domingo, 12 de outubro de 2014

Apresento-lhes, a seguir, magnífico trabalho de alunos da Universidade Federal, da Turma 2005.1, que serve de precioso subsídio ao estudo do histórico da Letra de Câmbio.

 “MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CULTURA E DO DESPORTO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA - DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO - DIREITO CAMBIÁRIO
PROCESSO DE UNIFORMIZAÇÃO DO DIREITO CAMBIÁRIO           ALUNOS: Anderson Pereira - João Olimpio - Jútima Siqueira - Vinicius Carbogim.NATAL – RN - 2005 Pesquisa, solicitada pelo professor da disciplina Direito Cambiário, Dr. Herbat Spencer Batista Meira, com vistas à obtenção da nota avaliativa de aproveitamento do segundo crédito, no período letivo 2005.1.NATAL-RN - 07/06/2005 Dedicatória Dedicamos esse trabalho, primeiramente a Deus, por nos ter dado a paciência, força de vontade e inteligência para finalizá-lo com sucesso; em especial ao Dr. Hérbat Spencer Batista Meira, nosso ilustre professor de Direito Cambiário, que nos proporcionou a oportunidade de mostrar o nosso talento, além do irrestrito apoio dispensado; e a alguns colegas de turma, que direta ou indiretamente, contribuiu para o amadurecimento das idéias nele contido. Anderson Pereira Barros
  AGRADECIMENTO Prezado Professor Hérbat;
 Seu incentivo à execução deste trabalho enseja um profundo e sincero reconhecimento grafado no preito da nossa gratidão. Desse modo, para a realização de tal intento, tomamos como fonte de inspiração uma frase transcrita do livro de sua autoria, intitulado “Resolvi Contar Tudo”, que assim se expressa:
 “Vulgar é ter nascido nobre e não ter usado os talentos deste berço. Ser nobre é, pois, um estado de espírito, um brilho nos olhos, uma leveza dos gestos e hábitos, ou mesmo o vigor quase estúpido, decantado de pura nobreza, se carente disso o momento. Ser nobre é tentar aperfeiçoar a vida”. Este trecho antológico que colhemos do seu livro traduz sua imagem de um preocupado com o outro, de benfeitor, semelhança de Deus, criando outras vidas e vivendo outras almas, para que assim, se engrandeça o exercício da vida.
 Concita-nos, bizarramente, louvando-se no aforismo de Dom Helder Câmara: “sonhar sozinho é só um sonho. Sonharmos juntos é o começo de uma nova realidade. Por isso, professor; cremos que a magnitude de seu gesto, incentivando seus alunos de hoje e concorrentes de amanhã, se dispondo a ajudar a publicar trabalhos de seus discípulos, é na verdade um gesto de grandeza sublimada, uma inovação motivadora a vidas vigorosas à partir para propósitos dinâmicos”.
 Concluindo esta exposição, dizemos nós como já disse o acadêmico e consagrado tribuno paraibano José Américo de Almeida: “o panegírico não basta, admirar é uma forma de compreender e toda compreensão é um julgamento”. Em êxtase, este é o nosso julgamento ao seu respeito.
 João Olímpio Maia Filho INTRODUÇÃO Considerando que a Lei Uniforme de Genebra foi um marco no direito brasileiro e desde então vem regendo as ralações Cambiárias em nosso país, o presente trabalho se propõe a estudar, nestes setenta anos de Lei Uniforme de Genebra: o seu desenvolvimento histórico, passando pelo período romano, italiano, francês e alemão; a adesão do Brasil à Convenção; a internalizarão da Lei Uniforme; as ressalvas; e a visão do STF sobre o assunto.
 Para se enfrentar corretamente o presente tema, necessário se faz falar um pouco sobre a Lei Uniforme de Genebra que passou a existir de duas convenções internacionais, das quais o Brasil é signatário, que visavam a adoção de uma lei uniforme sobre letra de cambio, nota promissória e o cheque, realizadas, respectivamente, em 1930 e 1931.
 Havendo a referida convenção que entrou em vigor 90 (noventa) dias após a data do registro pela Secretaria-Geral da Liga das Nações, isto é a 26 de novembro de 1942 e internalizado através da aprovação do Decreto Legislativo nº 54 de 1964, surgiram controvérsias acerca da Lei Uniforme, principalmente em relação à legislação já existente.
  Evolução Histórica Com o desenvolvimento da sociedade e, conseqüentemente, da ciência, tecnologia, dos meios de produção, transporte, e comunicações, precisou-se buscar um meio mais eficiente de circulação de riquezas. Daí surgiu o crédito, que materializado numa cártula, constitui direitos e obrigações das pessoas envolvidas no processo de movimentação dos haveres financeiros. Ele se desenvolveu, basicamente, da seguinte forma:
 1 – Período Romano O direito romano chegou lentamente à cessão de crédito, e de forma indireta, com a procuração em causa própria, pois: a sua decorrência do direito de credito se dava devido à obrigação do devedor consistir em vínculo estritamente pessoal, tendo o credor direito sobre a própria pessoa do devedor, fazendo com que a mudança do pólo passivo do pacto implicasse na extinção da obrigação; o excessivo formalismo das regras do direito comum e a falta de proteção ao terceiro adquirente de boa fé, tendo em vista a possibilidade de se opor exceções pessoais relacionada às causas acertadas entre credor e devedor primitivo; não aplicação a circularidade dos créditos dos mesmos princípios inerente aos bens móveis, isso contribuía para que o adquirente do crédito corresse o risco da aquisição non dominus.
 No entanto, com a edição da Lex Poetelia Papiria, atribuiu-se natureza patrimonial à obrigação, vetando a execução da dívida na pessoa do devedor, mas mesmo assim, o Título de Crédito só teve seu desenvolvimento e apogeu na Idade Média.
 2 – Período Italiano O centro das atividades mercantis estava concentrado nas cidades italianas, onde eram realizadas as feiras, atraindo os principais mercadores europeus. Ocorre que cada cidade podia cunhar a sua própria moeda diversificando-as, o que consistia em obstáculo para o desenvolvimento da atividade comercial, pois os mercadores tinham que transportar a moeda de uma cidade para outra, correndo os riscos de segurança no transporte. Por esse motivo, nasce o Cambio Manual, ato em que o cambista trocava as diversas espécies de moeda, resolvendo a problemática referente à diversidade de numerário, mas não os relacionados ao transportes entre as cidades distintas, persistindo a dificuldade dos comerciantes de saldar seus compromissos em praças diversas da sua.
 Visando solucionar esse problema, houve a evolução para o Cambio Trajectício, pelo qual o banqueiro recebia em sua cidade uma determinada espécie de moeda, obrigando-se a entregar em outra, pessoalmente ou por intermédio do seu correspondente, na sua correlacionada moeda e na quantia avançada ao depositante ou seu representante, assumindo o risco operacional.
 Quando do recebimento do dinheiro, o banqueiro emitia dois documentos: a Cautio, reconhecendo a dívida contraída e a promessa de entregar o valor equivalente no prazo, lugar e moeda contratado; e a Littera Cambii, correspondendo a uma carta na qual o banqueiro dava ordem ao seu correspondente em outra cidade para que efetuasse o pagamento da quantia, moeda e credor nela expressos; Nessa fase a Littera Cambii apenas apresentava características de mero intuito de pagamento, eivado com os elementos Distantia Loci, em que o documento só poderia ser emitido se o lugar da emissão fosse distinto do de pagamento; e Permutio pecuniae, em que as moedas das praças de emissão e pagamento tinham que ser de espécies diferentes.
 No entanto, percebe-se que nesse período a cambial era um mero instrumento para a troca de moedas de um lugar para outro, não havendo, de tal modo, uma verdadeira operação de crédito.
 Para melhor ilustrarmos o que ora acabamos de expor, pomos em evidência duas imagens históricas, a primeira correspondente ao período em que emergiu a primeira letra de câmbio propriamente dita e a segunda ao monumento marco da existência deste título de crédito, localizado no Museu das Feiras, na Rua de San Martin, em Medina Del Campo. Prototipo de la letra de cambio de la época firmada en Medina del Campo
 Primeira letra de câmbio – sacada em Medina Del Campo em 1495.
LetraCambio191
             Monumento à primeira letra de câmbio.
 3 – Período Francês No seu estagio inicial, a letra de cambio representava apenas o instrumento decorrente de um contrato de troca e remessa de dinheiro de um lugar para outro, ao ser acolhida na Ordenança de Comércio Terrestre de 1763 e, depois no código civil Francês, passou a significar um instrumento de pagamento a serviço dos comerciantes, tendo em vista a inexistência do requisito da distantia locii para a emissão da letra.
 O fato principal desse período foi à adoção da cláusula à ordem, que permitia ao tomador ou beneficiário transferir o título a qualquer pessoa sem o consentimento do sacador, e a pessoa a quem a letra era transferida ficava investida de todos os poderes de titular na mesma mencionada; assim a transferência era feita de modo simples, com a assinatura do tomador nas costas do título, surgindo o endosso, como modalidade especial de transmissão dos títulos de credito. Com esse instituto, a emissão da letra pressupunha a continuidade de um vínculo contratual pré-existente, pois para a existência da letra persistia a necessidade do prévio deposito de fundos em nome do sacado, o que, para garantia do tomador, deveria a letra ser apresentada àquele, para saber se ele estava disposto a aceitar a ordem do sacador. Isso significou o nascimento do aceite como manifestação do sacado de acatar a ordem dada pelo sacador de efetuar o pagamento da letra à época do seu nascituro
 Emfim, essa fase caracterizou-se pela transformação da cártula em um instrumento liquidatório, pelas facilidades criadas para a sua circulação, com adoção da cláusula à ordem, do endosso e pela vinculação do sacado à obrigação, com o aceite; além de ser derivado de contrato de forma bilateral.
  4. Período Germânico Depois de vários estudos e discussões de notáveis juristas, foi aprovada em Leipzing, em 24 de novembro de 1848 a Lei Geral Alemã sobre Letras de Cambio, discutida e aceita por representantes de 37 Estados que então compunham a Alemanha; sua redação foi embasada nas idéias de Einert, sofrendo algumas modificações posteriormente pela lei conhecida como “novelas de Nuremberg” de 18 de abril de 1861, tornando-se obrigatória em 1871 em todo Estado alemão. Essa legislação disciplinou as normas de direito cambial, separando-as do direito comum regentes das relações jurídicas envolventes a Letra de Cambio, sendo os seus mandamentos assim caracterizados: a letra de cambio foi considerada instrumento de circulação do interesse comercial; correspondia a uma obrigação literal e inteiramente desvinculada de qualquer vínculo formal com o contrato de cambio; podia circular por endosso independentemente de conter a cláusula “à ordem”; a pessoa que a aceitasse assumiria a obrigação de devedor principal perante o sacador e o terceiro portador; ela estava desvinculada da sua causa pela consagração da abstração cambiaria, passando a constituir documento revestido de direito novo, além de passar a ser considerado bem móvel; ainda estabeleceu a distinção entre a obrigação decorrente da relação causal e a obrigação cambiária independente da obrigação consubstanciada na relação motivadora; e protegia o terceiro de boa fé, tornando-o invulnerável as exceções pessoais argüidas pelo devedor.
 Ainda institui que para a sua definição como título de crédito era necessário que, no contexto, estivesse escrita a frase “Letra de câmbio” (wechsel, em alemão), ou expressão estrangeira a equivalente; assim como também: a importância a pagar, o nome da pessoa em favor da qual, ou à ordem de quem deve o pagamento ser feito, a época de pagamento, assinatura do sacador, designação do lugar, dia, mês e ano em que a letra foi sacada, o nome da pessoa indicada para pagar (sacado) e a nomeação do lugar onde deve ser efetuado o pagamento; faltando  um desses requisitos o título não será considerado letra de cambio.
 Aqui a letra de cambio passou a ser considerada um verdadeiro título de crédito não estando a sua existência vinculada a um contrato preliminar causador do seu aparecimento; advindo de um ato unilateral da vontade do sacador, sendo o direito do seu possuidor autônomo e abstrato, independente da relação fundamental; não serão oponíveis exceções aos seus possuidores, baseadas nas relações desses obrigados com os obrigados anteriores; revestido de inúmeras garantias a serem utilizadas com facilidade e segurança.
  5 – Sistema Anglo Americano Na Inglaterra existiam duas modalidades de Letra de Cambio: a Inland-Bill, destinada a circular apenas nas fronteiras do país, fazia abstenção da distantia locii, não representado a remessa de valores de um lugar para o outro, inexistindo em sua base um contrato de cambio, além de não ser necessária à provisão; Já a Foreign-Bill, tinha o objetivo de trafegar além das fronteiras do país, sendo resultante de um contrato inicial como as letras francesas.
 Tendo em vista que o direito anglo-americano possui características peculiares diferentes do romanístico, eles não aderiram a legislação uniforme de Genebra, muito embora a Inglaterra tenha adotado a convenção sobre os selos na letra. Isso ocorre porque esse sistema baseia-se no common law e na equidade, isto é, detentor de características individualistas, ensejando a adoção de um posicionamento mais liberal em matéria de forma, muito embora a cambial seja considerada contrato formal.
 Mesmo com essas divergências percebe-se que as dicotomias se dão relativa à técnica e conceitos jurídicos, permanecendo inalterado a base do instituto título de credito.
  Processo uniformizador da legislação cambiária Inicialmente, o intuito do crédito foi desprezado em razão da moral cristã condenar a usura, mas com o advento do capitalismo os proprietários dos capitais foram atraídos pelas vantagens lucrativas oferecidas por ele; aliado a isso, temos o fato da Revolução Industrial ter contribuído com o seu impulsionamento, quando os industriais foram adquirir o maquinário de suas instituições, não possuindo recursos próprios suficientes, recorreram aos banqueiros para adquirir a verba, sob a modalidade de crédito. Esse modelo também beneficiou os Estados autônomos, que por não produzirem tudo aquilo que necessitavam tinham que recorrer a outros para satisfazer às suas necessidades através do comercio internacional.
 Isso revolucionou o mercado mundial, a ponto de cada Estado formular legislações próprias e conturbar o desenvolvimento da circulação do crédito; no entanto, para dirimir as contendas entre países diferentes relacionadas a problemas a produção, o consumo e a circularidade desses produtos, surgiu do  direito internacional público o direito internacional econômico; e por intermédio desse é que juristas e comerciantes voltaram a sua atenção para a necessidade do estabelecimento de regras uniformes sobre a letra, a serem aceitas pelos governos interessados. Para isso, alguns eventos se realizaram, com participação de vários países, logrando êxito no final.
 Em 1855, o Congresso Internacional de Direito Comercial, reunido em Antuépia, Bélgica, discutiu e aprovou um projeto de lei cambial internacional, que foi emendado no congresso de Bruxelas, reunindo nessa cidade em outubro de 1888.
 Em 1869 o Primeiro Congresso das Câmaras de Comercio italianas, reunidos em Genova, acolheu com prazer a proposição de Minguetti, declarando ser útil e oportuno que o governo tomasse a iniciativa de tratados com governos estrangeiros para se adotar uma lei cambial universal. Outras conferências foram realizadas com esse intuito, e foram discutidos e elaborados anteprojetos e regulamentos, culminando com as conferencias de Haia em 1910 e 1912, como: o Internacional Law Association, em Haia (1875), Bremen (1876), Antuépia (1877), Frankfurt (1878) e Bruxelas (1885); Congresso de Direito Comparado de Paris, em 1900; Congressos Internacionais das Câmaras de Comercio realizados em Liège (1905), Milão (1906); e Praga (1908).
 A primeira conferência de Haia, em 1910, formou uma comissão especial para regular os conflitos legislativos sobre a cambial, em que foi elaborada uma convenção com 26 artigos e um anteprojeto de lei uniforme sobre a Letra de Cambio e a Nota promissória, com 88 artigos. Este foi criticado pela ampla liberdade dada aos Estados para derrogar a lei em partes essenciais, prejudicando o processo de uniformização, ficando de lado a idéia nele aprovada, tendo em vista que os representantes dos países acordaram que discutiriam o assunto em outra reunião, que se realizou em 1912.
  Nesta, foram aprovados o Regulamento Uniforme relativo à Letra de Cambio e à Nota Promissória; o Projeto de Convenção Internacional e textos regulamentando eventuais conflitos de leis, tudo isso decorreu de trabalhos baseados em revisão do anteprojeto daquela. Ele seguiu o sistema alemão da ordenação de 1848, desprezando a orientação francesa, com as seguintes características: Considerou a cambial um título de credito à ordem, traduzindo promessa de pagamento (nota promissória) ou ordem de pagamento (letra de cambio), com dispensa do requisito da distantia locci; deixou de exigir, para a criação da letra de cambio, a prévia provisão de fundos pelo sacador junto ao sacado; considerou a cambial originária de mera declaração unilateral de vontade do sacador, sem depender de contrato original; permitiu a circulação da letra de cambio independentemente de conter a cláusula “à ordem”; Atribuiu a letra à natureza de título formal, porque devia conter os requisitos essenciais para valer como tal, em especial a denominação cláusula cambiária; visou a proteger o terceiro adquirente de boa fé, e assim a sua facilidade na circulação; consagrou a autonomia da obrigação do avalista, independentemente da nulidade da obrigação avalizada.
 Apesar de sua fundamental importância para uniformização da legislação cambial, houve adesão de poucos países na incorporação da lei de Haia às suas legislações, pois as nações possuíam uma legislação significativa, o que dificultava a mudança tão radical, aliado ao fato de inicio da Primeira Guerra Mundial.
 Finalmente em 15/05 a 07/06 de 1930 foi realizada em Genebra, Suíça, uma nova conferencia com o intuito de se chegar a tão sonhada uniformização das legislações referente à Letra de Cambio e a Nota Promissória, com a presença de trinta e um Estados, na qual foram aprovadas três convenções: a primeira, as partes contratantes se obrigaram a introduzir em suas legislações matérias relacionadas aos títulos de crédito em discussão; a segunda visava a regularizar eventuais conflitos que surgissem acerca do objeto; e por fim a terceira, na qual as partes contratantes se obrigaram a não fazer depender a validade das obrigações cambiárias do cumprimento de disposições internas relativas ao imposto de selo.
 Em 1931 foi realizada uma nova conferencia em Genebra, com o objetivo de uniformizar a legislação referente ao Cheque, mediante a aprovação, de modo geral, das mesmas convenções de 1930.
 Elas foram assinadas por vinte e nove Estados e ratificadas por vinte e quatro, entrando em vigor na ordem internacional a partir de primeiro de janeiro de 1934, após receber a adesão ou ter sido ratificada por, pelo menos, sete membros da Sociedade das Nações ou Estados não filiados, entre os quais deveria figurar a presença de três dos membros societários com representação perante o conselho. Os aderentes, quando ratificaram as convenções genebrianas, assumiram o compromisso de adotar nos seus respectivos diplomas legais (em francês, Inglês ou língua nacional) esse tratado. As normas genebrianas eram compostas de normas necessárias, cuja introdução no direito interno, se faz de forma imprescindível para o sucesso do processo; e as não necessárias, aquelas não obrigatórias e não necessárias na aposição dos ordenamentos.
 Para conseguir mais adeptos foi facultado às partes, no momento da ratificação ou adesão, subordinarem-se a obrigação mediante formação de reservas, mencionadas no anexo II da lei uniforme; as quais, no ensinamento do Professor Luiz Emygdio F da Rosa Júnior, consistem em “declarações  unilaterais, qualquer que seja sua redação ou denominação, feitas por um estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado”.
  Origem, características e participantes da Convenção de Genebra. Aos sete dias do mês de junho do ano 1930, o Brasil, juntamente com mais 23 (vinte e três) países, os quais doravante destacaremos por região, firmou um pacto, o qual a posteriori, veio a consagrar-se mundialmente, sendo vigente até hoje, destinando-se a regular subsidiariamente as relações creditícias.
 Essa convenção recebeu o nome da cidade aonde foi celebrada, in casu, Genebra, ensejando a criação de uma lei uniforme com vistas à regulação de emissão, da forma, do endosso, do aceite, do aval, do vencimento, do pagamento, da cobrança, por parte de terceiros, das alterações e da prescrição concernente à letra de câmbio e a nota promissória.
 Em sua completude e originalidade, a presente convenção possui ao todo cento e um artigos, divididos em dois anexos, sendo o primeiro constituído por setenta e oito artigos e o segundo por vinte e três artigos.
 As nações signatárias da Convenção de Genebra são as seguintes:
  
PAÍSES PARTICIPANTES DA CONVENÇÃO DE GENEBRA
AMÉRICA DO SUL
EUROPA OCIDENTAL
EUROPA ORIENTAL
ÁSIA

Brasil
Alemanha
Polônia
Japão

Colômbia
Áustria
República Helênica


Equador
Bélgica
Hungria



Dinamarca
Tchecoslováquia



Espanha
Iugoslávia



Finlândia
Turquia



França
Dantzig (Polônia)



Itália




Luxemburgo




Noruega




Holanda




Portugal




Suécia




Suíça



 Títulos de Crédito no BrasilA letra de cambio foi albergada pelo Código comercial de 1850 sendo disciplinada, por exemplo, no seu artigo 354 onde enumerava os seus requisitos: declaração de valor recebido, especificação se foi em moeda e a sua qualidade, em mercadorias, em conta ou por qualquer maneira; como esse nosso instrumento legislativo seguia o sistema francês, a provisão de fundos nas mãos do sacado era pressuposto do saque, sob pena de responder por perdas e danos, se por falta de provisão a letra deixasse de ser aceita ou paga. Ele ainda disciplinava as letras da terra, notas promissórias, e créditos mercantis.
Vigoraram os preceitos cambiários do Código Comercial até 1908, quando foi sancionado o decreto 2044, projeto do doutor João Luiz Alves, com a oitiva do desembargador José Antônio Saraiva, e da fundamental influência do jurista Rodrigo Otávio, que representou o Brasil em Haia. Esse estatuto, tendo em vista a singularidade política da época, foi publicado como decreto, mas é considerado por muitos como lei.
 Ele se define com supedâneo nos ideais alemão acerca do Direito cambial, desprezando os ensinamentos franceses; além de ser considerado, por jurisconsultos influentes, como um diploma de excelente qualidade e de destaque internacional.
 Adesão do Brasil à Convenção Conforme citado acima, o Brasil esteve presente em inúmeras conferências internacionais com o escopo de se criar um direito unificado em matéria de letras de câmbio e notas promissórias, tendo como representantes o Dr. Rodrigo Otávio na Conferência de Haia e o Dr. Deoclécio de Campos na Conferência de Genebra.
 Apesar de o Brasil ter participado de todas as conferências internacionais realizadas, e de ser incontestável a competência e a atuação de destaque de seus delegados especiais, o mesmo não aderiu a Convenção de Genebra subitamente, conforme fizeram países como França e Itália, os quais, em pouco tempo, tendo referendado a convenção, incluíram definitivamente em seus direitos internos, mediante a promulgação de novas leis nacionais, os princípios consagrados e delineados na convenção sobre a qual ora versamos.
 Diante disso, causa-nos no mínimo estranheza, o fato de o Brasil ter demandado 12 (doze) anos a aderir expressamente a convenção. Qual será o motivo de tamanha delonga? Se a LUG não tinha utilidade para o Brasil, então por que participar das convenções? Grandes doutrinadores como Fran Martins ou Rubens Requião sequer mencionam a respeito. Apenas contam os fatos históricos, aludindo os procedimentos e os meios adotados. Para dirimir nossas dúvidas ou aumenta-las ainda mais, buscamos nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho uma resposta, qual seja:
 “O Brasil, quando participou da Convenção de Genebra, já possuía um direito cambiário bastante evoluído, representado pelo Decreto nº 2.044, de 1908. Talvez em razão de contar com aparato legislativo atualizado, acabou retardando o cumprimento de Convenção genebriana”. Levados pela égide do pensamento acima exposto, percebemos que para aquele renomado autor, a demora na adesão dos tratados internacionais é justificado pelo fato do país ao qual é facultada a adesão ou não, já possuir uma legislação atualizada ou moderna. Data máxima vênia, discordamos inteiramente do autor, pois a premissa maior, ou seja, o objeto dos acordos internacionais é justamente facilitar a interação entre os países, estreitando-se os laços bilaterais ou sinalagmáticos entre eles, e o meio mais eficaz para a realização de tal intento é criar normas ou leis comuns. Portanto, a justificativa de o Brasil ao tempo da Convenção de Genebra já possuir uma legislação moderna não é motivo para tamanha delonga.
 Com base nesse questionamento e da resposta que a ele foi dada, lamentamos que somente em 26 de agosto de 1942, ou seja, transcorrido um lapso temporal de 12 (doze) anos, veio o governo brasileiro aderir a presente convenção por nota da legação brasileira em Berna dirigida ao Secretário-Geral da Liga das Nações.
  A vigência da lei uniforme no direito
 Para que a Lei Uniforme de Genebra pudesse vigorar no Brasil não era necessário, apenas a adesão expressa do nosso país a Convenção criadora da lei uniforme perante a Liga das Nações. Destarte, exigia-se como condição sine qua non para vigorar a LUG no Brasil uma ratificação legislativa. Assim sendo, após 22 (vinte e dois) anos de adesão desse Estado à convenção de Genebra foi emitido pelo Congresso Nacional o Decreto Legislativo nº 54 (cinqüenta e quatro). No entanto, o simples Decreto Legislativo ainda não foi o suficiente, exigia-se ainda mais para que a LUG pudesse produzir algum efeito em nosso direito interno. Era exatamente a promulgação, que finalmente veio a ocorrer, quase dois anos depois em 24 de janeiro de 1966, por intermédio do Decreto Executivo nº 57.663, o qual promulgou as seguintes convenções:
 a)                                        Convenção para adoção de uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias;
b)                                        Convenção destinada a regular certos conflitos de leis em matéria das letras de câmbio e notas promissórias e protocolo;
c)                                        Convenção relativa ao direito do selo em matéria de letras de câmbio e notas promissórias.
 Pelo decreto Legislativo nº 54 o Congresso Nacional apenas aprovou a LUG, ficando a cargo do Presidente da República a promulgação das três convenções, determinando que sejam executadas e cumpridas.
 Polêmica sobre a vigência da LUG como integrante do direito interno brasileiro No que concerne ao poder legítimo para determinar o início da vigência da LUG no Brasil, a doutrina encontra-se dividida sob a égide de posicionamentos, em suas essências parecidos, mas regados pela opinião pessoal de cada um.
 Seria competente o Poder Legislativo ou o Poder Executivo para determinar essa aplicação? Juristas como Whitaker asseveram que a vigência teve início pelo Decreto Legislativo nº 54, pois a competência para reconhecer a validade das convenções e tratados internacionais é do congresso Nacional. Fabio Ulhoa Coelho, por sua vez, complementa essa entendimento, afirmando que “a via escolhida, em 1966, para fazer valer a Convenção de Genebra no direito brasileiro, não era a tecnicamente a correta. O Decreto nº 2.044/08 possui estatuto de lei ordinária, e sua revogação não pode ocorrer por meio de simples Decreto do Poder Executivo, mas apenas por outra lei”. Desse modo, o meio adequado seria o envio de um projeto de lei ao Poder Legislativo.
 Questão assaz conflitiva está relacionada à vigência da LUG enquanto integrante do direito interno pátrio, visto que após a promulgação do Decreto Executivo nº 57.663, surgiram até mesmo em relação à doutrina e a jurisprudência uma série de dúvidas acerca da afirmativa de que a LUG estaria ou não em vigor, e se estaria o Decreto 2.044 revogado ou não.
 No tocante a esse impasse surgiram três correntes com o escopo de dirimi-la. A primeira representada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul admitiu a tese de que a Lei uniforme passara a constituir direito interno brasileiro, revogando a lei 2.044; a segunda corrente encabeçada pelo Tribunal de Alçada de São Paulo defendia a idéia de que fora apenas aceita a convenção para a adoção de uma lei sobre letras de cambio e notas promissórias, devendo-se levar em consideração as reservas feitas pelo governo brasileiro de modo que esta simbiose: convenção + reservas pudesse ser submetida à apreciação do Congresso, o qual deveria discutir e aprovar a lei; por fim destacamos ainda uma terceira corrente também aprovada pelo Tribunal de Alçada de São Paulo, admitindo ou considerando que a lei uniforme não revogou o Decreto nº 2.044, tendo eficácia a LUG, apenas, perante as relações internacionais.
 Em face de tamanha controvérsia achou-se necessário que o próprio Poder Executivo fosse chamado, de modo que emitisse um parecer definitivo sobre a aplicação ou não da lei uniforme. Essa consulta foi dirigida à consultoria Geral da República, tende como parecerista o professor Adroaldo Mesquita da Costa, o qual se posicionou pela adoção da lei uniforme, revogando-se, conseqüentemente, o Decreto 2.044. Seu parecer foi extremamente taxativo, senão vejamos:
  “Estão em vigor no Brasil a lei uniforme sobre letras de cambio e nota promissória, assinada em Genebra em 7 de junho de 1930, e a lei uniforme sobre cheque, ali assinada em 19 de março de 1931, ambos com as necessárias adaptações de seus textos aos textos ainda vigentes de nosso direito e a elas anteriores, em face das reservas a elas oferecidas pelo Brasil, no momento em que a elas aderiu”. Malgrado todos os esforços realizados para se chegar a um denominador comum, a oitiva do Poder Executivo não foi suficiente, visto que alguns consideravam o parecer como meramente opinativo, e não vinculativo. Desse modo, continuaram a existir flagrantes desrespeitos a lei uniforme, como por exemplo, as letras de câmbio ao portador.
 Finalmente passados 41 (quarenta e um) anos desde a adesão a Convenção de Genebra, o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou uma decisão definitiva, por intermédio do Acórdão de 04 de agosto de 1971, proferido no Recurso Extraordinário de nº 71.154, tendo como Relator o Ministro Oswaldo Trigueiro. O pleito referiu-se a um caso de prescrição de cheques, cujo prazo na lei brasileira divergia sensivelmente da Lei Uniforme, passando doravante, a predominar os dispositivos da LUG.
 O voto do Relator foi aceito por unanimidade, por esse motivo, faz-se imprescindível que o destaquemos:
 “Quanto ao direito brasileiro, não me parece razoável que a validade dos tratados fique condicionada à dupla manifestação do Congresso, exigência que nenhuma das nossas Constituições jamais prescreveu. Por outro lado, acho que, em virtude dos preceitos constitucionais anteriormente citados, a definitiva aprovação do tratado, pelo Congresso Nacional, revoga as disposições em contrário da legislação ordinária”. Assim, ante essa imorredoura decisão do STF, fica esclarecido, definitivamente, que as disposições presentes na legislação ordinária, antagônicas ao disposto da LUG estariam revogadas. Portanto, a partir desse momento, não havia mais motivos para a não aplicação da Lei Uniforme, cuja titularidade no tocante a regulação dos títulos de crédito no Brasil era indubitável, sendo aceita a aplicação do Decreto 2.044/08 em casos de lacunas.
 Reservas à Lei Uniforme de Genebra Como já elucidamos no decorrer do presente trabalho, a Convenção de Genebra possui cento e um artigos divididos em dois anexos. Todavia, é de bom alvitre ressaltar que todos esses artigos não foram integrados em sua totalidade e literalidade ao direito interno de cada país integrante.
 Aos integrantes da Convenção foi facultada a possibilidade de também legislar a respeito, em face de uma série de peculiaridades inerentes a cada nação, levando-se pela força dos usos e costumes de cada localidade, peculiaridades essas que se manifestam pelas diversidades regionais, pois devemos ter em mente que o “clima, a alimentação, a água, o próprio cenário geográfico, fatores étnicos, históricos, políticos, econômicos se encarregam de esculpir a alma e o corpo dos elementos humanos, imprimindo-lhes esses caracteres psicofísicos comuns capazes de identificar uma raça e configurar uma personalidade coletiva”[1] refletindo-se na formação da cultura de cada povo. É imprescindível elencarmos a atuação do contexto social, que atua diretamente na formação do direito consuetudinário, da jurisprudência etc, daí a necessidade de cada país apresentar suas reservas em relação aos dispositivos que entendesse inaplicáveis em seu meio.
 A Convenção de Genebra, no sentido das reservas, foi extremamente coerente com o conceito retro-mencionado, prevendo-as em seu anexo II, onde poderiam ser adotadas pelos Estados participantes com o condão de impedir a introdução em seus direitos internos de algumas normas uniformes, garantindo-se, com isso, a preservação de suas conveniências e tradições jurídicas.
 Aproveitando a oportunidade conferida aos integrantes dessa tão falada Convenção, o Brasil dos 23 (vinte e três) artigos existentes no anexo II, apresentou reservas a 13 (treze) deles, as quais citaremos: 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10, 13 , 15, 16, 17, 19 e 20.
 No caso das reservas supracitadas deve-se buscar na lei interna qual o dispositivo que regulamenta a matéria, basicamente inserta no Decreto n° 2.044/1908. Nesse raciocínio, o Governo brasileiro fez uso do instituto da ressalva, estipulando três hipóteses aplicáveis aos casos concretos:
 
  • Haverá, no direito brasileiro, prevalência do Decreto n° 2.044/1908 sobre a Lei Uniforme de Genebra quando estivermos tratando das reservas previstas no anexo II, elidindo-se, com isso, choques em seus conteúdos;
  • Abdicando da “reserva”, passam a viger os ditames da Lei Uniforme, revogando-se a do Decreto n° 2.044;
  • Vige o preceito do Decreto n° 2.044 quando não houver preceito correspondente ao da Lei Uniforme.
 Permanece, assim, vigorando, quanto a tais disposições, o já mencionado Decreto, com supedâneo em diversas regras contidas em nosso ordenamento jurídico, com destaque para o advento superveniente de nosso Código de Processo Civil de 1973, quanto à forma procedimental de cobrança de tais efeitos, títulos de crédito e cambiais por excelência, revestidos, em regra, de abstração, sempre que sejam objetos de transferência a terceiros, endossatários de boa fé, alheios à relação negocial fundamental e, mais recentemente, para a Lei n° 9.492, de 10/9/1997, que definiu competência e regulou os serviços concernentes ao protesto de títulos (e outros documentos de dívida), entre eles a Letra de Câmbio, ordem de pagamento, de iniciativa do sacador, que também pode intitular-se tomador ou favorecido (ou designar um terceiro) e a Nota Promissória, promessa de pagamento, que já nasce reconhecida pelo emitente ou devedor, em favor de outrem, pressupondo, assim, em princípio, maior certeza no Recebimento.
 Desse modo, diante de tudo que já expomos no presente trabalho, não resta dúvidas que no que pertine as matérias reservadas, permanecem em vigor as normas correspondentes do Decreto 2.044 que compõem a chamada lei cambial interna. Outro ponto a ser elucidado é o fato de que como não houve revogação expressa desse Decreto, por força do artigo 2º, § 1º, da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil), os dispositivos correspondentes a matérias não abarcados pela Lei Uniforme continuam vigentes.
 Tradução da Lei Uniforme O Brasil ao adotar a Lei Uniforme, não fez a sua própria tradução da mesma, com as devidas adaptações necessárias para a correta utilização do português brasileiro, levando-se em consideração os usos e costumes, aspectos esses que ensejam uma hermenêutica mais apurada dos dispositivos da lei.
 Sendo flagrante essa omissão do Governo brasileiro, dizemos que de fato foi adotada a tradução feita por Portugal. Isto se verifica se compararmos a lei brasileira (Decreto nº 2.044) com a tradução portuguesa, pois as palavras são praticamente as mesmas, havendo divergências, apenas, nas construções frasais.
 Acerca dessa temática, o grande doutrinador Fran Martins, concordando com Pinto Coelho, assevera o seguinte desiderato:
 “A tradução da Lei Uniforme adotada em Portugal tem merecido, de mestres portugueses, severas críticas pela maneira falha com que foi feita. Sendo aquela tradução adotada no Brasil, é lógico que nossa lei cambiária, seguindo o texto oficial em vigor, está eivado de erros que merecem ser corrigidos, pois alguns deles desvirtuam completamente o sentido original e verdadeiro da Lei Uniforme”. No texto divulgado no Brasil, além da deficiente tradução portuguesa, existem outras deficiências no momento da transcrição da tradução original adapta para o nosso direito, prejudicando sensivelmente os intérpretes ou aplicadores da lei.
 Os textos aprovados o foram em dois idiomas – o francês e o inglês – começando por aí a dificuldade em adaptar-se às suas versões, não bastasse, hoje, a enorme distância, no tempo, desde a sua edição, completamente desatualizado em relação aos novos ventos que sopram, na economia, seja em função da sua globalização, da abertura de nossas fronteiras, da integração dos povos, a par da revolução tecnológica com o surgimento da informática, da internet, da microfilmagem, da tecnologia laser (light amplification by stimulated emission of radiation), das relações comerciais virtuais, sistemas criptografados, do incremento na utilização do cartão de crédito, dos títulos escriturais, abandonando-se, cada vez mais, a cartularidade etc.
 Nesse diapasão, assumem relevo erros crassos cometidos na tradução para o vernáculo, em autênticas, típicas e características “gafes legislativas”, tais como o confundir a figura do mandante com a do mandatário (v. art. 18, in fine, do anexo I), além da figura do avalista ou avalizado com a do fiador ou afiançado (v. art. 32, 1a alínea, do mesmo anexo), embaralhando os institutos do aval, de natureza cambiária, com o da fiança, de naturezas mercantil e civil, induzindo, assim, o neófito e o incauto à incompreensão, à dificuldade e ao erro.
 Além dos erros já citados, elencamos mais três da obra do professor Fran Martins, erros esses que chamam atenção, pela sua dimensão tão insignificante, mas que podem gerar interpretações diversas:
 a)                                             A expressão equivalente a lettre de change em francês deveria ser letra de câmbio em nossa tradução, e não somente letra;
b)                                             No art. 11, 1º al.: existe a Expressão “toda a letra de câmbio” (que significa a letra de câmbio em sua completude), mas de "toda letra de câmbio”;
c)                                             No art. 10 é utilizado o termo “falta grave”, não obstante o real significado seja “culpa grave”, conforme a expressão francesa “faute lourde” ou inglesa “negligence”. Requisitos na Lei Uniforme A Lei Uniforme de Genebra impõe requisitos para a emissão e forma da letra de cambio, quais são eles:
 
  • Extrínsecos e Intrínsecos:
  1. A expressão "letra de câmbio", inscrita no próprio texto;
  1. O mandato puro e simples não sujeito à condição, de pagar quantia determinada;
  1. O nome e identificação daquele que deve pagar (sacado);
  1. A época do pagamento;
  1. A indicação do lugar do pagamento;
  1. O nome da pessoa a quem (ou à ordem de quem) a letra deve ser paga (tomador);
  1. Indicação da data/lugar onde a letra é passada ou emitida;
  1. A assinatura de quem passa a letra.
 Há requisitos os quais a própria Lei Uniforme relativisa sua obrigatoriedade, o que é o caso dos itens 4, 5 e 7 quando no seu art.2º diz: “(...) a letra de cambio em que não indique a época do pagamento entende-se pagável à vista; na falta de indicação especial, o lugar destinado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do  sacado; a letra sem indicação do lugar onde foi passada considera-se tendo sido no lugar designado, ao lado do nome do sacador.
Com a orientação do Professor Fran Martins elaboramos um quadro comparativo, a seguir, a titulo de ilustração sobre o assunto:
 

Lei Uniforme
Lei Brasileira
Época do Pagamento
Deve constar do título “a época do pagamento”, porém, a Lei Uniforme admite a existência e validade do título sem esse requisito.
Não era exigido na lei brasileira, esta estabelecia que a época do pagamento deveria ser “precisa e única”.
Lugar do Pagamento
A letra deve conter ‘a indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento’, porém, também não considera esse requisito essencial para a validade do título. Na falta de indicação especial, o lugar destinado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, como na lei brasileira anterior.
Não continha dispositivo semelhante, dizendo apenas que “a letra deve ser apresentada ao sacado ou ao aceitante para o pagamento no lugar designado”. Referia-se, ainda, à letra domiciliada. Não havia menção expressa de contar no título o lugar em que esse devia ser pago.
Lugar da emissão
Deve constar a “indicação da data em que e do lugar em que a letra é passada” aquela sendo essencial e essa na ausência de menção, será considerada como sendo emitida no lugar designado ao lado do nome do sacador. Se não constar da letra lugar do domicilio do sacador, obrigatoriamente deverá haver o lugar da emissão, pois na havendo ambos a letra não terá efeitos de letra de cambio.
Presumia mandato ao portador para inserir a data. Presumia mandato também no caso de não haver o lugar da emissão.
 Hoje predomina o entendimento que a lei não veda a emissão de cambial indexada ou com cláusula de correção monetária, desde que sejam índices oficiais ou de conhecimento comum no comércio. Conforme súmula do STF o título poderá ser sacada e circular incompleta, devendo os requisitos estarem cumpridos no momento de cobrança ou protesto.
 O STF, a Lei Uniforme de Genebra e os Tratados Internacionais Neste tópico a finalidade é apenas esboçar alguns pontos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como também identificar a interpretação dada pelo Tribunal aos tratados internacionais, em especial à Lei Uniforme de Genebra. Em suma procurar vislumbrar o tratamento dispensado pelo Supremo Tribunal Federal aos pontos polêmicos atinentes aos conflitos existentes entre o direito interno e o direito internacional.
 O problema da concorrência entre tratados internacionais e leis internas de estatura infraconstitucional, pode ser resolvido, no âmbito do direito das gentes, em princípio, de duas maneiras. Numa dando prevalência aos tratados sobre o direito interno infraconstitucional, a exemplo das constituições francesa de 1958 (art. 55), grega de 1975 (art. 28, § 1.º) e peruana de 1979 (art. 101), garantindo ao compromisso internacional plena vigência, sem embargo de leis posteriores que o contradigam. Noutra, tais problemas são resolvidos garantindo-se aos tratados apenas tratamento paritário, tomando como paradigma leis nacionais e outros diplomas de grau equivalente.[2] Ou seja, havendo conflito entre tratado e lei interna a solução é encontrada aplicando-se o princípio lex posterior derogat priori.
  No Brasil, é posicionamento do Supremo Tribunal Federal, desde o final dos anos setenta, em acolher o sistema paritário que equipara juridicamente o tratado internacional à lei ordinária federal podendo, por isso, revogar as disposições em contrário, ou ser revogado (rectius: perder eficácia) diante de lei posterior[3]. Teve como marco desta posição o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, em 1977, o qual se detinha, no tocante à matéria constitucional-internacional, sobre a alegada inconstitucionalidade do Decreto-lei nº 427/69, sob a alegação de contrariedade à Convenção de Genebra sobre Títulos de Créditos (Lei Uniforme) assinada e ratificada pelo Brasil, de acordo com o texto constitucional.
  RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 80.004 – SE - (Tribunal Pleno)
 Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Cunha Peixoto. Recorrente: Belmiro da Silveira Góes Recorrido: Sebastião Leão Trindade  Convenção de Genebra – Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias – Aval aposto à Nota Promissória não registrada no prazo legal – Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-lei nº 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei nº 427/1969, que instituiu o registro obrigatório da Nota Promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto. Recurso extraordinário conhecido e provido. (R.T.J. 83, p. 809-48).
 O recurso foi julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal que, por maioria de 08 a 01, embora houvesse divergência entre os fundamentos dos votos vencedores; o que ficou decidido na oportunidade, é que na ausência de uma norma constitucional que atribua prevalência ao tratado internacional sobre a lei interna, deve-se dar valor ao entendimento firmado no Poder legislativo.
 Explica o Ministro Francisco Rezek: “De setembro de 1975 a junho de 1977 estendeu-se, no plenário do Supremo Tribunal Federal, o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004, em que assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre o tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano deve ter sua prevalência garantida pela Justiça – sem embargo das conseqüências do descumprimento do tratado, no plano internacional. (…) Admitiram as vozes majoritárias que, faltante na Constituição do Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado internacional sobre as leis do Congresso, era inevitável que a Justiça devesse garantir a autoridade da mais recente das normas, porque paritária sua estatura no ordenamento jurídico”.[4] O tema do conflito entre as normas internacionais e a ordem interna evoca duas grandes correntes doutrinárias:
 ·               O dualismo, pregado no âmbito internacional por Triepel e Anzilotti, e seguido no Brasil por Amílcar de Castro;
·               E o monismo, concepção desenvolvida por Hans Kelsen, e seguido no Brasil pela maior parte da doutrina, inclusive Valladão, Tenório, Celso Albuquerque Mello e Marotta Rangel.
 Para os dualistas, inexiste conflito possível entre a ordem internacional e a ordem interna simplesmente porque não há qualquer interseção entre ambas. São esferas distintas, que não se tocam. Assim, as normas de direito internacional disciplinam as relações entre Estados e entre estes e os demais protagonistas da sociedade internacional.
 O monismo jurídico afirma, com melhor razão, que o direito constitui uma unidade, um sistema, e que tanto o direito internacional quanto o direito interno integram esse sistema. Por assim ser, torna-se imperativa a existência de normas que coordenam esses dois domínios e que estabeleçam qual deles deve prevalecer em caso de conflito.
 Na afirmativa de Francisco Campos, mesmo quando a Constituição manda incorporar ao direito interno as normas provenientes do direito internacional, isto “não significa que o Corpo Legislativo fique impedido de editar novas leis contrárias ao disposto nos tratados. O único efeito de recepção do direito internacional no quadro do direito interno é de dar força de lei às normas jurídicas assim incorporadas à legislação. Neste caso, os tratados valerão como lei e, nesta qualidade, serão aplicados pelos Tribunais, da mesma maneira, na mesma extensão e com a mesma obrigatoriedade própria à aplicação do direito interno”. [5] Para Maria Helena Diniz: “O critério lex posterior derogat legi priori significa que de duas normas do mesmo nível ou escalão, a última prevalece sobre a anterior”. E continua: “Ensina-nos Alf Ross que, indubitavelmente, trata-se de um princípio jurídico fundamental, mesmo que não esteja expresso em norma positiva. O legislador pode revogar lei anterior, criando uma nova lei com ela incompatível, que ocupará seu lugar. Mas não se pode, continua ele, elevar esse princípio à categoria de axioma absoluto, porque a experiência demonstra que pode ser deixado de lado se contrariar certas considerações”.
 Em Comentário à Constituição, do site do STF , 03/06/2005, ao art.5º, inc. LXXVIII, parágrafo 2º, o STF diz:
Prevalência da Constituição, no Direito Brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. (...) Alinhar-se ao consenso em torno da estrutura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com entendimento – majoritário em recente decisão de STF (ADInMC 1.480) – que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à clausula do Pacto de São José, de garantia de duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de editar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma, convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir.” (RHC 79.785, Rel. Min. Sepúlvera Pertence, DJ 22/11/02).
“Subordinação normativa dos tratados internacionais à Constituição da Republica. (...) Controle de constitucionalidade de tratados internacionais no sistema jurídico brasileiro. (...) Paridade normativa entre atos internacionais e normas infraconstitucionais de direito interno. (...) Tratado internacional e reserva constitucional de lei complementar. (...) Legitimidade constitucional da convenção nº 158/OIT, desde que observada a interpretação conforme fixada pelo Supremo Tribunal Federal”.(ADI 1.480 – MC, Rel.min. Celso de Mello, DJ 18/05/01). Com o advento da Emenda Constitucional nº 45 que inclui no art.5º, inc. LXXVIII, parágrafo 3º a seguinte redação: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Tendo em vista, ser demasiado recente não há um juízo mais apurado acerca do citado artigo e sua conseqüências no mundo jurídico, no entanto podemos especular no sentido de que, pelo menos, em relação aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos o STF deverá mudar sua opinião.
 Referências BibliográficasDA ROSA, Luiz Emygdyo. Títulos de Crédito. 3ª edição. Rio de Janeiro. Renovar. 2005.
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7ª edição. São Paulo. Saraiva.2004.
REQUIÃO, Rúbens. Curso de Direito Comercial. 20ª edição. São Paulo. Saraiva. 1995;
MARTINS, Fran. Títulos de Crédito Volume I, Letras de Câmbio e Notas Promissórias segundo a Lei Uniforme. 8ª edição. Rio de Janeiro. Forense. 1993.
DE PAULA, Edison Mesquita. Leis Uniformes sobre Cambiais e Cheques. 1ª edição. Bauru-SP. Jalovi. 1983.
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, 6.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
GOMES, Luiz Flávio, "A questão da obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil: particular enfoque da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", RT 710/26.
 BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo: Saraiva, 1996.
DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas, 3.ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998.
CAMPOS, Francisco. Direito constitucional, vol. II. Rio: Freitas Bastos, 1956.
Site do STF: www.stf.gov.br
 

[1] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado – 26 ed. Atualizada pelo Prof. Miguel Alfredo Maluf Neto – São Paulo: Saraiva, 2003, pg 16.
[2] Cf. José Francisco Rezek. Direito internacional público…, p. 104.
[3] Cf. Luiz Flávio Gomes, “A questão da obrigatoriedade dos tratados…”, RT 710/26.
[4] José Francisco Rezek. Direito internacional público…, p. 106-107.
[5] Francisco Campos. “Imposto de vendas e consignações – Incidência em sobretaxas cambiais – Ágios e bonificações – Acordos internacionais sobre paridade cambial”, p. 452-458.
 

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