Apelação Cível Nº 306.860-6
da Comarca de SETE LAGOAS – j. em 11.05.00,
pub.: DJMG de 24.05.00
EMENTA:
EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – RECEBIMENTO DE PRÊMIO ORIUNDO DE BINGO –
POSSIBILIDADE – DÍVIDA RECONHECIDA -
RECURSO NÃO PROVIDO.
- Conforme o disposto no art. 1.477 do Código
Civil Brasileiro, as dívidas de jogo ou aposta não obrigam a pagamento, tendo
em vista se tratar de obrigação natural, desmunida de ação para exigir seu
cumprimento.
- Entretanto, a maioria dos doutrinadores
brasileiros têm entendido que os vencedores de jogos autorizados, cujos efeitos
encontram-se regulados por lei especial, podem cobrar judicialmente a dívida.
A C Ó
R D Ã O
Vistos, relatados e
discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 306.860-6
da Comarca de SETE LAGOAS, sendo Apelante
(s): ICA - INSTITUTO COMUNITÁRIO ASSISTENCIAL
VOLUNTÁRIAS DA CARIDADE, Apelado (a) (s): WILSON CELSO DA COSTA e Interessado (a) (s): CRISTOVAM CENDRET FILHO,
ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de
Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO.
Presidiu o julgamento o Juiz ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL (Revisor) e dele
participaram os Juízes LAURO BRACARENSE (Relator) e QUINTINO DO PRADO (Vogal). O voto
proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes
da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 11 de maio de 2000.
JUIZ LAURO BRACARENSE
Relator
V O T O
O SR. JUIZ LAURO BRACARENSE:
Conheço do recurso ante a presença dos pressupostos legais
de admissibilidade.
Retratam os autos ação de execução de obrigação de fazer
proposta por Wilson Celso da Costa contra ICA – Instituto Comunitário
Assistencial Voluntárias da Caridade, pretendendo a condenação da requerida à
entrega de uma Pick–up S10 prometida como prêmio sorteio denominado
“Bingo” ganho pelo requerente, ou seu equivalente em dinheiro (f. 02/10).
Em sua contestação de f. 41/42 a requerida não impugnou
qualquer dos fatos deduzidos na inicial, cingindo sua manifestação ao pedido de
chamamento ao processo do Sr. Cristovam Cenderet Filho, responsável pela
organização do sorteio, bem como da aquisição dos bens a serem entregues como
prêmio (f.44).
O pedido foi deferido nos termos da decisão de f. 45, tendo
o chamado oferecido sua defesa às f. 47/48, reconhecendo o direito do autor e
requerendo um prazo de 06 (seis) meses para efetuar o pagamento do prêmio.
Pela sentença de f. 64/68 o douto sentenciante a quo
julgou procedente o pedido inicial, para condenar a requerida e o chamado,
solidariamente, a entregarem ao autor o prêmio consistente numa camionete Pick-up
S10, ano 1997, zero KM, no prazo de 05(cinco) dias ou equivalente em dinheiro,
no valor de R$21.000,00(vinte e um mil reais), estipulando para a hipótese de
não cumprimento da obrigação no prazo, multa de 50(cinquenta) vezes o salário
vigente, nos termos do inciso III, do art. 13, da Lei. 5.768/71.
Irresignada, apresentou a vencida a apelação de f. 69/75,
alegando, em suma, que o ajuste firmado entre os litigantes não constitui
promessa de recompensa, mas obrigação decorrente de jogo, a qual, à luz da
regra disposto no art. 1.477 do Código Civil Brasileiro é inexigível.
Pela leitura e exame da peça de irresignação, verifica-se
que a apelante, em seu combate à douta decisão, trouxe à discussão temas que
não foram apreciados na Instância a quo, mas que por serem ligados às
condições da ação, podem ser apreciados no presente momento.
A propósito, é a jurisprudência iterativa e dominante:
“Acerca dos pressupostos processuais e das condições da
ação, não há preclusão para o juiz, a quem é lícito, em qualquer tempo e grau
de jurisdição ordinária, reexaminá-los, não estando exaurido o seu ofício na
causa” (STJ - 4ª T., REsp. 18.711.0-SP, rel. Min. Barros Monteiro, j. 31.5.93,
deram provimento, v.u., DJU 30.8.93, p. 17.296, 1ª col., em.).
“Em se tratando de condições da ação, mesmo que haja
decisão a respeito, não há preclusão enquanto a causa estiver em curso, podendo
o Judiciário apreciá-la, em 1º ou 2º grau, e mesmo de ofício” (in RT
3/142).
Certo é que conforme o disposto no art. 1.477 do Código
Civil Brasileiro, as dívidas de jogo ou aposta não obrigam a pagamento, tendo
em vista tratar-se de obrigação natural, desmunida de ação para exigir seu
cumprimento.
Sobre o tema, Silvio Rodrigues e Maria Helena Diniz são
taxativos, entendendo que para efeitos civis, o fato de se tratar de dívida
oriunda de jogo permitido ou não é irrelevante, pois, seja qual for a espécie
de jogo, a legislação lhe nega a exigibilidade da perda sofrida.
Ocorre que, como bem menciona o autorizado Caio Mário da
Silva Pereira, em sua obra “Instituições de Direito Civil”, Forense, 10ª ed.,
v. III, p. 321/326, a dogmática do jogo e da aposta é uma das mais difíceis em
Direito Civil, faltando ao Código Civil Brasileiro uma complementação de seus
princípios, de modo a acrescentar que os jogos permitidos legitimam o ganhador
para exigir o pagamento.
Assim, diante de tais considerações, parte da doutrina pátria
tem se filiado à corrente que defende,
nas hipóteses de jogo autorizado, ter o vencedor não aquinhoado, ação
para receber o crédito.
Neste sentido, Maria Helena Diniz, afirma que:
“Por estarem autorizados, quem os vencer terá, segundo
alguns autores, dentre eles Orlando Gomes, ação para receber o crédito, pois os
ajustes por ele celebrados terão amparo legal. O contrato de jogo autorizado
tem seus efeitos regulados por lei especial, conferindo direito de crédito aos
jogadores favorecidos pela sorte, de modo que a dívida poderá ser cobrada
judicialmente.” (in “Tratado Teórico e Prático dos Contratos”, Saraiva,
1993, v. 5, p. 260).
Orlando Gomes, em sua obra “Contratos”, Forense, 1997, 17ª
ed., p. 431, salienta:
“Alguns jogos são expressamente autorizados. O próprio
Estado, em alguns países, tem, por exemplo, o monopólio da loteria. Bem é de
ver que a autorização torna lícito qualquer jogo. E, em conseqüência, válido
será, para todos os efeitos, o contrato que se celebra, configurando o jogo
lícito.”
E, continua;
“Nesse caso é plenamente eficaz. O jogador que ganhou tem o
direito de demandar o que perdeu, porquanto a obrigação deste é exigível. Não
se lhe aplica, por conseguinte a regra básica a que subordina o contrato de
jogo tolerado. A dívida de jogo autorizado obriga a pagamento. Não há cogitar,
desse modo, da exclusão de repetição, visto que diz respeito apenas às
obrigações naturais, e a dívida de jogo autorizado é obrigação perfeita.”
Para concluir:
“Em suma: as disposições coordenadas na lei civil para a
disciplina do contrato de jogo aplicam-se tão-somente, aos jogos proibidos ou
simplesmente tolerados. Os contratos de jogo autorizado têm seus efeitos
regulados nas leis especiais que o permitem, ou se regem pelos princípios
gerais do direito contratual. Conferem direito de crédito aos jogadores
favorecidos pela sorte, desde que o ganho seja obtido licitamente. Se o
perdedor se recusa a pagar, a dívida pode ser cobrada judicialmente.”
Na hipótese dos autos, objetiva o apelado o recebimento de
prêmio devido em virtude de sua contemplação no sorteio denominado “Bingo”,
realizado pela apelante, no intuito de adquirir recursos em benefício da Creche
Regina Postolórium.
E, para a possibilitar o evento, cuidou a apelante de obter
alvará judicial, o qual lhe foi deferido, de acordo com as disposições contidas
na Lei 5.768 de 20.12.71, com as alterações introduzidas pela Lei nº 5.861, de
12.12.72 (f. 19/38).
Assim, pelo que se vê dos autos, não resulta a dívida ora
exigida de obrigação decorrente de jogo ou aposta derivada de ato ilícito,
repugnado pelo nosso direito.
Ao contrário, pretende o recorrido o recebimento de prêmio
obtido em sorteio de Bingo beneficente, cuja realização tem previsão legal e,
no caso específico, foi devidamente autorizado pelo douto Juízo da Comarca de
Sete Lagoas.
Logo, não há que se falar na aplicação da regra contida no
art. 1.477, que, conforme visto acima, apenas é pertinente aos jogos ilícitos,
mas nunca aos autorizados, como na espécie em discussão.
Razões pelas quais, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para
confirmar, por estes fundamentos, a r.
sentença recorrida
Custas pela apelante, isenta.
JUIZ LAURO BRACARENSE