O verdadeiro cooperativismo não é somente autorizado, mas
incentivado pelo ordenamento jurídico brasileiro, em razão de sua natureza
democrática e pelos progressos sociais que promove, propiciando uma melhor
distribuição de renda e melhores condições de trabalho. É uma forma avançada de
autogestão, com labor tipicamente autônomo, que valoriza o trabalho humano. As
cooperativas de trabalho e produção eliminam o intermediário, para o bem dos
próprios trabalhadores. E não se confundem definitivamente com as cooperativas
de trabalho que, no papel apenas de intermediadoras, cedem ilegalmente mão de
obra precarizada em proveito apenas dos tomadores de serviço. Nesse caso,
apenas esses últimos se beneficiam de mão de obra barata, sem encargos e sem
direitos, esvaziando os postos de trabalho de conteúdo social.
Esta utilização da cooperativa como mero rótulo foi
constatada pelo Juiz Marco Túlio Machado dos Santos, em sua atuação na Vara do
Trabalho de Alfenas. O magistrado ressaltou que a verdadeira cooperativa de trabalho
encontra previsão no parágrafo único do artigo 442 da CLT, que estabelece a
inexistência de vínculo de emprego entre a cooperativa e os seus associados e
entre estes e os tomadores de serviços daquela. E que é caracterizada pelos
seguintes elementos, dentre outros: affectio societatis, autogestão, isonomia
entre os associados, caráter duradouro, e principalmente, autonomia dos
cooperados, a ponto de afastar qualquer relação empregatícia. No entanto,
lembrou que o dispositivo legal citado não revogou a legislação protetiva do
emprego, no sentido do reconhecer o vínculo quando presentes os pressupostos
caracterizadores. "Não se pode esquecer que o pacto laboral é um contrato
realidade, de modo que os fatos efetivamente ocorridos prevalecem sobre requisitos
formais. Dessa forma, uma aparente relação de cooperativismo pode, na
realidade, estar ocultando um verdadeiro contrato de trabalho, com todos os
seus requisitos, previstos nos artigos 2º e 3º da CLT" , frisou o juiz.
Conforme verificou o julgador, apesar de a cooperativa ter
sido formalmente constituída, com a adesão da demandante ao quadro societário
da reclamada, não se fizeram presentes dois princípios fundamentais para a
validade da cooperativa, quais sejam: princípio da dupla qualidade e da retribuição
pessoal diferenciada. "Por princípio da dupla qualidade, entende-se a
condição, do trabalhador, como cooperado e cliente de seus próprios negócios
simultaneamente, auferindo as vantagens do empreendimento. Já o princípio da
retribuição pessoal diferenciada significa que a cooperativa deve propiciar a
valorização do trabalho humano, gerando ao cooperado a obtenção de ganho
substancialmente superior ao que teria caso não fosse associado",
esclareceu o magistrado.
Isso porque, segundo registrou, não ficou demonstrado que a
reclamante recebia retribuição mais vantajosa do que aquela cabível a um
empregado remunerado à base de um salário mínimo mensal. Tampouco a existência
de outros benefícios que originassem acréscimo significativo à sua remuneração.
Ou mesmo qualquer evidência que a suposta cooperada fosse beneficiária daquela
entidade. Aliás, emergiu da prova emprestada que a prestação de serviços se deu
no estabelecimento fabril, com a presença da subordinação a superiores
hierárquicos, imposição de cumprimento de horários e prestação de sobrejornadas
mediante efetivo controle e fiscalização pela cooperativa. Ademais, a
trabalhadora estava sujeita a sanções disciplinares caso se recusasse
injustificadamente à execução de labor suplementar que lhe fosse exigido.
Nesse cenário, o juiz concluiu tratar-se de inegável
desvirtuamento da relação jurídica de natureza cooperativista. "Todos os
fatos desvendados nos autos encaminham à conclusão de que, não obstante
regularmente constituída sob os aspectos formais, e realizando assembleias de
seus associados para pretensa validação de seus procedimentos, a Cooperativa
reclamada não tem desenvolvido suas atividades segundo o sistema
cooperativista, tal qual estabelecido no ordenamento jurídico vigente",
completou, reconhecendo, frente às reais condições de trabalho, a relação de
emprego entre as partes, bem como a função de costureira e o salário por
produção.
A cooperativa apresentou recurso da decisão, cujo seguimento
foi negado, por deserto. A decisão foi proferida anteriormente à entrada em
vigor da Nova Lei de Cooperativas (Lei nº 12.690, publicada em 20/07/2012).
( 0000674-22.2011.5.03.0086 AIRR )