Giovanny Domingues Gusmão
·
PROBLEMÁTICA
O
Novo Código consumou a unificação dos Códigos, ou seja, a justaposição formal
do Código Civil com o Código Comercial, sistematizando, sem qualquer critério
científico ou lógico, a matéria de Direito Civil com parte da matéria de
Direito Comercial, a exemplo da orientação seguida pelo Código Civil Italiano
de 1942. Neste aspecto, o Código recebeu as mais contundentes críticas dos
juscomercialistas que se colocaram contra a unificação.
É
imprescindível ter em mente que o novo Código contém uma disciplina geral para
os títulos de crédito idealizada com os objetivos de: a) autorizar a criação dos títulos de crédito atípicos ou
inominados; b) servir de disciplina
suplementar aos títulos de crédito nominados ou típicos, naquilo em que houver
compatibilidade; e c) conferir aos
títulos novos ou aos que vierem a ser criados uma disciplina referencial para
remissão, visto que as leis específicas de vários títulos determinam que a eles
se apliquem, quando cabíveis, subsidiária ou complementarmente, as normas sobre
as cambiais.
Não
houve o intuito de conformar uma disciplina geral de títulos de crédito visando
a enumeração e reunião dos dispositivos comuns de parte ou da totalidade das
inumeráveis espécies existentes de títulos de crédito. Optou-se por arquitetar
uma disciplina básica, genérica, direcionada para os títulos atípicos ou
inominados, isto é, àqueles documentos dotados de certas características
próprias dos títulos de crédito, criados de conformidade com as exigências e
dinâmica dos negócios, porém não previstos em lei. A regulamentação geral não
se aplica, destarte, diretamente aos títulos de crédito definidos e
disciplinados em leis especiais (cédulas de crédito, duplicatas, nota
promissória, letra de câmbio, etc.), a não ser quando compatíveis com estes e em
caráter suplementar (art. 903).
Adotou-se,
assim, tal como no Código Civil Italiano de 1942, o princípio da livre criação
e emissão de títulos de crédito atípicos ou inominados.
Por
sua vez, há de se mencionar que houve a inserção, no novo Ordenamento Civil, da
possibilidade de criação de títulos de crédito inominados ou atípicos, “uma
categoria intermediária de documentação de direitos creditícios, a meio caminho
entre os chamados — ‘créditos de direito não-cambiário’ — oriundos de negócios
jurídicos celebrados por instrumento particular ou público — e os títulos de
crédito típicos” [IV].
Ao
que parece, o intuito do legislador foi de fixar os requisitos mínimos dos
títulos de crédito, ou uma tentativa de construção de uma teoria geral dos
títulos de crédito (embora a regulamentação permaneça por lei especial e
cambiária), ou melhor, para os futuros títulos de crédito.
·
CONCEITO
É necessário conceituar e
explicar os títulos de crédito típicos e atípicos, para sua melhor compreensão.
Entendemos por TÍTULOS TÍPICOS aqueles definidos por um modelo legal, ou
melhor, consistem na impossibilidade de se emitirem títulos de crédito que não
estejam definidos pela própria lei. Os títulos típicos, ou com previsão legal,
são em numerus clausus e só podem ser
emitidos quando especialmente regulados por lei.
Ao revés, os TÍTULOS
ATÍPICOS designam um documento não expressamente previsto na legislação, mas
que, nem por isso, estão inteiramente afastados dos princípios reguladores dos
títulos típicos ou nominados.
No Brasil, adotava-se um posicionamento sobre os títulos
de crédito, segundo o qual os mesmos somente podem ser criados por lei diante
da necessidade de garantir certeza e segurança no recebimento do crédito, em
intensa circulação nas atividades mercantis.
Todavia esse
posicionamento tomou novos contornos com o novo Código Civil, no qual foi
proposta a possibilidade dos particulares, diante de necessidades específicas,
criarem títulos de crédito ao lado do legislador ordinário. Este procedimento
já ocorre em outros países, como na Itália no seu Código Civil de 1942, na
Suíça no seu Código Federal das Obrigações, e no México na sua Lei Geral de
Títulos de Operações de Crédito de 1932, e suas posteriores alterações. Com
esse procedimento, ou melhor, com a adoção desse procedimento, extingue-se o
monopólio legal do estado de criação dos títulos de crédito, transferindo-se
essa função igualmente aos particulares como exercício da autonomia privada.
O argumento mais
convincente utilizado pela doutrina para adoção e criação dos títulos de
crédito atípicos ou inominados é a de que eles fomentam a dinamicidade dos
negócios, possibilitando concretizar a criatividade das fontes materiais do
Direito Empresarial. Mas este não é um posicionamento pacífico, porquanto
sujeito a muitas controvérsias, como demonstraremos adiante.
São
exemplos de títulos típicos a letra de câmbio, nota promissória, cheque, etc.
Já
por títulos atípicos tem-se a “FICA ou
vaca-papel” (o contrato
"vaca-papel" é denominação comum dos contratos celebrados entre
parcerias pecuárias e, utilizado para encobrir a ocorrência real de mútuo
feneratício, ou seja, é um contrato simulado de parceria pecuária, que tem a
finalidade de esconder um mútuo usuário puro simples, como outras vezes
representa o preço pelo qual foi concretizado um negócio), título de crédito amplamente utilizado em
negócios pecuários na região Centro-Oeste, no qual se simula uma
parceria pecuária a ser quitada com vacas,
e válido como tal, porém, produto exclusivo de costumes.
Segundo Marlon
Tomazette,
“[...] é certo que os títulos
atípicos, embora sejam títulos de crédito, não são títulos executivos, na
medida em que a executividade pressupõe um reconhecimento legal específico. A
tipicidade não atinge mais os títulos de crédito, mas atinge ainda os títulos
executivos. Um exemplo de título [de crédito] atípico usado no país é o chamado
FICA, ou vaca papel, que visa a instrumentalizar os direitos decorrentes do
contrato de parceria pecuária. Neste contrato, o objeto é a cessão de animais
para cria, recria, invernagem e engorda, mediante partilha proporcional dos
riscos e dos frutos ou lucros havidos. O título (vaca-papel) representaria
justamente o direito ao recebimento dos lucros e à devolução dos animais
entregues” (Curso de Direito Empresarial: títulos de crédito. v.
2. São Paulo: Saraiva, 2009. p.13-14).
·
CONCUSÕES
Há
divergências doutrinárias quanto à possibilidade jurídica de se criar títulos
de crédito atípicos ou inominados no Direito brasileiro. Aqueles que entendem
ser juridicamente possível argumentam que estariam tais títulos de crédito
atípicos ou inominados sujeitos ao regime jurídico dos arts. 887 a 926 do
Código Civil, mas sem ostentarem a característica de título executivo extrajudicial.
Posicionaram-se
favoravelmente à emissão de títulos atípicos juristas de escol como Carvalho de
Mendonça e Pontes de Miranda.
O
jurista Antônio Mercado Júnior, em percuciente análise que fez sobre o
Anteprojeto de Código Civil, quanto à matéria dos títulos de crédito ao
Instituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado, que serviu como ponto de
partida para discussões, e que acabaram sendo ratificadas, mostrou-se duvidoso
em relação a adoção dos títulos atípicos, com o argumento que poderia trazer
perigo ao público em geral a criação indiscriminada de novos títulos de crédito.
Newton
de Lucca, contrário à adoção dos títulos atípicos, aduziu que o projeto
incorrera em confusão e que deveria ter como escopo a subsidiariedade para as
normas específicas dos títulos de crédito e não a regulamentação dos títulos de
crédito atípicos ou inominados.