8.11. Conhecimento de
Depósito e Warrant
Decreto 1.102, de 21 de novembro de
1903
8.11.1.
Noção Geral; 8.11.2. Conhecimento de depósito; 8.11.3. Warrant; 8.11.4. Os
direitos dos portadores dos títulos
8.11.1. Noção Geral
Necessário compreender,
antes, o que é o empreendimento “armazéns gerais” no mundo do Direito
Empresarial. A necessidade de estocar mercadorias, para melhor negociar no
futuro, forçou a criação de entidades privadas, cujo principal objetivo é
guardar e conservar as mercadorias dos empresários que necessitam de tais
serviços. Ao guardar a mercadoria o empresário poderá negociá-la em outro
momento obtendo melhores lucros, essa a razão principal da guarda e conservação
que são realizadas pelas empresas que denominamos de armazéns gerais.
Portanto, os
armazéns gerais são empresas (naturais ou jurídicas) que se dedicam à guarda e
conservação de mercadorias. Com esse objetivo específico de conservar
mercadorias, estão autorizadas, segundo o art. 1º do Decreto 1.102/1903, a
emitir títulos especiais que representam a mercadorias guardadas e que se
encontram em conservação em seus armazéns.
O titular do
armazém geral deve estar inscrito na Junta Comercial, quando deverá declarar a
sua firma, ou, se se tratar de sociedade anônima, a designação que lhe for
própria, o capital da empresa e o domicílio; a denominação, a situação, o
número, a capacidade, a comunidade e a segurança dos armazéns; a natureza das
mercadorias que recebem em depósito; as operações e serviços a que se propõem.
A essas declarações juntarão: a) o regulamento interno dos armazéns e da sala
de vendas públicas; b) a tarifa remuneratória do depósito e dos outros
serviços; c) a certidão do contrato social ou estatutos, devidamente
registrados, se se tratar de pessoa jurídica, conforme dispõe o art. 1º d o
Decreto 1.102/1903.
Após todos os
documentos apresentados pelo pretendente ao registro de um armazém geral, a
Junta Comercial autorizará a sua matrícula e, no prazo de um mês, contado do
dia que ocorreu a autorização, publicará o edital, as declarações, o
regulamento interno e a tarifa; após o arquivamento na Junta Comercial e as
devidas publicações exigidas por lei, o empresário assinará termo de
responsabilidade como fiel depositário dos gêneros e mercadorias que receber. O
empresário não poderá, antes de preenchidas tais formalidades e devidamente
publicadas em edital da Junta Comercial, iniciar os serviços e operações
objetos da empresa; quando os administradores dos armazéns gerais não forem os
próprios empresários, mas sim prepostos, estes somente poderão entrar em
exercício munidos de uma nomeação escrita que deverá estar inscrita no registro
do comércio. Empresários, administradores ou fiéis de armazéns gerais que
sofreram condenação por crime de falência culposa ou fraudulenta, estelionato,
abuso de confiança, falsidade, roubo ou furto, não poderão inscrever-se como
empresários de armazéns gerais.
Os armazéns
gerais poderão exercer outras funções, no entanto a sua principal é a guarda e
conservação de mercadorias quando firmam contrato de depósito. O armazém geral
recebe a mercadoria firmando um contrato real com o depositante. O prazo
estabelecido pelo art. 10 do Decreto 1.102/1903 será de seis meses, que
começará a contar da data da entrada da mercadoria nos armazéns gerais, com a
opção de prorrogar livremente entre as partes.
O art. 6º do
Decreto 1.102/1903 estabelece que os armazéns gerais estão obrigados a passar
recibo das mercadorias confiadas à sua guarda; esses recibos devem conter a
quantidade, o número e marcas, o peso, medida ou a quantidade existente de
mercadorias; devem ser emitidos no ato do recebimento; no verso deste recibo
serão anotadas pelo armazém geral as retiradas parciais das mercadorias,
durante o depósito. No ato da entrega das mercadorias ou dos títulos
mencionados pelo do art. 15 o recibo deve ser restituído ao armazém geral. Será
facultado a quem tiver o direito de livre disposição das mercadorias, durante o
prazo do depósito (art. 10), substituir esses títulos por aquele recibo. Todo esse
movimento diário dos armazéns gerais deve estar registrado em livros próprios,
não deixando de anotar o que for preciso para a guarda e conservação das
mercadorias.
Com essa
orientação legal os armazéns gerais, ao receberem a mercadoria para guarda e conservação,
emitem um documento representativo das mercadorias que podem ser negociados sem
que se tenha que mobilizar a mercadoria, fato que melhora e facilita os
negócios. O depositante poderá exigir do armazém geral um documento que se
chama conhecimento de depósito e
também o warrant, tornando-se um documento de crédito negociável. Dessa
forma, o conhecimento de depósito e o warrant são títulos de crédito que
representam, na verdade, uma mercadoria e não um valor em espécie. Os títulos
de crédito emitidos pelos armazéns gerais, em substituição ao recibo comum, são
unidos, porém separáveis à vontade do depositante. Pode ser que o depositante
venha a vender ou constituir penhor sobre a mercadoria depositada, assim, ele
poderá utilizar-se de um ou outro. Se vender, utilizará o conhecimento de
depósito e, se der em penhor, utilizará o warrant.
São títulos emitidos juntos, mas podem circular separados e cada um
representando uma finalidade.
Sobre o recibo de
depósito, que é o documento que o depositante terá quando entregar a mercadoria
para guarda e conservação, o mesmo poderá ser substituído pelo conhecimento de
depósito e warrant. O recibo de depósito representa uma segurança, confirmando
que o depósito da mercadoria foi efetuado e não pode circular, ao contrário
desses que são títulos de crédito representativos do depósito da mercadoria. O
titular das mercadorias poderá solicitar ao armazém geral a sua substituição
podendo, daí sim, fazer circular o crédito em mercadorias existentes que se
encontram depositadas.
8.11.2. Conhecimento de depósito
Várias regras em
comum possuem o conhecimento de depósito e o warrant, pois primeiro são títulos emitidos à ordem, transferíveis
por endosso. Cada um deles, tanto o conhecimento de depósito quanto o warrant devem conter sua designação
particular, a denominação da empresa do armazém geral e sua sede, o nome,
profissão e domicílio do depositante ou de terceiro por este indicado; o lugar
e o prazo do depósito, facultado aos interessados acordarem, entre si, na
transferência posterior das mesmas mercadorias de um para outro armazém da
emitente, ainda que se encontrem em localidade diversa daquela em que foi feito
o depósito inicial. Devem ser feitas as anotações do local para onde se
transferirá a mercadoria em depósito; e, para os fins do art. 26, parágrafo 2º,
às despesas decorrentes da transferência, inclusive as de seguro por todos os
riscos.
Os títulos devem
conter, ainda, a natureza e quantidade das mercadorias em depósito, designadas
pelos nomes mais usados no comércio, seu peso, o estado dos envoltórios e todas
as marcas e indicações próprias para estabelecerem a sua identidade,
ressalvadas as peculiaridades das mercadorias depositadas a granel; a indicação
do segurador da mercadoria e o valor do seguro; a declaração dos impostos e
direitos fiscais, dos encargos e despesas a que a mercadoria está sujeita, e o
dia em que começaram a correr as armazenagens; a data da emissão dos títulos e
assinatura do empresário ou pessoa devidamente habilitada por este.
O conhecimento de
depósito tem como finalidade a demonstração da propriedade das mercadorias, e,
no caso da sua transferência, ocorrerá a transferência das mercadorias
depositadas. O endossatário, assim, tornar-se-á o novo proprietário e terá à
sua disposição as mercadorias, inclusive podendo retirá-las do depósito como
seu legítimo proprietário.
Como antes
afirmado, o conhecimento de depósito e o warrant
são emitidos juntos, porém podem ser separados. No entanto, quando da retirada
da mercadoria da guarda e depósito é necessária a apresentação tanto do
conhecimento do depósito quanto do warrant,
pois quem for titular dos dois títulos será proprietário das mercadorias
depositadas. Se, no entanto, somente o warrant
for transferido por endosso, haverá apenas o penhor sobre as mercadorias; a
transferência do warrant constituindo
garantia sobre a mercadoria, com o devido valor, deve será anotada no verso do
conhecimento do depósito, pois somente assim, se transferido o conhecimento, o
terceiro tomará ciência do gravame nas mercadorias e o valor da dívida.
8.11.3. Warrant
Warrante, segundo
Fran Martins, é um título formal, “que, representando, como o conhecimento, as
mercadorias depositadas, serve, precipuamente, de instrumento comprobatório de
penhor que se faz sobre elas”; e continua o autor: “a simples transferência do warrant dá ao cessionário o direito de
penhor sobre as mercadorias, ficando o seu proprietário com a obrigação de
solver essa dívida quando delas se desfizer”[1].
O warrant é emitido juntamente com o
conhecimento de depósito, porém possuem funções distintas, pois este representa
a propriedade das mercadorias depositadas e aquele é um instrumento de penhor
que pesa sobre as mesmas mercadorias depositadas. Dessa forma, o warrant tem como função principal
permitir que as mercadorias sejam dadas em garantia. Como pesa sobre a
mercadoria depositada uma garantia, os custos do crédito serão menores.
Os requisitos
estabelecidos pela legislação com relação ao warrant são os mesmos do conhecimento de depósito, segundo o art.
15 do Decreto 1.102/1903.
Os títulos
(conhecimento de depósito e warrant)
podem circular juntos (quando alguns autores os denominam de xifópagos) ou
separados. O pressuposto que autoriza a circulação dos títulos é o endosso
idêntico ao da letra de câmbio; inclusive pode ser endosso em branco ou em
preto, portanto obedece ao mesmo regime do endosso de modo geral.
Quando o endosso
se referir aos dois títulos há transferência da propriedade de forma plena e
desembaraçada das mercadorias depositadas, pois pode o seu legítimo portador
retirar tais mercadorias, dividindo-as em lotes ou partidas.
O endossante,
quando transfere a mercadoria a terceiros, responde perante estes pela
existência e disponibilidade das mercadorias, mas não responde por eventual
inadimplemento dos armazéns gerais.
Os títulos são
criados juntos, porém podem circular separados, como já afirmado, e a
legislação autoriza ao titular a separar o conhecimento de depósito e o warrant, podendo ser endossados a
pessoas diferentes. Quando isso ocorrer é necessário que o endosso ocorra,
primeiro, no warrant, pois assim que
endossado, será anotado no conhecimento de depósito os dados constantes no warrant.
O endosso no
conhecimento de depósito transfere a propriedade das mercadorias que, em razão
da emissão do warrant, possui o
gravame do penhor. Tudo sob conhecimento do endossatário, pois ao adquirir a
mercadoria por meio do conhecimento de depósito, comprará um bem alienado, tal
como comprar um imóvel em que pende uma hipoteca. Adquire a propriedade, mas
tem a obrigação de solver a dívida que está garantida pelo penhor, até o limite
do valor da mercadoria que foi adquirida.
8.11.4. Os direitos dos portadores dos títulos
Aquele que detém
os dois títulos tem o direito de retirar as mercadorias depositadas e, nesse
caso, não será necessário qualquer pagamento. Pode até, se assim desejar,
retirar as mercadorias de forma parcial. Ao retirar as mercadorias do depósito
deve entregar os títulos.
Se o portador
detém a posse do conhecimento de
depósito terá ao seu dispor as mercadorias, no entanto, se os títulos foram
endossados separados, preservam-se os direitos do portador do warrant. Nada impede, porém, de retirar
a mercadoria, caso já tenha ocorrido o pagamento do warrant.
Já o portador do warrant tem o direito de receber
determinada quantia do devedor principal, que é o primeiro endossante. O
detentor do warrant tem um direito de
crédito e deverá, no vencimento, apresentar o título ao primeiro endossante
exigindo o pagamento. O detentor do conhecimento de depósito poderá pagar a
quantia no armazém geral.
Em caso de
extravio dos títulos, o titular do crédito avisará ao armazém geral que
anunciará o fato durante três dias, pelo jornal de maior circulação da sede do
armazém geral, segundo o art. 27 do Decreto 1.102/1903; no caso de se tratar do
conhecimento de depósito e correspondente warrant,
ou só do primeiro, o interessado poderá obter duplicata ou a entrega das
mercadorias, garantindo o direito do portador do warrant, se este foi negociado, ou do saldo à sua disposição se a
mercadoria foi vendida, observando-se o processo do § 2º, que correrá perante o
juiz do comércio em cuja jurisdição se achar o armazém geral. O interessado
requererá a notificação do armazém geral para não entregar sem ordem judicial a
mercadoria ou saldo disponível no caso de ser ou de ter sido ela vendida, na
conformidade dos artigos 10, § 4º, e 23, § 1º, justificará sumariamente a sua
propriedade, ex vi dos §§ 1º e 2º do
art. 27.
O requerimento
deve ser instruído com um exemplar do jornal em que for anunciada a perda e com
a cópia fiel do talão do título perdido, fornecida pelo armazém geral e por
este autenticada.
Existem ainda o
certificado de depósito agropecuário e o warrant
agropecuário, que tratam exatamente de títulos que garantem o depósito
agropecuário. São conhecidos pelas siglas CDA e WA.