RECURSO ESPECIAL
Nº 1.591.294 - PR (2014⁄0025337-9)
RELATÓRIO
O SENHOR
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de
recurso especial interposto por BRF Brasil Foods S.A. fundamentado nas alíneas
a e c do permissivo constitucional.
Depreende-se do
autos que Nestlé Brasil Ltda. e outras propuseram ação inibitória cumulada com
perdas e danos contra a recorrente.
Em sua inicial,
afirmou ser titular da marca Chandelle utilizada para designar produto de
chocolate em creme, e que a recorrida inseriu no mesmo mercado, sobremesa
cremosa de chocolate sob a marca Chocomilk. Alegou, em síntese, que o novo
produto possui composição visual que imita o conjunto-imagem (trade dress) dos
produtos que comercializa.
Em sentença, o
pedido foi julgado improcedente.
Interposto
recurso pelas ora recorridas, o Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade,
deu parcial provimento à apelação, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls.
950-951):
- PROPRIEDADE INDUSTRIAL - AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM PERDAS E DANOS - OCORRÊNCIA DE CONTRAFAÇÃO E CONCORRÊNCIA DESLEAL - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - AGRAVO RETIDO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - PREJUDICADO - OS PEDIDOS SE CONFUNDEM COM O MÉRITO DO RECURSO DE APELAÇÃO - APELAÇÃO CÍVEL - PROTEÇÃO AOS OUTROS SIGNOS DISTINTIVOS (ART. 5, XXIX DA CF) EM COMBATE AOS ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL (ART. 195 E INCISOS DA LEI N.º 9.279⁄96) - CONTRAFAÇÃO AO CONJUNTO IMAGEM, "TRADE-DRESS" - OCORRÊNCIA - SEMELHANÇA ENTRE OS ELEMENTOS POSTOS NA EMBALAGEM - INDIVIDUALMENTE SÃO SIGNOS DISTINTOS, MAS QUANDO ANALISADOS PERANTE O CONJUNTO DE IMAGEM GERAM CONFUSÃO AOS CONSUMIDORES - AS PEQUENAS DISTINÇÕES NAS EMBALAGENS NÃO LHES GARANTEM DISTINTIVIDADE - PRESENTES OS REQUISITOS CARACTERIZADORES DA CONCORRÊNCIA DESLEAL FUNDADA NA CONFUSÃO: ANTERIORIDADE DO PRODUTO CONCORRENTE; EXISTÊNCIA DE IMITAÇÃO E SUSCETIBILIDADE DE SE ESTABELECER A CONFUSÃO - PROTEÇÃO AO "TRADE-DRESS" DO PRODUTO CHANDELLE - NÃO RECONHECIMENTO DE AMPARO AO PRODUTO CHANDELLE LIGHT - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO A CONCORRÊNCIA ENTRE OS PRODUTOS CHANDELLE LIGHT E BATAVO CREAMY LIGHT - CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS - LUCRO CESSANTE NOS TERMOS DO ARTIGO 210 DA LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - DANOS MORAIS - AFASTAMENTO - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO DANO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - RECURSO ADESIVO - OCORRÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - AFASTAMENTO - MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PREJUDICADO - NEGADO PROVIMENTO - READEQUAÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA MODIFICADA.
Opostos embargos
de declaração por ambas as partes, foram eles rejeitados.
Nas razões do
presente recurso especial, as recorrentes alegam violação dos arts. 124 e 195
da Lei n. 9.279⁄1996; 186 e 944 do CC⁄2002; e 14, 16, 17, 18 e 333 do CPC⁄1973,
bem como dissídio jurisprudencial.
Assevera a
recorrente que foi atribuída a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) da
recorrida, em razão da utilização de sinais comuns e da cor da embalagem,
elementos que sequer seriam passíveis de registro para utilização exclusiva.
Acrescenta que
não ficou demonstrada a utilização anterior do mesmo conjunto-imagem, e que o
Tribunal de origem concluiu pela anterioridade da utilização em razão da
existência do produto desde 1986, quando o produto da recorrida não era ainda
denominado Chandelle, mas sim Chamborcy. Afirma o descumprimento da regra de
distribuição do ônus da prova, de modo que o tribunal de origem teria presumido
fato que dependia de prova não produzida pela autora, ora recorrida.
Pleiteia ainda o
reconhecimento de litigância de má-fé, uma vez que a recorrida apontou, na
petição inicial, a imitação de conjunto marcário de Chandelle Light quando este
produto ainda não era produzido nem comercializado.
Por fim,
concluem que não houve a prática de ato de concorrência desleal, uma vez que
seus produtos são comercializados mediante marca própria ostensivamente
apresentada na embalagem de forma a afastar a confusão pontencial entre os
consumidores.
Contrarrazões
apresentadas (e-STJ, fls. 1.272-1.306).
Em juízo prévio
de admissibilidade, o Tribunal de origem não admitiu o recurso especial, dando
azo à interposição do AREsp n. 472.356-PR, provido para determinar a reautuação
do presente recurso.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL
Nº 1.591.294 - PR (2014⁄0025337-9)
VOTO
O SENHOR
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):
Cinge-se a
controvérsia a verificar o preenchimento dos requisitos para proteção
assegurada ao conjunto-imagem de produto ou serviço (trade dress) no que tange
à concorrência desleal por confusão.
Esta Terceira
Turma, recentemente, apreciou a questão da proteção ao trade dress sob o
enfoque da concorrência desleal por confusão, no intuito de balizar e
uniformizar a atuação jurisdicional. Trata-se do julgamento do recurso especial
n. 1.353.451⁄MG, assim ementado:
- PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO AFIM. EMBALAGENS ASSEMELHADAS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 209 DA LEI N. 9.279⁄1996 (LPI). PERÍCIA TÉCNICA REQUERIDA. DISPENSA INJUSTIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
- 1. O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.
- 2. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial. 3. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279⁄1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI).
- 4. No entanto, por não ser sujeito a registro - ato atributivo do direito de exploração exclusiva - sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão.
- 5. A confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado.
- 6. O indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes.
- 7. Recurso especial conhecido e provido.
- (REsp n. 1.353.451⁄MG, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 28⁄9⁄2017)
Na oportunidade,
reconhecendo a inegável importância crescente dos elementos imateriais da
empresa para atração do consumidor e identificação dos produtos e seus
fabricantes, assinalou-se a necessidade de se esclarecer a distinção entre
marca, desenho industrial e conjunto-imagem (trade dress) e, por consequência,
divisar o tratamento jurídico dispensado a cada um. Nessa trilha, enfatizando a
ausência de previsão legal específica para o amparo do trade dress, o qual
consiste em conjunto visual global de um produto ou a forma de prestação de um
serviço, lembrou-se que sua proteção se
fundamenta no dever geral de garantia de livre mercado, especialmente disposto
no art. 209 da Lei n. 9.279⁄1996.
Todavia, ao se
entrelaçar conceitos e vetores do direito concorrencial no direito de proteção
à propriedade industrial, mormente em casos que não se debate propriedades
registradas e objetivamente protegidas, a análise da confusão passa do plano
abstrato (questão de direito) ao plano concreto (questão de fato) e, assim,
inerentemente dependente de prova.
Isso porque não
se pode ignorar que, em alguns nichos mercadológicos, os produtos ou serviços
são apresentados ao consumidor por meio de elementos comuns e bastante
difundidos no mercado. Essa similaridade dispersa, ao contrário de configurar
uma conduta anticompetitiva, resulta num benéfico acirramento da competição na
medida em que facilita ao consumidor identificar as opções de produtos
semelhantes existentes no mercado, para então concluir sua decisão em favor da
marca que melhor lhe aprouver, seja pelo critério de preço, seja pelo critério
de qualidade, seja por qualquer outro critério que eleja voluntariamente. Desse
modo, por resultar em incremento à competição, a entrada de conjunto-imagem
semelhante em mercado já assemelhado não deve ser obstada por meio de
intervenção judicial. Esta deverá ser excepcional e sempre pautada pela
verificação concreta de que se está diante de algo novo e peculiar a ponto de
despertar o Estado de sua inércia, consequência da livre concorrência e da
liberdade de iniciativa adotadas no Brasil.
Desse modo, para
se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação
concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que
não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma
multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira
Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela
utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos
consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o
mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no
meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor
comum.
2. Alegação de
violação do art. 333 do CPC⁄1973
Muito embora
seja imprescindível a prova técnica em casos como o dos autos, em que se debate
a violação de trade dress por confusão, o acórdão recorrido, ao dar provimento
à apelação interposta pela recorrida, entendeu suficiente a aplicação de
máximas da experiência para concluir pelo potencial danoso da aproximação
visual das embalagens. É o que se evidencia do seguinte trecho (e-STJ, fl.
962):
b) O outro
requisito se configura pela simples suscetibilidade de estabelecer confusão
entre os produtos, logo, o uso de signos distintivos de forma semelhante é o
suficiente para caracterizar uma confusão.
c) Quanto à
imitação; ao contrário do que mencionou o apelante, acredito que a nítida
semelhança na estilização da linha de produtos da marca nominativa CHOCOMILK se
dê pela padronização e não pela má-fé de captar uma classe consumidora
(requisito não-obrigatório à concorrência desleal). A padronização das
embalagens [de produtos diferentes da mesma fornecedora] é uma técnica de
marketing comum às empresas de produtos alimentícios, pois visa promover o
aumento nas vendas dos outros segmentos dessa mesma linha.
Todavia, essa
tentativa de padronização tornou os conjuntos de imagens empregados pelas
partes confundíveis, prática esta que deve ser combatida.
Contudo, ao
contrário do fundamentado no acórdão recorrido e na linha das considerações
acima, inexistindo registro da embalagem em favor de algum dos litigantes, não
se cogita da existência de um direito de exploração exclusiva, de modo que a
vedação à utilização por alguma das partes depende mesmo da caracterização
efetiva de ato de concorrência desleal. Nesses casos, em que a causa de pedir é
exatamente a prática de atos anticoncorrenciais por meio da utilização de
conjunto-imagem assemelhado e apto a causar confusão no mercado consumidor,
deve-se reconhecer que o cerne do processo repousa em fato cuja caracterização
depende, a priori, de conhecimento técnico especial não exigível de um juiz de
direito, devendo, por isso, o juiz se servir do auxílio técnico de expert.
Deve-se
enfatizar que a necessidade de prova técnica, ainda que passível de dispensa
pelo juiz da causa e pelos graus ordinários de jurisdição, conforme reiterada
jurisprudência desta Corte Superior, não pode ser afastada ao livre-alvedrio do
Julgador, mas em situações justificadas e respaldadas em alguma das hipóteses
taxativamente previstas no parágrafo único do art. 420 do CPC⁄1973, vigente à
época, e repetidas no atual art. 464, § 1º, do CPC⁄2015.
No caso dos
autos, todavia, nem sequer houve o pleito da recorrida, autora da presente
ação, para produção de prova apta a demonstrar a existência da confusão entre
os produtos concorrentes, o que a ela competia nos termos do art. 333, I, do
CPC⁄1973. Ao contrário, na fase de especificação de provas e saneamento
processual, a recorrida se manifestou, de forma expressa, pela desnecessidade
de produção de provas adicionais de qualquer natureza. É o que se denota do
seguinte trecho de sua petição (e-STJ, fls. 443):
5. Informa a
Requerente, portanto, que não possui interesse na produção de provas
adicionais, reservando-se, obviamente, ao direito de contraditar eventuais
provas pleiteadas pela Requerida.
Por essa trilha,
uma vez que a notória semelhança entre os dois produtos – reconhecida pelo
TJ⁄PR – não é suficiente para caracterizar a concorrência desleal e que a prova
técnica não foi oportunamente requerida (aliás, foi expressamente dispensada),
a presente causa se resolve pela distribuição estática do ônus da prova, o qual
recai, portanto, sobre a ora recorrida. Assim, não tendo a recorrida se
desincumbido de provar o fato constitutivo de seu direito, qual seja, a
existência de ato de concorrência desleal, deve mesmo ser provido o presente
recurso para julgar improcedente a ação condenatória por ela proposta.
Com esses
fundamentos, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para restabelecer
a sentença proferida, fixando os honorários advocatícios em 15% (quinze por
cento) do valor atualizado da causa.
É como voto.
Documento:
69689931 RELATÓRIO E VOTO
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