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sexta-feira, 28 de março de 2025

SENTENÇA - Desconsideração da Personalidade Jurídica "indireta, na qual o objetivo da parte credora é atingir as demais empresas que formam um mesmo grupo econômico para responderem, solidariamente, pela dívida".



Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

1ª Vara Cível da Comarca de Jaraguá do Sul

Rua Guilherme Cristiano Wackerhagen, 87 - Bairro: Vila Nova - CEP: 89259300 - Fone: (47)3130-8259 - https://www.tjsc.jus.br/consulta-comarcas - Email: jaragua.civel1@tjsc.jus.br

Embargos à Execução Nº 5011905-91.2022.8.24.0036/SC


EMBARGANTE: XXXXXX ADMINISTRADORA LTDA

EMBARGANTE: XXXXXXXXXXXXXX

EMBARGANTE: XXXXXXXXXXXXXX

EMBARGANTE: XXXXXXXXXXXXXX LTDA - ME

EMBARGADO: XXXXXXXXXXXXXX

SENTENÇA

I - RELATÓRIO:

ADMINISTRADORA LTDA, XXXXXXX. JUNIOR e XXXXXXXXX LTDA - ME opuseram embargos à execução em face de XXXXX, todos qualificados. 

A parte embargante alegou que não tem qualquer vínculo com os títulos executados, na medida em que o administrador jamais celebrou qualquer tipo de negócio com o exequente. Sustentou que não há que se falar em formação de grupo econômico, tampouco em preenchimento dos requisitos da decretação da quebra da personalidade jurídica. Há vínculo apenas entre a empresa XXXXXX Ltda e Rodrigo, tendo a empresa XXXX Administradora Ltda sido constituída como administradora de bens de XXXX e XXX. A inexistência de grupo econômico já foi reconhecida pelo Juízo da 1ª Vara Cível, nos autos n. 5006427-73.2020.8.24.0036. Além disso, não há prova quanto às alegações de XXXX Malhas Ltda ME tratar-se de empresa fictícia. XXXXX alienou seus bens à XXXX Administradora para integralizar as quotas da referida sociedade; Lúcia, em que pese constar no quadro societário das empresas XXXX Malhas e XXXXX Administradora, não tem nenhum tipo de relação com as negociações, pois é dona de casa; Eduardo constituiu a empresa XXXXX Representações, da qual XXXX faz parte em percentual irrisório, apenas 1%, para que a sociedade pudesse ser constituída como Limitada, e  XXXX constituiu a empresa XXXX Factoring e Fomento Mercantil, utilizando-se para o início da atividade empresarial, de imóveis pertencentes à Administradora, sem que houvesse impedimento legal para tanto. 

A Factoring do executado XXXX teve grande destaque econômico e passou a figurar como rentável fonte de rendimentos para potenciais investidores, como ocorreu no caso em tela, em que o embargado emprestou dinheiro à empresa sob promessa de juros acima do comumente pactuado no mercado. Ocorre que a empresa passou por grave crise financeira, ocasionando a inadimplência dos credores, não havendo que se falar em "farsa empresarial" e em participação das demais pessoas jurídicas em conluio. A utilização das contas bancárias das empresas XXX Malhas e XXXX Administradora só ocorreu por imprudência de Rodrigo, que agiu com abuso dos poderes a ele outorgados, cuja procuração está em desacordo com o contrato social da Administradora. Ressaltou que de todos os sócios da administradora, somente Rodrigo figura como devedor nos títulos colacionados.

Diante disso, pugnou pela procedência dos embargos para declarar a inexistência de grupo econômico, reconsiderando a decisão que decretou a desconsideração da personalidade jurídica; declarar a ilegitimidade passiva dos embargantes, tendo em vista que não celebraram nenhum negócio jurídico com o embargante e seja declarada a improcedência dos pedidos contidos na execução.

Houve impugnação, na qual o embargado rebateu os argumentos expostos nos embargos à execução (evento 13).

Instada, a parte embargante requereu a produção de prova oral, enquanto o embargado não se manifestou.

O feito foi saneado, deferindo-se a produção de prova documental e prova emprestada (evento 26), a qual foi juntada no evento 34.

Intimadas, as partes apresentaram alegações finais (eventos 53 e 54).

Os autos vieram-me conclusos.

É o breve relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

A partir do exame da controvérsia, do ônus probatório e das provas carreadas aos autos afere-se a procedência ou não dos pedidos das partes, assim como as consequências de suas desídias.

A teor do artigo 373 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O princípio do interesse leva a lei a distribuir o ônus probatório da forma estipulada no art. 373 do CPC, afinal, o reconhecimento dos fatos constitutivos só interessa ao autor, enquanto os modificativos, extintivos ou impeditivos àqueles, só interessa ao réu. Sem prova dos primeiros, a sentença será de improcedência; sem prova dos restantes, provavelmente haverá decisão desfavorável ao réu.

Acerca do ônus probatório, Cândido Rangel Dinamarco conceitua como: "Encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a serem proferidas no processo" (Instituições de Direito Processual Civil - III. São Paulo: Malheiros, 2005).

Analisando os elementos de prova produzidos nos autos, merecem ser destacadas as seguintes considerações, com a oportuna transcrição de partes esclarecedoras dos depoimentos prestados.

Sabe-se que as empresas regularmente constituídas adquirem personalidade jurídica e, assim, passam a ter patrimônio próprio distinto do patrimônio pessoal de seus sócios, podendo assumir obrigações, responsabilidades e direitos também distintos daqueles pessoais de seus integrantes.

Na prática, isso significa que, ao menos em tese, as dívidas da sociedade não alcançam seus sócios e administradores, conforme se depreende do art. 1º da Lei das Sociedades Anônimas e do art. 1.052 do Código Civil.

A consequência imediata da personificação da sociedade é distingui-la, para os feitos jurídicos, dos membros que a compõem. Se cada um dos sócios é uma individualidade e a sociedade uma outra, não há como lhes confundir a existência. 

Por outro lado, há que se considerar que a personalidade jurídica como forma de limitação de responsabilidade não é, nem poderia ser, um princípio absoluto, sob pena de a mesma consubstanciar anteparo à fraude e lesão a interesses de terceiros, fundamentalmente credores. E, justamente nesse sentido, a tendência do legislador, amparado por parte da doutrina, e também pela jurisprudência, tem sido de ampliar a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas contraídas pela sociedade, ao menos em tese visando, fundamentalmente, a coibir casos de abusos e fraudes cometidos por sócios de sociedades comerciais, sob o “escudo da personalidade jurídica”.

Ao tratar sobre o tema, aliás, dispõe o art. 50 do Código Civil: 


"Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e 

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial"

A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, admitem diversas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica, destacando-se, dentre elas, a indireta, na qual o objetivo da parte credora é atingir as demais empresas que formam um mesmo grupo econômico para responderem, solidariamente, pela dívida.

Nesse sentido, é o enunciado n. 406 da V Jornada de Direito Civil, in verbis:

A desconsideração da personalidade jurídica alcança os grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do art. 50 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o limite transferido entre as sociedades.

Para mais, o Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento no sentido de que é possível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de sociedades formalmente distintas, mas que integram o mesmo grupo econômico, quando restar caracterizada a confusão patrimonial entre elas, conforme se infere do seguinte julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. CABIMENTO. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. DIVISÃO MERAMENTE FORMAL.CITAÇÃO DAS DEMAIS EMPRESAS. DISPENSA. RECONHECIMENTO DE QUE, NA PRÁTICA, SE TRATAVA DO MESMO ORGANISMO EMPRESARIAL. [...] 3. A confusão patrimonial existente entre sócios e a empresa devedora ou entre esta e outras conglomeradas pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão societária entre empresas conjugadas. Precedentes. [...] (STJ. REsp 907915. Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. em 7/6/2011).

Antes de adentrar no mérito da desconsideração da personalidade jurídica indireta, todavia, reputo necessário tecer algumas considerações sobre a existência de grupo econômico entre estas.

Isso porque, consoante sabido, não há conceito jurídico fechado presente na legislação pátria acerca dos critérios necessários para o seu reconhecimento.

Acerca da formação de grupo econômico, colaciona-se trecho de voto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão:

"(...) a presença de documentos que demonstram a transferência de valores para outras empresas do grupo, com atividades afins ou idênticas, com sócio comum detentor de poderes de administração, além de outros elementos indicativos, como sócios integrantes da mesma família, denominação e endereços próximos/iguais, é suficiente para caracterizar a existência de um grupo econômico de fato, permitindo, pela aplicação da teoria da aparência, decretar a desconsideração da personalidade jurídica (na forma indireta) para o fim de atingir bens das outras empresas integrantes do grupo, que não tenham participado diretamente do negócio jurídico questionado (...)" (STJ, AgRg no AREsp. n. 159.889/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15-10-2013). Grifou-se.

Para o litígio em exame, extrai-se dos autos n. 5009400-98.2020.8.24.0036 o depoimento da testemunha XXXXX Antônio de Oliveira XXXX e dos informantes XXXX XXXX XXX e XXXX XXXX:

A testemunha XXX XXX de Oliveira XXXX alegou que também negociava com a empresa embargante. Esclareceu que os negócios eram realizados pelo Rodrigo e que os pagamentos pactuados foram efetuados por este. Disse, ao fim, que não conhecia presencialmente XXXX XXXX.

O informante XXXX XXXX XXXX sustentou que também realizou aportes financeiros na empresa embargante. Afirmou que os negócios eram pactuados diretamente com Rodrigo, bem como as taxas de remuneração eram fixadas por este. Em sequência, explicou que fez aportes em contas bancárias da empresaXXXXX Administradora de Bens, e ainda que algumas reuniões para alinhamento dos negócios foram realizadas no escritório de XXXX XXXX, com a presença e aquiescência deste. Ainda, afirmou que, após os aportes financeiros, realizou encontros, no escritório do XXX XXXX, bem como seu irmão, a fim de realizar negociações sobre os valores em aberto, os quais nunca foram pagos.

Ainda, o informante XXXX XXXX declarou que realizou investimento na empresa embargante. Sustentou que foi procurado por Rodrigo para realizar os aportes financeiros e que a taxa remuneratória mensal se deu em comum acordo. Disse que os investimentos eram realizados em contas bancárias das empresas XXXXX Administradora de Bens e XXXXXMalhas, bem como os cheques em garantia eram emitidos por estas pessoas jurídicas. Ao final, alega que os aportes realizados jamais foram pagos, apesar das promessas de pagamento.

Do processo n. 5003594-82.2020.8.24.0036 extrai-se o depoimento de KXXX XXX XXX:

[...]  afirmou que trabalhava com XXXXX na XXX Factoring, onde digitava operações, realizava serviços bancários e "fazia coisas burocráticas", durante os anos de 2010 a 2019. Esclareceu que a FM, inicialmente, descontava títulos e créditos bancários que possuía com Banrisul e Bradesco, mas depois de aproximadamente seis anos começaram a captar dinheiro através de pessoas que procuravam Rodrigo. Asseverou não saber como eram feitos os investimentos, apenas disse que Rodrigo pagava esses investimentos mensalmente, em cheque ou por transferência. Não soube dizer de quem eram os cheques, pois não os assinava e quem atendida os investidores era Rodrigo. Porém, sabia que Beber era um dos investidores. 

Do processo n. 5006426-88.2020.8.24.0036 extrai-se o depoimento de XXXX XXXX XXXX:

A testemunha XXXX afirmou que trabalhou no Banco Bradesco e que quem movimentava a conta bancária da XXXX Factoring era XXXX. Afirmou que não se recorda se Eduardo foi até o banco tratar da conta bancária da XXX factoring. Asseverou que a XXXX Administradora e a XXXX malhas tinham contas bancárias junto ao Bradesco, porém, não se recorda quem as movimentava. Esclareceu que não se recorda de XXXX em sua rotina no Banco Bradesco. Disse que aproximadamente em fevereiro de 2012 não teve mais contato com Rodrigo, em razão de sua saída da agência bancária que trabalhava. Por fim, disse que Rodrigo, XXXXX e XXXXX se dirigiam ao Banco para, geralmente, descontar cheques.

Dos autos n. 5005658-65.2020.8.24.0036 colhe-se os seguintes relatos das testemunhas XXXXXXXX e XXXXXXXX:

[...] asseverou que o embargante XXX XXXXX é pessoa de boa índole e labora apenas na advocacia, não exercendo atividade relacionada ao ramo de Factoring. Ao final, disse que o embargante XXX XXXX nunca ofertou aplicação financeira a ele, bem como não tem conhecimento sobre o funcionamento da XXX Factoring.

[...] disse que o embargante XXX FXXXdetém boa índole e boa conduta. Afirmou desconhecer qualquer informação sobre as operações relacionadas a XXX Factoring, tendo em vista que só ouviu boatos sobre processos que o embargante XXXX estaria sofrendo em seu desfavor, em razão de desacordos comerciais.

[...] XXXX Alencar afirmou que conhece a XXXX Factoring e ainda que XXXXX é sócio desta. Em seguida, ressaltou que desconhece qualquer tipo de tratativa envolvendo a XXXX Factoring.

[...] a testemunha XXXX XXXXX Soares declarou que investiu valores na XXXX Factoring. Conheceu Altevir através de um clube e foi neste local que o embargante lhe ofereceu oportunidade de investimento. Disse que a taxa de remuneração foi repassada por XXXX e o filho deste, XXXX. Explicou que aportou dinheiro na XXXX Factoring porque XXXX "estava por trás".

Veja-se que, a despeito de as primeiras testemunhas desconhecerem as operações efetuadas pela XXXX Factoring, a última testemunha afirmou que investiu valor na referida empresa, em razão de uma oferta feita por XXXX e XXXX. Soma-se a isso os relatos dos informantes XXXX e XXXX, os quais, em que pese não compromissados, não podem ser desconsiderados diante do contexto dos autos.

Isso porque a empresa XXX Malhas, representada por XXX, concedeu, em 13/09/2010, os seguintes poderes para XXX XXXX XX XXX: "movimentar a conta corrente nº 4949-2, agência 0874 do Banco Bradesco nº 237 de Jaraguá do Sul-SC, podendo para tanto depositar e retirar quaisquer quantias, emitir, endossar e assinar cheques, fazer retiradas mediante recibos, autorizar débitos, transferências e pagamentos por meio de cartas, telex, fax, telefone e transferências/pagamentos por meio eletrônico, requisitar talões de cheques, verificar saldos, requerer saldos bancários, extratos, assinar propostas ou contratos de abertura de contas, contrair empréstimos, firmar ou aditar contratos, assinar duplicatas, no ato de sua emissão, receber e passar recibos nas notas de venda à vista; receber as importâncias de duplicatas, passando recibos e dando quitação parcial ou total, endossar cheques e ordens de pagamento, para efeito de seus recebimentos nos bancos, endossar duplicatas ao banco e dar a este ordens com relação a cobrança das mesmas e assinar qualquer declaração ou modificar e alterar prazos de seus vencimentos, enfim praticar os mais amplos, gerais e ilimitados poderes para o bom e fiel desempenho do presente mandato, não podendo substabelecer" (evento 1.8).

Da mesma forma e no mesmo dia, a pessoa jurídica XXXX Administradora Ltda, representada também por XXXX, outorgou poderes a XXXX para: "movimentar a conta corrente nº 4545-4, agência 0874 do Banco Bradesco nº 237 de Jaraguá do Sul-SC, podendo para tanto depositar e retirar quaisquer quantias, emitir, endossar e assinar cheques, fazer retiradas mediante recibos, autorizar débitos, transferências e pagamentos por meio de cartas, telex, fax, telefone e transferências/pagamentos por meio eletrônico, requisitar talões de cheques, verificar saldos, requerer saldos bancários, extratos, assinar propostas ou contratos de abertura de contas, contrair empréstimos, firmar ou aditar contratos, assinar duplicatas, no ato de sua emissão, receber e passar recibos nas notas de venda à vista; receber as importâncias de duplicatas, passando recibos e dando quitação parcial ou total, endossar cheques e ordens de pagamento, para efeito de seus recebimentos nos bancos, endossar duplicatas ao banco e dar a este ordens com relação a cobrança das mesmas e assinar qualquer declaração ou modificar e alterar prazos de seus vencimentos, enfim praticar os mais amplos, gerais e ilimitados poderes para o bom e fiel desempenho do presente mandato, não podendo substabelecer" (evento 1.5).

Logo, tendo em vista o relato da testemunha Luiz, mais aqueles prestados pelos dois informantes XXXX e XXXX, em conjunto com os poderes concedidos por XXXXX Malha e XXX Administradora a Rodrigo, não há dúvida de que havia confusão patrimonial entre as empresas e a XXXX Factoring.

No tocante ao abuso dos poderes conferidos a Rodrigo, os argumentos não merecem prosperar, haja vista que a procuração é clara acerca de tudo o que XXXX podia praticar em nome das outorgantes, especialmente emitir, endossar, assinar cheques, contrair empréstimos, firmar ou aditar contratos, cujos poderes foram amplamente utilizados. Assim, porque expressamente previstos no instrumento de mandato, inexistia impedimento para que o executado celebrasse o contrato e emitisse os cheques que deram ensejo à execução.

À vista desse contexto, resta evidente que as empresas do grupo familiar e os integrantes da família davam suporte a diversas operações financeiras realizadas pelas pessoas jurídicas constituídas, havendo verdadeira confusão patrimonial, satisfazendo, pois, os requisitos caracterizadores de grupo econômico, quais sejam: a comunhão dos interesses e atuação conjunta das empresas para a mesma finalidade, assim como os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica (confusão patrimonial).

Diante deste cenário, a tese de ilegitimidade passiva ad causam das embargantes para figurarem no polo passivo da execução, não merece guarida.

Assim, os embargos à execução opostos não merecem acolhimento, idêntica sorte que segue o pleito de condenação da parte embargada por litigância de má-fé, porquanto não apurado dolo processual na conduta adotada por este ao longo de toda a tramitação do feito.

III - DISPOSITIVO:

Por tais razões, julgo improcedentes os embargos à execução opostos por  xxxxxx. ADMINISTRADORA LTDA, XXXXXXXXXXXXXXXX LTDA - ME em face de XXXXXXXXX, e julgo extinto o processo com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte embargante ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC, ressalvados os casos de isenção previstos na Lei Estadual n. 17.654/2018, a exemplo do artigo 4º, inciso IX.

Condeno a parte embargante ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 2º do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Com o trânsito em julgado, traslade-se cópia da presente sentença para a execução apensa (autos n. 5005003-30.2019.8.24.0036) e, após, desapensem-se e arquivem-se com as baixas devidas.


Documento eletrônico assinado por JOSE ARANHA PACHECO, Juiz de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310061885772v32 e do código CRC cf299838.


Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): JOSE ARANHA PACHECO

Data e Hora: 11/7/2024, às 14:55:3


5011905-91.2022.8.24.0036

310061885772 .V32

terça-feira, 3 de outubro de 2023

EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. “SÓCIO OCULTO”. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL. AÇÃO PRÓPRIA. DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, POR ANALOGIA, DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA.

RECURSO ESPECIAL Nº 2.055.325 - MG (2023/0057232-4)

A pretensão de desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma (inteligência dos arts. 133 e seguintes do CPC/15). Segundo compreensão desta Corte, “Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros” (REsp 332.763/SP, Terceira Turma, DJ de 24/6/2002).


Acórdão


sábado, 4 de junho de 2022

RJ: Empresa tenta contratar firma de sócio de PM para câmeras nas fardas - 03/06/2022 04h00




A L8 Group, responsável pela implementação de câmeras nos uniformes de agentes de segurança pública do Rio de Janeiro, tentou contratar uma empresa que pertence a um sócio de um oficial da Polícia Militar para realizar parte das instalações elétricas do sistema.

Cedido para a Secretaria Estadual de Governo, o tenente-coronel da PM Fábio Villela de Pinho é hoje o superintendente da Operação Lei Seca. A pasta assinou dois contratos para o uso das câmeras com a L8 Group em um valor total de cerca de R$ 6,4 milhões —um deles, de R$ 852 mil, é para os agentes da Lei Seca.

A Persona Plus Serviços —que ficaria responsável por instalações elétricas do sistema de câmeras em três contratos, cujo valor total poderia ultrapassar os R$ 3 milhões— tem como dono Rodrigo Campos Costa. Ele é sócio do tenente-coronel Pinho em uma outra firma que funciona no mesmo endereço, no Méier, zona norte do Rio: a Ecolog Transporte, Locação e Serviços.

Segundo o governo do Rio, o tenente-coronel Pinho "afirma não ter nenhum vínculo" com a Persona Plus. Em nota ao UOL, o governo acrescenta: "Não há objeção legal para subcontratações feitas por empresa vencedora de licitação, desde que a aquisição ou o serviço não seja o objeto principal, no caso as câmeras portáteis".

Apesar da justificativa, o governo suspendeu "preventivamente" a contratação da Persona Plus, e a L8 Group disse que desistiu do serviço.

O UOL tentou contato com Rodrigo Campos Costa por meio dos telefones e dos e-mails da Ecolog e da Persona Plus, sem sucesso. Caso haja retorno, será incluído na reportagem.

E-mail fala em sócio PM

Em um e-mail enviado ao governo estadual em 10 de maio (veja a seguir), uma advogada que representa a L8 Group afirmou que a Persona Plus Serviços tem um oficial da PM em seu quadro societário. Procurados pelo UOL, o governo e a L8 Group negaram a informação.

Em e-mail, advogada diz que empresa Persona Plus tem PM como sócio - Reprodução - Reprodução

Imagem: Reprodução

Apesar de ter dito à reportagem que desistiu do negócio, a L8 Group não deixa isso claro em documento enviado à PM na segunda (30). A empresa diz que os serviços de instalações elétricas serão realizados por outra firma "até que se tenha uma posição acerca da vedação da Persona [Plus]".

Valor do serviço passaria de R$ 3 milhões

Pelos documentos enviados pela L8 Group ao governo, a ideia da empresa era subcontratar três firmas para os serviços de instalações elétricas: Persona Plus, Melhorar Engenharia e STP Teleinformática.

Os serviços realizados pela Persona Plus seriam equivalentes a 4,1% do total do projeto de implementação do sistema de câmeras nos uniformes. Somente o contrato assinado pela L8 Group com a PM —outros órgãos do governo do Rio também terão o sistema de câmeras— é de R$ 71 milhões. Ainda há outros dois contratos, com a Secretaria de Governo, que somam cerca de R$ 6,4 milhões.

Ou seja, o serviço da Persona Plus poderia passar dos R$ 3 milhões.

Capital de apenas R$ 96 mil

De acordo com o site da Receita Federal, a Persona Plus —com sede em uma sala na rua Dias da Cruz, no Méier— tem apenas R$ 96 mil de capital social.

O UOL questionou a L8 Group, que tem sede no Paraná, sobre como chegou até a Persona Plus para a realização de serviços elétricos e, se houve alguma interferência de Fábio Villela de Pinho na tentativa de subcontratação da firma, mas não houve resposta.

Os últimos documentos do processo administrativo que trata da implementação do sistema de câmeras na PM mostram que a equipe de fiscalização vetou inicialmente qualquer subcontratação relacionada a instalações elétricas porque isso estaria em desacordo com o edital de licitação do serviço.

A L8 Group está recorrendo da decisão, mas, enquanto isso, a corporação já inaugurou o sistema na segunda (30) em nove unidades, entre batalhões e uma companhia. A empresa afirma que, neste caso, foi ela própria quem cuidou da parte elétrica.

Acesso público às imagens sob ameaça

Nessa primeira etapa, o governador Cláudio Castro (PL) lançou o projeto para a instalação de câmeras nos uniformes de 1.637 PMs. Pela licitação, o governo poderá adquirir até 21.571 equipamentos, de acordo com a demanda de cada órgão.

Na Polícia Militar, a expectativa é que haja 8.000 câmeras em funcionamento quando o projeto estiver todo em vigor. Não há previsão para que o Bope (Batalhão de Operações Especiais) e o Choque, constantemente usados em operações em comunidades, utilizem o sistema.

Uma resolução da PM, do mês passado, impôs o caráter "reservado" às imagens, o que faz com que elas não sejam públicas por um ano. Este também é o prazo máximo de armazenamento das gravações pela corporação.

Os vídeos poderão ser cedidos em casos como decisões judiciais, solicitações do Ministério Público ou investigações policiais.

No caso da Secretaria de Governo, conforme mostrou reportagem do UOL, houve uma série de problemas e atrasos na entrega dos serviços das câmeras a serem usados por agentes da Lei Seca e do projeto Segurança Presente, de patrulhamento nos bairros.

A pasta chegou inclusive a cogitar a convocação da segunda colocada na licitação, a Motorola Solutions, mas a expectativa é de que o serviço comece a funcionar nos próximos dias.



quarta-feira, 29 de abril de 2020

Tentativa de induzir juíza a erro faz Gerdau ser condenada por litigância de má-fé


Multa milionária

Tentativa de induzir juíza a erro faz Gerdau ser condenada por litigância de má-fé
28 de abril de 2020, 21h24
Por Sérgio Rodas

Por entender que a siderúrgica Gerdau tentou induzir a Justiça a erro em uma ação tributária contra a União, a 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenou a empresa, por litigância de má-fé, ao pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, que é de R$ 600 milhões. Com a atualização, a penalidade deve alcançar R$ 11 milhões, informa o jornal Valor Econômico.

A Gerdau pediu, em ação, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, além da restituição ou compensação dos valores pagos indevidamente. Como garantia, depositou R$ 1,3 bilhão judicialmente. O processo ficou suspenso, aguardando o trânsito em julgado do Recurso Extraordinário 574.706, no qual o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. Porém, com a crise econômica causada pelo coronavírus, a companhia pediu a substituição do depósito judicial por seguro-garantia.

Em 14 de abril, 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro autorizou o levantamento da quantia. Mas o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), Reis Friede, suspendeu a decisão. O magistrado apontou que a liminar contrariou os princípios constitucionais do contraditório e da necessidade de fundamentação das decisões. Isso porque o juízo autorizou, sem justificar, algo que não havia sido pedido (o levantamento dos valores, sem a substituição por outra garantia), e sem ouvir a União.

A juíza Frana Elizabeth Mendes, da 26ª Vara Federal do Rio, apontou que permitiu a liberação do depósito, mas não ordenou a expedição dos ofícios que autorizariam a Caixa Econômica Federal a fazê-lo — a a instituição financeira concluiu a transferência. Em decisão de sexta-feira (24/4), a julgadora disse que a Gerdau não informou como conseguiu levantar a quantia sem os documentos judiciais.

Além de descumprir essa ordem judicial, a empresa tentado induzir a Justiça a erro, ressaltou a juíza. Isso porque a Gerdau sustentou que não cumpriu tal decisão porque o TRF-2 estava processando uma contracautela que ela apresentou. Porém, o tribunal só havia intimado a União a se manifestar sobre substituição do depósito por um seguro.





Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2020, 21h24

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Empresário é considerado sócio oculto e não consegue excluir seu nome de execução trabalhista

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo de um empresário que pretendia a exclusão de seu nome da execução de uma ação trabalhista contra a Arlindo Postal Indústria de Compensados Ltda., na qual foi incluído como devedor por ser "sócio oculto" da empresa. A Turma afastou sua alegação de cerceamento do direito de defesa, por não ter podido produzir provas contrárias às informações do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional do Banco Central (BACEN-CCS).

Ajuizado em 2012 por um operador de caldeira que trabalhou para a empresa de 2004 a 2013, o processo chegou à fase de execução em 2015, quando o empresário propôs embargos para evitar penhora, afirmando que saiu da firma em 2007. A 1ª Vara do Trabalho de Passo Fundo (RS) entendeu que, apesar da formalização de sua retirada da sociedade por meio da averbação da alteração do contrato social, documentos demonstravam que ele continuava sendo o responsável legal pela empresa, como "sócio oculto".

Em consulta ao BACEN-CCS, a Vara verificou que ele era o representante, responsável ou procurador da empresa, com poderes para movimentar contas bancárias no Banco Bradesco e no Banco Santander, em conta aberta em 2011. Constatou também que adquiriu da própria empresa um imóvel, e concluiu, então, que ele se beneficiou da força de trabalho do profissional durante todo o período do contrato e que deveria responder integralmente pelo débito da ação.

O empresário interpôs agravo de petição ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), alegando cerceamento de defesa e requerendo o retorno dos autos à origem para produção de provas e expedição de ofício aos bancos Bradesco e Santander. O TRT, porém, manteve a sentença, entendendo desnecessária a produção de mais provas documentais.

Em recurso ao TST, o industrial sustentou que a juntada das informações do BACEN-CCS pelo próprio juízo, sem lhe dar oportunidade de as consultar, implicou ofensa ao artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República, que garantem o direito à ampla defesa.

O relator do agravo, ministro Alberto Bresciani, destacou que a sentença está amparada em documentos juntados aos autos, e não em presunção. "Havendo elementos que formem o convencimento do juiz acerca da matéria controvertida, não se cogita de ofensa ao artigo 5º da Constituição da República", afirmou.

Bresciani lembrou que, segundo o Regional, além de atuar na prática como representante da empresa, ele ainda adquiriu da própria empresa um imóvel "em nítida fraude contra credores". E destacou a conclusão do TRT no sentido de que a retirada do sócio não passou "de uma simulação com o objetivo de retirar o imóvel, formalmente, do patrimônio da executada".

A decisão foi unânime.

Processo: AIRR-342-15.2012.5.04.0661
 
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho

terça-feira, 19 de maio de 2015

Sócio responde por execução trabalhista se bens da empresa não quitarem dívida


A responsabilidade dos sócios na execução trabalhista somente recai a pessoa física, digo “sócio” após esgotados todos os meios de execução da pessoa jurídica. Isso quer dizer que a falta de bens em nome da pessoa jurídica, não pode eximir os sócios quanto à liquidação dos créditos devidos ao trabalhador, que na maioria das vezes é considerado hipossuficiente.

Observamos que a justiça do trabalho vem aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, instrumento este utilizado no direito civil e do consumidor, para que, em casos de fraude ou abuso da personalidade jurídica, possa o devedor ou consumidor não somente alcançar os bens da empresa, mas também os bens daqueles que a utilizaram de modo fraudulento.

Todavia, vale ressaltar que a desconsideração somente pode ser realizada mediante decisão judicial, e possui previsão legal no artigo 50, do Código Civil, que assim dispõe:


  • Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.


Dessa forma, fica evidente que a falta de bens em nome da pessoa jurídica não impede o direito do trabalhador em receber seus direitos trabalhistas, ficando nítido, que o sócio responde com os seus bens pessoais para liquidação dos débitos trabalhistas.

Importante esclarecer ainda que a Justiça do Trabalho vem aplicando essa regra para liquidação dos processos existentes, responsabilizando os sócios, devido à natureza alimentar. Porém existem requisitos essenciais para aplicação da regra quanto à desconsideração da personalidade jurídica.

Os requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica são:


  • a ausência ou a insuficiência de bens da pessoa jurídica;
  • existência de débitos trabalhistas.

Com relação a ausência ou insuficiência de bens da pessoa jurídica, podemos dizer que o sócio irá responder com os seus bens pessoais desde que a pessoa jurídica não possua bens para honrar os débitos trabalhistas.

No tocante a existência de débitos trabalhistas, trata-se de verbas devidas ao empregado que prestou serviços, e não recebeu valores referente a contraprestação (salário, verbas rescisórias, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

Com relação aos requisitos acima mencionados, os nossos Tribunais vêm decidindo no sentido de que os sócios são responsáveis quanto aos débitos trabalhistas devidos ao empregado, vejamos:

EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE. EVOLUÇÃO DO INSTITUTO. Evoluiu-se a visão que se tinha sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Se antes, para sua caracterização, era indispensável a prova da ocorrência da fraude ou do abuso de direito, e só assim restava ela aplicável (Lei 3.708/19), hoje, com o surgimento de novos institutos jurídicos (CTN, LEF, CDC), mais dilargadas passaram a ser as hipóteses de seu cabimento, inclusive com a atribuição do ônus da prova da sua inaplicabilidade transferindo-se da pessoa do credor, para a do devedor. Questões que envolvam créditos de natureza trabalhista, os seguintes fatores dão a nova visão do instituto: o caráter alimentar destes créditos, que por todos os ângulos recebem tratamento diferenciado e de supremacia frente aos demais(1); o princípio da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, seja em sua concepção prevista no art. 10, da Lei 3.708/19, seja também pela regra do art. 28, caput, e seu parágrafo 5o., da Lei 8.078/90(2); o art. 135, do CTN(3); e o princípio da imputação exclusiva do risco da atividade econômica ao empregador(4), todos de aplicação subsidiária às execuções trabalhistas, segundo art. 889/CLT c/c art. 4o, inc. V, parágrafos 2o. e 3o., da Lei 6.830/80.
(TRT-3ª Região – Agravo de Petição 723/00 – Data de Publicação: 19/07/2000 – Relator: Des. Emerson José Alves Lage)

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE BEM DE SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Partindo da premissa de que os créditos trabalhistas, ante a natureza alimentar de que são revestidos, são privilegiados e devem ser assegurados, a moderna doutrina e a jurisprudência estão excepcionando o princípio da responsabilidade limitada do sócio, com fulcro na teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma que o empregado possa, verificada a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução os bens dos sócios individualmente considerados. Incorrida afronta à norma constitucional.
(TST – Recurso de Revista – 02549-2000-012-05-00 – Data de Publicação: 19/02/2002 – Relator: Helena Sobral Albuquerque)

Outro aspecto importante é quanto da retirada do sócio “antigo sócio”, que também responderá pelas obrigações trabalhistas no limite de dois anos após averbação no contrato social de sua saída nos órgãos competentes.

Para não pairar dúvidas transcrevemos alguns julgados:

EMENTA: RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE. Demonstrado que integrava a sociedade à época do contrato de trabalho do exequente, o ex-sócio da executada deve responder pelos créditos devidos ao trabalhador. Agravo de petição provido.
(TRT-12ª Região – Agravo de Petição 0034400-24.2002.5.04.0102 – Data de Publicação: 03/08/2011 – Relator: Des. José Felipe Ledur)

EMENTA: RESPONSABILIDADE DE EX-SÓCIOS. Não havendo prova da existência de bens da empresa executada suficientes para o pagamento do débito trabalhista, é cabível a penhora de bem de sócio integrante da sociedade executada, ao tempo de vigência do contrato de trabalho. Diante de situações como essa, o princípio da autonomia da pessoa jurídica, que não é absoluto, relativiza-se e pode ser derrogado, tanto para imputar responsabilidade da sociedade a sócio ou ex-sócio, como no caso sub judice, quanto para conferir à sociedade qualidade humana do sócio. Limitação da responsabilidade que se impõe, frente ao disposto no artigo 1.032 do Código Civil.
(TRT-12ª Região – Agravo de Petição 0034400-24.2002.5.04.0102 – Data de Publicação: 20/10/2010 – Relator: Des. Ione Salin Gonçalves)

Note-se que os nossos Tribunais vêm beneficiando os empregados demitidos que não receberam suas verbas oriundas ao contrato de trabalho. A responsabilidade dos sócios, desde que a pessoa jurídica não apresente patrimônio suficiente para cumprimento de suas obrigações, será sempre subsidiária, isto é, apenas no caso em que o cumprimento da obrigação pelo responsável principal “pessoa jurídica” se torne sem êxito.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Finalmente a definição da desconsideração da personalidade jurídica no STJ

O direito brasileiro é um dos poucos sistemas que não restringem a responsabilidade patrimonial à pessoa do devedor. Por força do disposto no artigo 592 do Código de Processo Civil, ficam também sujeitos à execução os bens, dentre outros, dos sócios, nos termos da lei, em diversas situações.
Embora já contemplada em outros textos legais, o artigo 50 do Código Civil acolheu a denominada teoria da disregard of legal entity, pela qual, em última análise, a execução pode ser redirecionada ao sócio que desviou bens da sociedade visando deliberadamente a fraudar o credor.
Tema dos mais controvertidos diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica em decorrência da dissolução irregular da sociedade ou cessação de sua atividade. De um lado, sem qualquer critério, muitas decisões surpreendem o jurisdicionado com a submissão, inaudita altera parte, de seu patrimônio para garantir execução movida contra a sociedade. De outro, em hipóteses que impõem a desconsideração, há julgados que resistem levá-la a efeito, em detrimento do crédito do exequente. 
A pretexto do proclamado “reexame da prova”, dificilmente esta questão vem enfrentada pelo STJ. De fato, inúmeros arestos deixam de analisar a matéria atinente ao redirecionamento da execução à pessoa do sócio, como, por exemplo, pode se verificar no julgamento da 2ª Turma, do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 516.220-RS, relatado pelo ministro Humberto Martins: “... a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio dos sócios para fins de satisfação de débitos da empresa, é medida de caráter excepcional sendo apenas admitida nas hipóteses expressamente previstas no art. 135 do CTN ou nos casos de dissolução irregular da empresa, que nada mais é que infração à lei. No caso dos autos, o Tribunal de origem, quando apreciou a questão, reconheceu que houve o encerramento irregular da empresa”; ou, ainda, no acórdão da 3ª Turma, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 428.306-RS, de relatoria do ministro Sidnei Beneti: “No caso concreto, os argumentos utilizados para fundamentar a pretensa violação legal do art. 50 do CC, somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o reexame das provas, não cabendo a esta Corte, a fim de alcançar conclusão diversa da estampada no acórdão recorrido, reavaliar o conjunto probatório”.
Tendo o tribunal de origem reconhecido, com base nas provas produzidas, a existência dos pressupostos determinantes da desconsideração, o STJ se vê impedido de reexaminar o mérito do Recurso Especial, uma vez que estaria reavaliando o conjunto probatório, diante do óbice da conhecida Súmula 7/STJ.
Pois bem, instado a julgar o Recurso Especial 1.306.553, proveniente do TJ-SC, o ministro Massami Uyeda, por meio de decisão monocrática, deu-lhe provimento ao argumento de que, constando do acórdão recorrido que houve dissolução irregular da sociedade, é cabível a medida excepcional da desconsideração. Interposto agravo regimental, foi ele improvido pela 3ª Turma do STJ.
Irresignado com tal pronunciamento, o recorrente opôs embargos de divergência, sustentando que, enquanto o acórdão embargado reconhece que a dissolução irregular da sociedade empresarial é causa suficiente para a desconsideração da sua personalidade jurídica, o aresto paradigma (REsp. n. 1.098.712-RS, 4ª T., rel. min. Aldir Passarinho Júnior) exige como requisito o abuso da sociedade, que é diagnosticado a partir do desvio de sua finalidade institucional ou da confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios ou administradores.
Lembre-se que, no STJ, em consonância com a regra do artigo 546, I, do CPC, é admissível a oposição de embargos de divergência quando um acórdão, proferido por uma das turmas, “em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial”.
Referidos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.306.553-SC foram distribuídos para a ministra Maria Isabel Gallotti, cujo julgamento pela 2ª Seção do STJ deu-se em 10 de dezembro de 2014. Observo que, por unanimidade de votos, os embargos foram acolhidos.
Consta do respectivo acórdão elogiável e precisa fundamentação, que pode ser sintetizada no seguinte excerto: “Para a aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade social, exige-se o dolo das pessoas naturais que estão por trás da sociedade, desvirtuando-lhe os fins institucionais e servindo-se os sócios ou administradores desta para lesar credores ou terceiros. É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria adotada pelo Código Civil, a aplicação do instituto em comento... Assim, a ausência de intuito fraudulento ou confusão patrimonial afasta o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica, ao menos quando se tem o Código Civil como o microssistema legislativo norteador do instituto, a afastar a simples hipótese de encerramento ou dissolução irregular da sociedade como causa bastante para a aplicação do disregard doctrine... Não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial... Em síntese, a criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim. Abusos no uso da personalidade jurídica justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o levantamento do véu da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios que dela dolosamente se prevaleceram para lesar credores. Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o artigo 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido mero instrumento para fins fraudulentos por aqueles que a idealizaram, valendo-se dela para encobrir os ilícitos que propugnaram seus sócios ou administradores. Entendimento diverso conduziria, no limite, em termos práticos, ao fim da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ou seja, regresso histórico incompatível com a segurança jurídica e com o vigor da atividade econômica. Com esses fundamentos, não estando consignado no acórdão estadual que a dissolução da sociedade tinha por fim fraudar credores ou ludibriar terceiros, não se configurando, portanto, o desvio de finalidade social ou confusão patrimonial entre sociedade e sócios ou administradores, acolho os embargos de divergência para que prevaleça a tese adotada pelo acórdão paradigma e, por conseguinte, restabelecer o acórdão especialmente recorrido”.
Diante destes argumentos, verifica-se que a turma julgadora, sem proceder ao reexame das provas, valeu-se exclusivamente das premissas constantes do acórdão recorrido, para concluir que o encerramento irregular da sociedade não constitui, por si só, circunstância bastante para ser determinada a desconsideração da personalidade jurídica.
Assentando tendência que já vinha sendo acolhida em alguns julgados (v.g.: AgRg no AResp n. 159.889-SP, 4ª T., min. Luis Felipe Salomão), encontra-se agora definida esta importante questão, ao menos nos quadrantes da 2ª Seção do STJ.
Anoto, por fim, que para evitar decisões precipitadas atinentes à desconsideração da personalidade jurídica, na grande maioria das vezes sem ouvir o sócio que sofrerá os efeitos prejudiciais da execução sobre seu patrimônio, o recém aprovado CPC preconiza, no artigo 9º, que: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida”.
Ademais, nessa linha evolutiva, assecuratória da garantia do devido processo legal, o novo diploma processual contempla, nos artigos 133 a 137, o denominado “incidente de desconsideração da personalidade jurídica”, dispondo, no artigo 135, que: “Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Dicas do Novo CPC

Bens dos sócios de empresas só serão confiscados depois de defesa

O projeto do novo Código de Processo Civil (CPC - PL 8046/10), aprovado em Plenário nesta quarta-feira, traz inovações que protegem o empresariado. Os bens dos sócios só poderão ser usados para quitar dívidas da empresa depois da defesa os envolvidos. Hoje, uma ordem do juiz permite o confisco desses bens sem que os sócios sejam consultados.
O projeto cria o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, em que os sócios terão direito de defesa antes que o juiz decida se eles terão ou não os bens penhorados. A desconsideração da personalidade jurídica permite que o patrimônio pessoal dos sócios seja usado para pagar dívidas das empresas, se for comprovada fraude ou má-fé. É um instrumento muito utilizado na cobrança de dívidas trabalhistas, por exemplo.
A proposta cria normas restritivas para a penhora de contas e investimentos das empresas, impedindo o congelamento de recursos usados como capital de giro. O texto também impede que o confisco de dinheiro depositado em contas bancárias e investimentos seja feito em plantão judicial. Além disso, determina que a penhora do faturamento das empresas seja usada como último recurso.
“Criamos uma série de dispositivos que não desorganizam a empresa no caso de penhora”, disse o relator do projeto, deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
 Uma mudança feita em Plenário impede a penhora das contas e investimentos de pessoas ou empresas em caráter provisório. Esses bens só poderão ser confiscados pela Justiça depois de uma sentença. Teixeira já adiantou que vai defender a alteração desse ponto pelo Senado.
 Outra mudança feita em Plenário proíbe o juiz, em regra, de determinar a intervenção judicial em uma empresa. Essa intervenção só poderá ser feita em último caso e observando as normas já previstas pela Lei do Cade.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Alienação de imóvel de empresa cujas cotas garantem execução contra sócios desfalca a garantia


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ocorrência de fraude à execução na alienação de imóvel de uma empresa cujas cotas foram parcialmente penhoradas para garantir execução contra os sócios. O relator, ministro Sidnei Beneti, entendeu que, como o valor da alienação do bem (50% de propriedade da empresa) foi destinado diretamente aos sócios, o ativo patrimonial da empresa foi desfalcado e o credor acabou desfalcado da garantia da penhora.

“É preciso ver com exatidão a substância da alienação realizada, que foi feita pelos próprios sócios, a quem aproveitou o recebimento do preço”, apontou o ministro Beneti. No caso, o valor da venda não ingressou no ativo patrimonial da sociedade e, portanto, nas cotas. O dinheiro da venda do imóvel, comprovadamente, ficou com os sócios, que o receberam por cheque endossado em seu proveito.

Sabendo da venda do imóvel e temendo que os executados frustrassem a garantia (a penhora das cotas), o então credor pediu que se instaurasse incidente de fraude à execução. O juiz de primeiro grau declarou ineficaz a alienação. O comprador do imóvel recorreu e, em segundo grau, foi decidido que não seria possível anular ou declarar ineficaz a alienação do imóvel, porque o prejuízo em tese causado ao credor dos sócios não viria propriamente da venda, mas da destinação dada ao preço.

Valor da cota

No recurso ao STJ, interposto pelo credor, o ministro Beneti afirmou que o argumento do Tribunal de Justiça de São Paulo não torna regular a alienação do imóvel, porque a venda do bem e o recebimento do preço correspondente constituem uma unidade. Como consequência, concluiu o ministro, ficou desfalcado o ativo patrimonial do executado e aviltado o valor das cotas objeto da penhora averbada.

De acordo com o ministro, quando se dá à penhora determinado bem, o credor tem uma garantia. “E é exatamente a frustração dessa garantia que resulta quando se aliena o bem”, completou. De acordo com o ministro, “a sociedade foi utilizada como instrumento de disfarce da venda”.

No caso, a alienação não atingiu diretamente o bem penhorado. Mas o ministro relator advertiu que a tese da segunda instância relativiza, inclusive, as alienações de bens diretamente atingidos pela penhora, esvaziando-a, “o que se mostra frontalmente contrário ao sistema de garantia patrimonial da execução, via penhora”.

Alienação oblíqua

Na avaliação do ministro, a alienação do bem imóvel principal da sociedade caracterizou alienação oblíqua de parte expressiva da cota social, correspondente ao desfalque do valor do bem alienado.

O ministro também analisou que, embora não tenha havido prova concreta de que a alienação do bem importou em diminuição do valor das cotas societárias, essa diminuição é evidente: “Ignorá-la significaria admitir ficção incompatível com a concretude dos fatos trazidos a juízo.”

Conforme explicou, nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, como no caso, a cota social nada mais é do que a representação de uma parte do ativo dessa mesma sociedade. Para Beneti, a redução do ativo patrimonial, resultante da alienação de bem imóvel, na sociedade de responsabilidade limitada, implica, necessariamente, a redução do valor da cota social.

Processos: REsp 1355828

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Pessoa jurídica responde por dívida de sócio


Por Vanessa Alves da Cunha

No final dos anos 60, o  professor Rubens Requião trouxe para o Brasil a doutrina da Desconsideração da Personalidade Jurídica, conhecida pelos ingleses e norte-americanos como “Disregard Doctrine” ou “Disregard of Legal Entity”, que consiste, nas palavras do mestre Requião, na possibilidade de “descortinar o véu da personalidade jurídica” com a consequente responsabilização de um ou mais sócios pelas obrigações assumidas pela sociedade, possibilitando, assim, o ataque patrimonial destes, o que era, até então, impensável.

O artigo 50, do Código Civil de 2002, adotou a desconsideração da personalidade jurídica em seu texto, encampando a Teoria da Maior Desconsideração, utilizada em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial (entre o patrimônio dos sócios e da sociedade). Nesse caso, o juiz pode decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Por outro lado, também existe a Teoria da Menor Desconsideração, prevista no artigo 4º da Lei 9.605/1998 (Lei do Meio Ambiente), estabelecendo que para a desconsideração da personalidade da sociedade, basta ela não ter bens suficientes em seu patrimônio a fim de satisfazer o crédito.

Ainda em estágio de amadurecimento, surge no cenário jurídico a Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica (“Desconsideração Inversa”), introduzida no nosso país pelo professor Fábio Konder Comparato, em sua obra “O poder de controle da Sociedade Anônima”, sob o título “Confusão patrimonial entre titular do controle e sociedade controlada. A responsabilidade ‘externa corporis’”.

Sem previsão legal específica, mas aplicada em recentes decisões judiciais, a presente teoria tem como fundamento o artigo 50, do Código Civil, já que os requisitos para a sua utilização são os elencados em tal dispositivo, quais sejam: abuso de personalidade jurídica e confusão patrimonial.

O primeiro requisito, acima exposto, estará configurado quando houver desvio de finalidade, ou seja, quando a personalidade jurídica for utilizada com fins diversos daqueles pretendidos inicialmente. Já o segundo, se caracteriza pela dificuldade em se saber de quem é determinado patrimônio, se do sócio ou da empresa, tendo em vista que um se utiliza do outro a todo tempo.

A Desconsideração Inversa consiste na possibilidade de se invadir o patrimônio da empresa, por dívidas contraídas por um de seus sócios, ou seja, é admitido desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizá-la por obrigações assumidas por um ou mais sócios.

A Desconsideração Inversa coíbe a fraude, o abuso de direito e, principalmente, o desvio de bens, ou seja, o sócio devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual tem controle total, esvaziando seu patrimônio pessoal, mas usufruindo daquele que está sob a propriedade da sociedade, já que ao integralizar totalmente a pessoa jurídica, passa a exercer a atividade em seu nome, com o objetivo de fraudar terceiros.

Diante disso, os credores têm dificuldade para satisfazerem seus créditos, frustrando suas pretensões, o que lhes dá, adotando essa linha de ideias, o direito de invadir o patrimônio da sociedade – usada pelo devedor para “esconder” seus bens – uma vez que o caminho para alcançar suas pretensões, através da penhora e, após, da venda das cotas sociais, é mais lento e muitas vezes será ineficaz.

O professor J. Lamartine Corrêa de Oliveira, ao tratar de um caso de fraude contra credores, através da transferência de bens do devedor, destaca que: “esse remédio jurídico extraordinário só será admissível quando a obtenção normal do valor das quotas pertencentes ao sócio, e que garantem primariamente o credor pessoal, seja difícil e ponha em perigo a satisfação da pretensão.” (A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, Ed. Saraiva, São Paulo, 1979, págs. 341/342).

A Desconsideração Inversa pode ser aplicada independentemente,de ter sido demonstrada a transferência dos bens do patrimônio particular do sócio controlador-devedor para a pessoa jurídica. A justificativa para tal afirmativa é dada pelo desembargador Pereira Calças, no Agravo de Instrumento 1198103-0/0 – SP:

“Isto porque, frustradas as diligencias realizadas com o escopo de bloquear ativos financeiros do sócio devedor, que apresenta suas contas zeradas, exsurge evidente que, na condição de ‘dono’ ou ‘sócio de fato’ ou ‘controlador’ das sociedades, retira da caixa das empresas, mediante expediente lícitos ou ilícitos, formais ou informais, o necessário para sua manutenção e de sua família.”

Dessa forma, o sócio devedor, que alega não ter condições de pagar suas dívidas (insolvente), não precisa ter, de fato, dinheiro em suas contas bancárias pessoais, basta usufruir de tudo aquilo que pertence à sociedade que controla, mantendo um padrão de vida incompatível com a situação jurídica que ostenta.

Tal assunto, entretanto, não é corriqueiro nos julgados de nossos tribunais, no entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o Agravo de Instrumento 1.198.103-0/0, que antecipou a tutela recursal para reformar decisão de 1º grau e determinar a penhora online de valores nas contas de três empresas de um grupo econômico, a fim de adimplir dívida de seu sócio majoritário, pessoa física.

No caso em questão, os requisitos necessários para configuração da Desconsideração Inversa estavam presentes, o que permitiu que o credor do sócio atingisse o patrimônio da sociedade por ele integrada, tendo seu crédito satisfeito.

Cabe ressaltar que, apesar de não ser de aplicação cotidiana, tampouco haja previsão legal específica, o presente conceito de desconsideração já havia sido introduzido no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28; na Lei Antitruste, artigo 18; e na Lei do Meio Ambiente, já citada, ao falarmos sobre a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, mas em todos decorre da interpretação do texto e da aplicação de regras de hermenêutica a justificar, da mesma forma que o artigo 50 do Código Civil, a adoção do conceito de inversão.

Resta claro, portanto, que a desconsideração é mais eficiente para o credor e, inclusive, mais célere, quando comparada à penhora da participação social do sócio (cotas ou ações), uma vez que nesta condição a preferência é dos credores sociais.

Como visto, requerida a penhora, o credor está sujeito a aguardar pela avaliação das cotas ou ações e pelo julgamento de possíveis embargos opostos pelo devedor. Assim, optando por este viés, o credor pode esperar por anos, até que seu crédito seja satisfeito, o que torna a execução um instrumento propício à inadimplência, se contrapondo à tutela célere e eficaz que se busca no Judiciário.

Vale enfatizar, que a Desconsideração não é mais efetiva, apenas, para o credor, mas também para o devedor, que pode ser executado de uma forma menos gravosa, evitando-se a alienação compulsória das participações e impedindo a interferência judicial na sociedade.

Assim, havendo fraude, simulação ou desvio de bens, é cabível a interpretação do artigo 50 do Código Civil a permitir a Desconsideração Inversa da personalidade jurídica, passando a pessoa jurídica a responder pelas obrigações do sócio devedor.

Vanessa Alves da Cunha é integrante do Antonelli & Associados.

terça-feira, 12 de junho de 2012

SOCIEDADE - Proteção do bem de família pode ser afastada em caso de esvaziamento de patrimônio



Caso ocorra esvaziamento do patrimônio do devedor em ofensa ao princípio da boa-fé, a impenhorabilidade do imóvel ocupado pela família pode ser afastada. A Terceira Turma do STJ adotou essa posição em recurso movido por sócio de uma construtora contra julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). A Turma, de forma unânime, negou o recurso do sócio. 

O recurso refere-se à ação de execução ajuizada em 1995 por consumidor que entrou num plano de aquisição de imóvel ainda na planta, a ser construído pela empresa. Porém, mesmo após o pagamento de parte substancial do valor do apartamento, as obras não foram iniciadas. Verificou-se que a construtora havia alienado seu patrimônio e não teria como cumprir o contrato. Em 2011, foi pedida a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, de modo que a obrigação pudesse ser cumprida com o patrimônio pessoal dos sócios. 

Após a desconsideração, o imóvel residencial de um dos sócios foi penhorado. Essa penhora foi impugnada pelo empresário sob o argumento que se trata de bem de família, único que teria para residir. Entretanto, o TJRJ considerou que houve esvaziamento patrimonial, com a intenção de evitar a quitação do débito. Também considerou que a parte não conseguiu afastar a presunção de fraude à execução. 

Princípio da boa-fé 

Houve então o recurso ao STJ, com a alegação de ofensa ao artigo 3º da Lei 8.009/90, que estabelece ser impenhorável o bem de família. Segundo a defesa, o artigo estende a impenhorabilidade contra débitos trabalhistas, fiscais e de execução civil. Também invocou o artigo 593 do Código de Processo Civil (CPC), que define a alienação ou oneração de bens como fraude de execução se há ação pendente sobre eles. 

Todavia, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, afirmou que nenhuma norma do sistema jurídico pode ser entendida apartada do princípio da boa-fé. “Permitir que uma clara fraude seja perpetrada sob a sombra de uma disposição legal protetiva implica, ao mesmo tempo, promover injustiça na situação concreta e enfraquecer, de maneira global, o sistema de especial proteção objetivado pelo legislador”, afirmou. Ela destacou que o consumidor tentou adquirir sua moradia de boa-fé e, mais de 15 anos depois, ainda não havia recuperado o valor investido. 

Nancy Andrighi também observou que, segundo os autos, o consumidor estaria inadimplente e correndo risco de perder o imóvel em que reside com sua família. “Há, portanto o interesse de duas famílias em conflito, não sendo razoável que se proteja a do devedor que vem obrando contra o direito, de má-fé”, asseverou. Para a ministra, quando o sócio da construtora alienou seus bens, exceto o imóvel em que residia, durante o curso do processo, houve não só fraude à execução mas também à Lei 8.009/90. Na visão da magistrada, houve abuso do direito, que deve ser reprimido. 

Por fim, ela refutou o argumento de que as alienações ocorreram antes do decreto de desconsideração da personalidade jurídica e, portanto, seriam legais. A ministra apontou que, desde o processo de conhecimento, a desconsideração já fora deferida e o patrimônio pessoal do sócio já estava vinculado à satisfação do crédito do consumidor.

http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=201103062131


segunda-feira, 30 de abril de 2012

Atual proprietário de marca responde por dívidas do antigo dono



O processo de compra de uma marca deve envolver a pesquisa sobre a situação financeira do vendedor. Pois, caso a marca seja objeto de liquidação de dívida, o novo proprietário deverá arcar com o prejuízo. Esse foi o entendimento aplicado pelo juiz José Tadeu Picolo Zanoni, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco (SP), no caso da penhora da marca Vila Romana, cuja execução estava embargada.


Processo n. 8.167/2007

VISTOS.

ERIBALL SOCIEDAD ANONIMA opôs embargos de terceiro contra a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos da execução que esta move contra SELLINVEST DO BRASIL S/A. Alega: a) existem diversas execuções fiscais contra a Sellinvest do Brasil S/A; b) em dezembro de 2004 a embargada pediu a penhora da marca “VILA ROMANA”, propriedade da executada, com expedição de ofício ao INPI para registrar isso; c) tal penhora foi deferida, com expedição de mandado; d) tal marca, no entanto, é da embargante, desde 25 de junho de 2004; e) isso ocorreu antes da penhora, portanto; f) pede a procedência dos embargos, liberando-se a marca da penhora. Junta documentos (fls. 12/247).

A Fazenda contestou (fls. 226/231, com documentos – fls. 232/266). Alega: a) existem 93 execuções fiscais nesta Comarca contra a Sellinvest; b) foi decretada a falência da mesma na Comarca de Taboão da Serra, em 14 de fevereiro de 2006; c) pede a extinção dos embargos, eis que deveriam ser dirigidos também contra a empresa devedora; d) no mérito, argumenta que a cessão de direitos sobre a marca é ineficaz, constituindo fraude à execução; e) cita julgados. Diz que a penhora é regular e correta. Foi apresentada réplica (fls. 269/273).

É o relatório.

DECIDO.

Passo a decidir o feito no estado em que se encontra, eis que os pontos controvertidos são de direito.

A preliminar deve ser rejeitada, eis que não é necessária a colocação da empresa executada no pólo passivo do feito. Ela tem algum interesse na discussão, mas isso não chega a caracterizar um litisconsórcio unitário necessário. Além disso, se a penhora do bem foi pedida pela Fazenda, sem indicação da executada, não há razão para que seja esta incluída no pólo passivo (vide Apelação Com Revisão 6794445100).

No mérito, tem razão a embargada. O bem em questão foi vendido na pendência de dezenas de execuções fiscais em andamento contra a empresa executada. Nunca é demais copiar o artigo 593, inciso II do CPC:

“Art. 593. Considera-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens: II — quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”

Pouco importa o fato de a penhora ter sido feita depois do negócio jurídico da cessão. A embargante, pessoa jurídica ciosa de seus direito, certamente viu, percebeu, intuiu que a vendedora da marca tem sérios e grandes problemas. Tanto isso é verdade que, não muito tempo depois, foi decretada a falência da empresa. Qualquer pesquisa a respeito de eventuais processos da Sellinvest mostraria a existência de muitos processos. Qualquer compra, de qualquer coisa da vendedora, era mais que temerária, uma ousadia digna de alpinistas escaladores do K2 em dia de tempestade. Assim, até causa espécie que a embargante diga ter agido de boa fé. Afirmar que, em momento algum foi comunicada a respeito da insolvência da empresa executada é, como dito, algo que não se imagina numa empresa minimamente ciosa dos seus direitos. Com o devido respeito, basta consultar qualquer acadêmico de Direito para descobrir a necessidade de pesquisar a situação de uma empresa quando esta vende algo tão importante do seu patrimônio. Algo chamado “VILA ROMANA”.

Não é o caso de enveredar pela análise da anotação da venda no órgão de registro. Nos termos do artigo 593, II, do CPC, a venda é totalmente ineficaz, feita em fraude à execução. Além disso, se não foi feito o registro da transferência de direitos sobre a marca, não importa se por problemas no trâmite, não pode a embargante brandir esse argumento. Vejamos julgado neste sentido:

TIPO DE PROCESSO: Apelação Cível

NÚMERO: 198007346

RELATOR: José Aquino Flores de Camargo

EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIROS — EXECUCAO FISCAL. HAVENDO PROVA DA OCORRENCIA DE FRAUDE A EXECUCAO, DESIMPORTA A SUPOSTA ALEGACAO DA BOA FE DE TERCEIRO, PORQUE O NEGOCIO E INEFICAZ, RESOLVENDO-SE A QUESTAO ENTRE O ALIENANTE E O ADQUIRENTE, PRESERVADO O DIREITO DO CREDOR. HIPOTESE QUE MAIS SE SALIENTA DIANTE DA EVIDENTE INCAPACIDADE PATRIMONIAL DO DEVEDOR, TANTO QUE VENDA JUDICIAL DE BENS DESTE JA FORA INEFICAZ. EMBARGOS DE TERCEIROS IMPROCEDENTES. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 198007346, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 29/09/1998)

TRIBUNAL: Tribunal de Alçada do RS

DATA DE JULGAMENTO: 29/09/1998

ÓRGÃO JULGADOR: Vigésima Câmara Cível

COMARCA DE ORIGEM: CANOAS

SEÇÃO: CIVEL

PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do dia

TIPO DE DECISÃO: Acórdão

A embargante fala em ofensa ao artigo 422 do Código civil. Diz ele que os contratantes são obrigados a guardar a probidade e boa-fé na conclusão e execução do contrato. Trata-se de bom argumento para usar em eventual pleito indenizatório contra a executada-vendedora. Contra a embargada-exeqüente isso não tem qualquer aplicação e lugar. O artigo 1046 do Código Civil fala da sociedade em comandita simples. Não se aplica ao caso. No Código Civil anterior tal artigo foi revogado em 1998, falava do compromisso. O artigo 1046, no Código de Processo Civil, fala justamente dos embargos de terceiro.

Ante o exposto, julgo improcedentes os presentes embargos. Condeno a embargante ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que fixo em dez por cento do valor atualizado da causa.

P.R.I.

Osasco, 14 de agosto de 2008.

JOSÉ TADEU PICOLO ZANONI

Juiz de Direito

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