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domingo, 7 de agosto de 2022

PRESENÇA DE VÍCIO - Cliente que revendeu carro zero com defeito receberá diferença no preço


5 de agosto de 2022

O valor a ser restituído ao consumidor em virtude da aquisição de carro zero-quilômetro com vício, na hipótese em que o produto é, posteriormente, revendido a terceiro, deve corresponder à diferença entre o valor de um veículo equivalente na data da alienação a terceiros e o valor recebido na revenda.


Carro foi comprado e revendido com vício

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou recurso no qual uma concessionária argumentou que o montante a ser restituído ao consumidor, nesse tipo de situação, deveria considerar também o período no qual o veículo continuou sendo utilizado. A empresa alegou ainda que, em casos de vício no produto, a responsabilidade das concessionárias é subsidiária, por se tratar de comerciante.

O recurso teve origem em uma ação ajuizada por uma consumidora que pleiteou a substituição do veículo por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, em razão de diversos defeitos apresentados no carro, de forma intermitente.

O juízo de primeiro grau determinou a substituição do carro por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, bem como condenou a concessionária e a fabricante por danos materiais e morais. Em virtude da alienação do veículo, antes do trânsito em julgado, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso converteu a obrigação de fazer em perdas e danos.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que, se o consumidor adquiriu produto novo com vício e o fornecedor resiste em cumprir com sua obrigação de repará-lo, conforme disposto no artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), prolongando a demanda judicial, não pode a demora ser imputada à parte vulnerável que foi obrigada a recorrer ao Poder Judiciário para ter seus direitos respeitados.

"Tampouco há que se falar, nesse cenário, em eventual desconto do valor referente ao período em que o produto continuou sendo utilizado pelo consumidor, pois, à toda evidência, pelo mesmo lapso de tempo, também o fornecedor teve à sua disposição o valor desembolsado pelo consumidor para a aquisição do produto, podendo dele fazer uso como entendesse mais adequado", disse.

No caso dos autos, a relatora ponderou que, em razão da alienação do veículo, a consumidora já foi parcialmente restituída da quantia que gastou para adquirir o veículo viciado, de modo que a restituição deverá corresponder à diferença entre o valor de um produto novo na data da alienação a terceiros e o valor recebido nesta transação.

Ainda segundo a ministra, o sistema criado pelo CDC trabalha com as noções de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço e de responsabilidade pelo vício do produto ou serviço. Ela explicou que um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de criar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.

Por outro lado, completou, são considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e que lhes diminuam o valor.

A partir dessas distinções, a Nancy Andrighi concluiu que a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço decorre da caracterização de um vício grave, isto é, de um defeito. Nesse caso, o CDC estabelece, no artigo 13, a responsabilidade apenas subsidiária do comerciante.

Já a responsabilidade pelo vício, afirmou a ministra, decorre da caracterização de um vício menos grave, circunscrito ao produto ou serviço em si, sendo-lhe inerente ou intrínseco. De acordo com a magistrada, em razão de o CDC não fazer qualquer distinção entre os fornecedores, o entendimento é de que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável, inclusive o comerciante.

Na hipótese em análise, a ministra verificou que, ao lado da responsabilidade pelo vício do produto, em que há a responsabilidade solidária, há, igualmente, a responsabilidade pelo fato do serviço, consubstanciada na má prestação dos serviços de manutenção e reparo, que ocasionou ofensa tanto patrimonial quanto extrapatrimonial à consumidora. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.


Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2022, 14h19

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Direito da Moda e modelos: a crise no setor e a questão da essência da imagem

 20 de janeiro de 2022

Por 

Direito da Moda é uma área jurídica interdisciplinar que reúne saberes que vão de questões sobre a proteção da criação dos estilistas e das grandes marcas, dos negócios envolvendo vestuários e acessórios, até a normatização e o resguardo do trabalho de modelos e sua imagem, dos desfiles e publicidade, ainda abarcando temas referentes à luta contra o trabalho escravo. Criado nos Estados Unidos (lá chamado de Fashion Law) na primeira década deste século, o eixo comum e central da discussão reside em tudo aquilo que envolve a indústria da moda.

Como se sabe, a moda engloba um mercado que movimenta bilhões, num universo de importância econômica e alta complexidade, não só como mecanismo de giro de capitais, mas também como fenômeno sociocultural. Em 2017, por exemplo, o mundo fashion movimentou cerca de R$ 100 bilhões ao redor do globo.

Mesmo em períodos de crise, como o foram os anos de 2020 e 2021, por conta da pandemia provocada pelo coronavírus, o mercado da moda ainda se manteve em certa alta. Mesmo com medidas de controle que demandaram o fechamento do comércio físico, os lojistas se reinventaram para sobreviver e novas estratégias foram desenvolvidas pelas grandes marcas em resposta à pandemia.

No Brasil, em 2020, por exemplo, embora enfrentando adversidades, o faturamento da cadeia têxtil ficou na casa de mais de 180 bilhões. E, em 2021, houve um aumento de faturamento da ordem de mais de 170%. Para isso, contribuiu muito o mercado de moda digital, chamado de fashion e-commerce. Em 2020, o setor da moda foi o segmento que mais registrou produtos online vendidos, chegando a cerca de 1,8 milhão de itens. Além da tecnologia desenvolvida, que permitia entregas mais rápidas e baratas, na esfera do Fashion Law do consumidor, foram criados mecanismos que facilitaram a relação fornecedor-cliente, como a extensão do prazo de troca de sete para 30 dias em alguns casos.

Por conta de tais ações e estratégias, a moda manteve-se firme como mercado, mesmo diante desse grave quadro de crise atual.

Por outro lado, quando se ouve falar em moda, uma das primeiras coisas que vêm à cabeça é o glamour dos desfiles, que chama a atenção e faz grande parte das pessoas imediatamente recordar das passarelas e das modelos que nela transitam.

Obviamente, imperdoável como foi, a pandemia também afetou os desfiles. Em 2020, por exemplo, a SPFW ocorreu somente de forma virtual, tendo sido cancelados todos os desfiles presenciais. Somente em novembro de 2021, a SPFW voltou às atividades, sob as regras e obediência a rígidos protocolos de segurança. A 52ª edição da SPFW foi então sediada no Parque do Ibirapuera e contou com 48 desfiles no total, mas somente 25 deles foram presenciais, sendo os demais online.

Nesses desfiles presenciais, pôde-se apreciar o trabalho das modelos e seu esforço para que o evento se mantivesse grandioso, mesmo diante de todas as dificuldades.

Mas a carreira de modelo não se prende somente aos desfiles. Modelos também trabalham com publicidade e, talvez, esse seja o trabalho mais procurado por quem se decide a abraçar a carreira. Poucos sabem, porém, o quanto de esforço é necessário para manter-se nela. Como diz Libardi, uma conhecida autora da área da moda, ser modelo não é brincadeira, nem deve ser um hobby predileto. Assim como outras carreiras, a modelo também tem suas obrigações profissionais. E são muitas, pois o mercado hoje é muito exigente e altamente seletivo, demandando das modelos atuação e postura condizentes.

Mesmo assim, contra todos os percalços, a figura da top model inspira o imaginário de diversas pessoas. Por conta disso, a carreira é procurada também por classes menos favorecidas. Mesmo para quem não teve acesso a uma educação tradicional ou adequada, transparece ser alternativa positiva. Não se vê a necessidade de investimentos em educação, pensa-se ser possível começar desde cedo e fazer dinheiro em pouco tempo e sem qualquer formação.

É necessário ter consciência de que esse mercado é concorrido e rigoroso. Por outro lado, é amplo e oferece inúmeras oportunidades. Somente o discernimento, o preparo, a dedicação e a vocação permitem a transformação do sonho em realidade.

Na profissão de modelo, a questão da imagem é fundamental. Basicamente, trata de a modelo oferecer sua imagem para vender um dado produto. Em virtude disso, a proteção da imagem é também um dos temas centrais do Direito da Moda. No mundo contemporâneo, aliás, a ideia de imagem alimenta o imaginário e a realidade das pessoas. É impossível não ser tocado por imagens atualmente. No computador, na televisão, no celular, além de que, cada vez mais, é facilitado pelas tecnologias o "guardar" uma imagem. Talvez mais do que fazer ligações, o celular é um meio de registro de imagens. Nas redes sociais, as pessoas se comunicam mais por imagens do que por textos. As chamadas selfies fazem-se cada vez mais presentes, não apenas na intimidade, mas também para registro de solenidades.

 A imagem torna possível o viver. A vida animal, a vida sensível em todas as suas formas, pode ser definida, segundo um pensador atual chamado Emanuelle Coccia, como uma faculdade particular de se relacionar com imagens. O ser humano não é o animal racional porque conhece ou pode conhecer, mas, sim, porque se autorreconhece como imagem. Ele vê e sente sua imagem. Sua vida somente é possível por meio de imagens, que são muito mais que meras representações. O ser humano vive no mundo a partir do sensível, ou seja, a partir de suas sensações e não por meio de percepções, como já se demonstrou em diversos campos do conhecimento.

No universo da moda, isso é muito mais perceptível. Toda vez que se veste, o ser humano devolve sua imagem ao mundo exterior. Aquilo que ele sente ser como imagem, ele lança ao mundo com sua vestimenta. Além de ser uma característica de proteção, a roupa transmite a imagem do que a pessoa é. Pode-se dizer assim, junto com Coccia, que o ser humano é o animal que aprendeu a se vestir.

Essa concepção de imagem é fundamental ao Direito e abre um novo questionamento porque, normalmente, no campo jurídico, se trabalha com o conceito de imagem como um atributo da personalidade. Atributo essencial, é claro, mas ainda assim como uma "propriedade". Mas, se olharmos pela perspectiva apresentada, a imagem não é só um atributo. Ela é o que o ser humano é. Ela é a própria pessoa. Portanto, a imagem não é apenas um direito personalíssimo, ela é aquilo que constitui a pessoa e, assim, é ela que possibilita a aquisição de direitos.

Na doutrina clássica, a imagem está atrelada à ideia de representação. O que está em jogo aqui é afirmar que a imagem está ligada à ideia de constituição, constituição do próprio ser.

No Direito da Moda, principalmente quando se trata da profissão de modelo, ou de atores e atrizes que fotografam, ou mesmo das pessoas que o fazem esporadicamente, significa dizer que, se a imagem for atingida, não é simplesmente um direito que foi violado, mas afirmar que a integridade da pessoa foi alcançada.

O tema é pouco explorado e é um dos desafios lançado pelo Direito da Moda. É um assunto novo e certamente diversos debates decorrerão dele.

Valquíria Saboia é advogada, pós-graduada em Direito Civil com enfoque em Direito da Moda e MBA em Gestão Empresarial com extensão em Fashion Consulting e autora do livro "Direito da Moda: uma introdução ao Fashion Law".

Revista Consultor Jurídico, 20 de janeiro de 2022, 10h43