Páginas

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

ESTELIONATO - EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS - FORMA PÓS DATADA - DESCARACTERIZAÇÃO DO DOCUMENTO, QUE DEIXA DE SER UMA ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA

Apelação criminal n. 97.010230-5, de Itajaí.
Relator: Des. José Roberge.

ESTELIONATO - EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS - FORMA PÓS DATADA - DESCARACTERIZAÇÃO DO DOCUMENTO, QUE DEIXA DE SER UMA ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA - ATIPICIDADE - APELO PROVIDO PARA ABSOLVER A RÉ.
O cheque pós-datado, dado para pagamento futuro, por ter sido descaracterizado como verdadeiro cheque, não tipifica o delito do artigo 171, § 2º, VI, do CP.
Vistos, relatados e discutidos, estes autos de Apelação Criminal n. 97.010230-5, da comarca de Itajaí, em que é apelante Vera Lúcia Lara, sendo apelada a Justiça, por seu Promotor:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para absolver a apelante.
Custas legais.
1. Vera Lúcia Lara foi denunciada pelo Ministério Público da 2ª Vara Criminal da comarca de Itajaí como incursa nas sanções do art. 171, § 2º, VI, do Código Penal, porque nos dias 3 de março e 7 de fevereiro de 1995, em uma transação comercial com a vítima Odair Mendes, emitiu os cheques nºs. 194062 e 194061, do Unibanco - União de Bancos Brasileiros S/A, agência de Itajaí, conta-corrente nº 110795-8, nos valores, respectivamente, de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais) e R$ 500,00 (quinhentos reais), sendo que as referidas cártulas, ao serem apresentadas ao banco sacado, foram devolvidas, inicialmente, por insuficiência de fundos e, na reapresentação, por conta encerrada.
Regularmente instruído o feito, resultou condenada às penas de um (1) ano e dois (2) meses de reclusão e doze (12) dias-multa, com sursis, pelos fatos articulados na denúncia, c/c o art. 71, caput, do CP.
Inconformada, apelou a tempo e modo, objetivando em preliminar, o retorno dos autos à origem, "a fim de que a Meritíssima Juíza a quo se digne mandar expedir um ofício ao Banco Unibanco - Agência 775, a fim de que o mesmo possa confirmar o depósito interagência efetuado no dia 6 de março de 1995 pela apelante, na conta da vítima Odair Mendes, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), de conformidade com o artigo 616 do Código de Processo Penal" (fl. 76).
No mérito, pretende se ver absolvida, ao argumento de que os cheques foram emitidos em garantia de dívida, na forma pré-datada, inocorrente a fraude necessária à tipificação do delito.
Com as contra-razões, ascenderam os autos a esta instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinado pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
2. A preliminar é inacolhida. Sabe-se da viabilidade de baixar o processo em diligência, conforme preceito contido no art. 616, do CPP. Entretanto, não é o caso dos autos. Como bem salienta o douto parecer de fls., trata-se de pretensão à diligência de interesse da parte, que deveria ter sido requerida na fase do art. 499, do CPP, posto que não se trata de documento de produção superveniente aos fatos, até então estranhos a eles.
Mas no mérito, sobram-lhe razões para sucesso de sua pretensão absolutória. É que, como é de fácil ver, os documentos que estão às fls. 8 e 9, em seus originais, foram, ambos, expedidos na mesma oportunidade, com data pós fixada. A boa prova trazida pela defesa é maciça neste sentido.
Como se vê, os cheques têm numeração contínua, 794061 e 794062, o primeiro de R$ 500,00 para ser apresentado em 7 de fevereiro e o segundo em 7 de março; quase trinta dias um do outro. No dia 7 de fevereiro, o primeiro cheque foi apresentado e devolvido por insuficiência de fundos e, o segundo, em 3 de março. Seguramente, quem estava em poder de um cheque sem fundos de R$ 500,00, não iria receber, como pagamento, outro de R$ 2.200,00 cerca de um mês depois. Anota-se, ainda, que em 9 de fevereiro, o primeiro cheque foi reapresentado e, desta vez, a conta da emitente houvera sido encerrada. Assim, se verdade fosse que não houvera cheque pós datado, o credor jamais iria receber outro cheque de quem, sabia, não mais tinha conta no banco e, se recebesse, não estava sendo enganado, pois tinha ciência do encerramento da conta. Desaparece ou inexiste, assim, o elemento "engano", um dos requisitos do estelionato. Nenhuma dúvida há que trata-se de cheque pós datado. Além da evidência decorrente do acima exposto, observa-se que a recorrente provara, documentadamente, que entre as datas 7 de fevereiro e 3 de março (cheques 794061 e 794062), expediu diversos cheques daquele talonário, como se vê dos documentos de fls. 39, 85 e seguintes.
Anota-se que a recorrente foi condenada por infração ao artigo 171, § 2º, inciso VI, vale dizer, por fraude no pagamento por meio de cheque, salientando, sempre, que quando da emissão dos cheques, sua conta não estava encerrada; aliás, se estivesse, seu credor sabia.
Ora, o cheque é uma ordem de pagamento à vista. Entre as partes ele representa "dinheiro". É uma ordem dada pelo emitente para que um estabelecimento (o sacado) pague ao apresentador ou portador, o valor que no documento se contém. Se esse documento foge à sua função precípua que é o "pagamento à vista" e é emitido para pagamento futuro, passa a ser uma promessa de pagamento ou um quirógrafo comum, mas não um cheque, e faz desaparecer o elemento moral consistente no "manter em erro", que é o engano característico do estelionato. É que falta o artifício ou ardil, pelo qual alguém é mantido em erro.
Ora, "o cheque pós-datado, dado para pagamento futuro, por ter sido descaracterizado como verdadeiro cheque, não tipifica o delito do artigo 171, § 2º, VI, do CP".
Face o exposto, dá-se provimento ao recurso para absolver a recorrente.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Alberto Costa e Álvaro Wandelli, e lavrou o parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Vilmar José Loef.
Florianópolis, 27 de novembro de 1997.
José Roberge
PRESIDENTE E RELATOR
Ap. Crim. nº 97.010230-5

Nenhum comentário:

Postar um comentário