve ser indicado também o seu responsável administrativo.

 


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

A desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho, quando realizada sem o devido processo legal, configura ato ilícito.

As críticas sobre desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho, sem o devido processo legal, atingindo bens e afetando a personalidade jurídica de empresas que não são do mesmo grupo ou que não tenham cometido fraude alguma é comum na Justiça do Trabalho. Esse apontamento sempre fiz. Alguns me criticavam e até comentavam em seus estágios com os juízes das minhas incisivas falas, pois a desconsideração sem o devido processo consiste em um meio de impedir o desenvolvimento do empresário. Hoje o STF começa a acordar um pouco tarde.

 






Durante julgamento em sessão plenária no STF nesta quarta-feira, 19, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux fizeram críticas à atuação da Justiça do Trabalho, especialmente no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução. Ambos alertaram para decisões que "ignoram o devido processo legal" e resultam em responsabilizações indevidas de empresas sem conexão com o vínculo trabalhista.









O cumprimento da sentença trabalhista

O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo



Durante julgamento em sessão plenária no STF nesta quarta-feira, 19, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux fizeram críticas à atuação da Justiça do Trabalho, especialmente no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução. Ambos alertaram para decisões que "ignoram o devido processo legal" e resultam em responsabilizações indevidas de empresas sem conexão com o vínculo trabalhista.



Decisão: Após o voto reajustado do Ministro Dias Toffoli (Relator), que conhecia do recurso extraordinário e dava-lhe provimento para excluir a recorrente do polo passivo da execução, e propunha a fixação da seguinte tese (tema 1.232 da repercussão geral): 


“1 - O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo, devendo o reclamante indicar na petição inicial as pessoas jurídicas corresponsáveis solidárias contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses de grupo econômico (art. 2°, §§ 2° e 3°, da CLT), demonstrando concretamente, nesta hipótese, a presença dos requisitos legais. 


2 - Admite-se, excepcionalmente, o redirecionamento da execução trabalhista ao terceiro que não participou do processo de conhecimento nas hipóteses de sucessão empresarial (art. 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (art. 50 do CC), observado o procedimento previsto no art. 855-A da CLT e nos arts. 133 a 137 do CPC. 


3 - Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017, ressalvada a indiscutibilidade relativa aos casos já transitados em julgado, aos créditos já satisfeitos e às execuções findas ou definitivamente arquivadas”, no que foi acompanhado pelos Ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, André Mendonça e Nunes Marques; e do voto do Ministro Edson Fachin, que negava provimento ao recurso e divergia da tese proposta, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Aguardam os demais Ministros. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 19.2.2025.


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRABALHISTA. EXECUÇÃO. INCLUSÃO DE EMPRESA INTEGRANTE DO MESMO GRUPO ECONÔMICO NO POLO PASSIVO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. EMPRESA QUE NÃO PARTICIPOU DA FASE DE CONHECIMENTO. PROCEDIMENTO PREVISTO NO ARTIGO 513, § 5º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALEGADA OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 10 E AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. PAPEL UNIFORMIZADOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

(RE 1387795 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 08-09-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 12-09-2022 PUBLIC 13-09-2022)


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

As cotas de sociedade em conta de participação não podem ser consideradas bens individualizados para fins de permuta



APELAÇÃO CÍVEL nº 1019483-77.2024.8.26.0577

APELANTE: EC e I. LTDA

APELADO: 1 O. de R. de I. e A. da C. de SJ dos C.

VOTO Nº 43.678

Direito civil – Apelação cível – Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura pública de permuta – Recurso improvido.

 I. Caso em Exame

 1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de escritura pública de permuta com torna e constituição de alienação fiduciária em garantia. O apelante alega que as cotas de sociedade em conta de participação permutadas são de titularidade do sócio ostensivo e podem ser objeto de negócios jurídicos, solicitando a reforma da sentença para registro da escritura.

 II. Questão em Discussão

 2. A questão em discussão consiste em determinar se as cotas de uma Sociedade em Conta de Participação, que não possui personalidade jurídica, podem ser consideradas bens para fins de permuta e se a operação tem por escopo a comercialização de unidade de autonomia futura sem o registro da incorporação.

 III. Razões de Decidir

 3.  A permuta exige que os bens sejam trocados, mas as quotas de sociedade sem personalidade jurídica não podem ser consideradas bens individualizados.

 4. A permuta de propriedade por participação societária esconde a real intenção de comercializar unidades autônomas sem registro prévio da incorporação imobiliária, em violação e fraude às normas cogentes da L. 4.591/64.

 IV. Dispositivo e Tese

 5. Recurso desprovido.

 Tese de julgamento:  1. Cotas de sociedade sem personalidade jurídica não são bens para fins de permuta. 2. A comercialização de unidades autônomas sem registro de incorporação é vedada.

 Legislação Citada:

 Código Civil, art. 104, II; arte. 991; arte. 992; arte. 993.

 Lei nº 4.591/64, art. 32; arte. 65.

 Trata-se de apelação interposta por Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. contra a r. sentença de fls. 137/140, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que negociou o registro de escritura pública de permuta com torna e constituição de alienação fiduciária em garantia.

 Alega-se apelante, em síntese, que as cotas permutadas não são de propriedade da Sociedade em Conta de Participação (SCP), que não possui personalidade jurídica, e sim do sócio ostensivo, que ostentam a titularidade dos direitos e obrigações decorrentes da sociedade, de modo que as cotas representam direitos que podem ser objeto de negócios jurídicos. Sustenta que o uso de cotas como forma de pagamento é uma prática comum no mercado e deve ser admitido como válido. Afirma que o princípio da autonomia permite que as cotas de participação do sócio da Sociedade em Conta de Participação sejam tratadas como ativos com valor econômico, podendo, portanto, ser objeto de permuta. Diz, ainda, que a primeira nota devolutiva não abordou a questão relativa à inviabilidade da permuta envolvida nas quotas. Pede, ao final, a concessão de tutela de urgência e de efeito suspensivo à sentença, bem como a sua reforma para que seja determinado o registro da escritura pública (fls. 159/182).

 O pedido de tutela de urgência e o efeito suspensivo exigidos foram negados (fls. 198/199).

 A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 205/206).

 É o relatório.

 De início, cabe frisar que o apresentador de um título não tem direito adquirido à inscrição caso cumpra as critérios constantes na nota devolutiva.

 Embora idealmente o registrador deva formular critérios eventualmente de uma só vez [1] , em nota devolutiva única, é evidente que lhe cabe, ao constatar irregularidade no título, não vislumbrada no primeiro exame, indicá-la em uma segunda nota devolutiva, e não simplesmente ignorar a falha percebida.

 Por esse motivo, pouco importante se na primeira nota devolutiva é tão-somente o reconhecimento de firma das testemunhas do instrumento (fls. 107/108); constatada irregularidade em momento posterior era dever da Indicação Oficial (fls. 102/104).

 A escritura pública de permuta apresenta o registro tem como partes, de um lado, E. Carone Empreendimentos Imobiliários Ltda., e de outro, Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. (fls. 40/51). De acordo com o instrumento, E. Carone Empreendimentos Imobiliários Ltda. entregará a Esdras Construtora e Incorporadora Ltda. imóvel de sua propriedade, matriculado sob nº 85.520 no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos, avaliado em R$ 38.525.000,00, e recebido desta última trinta e quatro cotas de uma Sociedade em Conta de Participação, avaliado em R$ 20.000.000,00, e o valor de R$ 18.525.000,00 a ser pago nas condições descritas na escritura (fls. 40/51).

 A desqualificação, mantida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, se deve ao fato de o objeto da permuta envolver cotas de sociedade que não possua personalidade jurídica. Segundo a Oficial e o MM. Juiz Corregedor Permanente, o negócio jurídico infringe o art. 104, II, do Código Civil [2] , por dois motivos distintos: em primeiro lugar, porque a sociedade em conta de participação não possui nem capital social nem autonomia patrimonial, de forma que o objeto da aventura não pode ser tido como possível; em segundo lugar, porque há promessas de que cada uma das trinta e quatro cotas da sociedade em conta de participação correspondam a uma futura unidade de empreendimento imobiliário, de forma que a negociação delas estaria ocorrendo sem o registro da incorporação imobiliária. O objeto da aventura seria ilícito, portanto.

 E a dúvida é realmente procedente.

 De acordo com Nelson Rosenvald, “ denomina-se permuta, troca escambo, barganha ou permutação a relação transacional pela qual uma das partes se obriga a entregar um bem para receber outro, que será entregue pela contraparte ” (Código Civil comentado: doutrina e explicação: Lei n. 10.406 de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. – 11. Ed. Rev. E atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 554).

 Embora torne em dinheiro não descaracterize, a permuta exige que bens sejam trocados. Isso, no entanto, não ocorre no caso em análise, em que um bem imóvel é trocado por cotas de sociedade em conta de participação. Com efeito, cotas de sociedade sem personalidade jurídica, cuja constituição independente de qualquer formalidade (art. 992 do Código Civil), não podem ser consideradas bens singulares e passíveis de individualização. 993 do Código Civil), poderá ser considerado bem identificado ou identificável para fins de permuta.

 Sobre a sociedade em conta de participação, ensina Marcelo Fortes Barbosa Filho:

 “ Celebrado o contrato de sociedade e adotado a fórmula típica prevista para a conta de participação, não se produz qualquer exteriorização, pois, em se tratando de uma sociedade despersonificada, uma sociedade-contrato, que efetiva todo relacionamento com terceiros é o sócio ostensivo (…). As relações internas, dada a sua natureza contratual, permanecem regradas pelas cláusulas acordadas, limitando-se os efeitos do negócio celebrado às partes, ou seja, aos sócios. Os terceiros se mantêm alheios à conta de participação, não podendo extrair dela eficácia” (Código Civil comentado: doutrina e doutrina: Lei n. 10.406 de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. – 11. Ed. Rev. E atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 954/955).

 Essa falta de exteriorização dos atos societários, com terceiros alheios à conta de participação, mostra que as cotas sociais indicadas na escritura não se caracterizam como objeto individualizado possível, determinado ou determinável para um contrato de permuta.

 O segundo óbice, relacionado aos compromissos de que as cotas da sociedade em conta de participação envolvida em unidades futuras de empreendimento imobiliário, também se sustentam.

 Na suscitação da dúvida inversa, a ora apelante destacou:

 “Considerando as práticas de mercado relacionadas ao negócio jurídico firmado, as cotas societárias são definidas como participações do patrimônio especial da SCP, para fins, posteriores, de liquidação da sociedade e distribuição dos lucros e resultados, convertendo-se cada cota em uma unidade imobiliária ao final do empreendimento, a qual fará jus o sócio participante que a possui, desde que esteja regular com os aportes” (fls. 12).

 E o próprio instrumento público realizou o registro, em que as cotas da Sociedade em Conta de Participação são indicadas em numeração não sequencial (“quotas de nºs 211, 212, 215, 216, 217, 218, 221, 222, 223, 224, 227, 228, 230, 234, 236, 240, 242, 246, 248, 252, 254, 258, 380, 416, 417, 418, 419, 420, 421, 422, 427, 428, 429 e 430” – fls 41), levam à conclusão de que a permuta de imóvel por participação societária esconde a real. intenção dos contratantes, que é a comercialização de unidades inovadoras de empreendimento imobiliário futuro.

 Antes do registro da incorporação, porém, a introdução desse tipo de comercialização é conhecida. Nesse sentido o art. 32 da Lei nº 4.591/64:

 Art. 32. O proprietário somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessos que correspondam às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos: (…) Aliás, a Lei nº 4.591/64 protege os adquirentes de futuras unidades autônomas a tal ponto, que a transação delas sem o registro anterior da incorporação considerada é crime contra a economia popular:

 Art. 65. É crime contra a economia popular promover incorporação, fazer, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos detalhes, afirmação falsa sóbre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sóbre a construção das edificações.

 PENA – reclusão de um a quatro anos e multa de cinco a cinqüenta vêzes o maior salário-mínimo legal vigente no País.

 § 1º Incorrem na mesma pena:

 I – o incorporador, o corretor e o construtor, indivíduos bem como os diretores ou gerentes de emprêsa coletiva incorporadara, corretora ou construtora que, em proposta, contrato, publicidade, prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou aos condomínios, candidatos ou subscritores de unidades, façam em afirmação falsa sóbre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais ou sóbre a construção das edificações;

 II – o incorporador, o corretor e o construtor individual, bem como os diretores ou gerentes de empresa coletiva, incorporadora, corretora ou construtora que utilize, ainda que a título de empréstimo, em proveito próprio ou de terceiros, bens ou haveres destinados a incorporação contratada por administração, sem prévia autorização dos interessados.

 Percebe-se, dessa forma, que o registro da escritura de permuta daria um conjunto de alienação de cotas que abrange as futuras unidades inovadoras, sem que a apelante, incorporadara, tenha registrado a incorporação imobiliária.

 Caso acolhido o registro, nada impediria que o credor de entrega das unidades futuras passasse a cede-los a terceiros, em verdadeiro negócio indireto em fraude às normas cogentes da L. 4.591/64.

 A alegação de que o registro pretende caracterizar modelo de negócio diverso não convence. Com efeito, a Lei nº 4.591/64 em momento algum dispensa a inscrição da incorporação imobiliária na hipótese de o incorporador pretendente alienar futuras unidades inovadoras. Não há previsão no sentido de que a operação relativa à venda de futuras unidades autônomas possa ser realizada por meio de negociação de cotas de sociedade que pelo menos possua personalidade jurídica. E o fato disso ocorre na prática, como é alegado na suscitação de dúvida e no recurso, não é motivo para que se permita que a irregularidade constatada seja objeto de inscrição no registro imobiliário.

 Finalmente, considerando o pleito formulado pelo Ministério Público a fls. 103 e seu indeferimento na sentença (fls. 138/139), remetam-se cópias das principais peças do processo ao Ministério Público, para apuração de eventual cometimento de crime, e à Secretaria de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

 Ante o exposto, pelo meu voto,  nego provimento  à apelação, com observação.

 FRANCISCO LOUREIRO

 Corregedor Geral da Justiça e Relator

 Notas:

 [1]  Nesse sentido, o item 38 do Capítulo XX da NSCGJ: “ É dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título apresentado. Havendo exigência de qualquer ordem, deverão ser formuladas de uma só vez, por escrito, de forma clara e objetiva, em formato eletrônico ou papel timbrado do cartório, com identificação e assinatura do preposto responsável, para que as satisfaçam ou exijam a suscitação de dúvida ou procedimento administrativo”.

 [2]  Arte. 104. A validade do negócio jurídico exige:

 I – agente capaz;

 II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

 III – forma prescrita ou não defesa em lei.  (Acervo INR – DJe de 03.02.2025 – SP)

 

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