Alfredo de Assis Gonçalves Neto, professor e advogado
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli)
veio atender aos anseios do empresário que quer exercer sua atividade sem
parceiros, sem os riscos que normalmente decorrem do empreendimento. Para
evitar esses riscos, à falta de instituto semelhante, a pessoa, que queria
desenvolver uma atividade econômica com seus esforços pessoais, acabava tendo
de buscar sócios para que sua responsabilidade pelos negócios de sua empresa
ficasse restrita ao patrimônio afetado à atividade assim desenvolvida.
Criaram-se sociedades fictícias, com sócios de palha, nada interessados no
negócio, a qual, quando se expandia, muitas vezes aguçava problemas de
relacionamento, com transtornos financeiros para o verdadeiro empreendedor.
A Lei 12.441/2011, que entrou em vigor em janeiro do
corrente ano, veio permitir que, daqui em diante, o empresário possa exercer
sua atividade individualmente, sem necessidade de buscar sócios, quando
pretender limitar sua responsabilidade pessoal no trato dos negócios de sua
empresa. Para tanto, basta que siga as orientações constantes das Instruções
Normativas (IN) 117 e 118 do Departamento Nacional do Registro do Comércio
(DNRC).
Essa indicação aparentemente simples encobre questões bastante
polêmicas atinentes não só à constituição da denominada Eireli (acento tônico
na última sílaba), como ao seu funcionamento. Sendo muitas as perplexidades com
que me deparei no estudo desse novel instituto (publicado na Revista dos
Tribunais 915/153-1180), coloco em destaque, aqui, uma das questões que mais
tem sido discutida.
Trata-se de saber se a Eireli pode ser criada por pessoa
jurídica. Embora o § 2º do artigo 980-A do Código Civil mencione a vedação à
“pessoa natural” para que constitua mais de uma única empresa dessa modalidade,
a dúvida surgiu porque no caput do artigo é utilizado o termo “pessoa” (no
projeto estava “pessoa natural”, que dali desapareceu sem qualquer emenda ou
explicação).
O tema foi levantado na IV Jornada de Direito Civil,
realizada no Superior Tribunal de Justiça, sob os auspícios do Centro de
Estudos Judiciários, daí resultando o enunciado 467, dispondo: “A empresa
individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa
natural”.
À luz desse enunciado e mencionando-o expressamente, o DNRC,
que, num primeiro momento, havia admitido a constituição da Eireli por pessoa
jurídica, em boa hora republicou a IN 117 para suprimir essa alternativa.
Apesar disso, a discussão continua. O Valor Econômico de 12 de março findo
publicou notícia de uma liminar garantindo a uma pessoa jurídica a criação
dessa figura, ao argumento de não ter sido feita distinção, nem ter havido
proibição no mencionado dispositivo do Código Civil.
Sou de opinião de ser mais acertada a primeira orientação. É
preciso ter em conta, em primeiro lugar, que a Eireli foi concebida com o fim
precípuo de organizar juridicamente a atividade econômica do empreendedor
individual e assim evitar que os riscos do seu negócio avancem para além do
patrimônio a ele afetado, projetando-se para apanhar o quanto destina à sua
sobrevivência e a de sua família. Essa foi a razão do surgimento da lei e é a
interpretação autêntica, que resulta dos trabalhos legislativos.
A criação da Eireli por sociedade empresária (pois não se
cogita de outra pessoa jurídica) não atenderia esse escopo, visto que o
patrimônio societário é todo destinado à realização de sua atividade-fim. Soa
absurdo imaginar que uma pessoa jurídica possa utilizar-se de um mecanismo
surgido para limitar a responsabilidade de quem tem lado humano a preservar, se
ela não o tem. O quadro agrava-se ao se observar que, podendo a Eireli ser
gerada por pessoa jurídica, esta não estaria sujeita à restrição feita à pessoa
natural de criar uma só, o que desrespeitaria o princípio do tratamento
isonômico.
Vingando entendimento diverso do aqui defendido, pode-se
vaticinar um desastre que conduzirá à desestruturação de boa parte do regime
jurídico empresarial. Para não alongar, dá para perceber que, na prática, (i)
será possível a formação de cadeias de Eirelis, a primeira constituindo outras,
(ii) as sociedades brasileiras terão a faculdade de se eximir de sua
responsabilidade pelos atos de suas filiais, substituindo-as por Eirelis, e
(iii) as sociedades estrangeiras, com absoluta certeza, deixarão de se submeter
às exigências estabelecidas para que funcionem no Brasil, tornando letra morta
o conjunto das disposições contidas nos artigos 1.134-1.141 do Código Civil, e
eliminarão a alternativa incômoda, de que hoje se utilizam, de ter parceiros
brasileiros.
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