4 de maio
de 2019, 13h18
Por Talden
Farias
O problema
do modelo econômico tradicional é o fato de não considerar o meio ambiente,
baseando-se apenas em ganhos com a produtividade e ignorando que nenhuma
atividade econômica será viável se a natureza fornecedora dos recursos
materiais e energéticos estiver comprometida. Contudo, o crescimento econômico
não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo, tendo de estar
relacionado sobretudo com a melhoria da qualidade de vida e da própria vida,
afinal a vida é o maior de todos os valores.
Por isso
Eros Roberto Grau[1] afirma que não pode existir proteção constitucional à
ordem econômica que sacrifique o meio ambiente. Fez-se necessária a criação de
instrumentos capazes de aliar o desenvolvimento econômico à defesa do meio
ambiente e à justiça social, o que implica na busca por um desenvolvimento
sustentável — modelo que coaduna os aspectos ambiental, econômico e social e
que considera em seu planejamento tanto a qualidade de vida das gerações
presentes quanto a das futuras.
De fato, a
única porta de saída para a crise ambiental é a economia, que deve ser
rediscutida e redesenhada no intuito de levar em consideração o meio ambiente e
suas complexas relações. A despeito de uma ou outra análise pontual, o fato é
que por muito tempo a economia ignorou a ecologia, como se esta não fosse esse
o pano de fundo daquela. Um bom exemplo disso é o Produto Interno Bruto (PIB),
que, além de ignorar a dimensão ambiental, pode considerar a degradação como
algo positivo[2].
A busca por
outros critérios de desenvolvimento tem feito surgir outros referenciais de
aferição, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o qual passou a
ser utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e
pelo Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) desde 1993. Cuida-se de uma
avaliação do desenvolvimento das sociedades a partir de critérios mais amplos,
o que envolveria a expectativa de vida ao nascer, a educação e o PIB per
capita, e não mais a partir de uma ótica meramente econômica. Existe também o Índice
de Bem Estar Humano (IBEU), que foi criado pelo INCT Observatório das
Metrópoles com o objetivo de ponderar os indicadores urbanos, como mobilidade,
meio ambiente, habitação, lazer, prestação de serviços coletivos e
infraestrutura em grandes aglomerados urbanos, como no caso das metrópoles
brasileiras[3].
Por outro
lado, o processo produtivo costuma repassar à sociedade determinado ônus a que
se convencionou chamar de externalidades, a exemplo da poluição atmosférica ou
hídrica[4]. Era como se o empresário socializasse os prejuízos com a
coletividade, embora mantendo o viés capitalista com relação aos lucros. Isso
indica que é preciso uma mudança de paradigma para que o sistema econômico
possa se tornar viável sob o ponto de vista ecológico[5].
Na verdade,
a preocupação em compatibilizar a proteção do meio ambiente com o
desenvolvimento econômico não é recente. Na 1ª Conferencia da ONU sobre o meio
ambiente, que ocorreu em Estocolmo, na Suécia, em 1972, foi aprovada a
Declaração Universal sobre o Meio Ambiente que já fazia referencia ao
assunto[6]. Depois, com a segunda Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, que ocorreu em 1992 no Rio de Janeiro e que é conhecida como a
Eco-92, o desenvolvimento sustentável se consagrou em definitivo na esfera
internacional por causa da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, cujo Princípio 3 consagra que “o Direito ao desenvolvimento
deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as
necessidades de gerações presentes e futuras”.
A
formulação do conceito de desenvolvimento sustentável implica no reconhecimento
de que as forças de mercado abandonadas à sua livre dinâmica não garantem a
manutenção do meio ambiente, impondo um paradigma novo ao modelo de produção e
consumo do ocidente. O desenvolvimento sustentável coloca na berlinda o modelo
de produção e consumo ocidental, que ameaça o equilíbrio planetário.
Além disso,
preocupa-se com os problemas do futuro, enquanto o atual modelo de desenvolvimento
— fundado em uma lógica essencialmente econômica — se centra exclusivamente no
presente. O termo desenvolvimento sustentável foi usado pela primeira vez em
1980 por um organismo privado de pesquisa, a Aliança Mundial para a Natureza
(UICN), e foi consagrado em 1987 quando a ex-ministra norueguesa Gro Harlem
Brundtland o utilizou em um informe feito para a ONU, em que dizia da
imprescindibilidade de um novo modelo de desenvolvimento econômico.
O
desenvolvimento sustentável é o modelo que procura coadunar os aspectos
ambiental, econômico e social, buscando um ponto de equilíbrio entre a
utilização dos recursos naturais, o crescimento econômico e a equidade social.
Esse modelo de desenvolvimento considera em seu planejamento tanto a qualidade
de vida das gerações presentes quanto a das futuras, diferentemente dos modelos
tradicionais que costumam se focar na geração presente ou, no máximo, na
geração imediatamente posterior.
Devem ser
apreciadas as necessidades de cada região, seja na zona urbana ou na zona
rural, e as peculiaridades culturais. A Constituição Federal de 1988 consagrou
o desenvolvimento sustentável ao afirmar no artigo 225 que "todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras
gerações". O mesmo ocorre com a Lei 6.938/81, que dispõe no inciso I do
artigo 4º que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à compatibilização do
desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico. O meio ambiente é tão importante que foi
transformado pelo inciso VI do artigo 170 da Constituição Federal em um
princípio da ordem econômica, passando a se compatibilizar com ele os
princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência.
É um
reconhecimento de que não se pode tratar a problemática econômica sem lidar com
a questão ambiental, pois, se o Estado tem a obrigação de promover o
desenvolvimento, esse desenvolvimento tem a obrigação de ser ecologicamente
correto[7]. Luís Paulo Sirvinskas[8] destaca que o desenvolvimento sustentável
é o objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente, na medida em que se procura
conciliar a proteção do meio ambiente e a garantia do desenvolvimento
socioeconômico, de outro, visando assegurar condições necessárias ao progresso
industrial, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da
vida humana.
O problema
é que a noção de desenvolvimento sustentável é considerada contraditória, face
à amplidão semântica do conceito. Com efeito, se parece que todos os atores
políticos concordam em aceitá-lo, não é menor verdade que cada um deles tem a
sua própria ideia sobre o assunto[9]. Embora a sua ampla aceitação tenha sido
importante para a institucionalização da questão ambiental, a falta de consenso
acerca do seu conteúdo impede que os avanços estruturais possam ocorrer.
Cuida-se, realmente, de uma conceituação movediça, dado à dificuldade
conceitual intrínseca[10].
A despeito
de sua importância histórica, a ideia de desenvolvimento sustentável, no
cenário atual, não contribui mais para o amadurecimento das discussões e das
instituições[11]. Há que se ir além, portanto, já que no dizer de Marcos Nobre
ele “se tornou, seja um instrumento subalterno de uma maquinaria econômica,
seja uma bandeira de luta utópica”[12].
[1] GRAU,
Eros Roberto. Proteção do meio ambiente (Caso do Parque do Povo). Revista dos
Tribunais, n. 702. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 251.
[2]
“Passamos à outra vaca sagrada dos economistas: O Produto Interno Bruto (PIB).
Esse conceito ambíguo, amálgama considerável de definições mais ou menos
arbitrárias, transformou-se em algo tão real para o homem da rua como o foi o
mistério da Santíssima Trindade para os camponeses da Idade Média no Europa.
Mais ambíguo ainda é o conceito de taxa de crescimento do PIB. Por que ignorar
na medição do PIB, o custo para a coletividade da destruição dos recursos
naturais não renováveis, e o dos solos e florestas (dificilmente renováveis)?
Por que ignorar a poluição das águas e a destruição total dos peixes nos rios
em que as usinas despejam os seus resíduos? Se o aumento da taxa de crescimento
do PIB é acompanhado de baixa do salário real e esse salário está no nível de
subsistência fisiológica, é de admitir que estará havendo um desgaste humano”
(FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 2. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1974, p. 114-116).
[3]
RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; RIBEIRO, Marcelo Gomes. Ibeu: índice de
bem-estar urbano. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.
[4] “Com
efeito, a poluição e a degradação da qualidade ambiental constituem,
inegavelmente, alguns dos principais efeitos externos negativos da atividade
produtiva. Como o sistema econômico é aberto a três processos básicos —
extração de recursos, transformação e consumo — ele envolve necessariamente, em
função do inafastável processo de degradação entrópica, a geração de rejeitos
que acabam sendo lançados no ambiente: ar, água ou solo. E, sendo alguns
recursos ambientais de livre acesso (open acess), os agentes econômicos tendem
a impor aos demais usuários um custo externo representado por uma perda
incompensada em seu bem-estar (danos à saúde, aumento da mortalidade,
diminuição das oportunidades de lazer, etc)” (CARNEIRO, Ricardo. Direito
ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 65).
[5] “Ora,
não há mais dúvida de que as questões ligadas a organização econômica guardam
estreita e determinada ligação com a dimensão ambiental. Afinal, o
condicionamento ecológico, representada pela finitude dos fluxos de matéria e
energia da Terra, regula tudo que ser humano faz e pode fazer para a satisfação
de suas variadas necessidades. O sistema econômico, assim, deve ser
rigorosamente compreendido como um subsistema integrante do sistema ecológico,
dele dependendo visceralmente como fonte de suprimento de recursos naturais e
como depósito para os residuais resultantes da produção e do consumo, o que
evidencia a constatação de que o processo econômico tende a esbarrar
irreversivelmente em restrições ambientais” (CARNEIRO, Ricardo. Direito
ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 2). “A resolução
dos problemas ambientais, assim como a possibilidade de incorporar condições
ecológicas e bases de sustentabilidade aos processos econômicos – de
internalizar as externalidades ambientais na racionalidade econômica e nos
mecanismos do mercado – e para construir uma racionalidade ambiental e um
estilo alternativo de desenvolvimento, implica a ativação de um conjunto de
processos sociais; a incorporação dos valores do ambiente na ética individual,
nos direitos humanos e nas normas jurídicas que orientam e sancionam o
comportamento dos atores econômicos e sociais; a socialização do acesso e a
apropriação da natureza; a democratização dos processos produtivos e do poder
político; as reformas do Estado que lhe permitam medir a resolução de conflitos
de interesse em torno da propriedade e aproveitamento dos recursos e que
favoreçam a gestão participativa e descentralizada dos recursos naturais; as
transformações institucionais que permitam uma administração transversal do
desenvolvimento; a integração interdisciplinar do conhecimento e da formação
profissional e a abertura de um diálogo entre ciências e saberes não
científicos” (LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006, p. 241-242).
[6] “O
homem que tem o Direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de
condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe
permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de
obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e
futuras. [...] Deve ser mantida e, sempre que possível, restaurada e melhorada
a capacidade da Terra de produzir recursos renováveis vitais. O homem tem a
responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio
representado pela flora e fauna silvestres, bem assim o seu habitat, que se
encontram atualmente em grave perigo, por uma combinação de fatores adversos.
Em consequência, ao planificar o desenvolvimento econômico, deve ser atribuída
importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres”
(ONU. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Declaração de
Estocolmo. Estocolmo, Suécia: 1972. Disponível em:
http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972.pdf. Acesso em 15 jan.
2019).
[7] “A
noção e o conceito de desenvolvimento, formados num Estado de concepção
liberal, alteram-se, porquanto não mais encontravam guarida na sociedade
moderna. Passou-se a reclamar um papel ativo do Estado no socorro dos valores
ambientais, conferindo outra noção ao conceito de desenvolvimento” (FIORILLO,
Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 28).
[8]
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Política nacional do meio ambiente (Lei n. 6.938, de 31
de agosto de 1981). MORAES, Rodrigo Jorge; AZEVÊDO, Mariangela Garcia de
Lacerda e; DELMANTO, Fabio Machado de Almeida (coords). As leis federais mais
importantes de proteção ao meio ambiente comentadas. Rio de Janeiro: Renovar,
2005, p. 93.
[9]
“Qualquer um que se proponha a entender a noção de “desenvolvimento
sustentável” (DS) encontrará de saída os seguintes elementos característicos
fundamentais: a) a aceitação universal do conceito; b) a dificuldade em saber
exatamente o que é DS, ou seja, o problema da sua definição e
operacionalização. Estas duas marcas características da noção de DS são, à
primeira vista, contraditórias e até mesmo inconciliáveis. Afinal, como todos
podem ser a favor de algo que não se pode explicitar sem que surja o conflito?”
(NOBRE, Marcos; AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Prefácio. Desenvolvimento
sustentável: a institucionalização de um conceito. NOBRE, Marcos; AMAZONAS,
Maurício de Carvalho. BRASÍLIA: IBAMA, 2002, p. 7).
[10] “Sendo
uma questão primordialmente ética, só se pode louvar o fato da ideia de
sustentabilidade ter adquirido tanta importância nos últimos vinte anos, mesmo
que ela não possa ser entendida como um conceito cientifico. A sustentabilidade
não é, nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou
aritmética, como qualquer positivista gostaria que fosse. Tanto quanto a ideia
de democracia – entre muitas outras ideias tão fundamentais para a evolução da
humanidade, ela sempre será contraditória, pois nunca poderá ser encontrada em
estado puro” (VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do
século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010, p.165).
[11] “Como
já vimos, o conceito de DS está numa encruzilhada: ou bem se assume como
simples subproduto da teoria do crescimento (e, com isso, reduz a problemática
ambiental a uma operação de internalização de custos), ou induz a uma mudança
rumo a um paradigma baseado na ecologia em que a economia não tem a primazia
(caso em que se torna de difícil operacionalização e tem implicações duvidosas
no que diz respeito a problemas distributivos). Beckerman formula esse impasse
da seguinte maneira: “desenvolvimento sustentável foi definido de tal maneira
que ou é moralmente repugnante ou logicamente redundante" (NOBRE, Marcos.
Desenvolvimento sustentável: origens e significado atual. NOBRE, Marcos;
AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Desenvolvimento sustentável: a
institucionalização de um conceito. BRASÍLIA: IBAMA, 2002, p. 87).
[12] “Como
já vimos, o conceito de DS está numa encruzilhada: ou bem se assume como
simples subproduto da teoria do crescimento (e, com isso, reduz a problemática
ambiental a uma operação de internalização de custos), ou induz a uma mudança
rumo a um paradigma baseado na ecologia em que a economia não tem a primazia
(caso em que se torna de difícil operacionalização e tem implicações duvidosas
no que diz respeito a problemas distributivos). Beckerman formula esse impasse
da seguinte maneira: “desenvolvimento sustentável foi definido de tal maneira
que ou é moralmente repugnante ou logicamente redundante" (NOBRE, Marcos.
Desenvolvimento sustentável: origens e significado atual. NOBRE, Marcos;
AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Desenvolvimento sustentável: a
institucionalização de um conceito. BRASÍLIA: IBAMA, 2002, p. 93).
Talden
Farias é advogado e professor de Direito Ambiental da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), doutor em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (Uerj), doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG) e mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Autor do livro
"Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos" (7. ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2019).
Revista
Consultor Jurídico, 4 de maio de 2019, 13h18