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quarta-feira, 10 de agosto de 2022

A impossibilidade da penhora total da conta conjunta

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXTENSÃO DA PENHORA DE SALDO EM CONTA-CORRENTE CONJUNTA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE RATEIO EM PARTES IGUAIS.

Nesse quadro, à luz do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor — enunciado nos artigos 591 e 592 do CPC de 1973 (reproduzidos nos artigos 789 e 790 do CPC de 2015) —, a penhora eletrônica de saldo existente em "conta conjunta solidária" não poderá abranger proporção maior que o numerário pertencente ao devedor executado, devendo ser preservada a cota-parte dos demais correntistas.


VER A ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO



domingo, 5 de junho de 2022

Contratos - Teoria do adimplemento substancial


A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo precípuo impedir que o credor resolva a relação contratual em razão de inadimplemento de ínfima parcela da obrigação. A via judicial para esse fim é a ação de resolução contratual. Diversamente, o credor fiduciário, quando promove ação de busca e apreensão, de modo algum pretende extinguir a relação contratual. Vale-se da ação de busca e apreensão com o propósito imediato de dar cumprimento aos termos do contrato, na medida em que se utiliza da garantia fiduciária ajustada para compelir o devedor fiduciante a dar cumprimento às obrigações faltantes, assumidas contratualmente (e agora, por ele, reputadas ínfimas). A consolidação da propriedade fiduciária nas mãos do credor apresenta-se como consequência da renitência do devedor fiduciante de honrar seu dever contratual, e não como objetivo imediato da ação. E, note-se que, mesmo nesse caso, a extinção do contrato dá-se pelo cumprimento da obrigação, ainda que de modo compulsório, por meio da garantia fiduciária ajustada. 

Ver jurisprudência

sábado, 4 de junho de 2022

TST afasta suspensão e apreensão de CNH de sócio de empresa devedora

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    A C Ó R D Ã O


RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR QUE SUSPENDEU A CHN DO IMPETRANTE. MEDIDA ATÍPICA DE EXECUÇÃO. ART. 139, IV, DO CPC DE 2015. DEMONSTRAÇÃO DA ADEQUAÇÃO, PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA MEDIDA NÃO OCORRIDA NO CASO CONCRETO. ABUSIVIDADE DO ATO COATOR. SEGURANÇA CONCEDIDA. PRECEDENTES.


1. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra decisão proferida pelo Juízo da 1.ª Vara do Trabalho de Itumbiara que, em fase de execução definitiva nos autos do processo matriz, determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do Impetrante, com fundamento no art. 139, IV, do CPC de 2015.


2. Cabe assinalar, a princípio, que a mera insolvência do devedor não basta para autorizar o uso de medidas atípicas de execução fundamentadas no art. 139, IV, do CPC de 2015. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a adoção das medidas atípicas previstas no referido dispositivo legal exige a observância, pelo Magistrado, dos parâmetros necessários de adequação, razoabilidade e proporcionalidade da medida consistente na suspensão da CNH do devedor frente às causas que sustentam a insolvência do executado. Em outros dizeres, é necessário que se aponte em que sentido a adoção dessa medida extrema pode viabilizar o pagamento do crédito exequendo, além de se demonstrar a prática de atos, pelo devedor, capazes de justificar a determinação de suspensão da CNH, tais como a ostentação de sinais de riqueza, ou mesmo a adoção de padrão elevado de vida, incompatíveis com o inadimplemento da obrigação constituída no título executivo judicial, de modo a comprovar que o devedor, embora possuindo patrimônio, esteja frustrando deliberadamente a execução.


3. No caso vertente, a Autoridade Coatora não faz menção alguma nesse sentido, isto é, não há, no Ato Coator, a apreciação da questão sob a perspectiva de sua razoabilidade, proporcionalidade e adequação ao caso concreto, tampouco menção à suposta prática de ocultação de patrimônio por parte do devedor.


4. É dizer, assim, que, para o caso concreto, a suspensão da CNH não se revela medida útil, proporcional e adequada à satisfação do crédito exequendo, caracterizando-se, por conseguinte, como medida abusiva a violar direito líquido e certo do Impetrante, impondo, por conseguinte, a concessão da ordem de segurança. Precedentes desta e. SBDI-2.


5. Recurso Ordinário conhecido e provido.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário Trabalhista n.º TST-ROT-10342-49.2020.5.18.0000, em que é Recorrente MIGUEL NADDEO NETO, Recorrido JOÃO GONÇALVES SILVA e Autoridade Coatora JUIZ TITULAR DA 1.ª VARA DO TRABALHO DE ITUMBIARA.


R E L A T Ó R I O


Miguel Naddeo Neto interpôs Recurso Ordinário contra acórdão proferido pelo Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 18.ª Região, que denegou a segurança pleiteada nesta ação de Mandado de Segurança.

Não houve contrarrazões.

Parecer da Procuradoria-Geral do Trabalho, opinando pelo provimento do Recurso.

É o relatório.


V O T O


CONHECIMENTO


Conheço do Recurso, porquanto atendidos os pressupostos legais de admissibilidade.


MÉRITO


O recorrente investe contra o acórdão proferido pelo Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 18.ª Região, que casou a liminar que suspendia a eficácia do Ato Coator e denegou a segurança pleiteada neste mandamus.

O acórdão recorrido está assim redigido, verbis:


"MIGUEL NADDEO NETO, executado, insurgiu-se contra decisão proferida pela Ex.ma Juíza da 1.ª Vara do Trabalho de Itumbiara-GO, nos autos da ATOrd-0002051-37.2010.5.18.0121, que determinou a apreensão de sua CNH, como medida coercitiva para assegurar o pagamento do crédito trabalhista.

Defendeu que o ato atacado afronta ‘regras constitucionais do direito de ir e vir e a dignidade da pessoa humana (artigos 5.º, inciso XV e 1.º, inciso III)’. Requereu fosse tornada sem efeito a ordem de apreensão de sua CNH.

A liminar foi deferida pelos seguintes fundamentos:


‘MIGUEL NADDEO NETO impetra mandado de segurança contra ato praticado pela Ex.ma Juíza da 1.ª Vara do Trabalho de Itumbiara-GO, nos autos da RT-0002051-37.2010.5.18.0121, ajuizada por JOÃO GONÇALVES SILVA em face de CPPO PROJETOS E CONSTRUÇÃO LTDA. E OUTROS.

Afirma que foi incluído no polo passivo da execução que se processa nos autos da referida ação trabalhista, na condição de sócio da devedora principal e que o d. juízo primevo determinou a apreensão da sua CNH, como medida coercitiva para assegurar o pagamento do crédito trabalhista.

Alega que ‘após a falência da empresa da qual fez parte dos quadros societários, não mais conseguiu se recolocar, de forma assertiva, no mercado de trabalho’ e que ‘desde então, não adquiriu, portanto, novos bens. Pelo contrário! Foi compelido a se desfazer do único bem que possuía à época, ou seja, um veículo’.

Sustenta que a apreensão da sua CNH ‘não irá, concretamente, interferir em sua capacidade financeira para quitação de dívidas pretérita’.

Argumenta que ‘embora o inciso IV, do artigo 139, do CPC, tenha aumentado os poderes do Juiz na execução, isso não significa que não deva existir interpretação harmônica com as garantias fundamentais do indivíduo, ou seja, não pode gerar violação da regras constitucionais do direito de ir e vir e a dignidade da pessoa humana (artigos 5.º, inciso XV e 1.º, inciso III)’.

Assevera que ‘O ato judicial, eivado de ilegalidade, representador de afronta aos artigos constitucionais mencionados, coloca em risco a vida do Impetrante, sobretudo no período crítico, sofrido pela totalidade da população, de pandemia’.

Defende a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, requerendo seja deferida liminar para suspender os efeitos da decisão impugnada.

É o breve relatório.


DECIDO:


Cabível a ação mandamental, visto que o ato atacado não comporta recurso eficaz e imediato.

Pois bem.

Extraio dos autos que, exauridas as tentativas de execução do débito trabalhista em face das empresas executadas e de seus sócios, a d. Juíza a quo deferiu pedido formulado pelo exequente e determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação do impetrante, sócio da devedora principal, até pagamento da dívida.

Com efeito, dispõe o art. 139, caput, e inciso IV do Código de Processo Civil de 2015, verbis:


‘Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(...)

IV - determinar as medidas indutivas, coercitivas, todas mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;’ (sublinhei)


Pela nova sistemática processualística civil, além das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, é permitida a atipicidade das medidas executivas em relação à obrigação de pagar quantia, com instrumentos coercitivos e indutivos para compelir o devedor ao pagamento do débito.

Contudo, ainda que a novel lei processual permita ao juiz promover medidas coercitivas para conferir maior efetividade à tutela do direito, certo é que elas deverão observar o bloco de constitucionalidade.

Nessa senda, no plano internacional, é valioso citar que a proteção ao direito de ir e vir encontra amparo na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 13) e no Pacto de São José da Costa Rica (art. 22). De igual modo, a Constituição da República (art. 5.º, incisos XV, LIII e LXVIII), assim como o Código de Processo Civil/2015, garantem o respeito ao direito de locomoção, à dignidade da pessoa, à proporcionalidade e à razoabilidade, não sendo a eficiência do processo a única finalidade a ser observada pelo magistrado (art. 8.º).

O fato de o legislador, quando da redação do art. 139, IV, transcrito em linhas volvidas, dispor que o juiz poderá determinar todas medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade.

Nessa linha de raciocínio, portanto, a ocorrência de diversas tentativas frustradas de executar bens da empresa executada e de seus sócios não autoriza, por si só, a aplicação da medida coercitiva adotada pela d. Magistrada de primeiro grau.

Ademais, não vislumbro sentido prático na suspensão da CNH do executado. Se a intenção é impedir que o devedor conduza veículos de maneira lícita e regular, simplesmente não se observa de que forma essa medida não razoável e desproporcional o orientará até a quitação da dívida.

Assim, malgrado a existência de previsão legal de medidas executivas atípicas, tenho que a suspensão da CNH do devedor não guarda nenhuma relação com a pretensão da credora ou com o objeto da ação. Não bastasse, não há elementos que permitam concluir que referida restrição será hábil a conferir efetividade ao processo. É, portanto, notoriamente inadequada e desproporcional.

Ora, utilizar de meios coercitivos, condicionando o direito de liberdade e da dignidade do executado ao pagamento de suas dívidas, implicaria um retrocesso civilizatório, afrontando valores constitucionais e legais.

Logo, a medida adotada pela autoridade coatora é, data maxima venia, ilegal e abusiva, ferindo direito líquido e certo do impetrante.

Nesse passo, demonstrada a plausibilidade das razões jurídicas invocadas pelo impetrante, tenho por caracterizado o fumus boni juris, sendo evidente o periculum in mora, razão pela qual defiro a liminar requerida, a fim de suspender os efeitos da decisão atacada, devendo a d. Juíza da execução abster-se de suspender a CNH do impetrante até julgamento definitivo da presente ação mandamental.’


Aqui dou início às razões e fundamentos de minha divergência.

Na omissão da Consolidação das Leis do Trabalho, aplica-se de forma subsidiária as normas do Código de Processo Civil, nos termos art. 15, do CPC e no art. 769, da CLT.

Nesse sentido, encontra-se a Instrução Normativa n.º 39, do TST que dispõe, em seu art. 3.º, III, que "aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam". Assim, aplica-se de forma subsidiária o art. 139, IV, do CPC/2015 à CLT, cujo dispositivo segue abaixo transcrito:


‘O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto a prestação pecuniária.’


O artigo 139, IV, do CPC prevê medidas coercitivas atípicas como forma de pressão para que o devedor satisfaça a execução, tudo em consonância com o princípio do resultado na execução. A suspensão da CNH do executado não é ato que ofende o direito de ir e vir e/ou a dignidade da pessoa humana, pois há necessidade de relativização de alguns direitos fundamentais em detrimento de outros, haja vista a natureza alimentar do crédito trabalhista.

Nesse sentido:


‘SUSPENSÃO DE CNH DE DEVEDOR TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. ATO JUDICIAL COM AMPARO LEGAL. Na ausência de normas que regulem o Processo do Trabalho, as disposições do Código de Processo Civil lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente, exceto naquilo em que for incompatível, na forma do disposto no art. 15 do CPC/2015 e no art. 769 da CLT. Assim, a Instrução Normativa n.º 39 do TST dispõe, em seu art. 3.º, III, que "aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam", entre outros temas, a determinação de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Por esses fundamentos, entendo que a medida coercitiva em questão, - apreensão/suspensão da CNH do Executado, - está amparada no art. 139, IV, do CPC/2015, aplicável subsidiariamente ao Processo do Trabalho, por força do disposto no art. 769, da CLT, dispositivo aquele que atribui ao Juiz o poder de determinar todas as medidas necessárias ao efetivo cumprimento do comando judicial, em especial na fase de execução.’ (TRT18, AP-0010614-75.2016.5.18.0261, Rel. ELVECIO MOURA DOS SANTOS, 3.ª TURMA, 12/06/2019)


No caso em comento, foram envidados esforços para a satisfação do crédito trabalhista, sendo certo que todos restaram infrutíferos - conforme trecho relatado no corpo do próprio voto: "Extraio dos autos que, exauridas as tentativas de execução do débito trabalhista em face das empresas executadas e de seus sócios, a d. Juíza a quo deferiu pedido formulado pelo exequente e determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação do impetrante, sócio da devedora principal, até pagamento da dívida."

Desse modo, entendo que a adoção da medida executiva atípica, por aplicação do princípio do resultado na execução, acolhido no art. 139, IV, do CPC/2015, faz-se necessária no caso dos autos, para a satisfação do crédito exequendo.

Denego a segurança."


O recorrente, em suas razões recursais, pugna pela reforma do acórdão regional e pela concessão da segurança.

Ao exame.

Impugna-se nesta ação mandamental decisão proferida pelo Juízo da 1.ª Vara do Trabalho de Itumbiara que, em fase de execução definitiva nos autos do processo matriz, determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do Impetrante, com fundamento no art. 139, IV, do CPC de 2015.

Eis o teor do Ato Coator, verbis:


"Por meio da petição de ID. 3a326be (fls. 114/115), veio a parte autora requerer a suspensão das CNH’s dos executados.

Analiso.

Este Tribunal, ao julgar o Mandado de Segurança MS-0010837-98.2017.5.18.0000, de Relatoria do Excelentíssimo Desembargador EUGÊNIO JOSÉ CESÁRIO ROSA, em sessão plenária e à unanimidade, concluiu que não constitui ato ilícito a determinação de suspensão e apreensão da CNH dos sócios executados, depois de exauridas, em face da empresa e dos sócios, todas as tentativas de satisfação do débito executado. Exatamente o caso destes autos.

No mesmo sentido decisões deste Regional.


‘SUSPENSÃO E APREENSÃO DA CNH E DOS PASSAPORTES. SUSPENSÃO DOS CARTÕES DE CRÉDITO DA EXECUTADA. A suspensão e apreensão da CNH da executada não viola o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o Judiciário, autorizado por lei, como é o caso, pode implementar medidas para que o devedor cumpra uma obrigação que lhe fora imposta judicialmente. A executada poderá locomover-se por outros meios, sem a necessidade da CNH, não restando configurada a violação do direito de ir e vir. Entendeu-se também que a suspensão dos cartões de crédito trata-se de medida legítima, nos termos do artigo 139, inciso IV, do CPC. Com relação a apreensão do passaporte, não constam nos autos nenhuma evidencia de que a executada têm a intenção de abandonar o país, e suspender o seu passaporte violaria o direito fundamental da livre locomoção.’ (TRTI8, AP-0011440-15.2015.5.18.0010, Rel. KATHIA MARIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE, 2.º TURMA, 14/09/2018).


‘SUSPENSÃO DE CNH DE DEVEDOR TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA DE ATO ILEGAL. A determinação de suspensão e apreensão da CNH dos sócios executados, depois de exauridas, em face da empresa e dos sócios, todas as tentativas de satisfação do débito executado, não constitui ato ilícito. A matéria está disciplinada no art. 139, III do CPC, dispositivo aplicado subsidiariamente ao processo de execução trabalhista tanto por força do art. 15 do CPC quanto do art. 3.º, HI da Instrução Normativa n.º 39/2016 do TST, autorizando utilização de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da decisão transitada em julgado.’ (AP-0010845-40.2015.5.18.0002 RED. DESIGNADO: DESOR. EUGÊNIO JOSÉ CESÁRIO ROSA, TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 16/03/2018; Data de Publicação: DEJT 04/04/2018). (TRTI8, AP - 0010744-18.2016.5.18.0018, Rel. ELVECIO MOURA DOS SANTOS, 3.º TURMA, 01/10/2018).


‘SUSPENSÃO E APREENSÃO DA CNH E CANCELAMENTO DOS CARTÕES DE CRÉDITO DOS EXECUTADOS. A determinação de suspensão/apreensão e proibição de renovação da CNH, bem como, a determinação de bloqueio dos cartões de crédito das executadas, são medidas de execução indireta capaz de estimular psicologicamente o devedor a adimplir a obrigação, impondo-lhe dificuldades em razão de sua inércia, encontrando-se tal hipótese amparada no disposto pelo art. 139, IV, do CPC/2015.’ (TRTI8, AP - 0045000-17.2002.5.18.0005, Rel. ALDON DO VALE ALVES TAGLIALEGNA, 1.º TURMA, 04/09/2018).


Feitas tais considerações, e amparada pelas decisões proferidas por este E. Regional sobre a matéria, defiro o pedido de suspensão da CNH dos seguintes sócios:


01) - ISABELLA MORENA DE FREITAS E SILVA, inscrita no CPF sob n.º 371.374.218-90;

02) - MIGUEL NADDEO NETO, inscrito no CPF sob n.º 250.221.088-79;

03) - GHEISA DIAS SANTANA, inscrita no CPF sob n.º 281.661.308-90;

04) - GUSTAVO COLETTI RIBEIRO, inscrito no CPF sob n.º 295.373.138-59;

05) - FABIO INACIO, inscrito no CPF sob n.º 032.349.628-80;

06) - INEZ CHARLOTE RUEDA INACIO, inscrita no CPF sob n.º 045.341.278-55;


Assim, expeça-se ofício ao DETRAN/GO, determinando-lhe que promova a suspensão das Carteiras Nacional de Habilitação dos executados acima indicados.

Intimem-se as partes."


Pois bem.

Percebe-se que a Autoridade Coatora, embora de forma breve, faz menção ao exaurimento prévio de todas as tentativas de satisfação do débito executado no feito primitivo.

Contudo, a mera insolvência do devedor não basta para autorizar o uso de medidas atípicas de execução fundamentadas no art. 139, IV, do CPC de 2015. Sinalo que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a adoção das medidas atípicas previstas no referido dispositivo legal exige a observância, pelo Magistrado, dos parâmetros necessários de adequação, razoabilidade e proporcionalidade da medida consistente na suspensão da CNH do devedor frente às causas que sustentam a insolvência do executado.

Em outros dizeres, é necessário que se aponte em que sentido a adoção dessa medida extrema pode viabilizar o pagamento do crédito exequendo, além de se demonstrar a prática de atos, pelo devedor, capazes de justificar a determinação de suspensão da CNH, tais como a ostentação de sinais de riqueza ou mesmo a adoção de padrão elevado de vida incompatíveis com o inadimplemento da obrigação constituída no título executivo judicial, de modo a comprovar que o devedor, embora possuindo patrimônio, esteja frustrando deliberadamente a execução.

Sobre o tema, advertem NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY que "A apreensão da Carteira Nacional de Habilitação e/ou do passaporte do devedor pode ser excepcional – e subsidiariamente determinada – desde que: a) haja fortes indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (somente o patrimônio responde: CC 391); b) o devedor, podendo pagar, se recusa a fazê-lo; c) a medida seja decretada observando-se o contraditório substancial; d) seja atendida a proporcionalidade da medida; e e) seja observada a medida executiva atípica como sendo a forma de execução menos gravosa para o devedor" (Código de Processo Civil Comentado. SR: Revista dos Tribunais, versão eletrônica, 2020, p. 548).

A chancelar essa linha de raciocínio, destaco os seguintes precedentes desta SBDI-2:


"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DAS CARTEIRAS NACIONAIS DE HABILITAÇÃO - CNH. MEDIDAS ATÍPICAS DE EXECUÇÃO PREVISTAS NO ARTIGO 139, IV, DO CPC/2015. ADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PARÂMETROS RELACIONADAS À NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. Embora haja correntes doutrinárias discrepantes em relação à aplicabilidade das medidas atípicas de execução, a jurisprudência desta Corte, na mesma linha daquela adotada pelo STJ, admite a adoção do procedimento previsto no artigo 139, IV, do CPC/2015, desde que a autoridade judicial, ao proferir a decisão fundamentada, proceda previamente ao esgotamento das medidas típicas de execução, e observe os parâmetros de necessidade, adequação, razoabilidade, e proporcionalidade. Recurso ordinário conhecido e provido." (RO-10483-39.2018.5.18.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator: Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 14/5/2021.)


"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR QUE DETERMINA A APREENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO COMO PROVIDÊNCIA EXECUTIVA. APLICAÇÃO DO ART. 139, IV, DO CPC/2015. PODER GERAL DE EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL. SUBSIDIARIEDADE E EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS NO CASO CONCRETO QUE COMPROVEM UTILIDADE E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA CONCEDIDA. Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Juiz da 4.ª Vara do Trabalho de Natal que ordenou a suspensão da CNH do impetrante como medida executiva de coerção. É admissível a imposição de medidas aflitivas na execução de pagar quantia certa, contanto que seja demonstrada a sua utilidade para a satisfação do crédito exequendo. A aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015 será balizada pela observância dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade, do contraditório e da ampla defesa, e da adequada fundamentação das decisões judiciais. No caso concreto, a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação não se revela medida útil para a satisfação do crédito alimentar, porque decorreu apenas da constatação da autoridade coatora de que não há bens do devedor capazes de suportar a execução. O exame do próprio ato coator revela que a autoridade coatora não esgotou as medidas expropriatórias que podem, imediatamente, solver o crédito juslaboral porquanto, na mesma decisão em que se determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, a autoridade coatora destacou haver valores da titularidade dos devedores sob a custódia de corretora de valores mobiliários, os quais poderiam ser cautelarmente constritos, na forma do art. 854 do CPC de 2015. Dessarte, no caso em tela, a determinação de apreensão da Carteira Nacional de Habilitação revelou-se prematura, porque não exauridas as medidas sub-rogatórias necessárias à quitação do débito exequendo. Não obstante se reconheça a natureza alimentar da verba pleiteada e a necessidade de efetivação da tutela jurisdicional, não se observa, no caso presente, proporcionalidade na determinação contida no ato coator. A mera insolvência, em si mesma, não enseja a automática adoção de medidas limitadoras da liberdade individual do devedor, porquanto a execução civil não possui o caráter punitivo verificado na execução penal. Mesmo sob a égide do CPC de 2015, é sempre patrimonial a responsabilidade do devedor (art. 789 do CPC de 2015). Precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça. Há, portanto, direito líquido e certo a ser protegido. Recurso ordinário de que se conhece e a que se dá provimento para conceder a segurança." (RO-325-38.2018.5.21.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora: Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 14/5/2021.)


No caso vertente, a Autoridade Coatora não faz menção alguma a isso, isto é, não há, no Ato Coator, a apreciação da questão na perspectiva de sua razoabilidade, proporcionalidade e adequação ao caso concreto, tampouco menção à suposta prática de ocultação de patrimônio por parte do devedor.

É dizer, assim, que, para o caso concreto, a suspensão da CNH não se revela medida útil, proporcional e adequada à satisfação do crédito exequendo, caracterizando-se, por conseguinte, como medida abusiva a violar direito líquido e certo do Impetrante.

Por essas razões, dou provimento ao Recurso para conceder a segurança a fim de cassar a determinação de suspensão da CNH do Impetrante.

Oficie-se, com urgência, ao Juízo da 1.ª Vara do Trabalho de Itumbiara e à Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 18.ª Região, dando-lhes ciência do teor da presente decisão.


ISTO POSTO


ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do Recurso Ordinário e, no mérito, dar-lhe provimento para conceder a segurança a fim de cassar a determinação de suspensão da CNH do Impetrante. Oficie-se, com urgência, ao Juízo da 1.ª Vara do Trabalho de Itumbiara e à Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 18.ª Região, dando-lhes ciência do teor da presente decisão.

Brasília, 3 de maio de 2022.



Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

LUIZ JOSÉ DEZENA DA SILVA

Ministro Relator

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Sócio responde por obrigações trabalhistas anteriores à sua entrada na sociedade


O sócio retirante pode responder subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas do período no qual foi sócio e, também, no período anterior à sua entrada na empresa. Segundo a juíza Ana Paola Santos Macedo, da 34º Vara do Trabalho de Salvador, é esse o entendimento correto do artigo 10-A da CLT, inserido na lei pela reforma trabalhista.

Porém, de acordo com a juíza, o sócio retirante somente poderá ser responsabilizado se os bens da empresa e dos sócios atuais não forem suficientes para quitar a dívida trabalhista. Segundo ela, o único jeito do sócio retirante se eximir dessa obrigação é apresentando elementos materiais que comprovem a existência de condições dos sócios atuais e da empresa de quitar a dívida.

Ana Paola diz ainda que para a responsabilidade do sócio, seja atual ou retirante, é irrelevante a quota de participação societária. Ou seja, ainda que seja sócio de uma porcentagem mínima, o sócio pode responder com seus bens pela totalidade da dívida. Na hipótese do sócio responder além da sua quota, ele deve ingressar depois na Justiça comum com uma ação regressiva para reaver o que foi pago a mais.

Nos casos em que for comprava fraude na alteração societária, o sócio retirante passa a responder solidariamente em com os demais. A responsabilidade dos sócios na execução, foi um dos pontos abordados pela juíza nesta quinta-feira (7/6), durante sua palestra no 18º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

Ex-coordenadora de Execução e Expropriação do TRT da 5ª Região (BA), a juíza Ana Paola falou ainda sobre o artigo 878 da CLT, que diz que a execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo presidente do tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.

Para a juíza, esse artigo alterado pela reforma trabalhista está em descompasso com o artigo 765 da própria CLT, que garante aos juízes ampla liberdade na direção do processo e velar pelo andamento rápido das causas. Assim, defendeu a juíza, ainda que que as partes estejam assistidas por advogados, pode o magistrado dar início à execução sem que seja necessário um pedido da parte. “O que o executado pode argumentar em contrário? Não há ato ilegal, não há direito vulnerado”.

O argumento foi reforçado pelo juiz Flávio Landi, da 2ª Vara do Trabalho de Campinas. Em sua exposição, ele afirmou que uma leitura superficial do novo artigo 878 da CLT poderia levar ao entendimento de que cada ato da execução deve ser requerido ou indicado pelo credor. Para Landi, esse entendimento é um verdadeiro retrocesso.

“O artigo 765 da CLT permite que o juiz determine de ofício o início da execução, velando pelo andamento rápido. O juiz pode adotar o princípio de que o silêncio da parte implica em interesse imediato no início da execução, tendo em vista a finalidade do processo e o devido processo legal”, complementou.

Mesmo com seu entendimento, o juiz afirmou que na dúvida deve o aturo da ação requerer ao juízo que seja dado início à execução assim que possível. Landi afirma que o pedido pode ser feito a qualquer momento e uma única vez já basta para autorizar a execução, não sendo necessário um pedido a cada ato.

Landi falou ainda sobre o artigo 2º da CLT, também alterado pela reforma trabalhista. Para ele, esta foi uma mudança preocupante que, ao criar o parágrafo terceiro, buscou blindar os grupos econômicos devedores. O dispositivo diz que não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios.

Para Landi, apesar de não ser suficiente, a identidade de sócios é um início de prova. Para ele, em conjunto com outras presunções é possível apontar a existência do grupo. Landi lembra que a presunção é bastante utilizada no Direito do Trabalho. Um exemplo citado é a súmula do Tribunal Superior do Trabalho sobre ônus da prova do controle de jornada. Se o empregador não comprova o controle, presume-se como verdadeiro o apontado pelo trabalhador autor da ação.

Outro caso em que a presunção é utilizada é na semelhança do objeto social das empresas. Segundo Landi, havendo essa semelhança, presume-se que há o interesse em comum na atividade econômica em conjunto. Segundo o juiz, a obrigação de demonstrar a falta de interação conjunta é das empresas.

Revista Consultor Jurídico, 10 de junho de 2018, 12h26

terça-feira, 24 de novembro de 2015

EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – RECEBIMENTO DE PRÊMIO ORIUNDO DE BINGO – POSSIBILIDADE – DÍVIDA RECONHECIDA


Apelação Cível Nº 306.860-6 da Comarca de SETE LAGOAS – j. em 11.05.00, pub.: DJMG de 24.05.00

EMENTA: EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – RECEBIMENTO DE PRÊMIO ORIUNDO DE BINGO – POSSIBILIDADE – DÍVIDA RECONHECIDA  - RECURSO NÃO PROVIDO.

 - Conforme o disposto no art. 1.477 do Código Civil Brasileiro, as dívidas de jogo ou aposta não obrigam a pagamento, tendo em vista se tratar de obrigação natural, desmunida de ação para exigir seu cumprimento.

 - Entretanto, a maioria dos doutrinadores brasileiros têm entendido que os vencedores de jogos autorizados, cujos efeitos encontram-se regulados por lei especial, podem cobrar judicialmente a dívida.


A  C  Ó  R  D  à O


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 306.860-6 da Comarca de SETE LAGOAS, sendo Apelante (s): ICA - INSTITUTO COMUNITÁRIO ASSISTENCIAL VOLUNTÁRIAS DA CARIDADE, Apelado (a) (s): WILSON CELSO DA COSTA e Interessado (a) (s): CRISTOVAM CENDRET FILHO, ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Juiz ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL (Revisor) e dele participaram os Juízes LAURO BRACARENSE (Relator) e QUINTINO DO PRADO (Vogal).  O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 11 de maio de 2000.

JUIZ LAURO BRACARENSE
Relator

V   O   T   O


 O SR. JUIZ LAURO BRACARENSE:

Conheço do recurso ante a presença dos pressupostos legais de admissibilidade.

Retratam os autos ação de execução de obrigação de fazer proposta por Wilson Celso da Costa contra ICA – Instituto Comunitário Assistencial Voluntárias da Caridade, pretendendo a condenação da requerida à entrega de uma Pick–up S10 prometida como prêmio sorteio denominado “Bingo” ganho pelo requerente, ou seu equivalente em dinheiro (f. 02/10).

Em sua contestação de f. 41/42 a requerida não impugnou qualquer dos fatos deduzidos na inicial, cingindo sua manifestação ao pedido de chamamento ao processo do Sr. Cristovam Cenderet Filho, responsável pela organização do sorteio, bem como da aquisição dos bens a serem entregues como prêmio (f.44).

O pedido foi deferido nos termos da decisão de f. 45, tendo o chamado oferecido sua defesa às f. 47/48, reconhecendo o direito do autor e requerendo um prazo de 06 (seis) meses para efetuar o pagamento do prêmio.

Pela sentença de f. 64/68 o douto sentenciante a quo julgou procedente o pedido inicial, para condenar a requerida e o chamado, solidariamente, a entregarem ao autor o prêmio consistente numa camionete Pick-up S10, ano 1997, zero KM, no prazo de 05(cinco) dias ou equivalente em dinheiro, no valor de R$21.000,00(vinte e um mil reais), estipulando para a hipótese de não cumprimento da obrigação no prazo, multa de 50(cinquenta) vezes o salário vigente, nos termos do inciso III, do art. 13, da Lei. 5.768/71.

Irresignada, apresentou a vencida a apelação de f. 69/75, alegando, em suma, que o ajuste firmado entre os litigantes não constitui promessa de recompensa, mas obrigação decorrente de jogo, a qual, à luz da regra disposto no art. 1.477 do Código Civil Brasileiro é inexigível.

Pela leitura e exame da peça de irresignação, verifica-se que a apelante, em seu combate à douta decisão, trouxe à discussão temas que não foram apreciados na Instância a quo, mas que por serem ligados às condições da ação, podem ser apreciados no presente momento.

A propósito, é a jurisprudência iterativa e dominante:

“Acerca dos pressupostos processuais e das condições da ação, não há preclusão para o juiz, a quem é lícito, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, reexaminá-los, não estando exaurido o seu ofício na causa” (STJ - 4ª T., REsp. 18.711.0-SP, rel. Min. Barros Monteiro, j. 31.5.93, deram provimento, v.u., DJU 30.8.93, p. 17.296, 1ª col., em.).


“Em se tratando de condições da ação, mesmo que haja decisão a respeito, não há preclusão enquanto a causa estiver em curso, podendo o Judiciário apreciá-la, em 1º ou 2º grau, e mesmo de ofício” (in RT 3/142).

Certo é que conforme o disposto no art. 1.477 do Código Civil Brasileiro, as dívidas de jogo ou aposta não obrigam a pagamento, tendo em vista tratar-se de obrigação natural, desmunida de ação para exigir seu cumprimento.

Sobre o tema, Silvio Rodrigues e Maria Helena Diniz são taxativos, entendendo que para efeitos civis, o fato de se tratar de dívida oriunda de jogo permitido ou não é irrelevante, pois, seja qual for a espécie de jogo, a legislação lhe nega a exigibilidade da perda sofrida.

Ocorre que, como bem menciona o autorizado Caio Mário da Silva Pereira, em sua obra “Instituições de Direito Civil”, Forense, 10ª ed., v. III, p. 321/326, a dogmática do jogo e da aposta é uma das mais difíceis em Direito Civil, faltando ao Código Civil Brasileiro uma complementação de seus princípios, de modo a acrescentar que os jogos permitidos legitimam o ganhador para exigir o pagamento.

Assim, diante de tais considerações, parte da doutrina pátria tem se filiado à corrente que defende,  nas hipóteses de jogo autorizado, ter o vencedor não aquinhoado, ação para receber o crédito.

Neste sentido, Maria Helena Diniz, afirma que:

“Por estarem autorizados, quem os vencer terá, segundo alguns autores, dentre eles Orlando Gomes, ação para receber o crédito, pois os ajustes por ele celebrados terão amparo legal. O contrato de jogo autorizado tem seus efeitos regulados por lei especial, conferindo direito de crédito aos jogadores favorecidos pela sorte, de modo que a dívida poderá ser cobrada judicialmente.” (in “Tratado Teórico e Prático dos Contratos”, Saraiva, 1993, v. 5, p. 260).

Orlando Gomes, em sua obra “Contratos”, Forense, 1997, 17ª ed., p. 431, salienta:

“Alguns jogos são expressamente autorizados. O próprio Estado, em alguns países, tem, por exemplo, o monopólio da loteria. Bem é de ver que a autorização torna lícito qualquer jogo. E, em conseqüência, válido será, para todos os efeitos, o contrato que se celebra, configurando o jogo lícito.”

E, continua;

“Nesse caso é plenamente eficaz. O jogador que ganhou tem o direito de demandar o que perdeu, porquanto a obrigação deste é exigível. Não se lhe aplica, por conseguinte a regra básica a que subordina o contrato de jogo tolerado. A dívida de jogo autorizado obriga a pagamento. Não há cogitar, desse modo, da exclusão de repetição, visto que diz respeito apenas às obrigações naturais, e a dívida de jogo autorizado é obrigação perfeita.”

Para concluir:

“Em suma: as disposições coordenadas na lei civil para a disciplina do contrato de jogo aplicam-se tão-somente, aos jogos proibidos ou simplesmente tolerados. Os contratos de jogo autorizado têm seus efeitos regulados nas leis especiais que o permitem, ou se regem pelos princípios gerais do direito contratual. Conferem direito de crédito aos jogadores favorecidos pela sorte, desde que o ganho seja obtido licitamente. Se o perdedor se recusa a pagar, a dívida pode ser cobrada judicialmente.”

Na hipótese dos autos, objetiva o apelado o recebimento de prêmio devido em virtude de sua contemplação no sorteio denominado “Bingo”, realizado pela apelante, no intuito de adquirir recursos em benefício da Creche Regina Postolórium.

E, para a possibilitar o evento, cuidou a apelante de obter alvará judicial, o qual lhe foi deferido, de acordo com as disposições contidas na Lei 5.768 de 20.12.71, com as alterações introduzidas pela Lei nº 5.861, de 12.12.72 (f. 19/38).

Assim, pelo que se vê dos autos, não resulta a dívida ora exigida de obrigação decorrente de jogo ou aposta derivada de ato ilícito, repugnado pelo nosso direito.

Ao contrário, pretende o recorrido o recebimento de prêmio obtido em sorteio de Bingo beneficente, cuja realização tem previsão legal e, no caso específico, foi devidamente autorizado pelo douto Juízo da Comarca de Sete Lagoas.

Logo, não há que se falar na aplicação da regra contida no art. 1.477, que, conforme visto acima, apenas é pertinente aos jogos ilícitos, mas nunca aos autorizados, como na espécie em discussão.

Razões pelas quais, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para confirmar,  por estes fundamentos, a r. sentença recorrida

Custas pela apelante, isenta.


JUIZ LAURO BRACARENSE