APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
Apelação
Cível
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Nona
Câmara Cível
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Nº
70059502898 (Nº CNJ: 0142852-52.2014.8.21.7000)
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Comarca
de Caxias do Sul
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CATARINA
ONEIDE PACHECO
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APELANTE
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SOUZA
CRUZ SA
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APELADO
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da
Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar
parcial provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do
signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Carlos Eduardo
Richinitti e Des. Eduardo Kraemer.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2018.
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
Des. Eugênio Facchini Neto (PRESIDENTE E RELATOR)
A fim de evitar tautologia, transcrevo
relatório da sentença de fls. 1008/1009v:
CATARINA ONEIDE PACHECO, qualificada nos
autos, ingressou com AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS contra SOUZA CRUZ S/A, alegando que seu marido Davenir de
Oliveira Alves, falecido em 23/04/2010, foi consumidor dos cigarros produzidos
e fornecidos pela ré durante mais de trinta anos. Referiu que no ano de 2005
seu marido ajuizou ação cautelar de produção antecipada de provas (processo n. 010/1.05.0247595-4)
em razão do estado debilitado de saúde em que se encontrava, sendo reconhecido
através da perícia realizada pelo Dr. Dagoberto Fortuna, médico pneumologista,
o nexo de causalidade entre a doença e a utilização do cigarro. Disse que os danos
causados pelo cigarro foram progredindo silenciosamente com o passar do tempo,
e quando detectada a causa dos problemas de saúde já não havia possibilidade de
reversão do quadro apresentado. Argumentou que grande parcela da sociedade
brasileira, assim como seu marido, é de origem humilde e possui pouca
instrução, não compreendendo os riscos que o tabagismo pode causar à saúde,
sendo que as restrições e obrigações impostas pela Lei n. 9.294/1996 chegaram
tarde demais. Reproduziu informações veiculadas no site do INCA – Instituto
Nacional do Câncer acerca dos riscos do consumo de cigarro. Afirmou que diante
da evolução da doença causada pelo tabagismo seu marido não mais respirava
voluntariamente, somente se deslocando com a ajuda de outras pessoas, diante da
necessidade do transporte de botijões de oxigênio. Sustentou que o
constrangimento sofrido, tanto pelo seu marido, como pela autora e sua família,
são evidentes, sendo a ré responsável pela prática de ato ilícito, “seja
consubstanciado na composição nociva da fórmula do produto, seja pelo defeito
de informações quanto à nocividade e dependência”. Discorreu acerca do quantum
indenizatório. Invocou o Código de Defesa do Consumidor. Requereu a procedência
da ação, com a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais,
em valor não inferior a 3.200 (três mil e duzentos) salários mínimos nacionais.
Postulou, por fim, a concessão do benefício da AJG. Acostou documentos.
Foi deferido o benefício da AJG (fls. 186).
Citada, a demandada Souza Cruz S/A apresentou
contestação (fls. 193/266), arguindo prescrição. Discorreu acerca (I) da
inexistência de defeito no produto; (II) da periculosidade inerente do cigarro;
(III) da ausência de defeito de informação, diante do amplo e antigo
conhecimento público de que fumar está associado a riscos, e ainda, da
observância estrita do dever de informar, a partir da existência da obrigação
legal; (IV) dos princípios da legalidade, irretroatividade e segurança
jurídica; (V) da inexistência de violação ao princípio da boa-fé objetiva; (VI)
da inexistência de publicidade enganosa ou abusiva; (VII) do livre arbítrio do
fumante e da configuração da culpa exclusiva do consumidor, excludente de
responsabilidade civil; (VIII) da ausência de nexo causal entre o alegado
consumo de cigarros da marca Souza Cruz e a doença do de cujus. Argumentou que,
na hipótese de condenação, o valor da indenização deve ser arbitrado levando-se
em conta os parâmetros reais do padrão de vida da autora, assim como a
razoabilidade e os limites estabelecidos pela jurisprudência pátria. Sustentou
que incumbe à autora o ônus da prova dos fatos alegados na inicial, uma vez que
estão em discussão dados que dizem respeito exclusivamente a fatos da vida do
Sr. Davenir, fatos esses que são de domínio da demandante, e não da ré.
Requereu a improcedência da demanda. Acostou documentos (fls. 267/967).
Houve réplica (fls. 969/977).
Instadas as partes a se manifestarem acerca
do interesse na produção de provas (fl. 978), a autora postulou a produção de
prova oral (fl. 980), e a demandada requereu, caso o juízo não entenda pelo
julgamento antecipado da lide, a produção de prova documental e oral (fls.
981/987).
Em despacho saneador, foi afastada a arguição
de prescrição e indeferidas as provas pleiteadas (fls. 988/989), interpondo as
partes agravo retido (fls. 991/992, 997/1.005).
Sobreveio parte dispositiva da sentença,
proferida nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo improcedente o
pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios aos procuradores da ré, que fixo em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos
reais), acrescidos de correção monetária pelo IGP-M, a contar da publicação da
sentença, e de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da
sentença, na forma do artigo 20, § 4º, do CPC, ficando a exigibilidade suspensa
por ser beneficiária da justiça gratuita.
A autora interpõe apelo, cujas razões foram
sintetizadas no acórdão de fls. 1076/1140:
Nas razões recursais (fls. 1019/1033), a
apelante postula, preliminarmente, a apreciação do agravo retido interposto da
decisão que indeferiu a produção de prova oral. No mérito, assevera que a
documentação juntada com a inicial fornece prova suficiente do nexo causal
entre a insuficiência ventilatória – doença pulmonar obstrutiva crônica que
ensejou o óbito do seu esposo e o uso continuado do cigarro. Afirma que o “de
cujus” foi tabagista durante mais de 30 (trinta) anos e quando começou a fumar
desconhecia os malefícios e a dependência provocados pelo consumo continuado do
cigarro. Argumenta que ele adquiriu o hábito de fumar influenciado pela
propaganda enganosa veiculada pela ré e pelas demais empresas fabricantes de
cigarro, as quais sempre promoveram maciça propaganda incentivando o consumo do
produto (cigarro) e o associando à ideia de sucesso pessoal e à vida saudável
dos praticantes dos mais diversos esportes. Alega que essa propaganda massiva e
continuada, levada a cabo ao longo de décadas, omitiu dos consumidores os
malefícios do cigarro e a dependência química que esse produto provocava.
Enfatiza que os comerciais e propagandas midiáticas do produto veiculados antes
da entrada em vigor da Lei 10.167/00 não noticiavam os malefícios do cigarro,
inobservando as regras protetivas do consumidor. Argumenta que há prova
suficiente do nexo causal entre a doença que provocou o óbito do “de cujus” e o
tabagismo. Finaliza requerendo o provimento do recurso para que seja julgada
procedente a ação, invertendo-se os ônus da sucumbência.
Esta Câmara proferiu o resultado do acórdão
nos seguintes termos:
Por unanimidade, negaram provimento ao agravo
retido da ré e, por maioria, vencido o relator, deram provimento ao agravo
retido da autora para o fim de desconstituir a sentença, reabrindo a instrução,
ficando prejudicado o apelo.
Interposto Recurso Especial (fls. 1166/1244)
e Recurso Extraordinário (fls. 1384/1403) pela empresa ré, tendo sido admitido
o primeiro e negado seguimento ao segundo (fls. 1423/1434).
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em
voto de relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, deu parcial provimento ao
Recurso Especial, assim proferido:
Ante o exposto, dou parcial provimento ao
recurso especial, a fim de negar provimento ao agravo retido interposto pela
autora, ora recorrida, visando à reabertura da instrução probatória, e,
consequentemente, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que
prossiga no julgamento do recurso de apelação, como entender de direito.
Nesse interim, retornaram os autos conclusos
para julgamento, tendo sido o processo redistribuído a este Relator, em razão
da reclassificação do Relator primitivo, Des. Miguel A. da Silva, para outra
Câmara.
É o relatório.
VOTOS
Des. Eugênio Facchini Neto (PRESIDENTE E RELATOR)
Colegas.
O Desembargador Miguel Ângelo da Silva, então
integrante desta 9ª Câmara Cível, proferiu voto de relator nesse processo no
sentido de negar provimento ao agravo e ao apelo e manter a sentença de
improcedência da demanda. Na composição anterior, minha divergência prevaleceu,
no sentido de se acolher o agravo retido e se determinar a reabertura da
instrução.
Tendo o Colendo STJ dado provimento a Recurso
Especial interposto pela ré e determinado o julgamento do feito no estado em
que se encontra, sem reabertura da instrução, passa-se ao julgamento do feito
com os elementos constantes dos autos.
Trata-se de tema complexo, cuja matéria não
se encontra pacificada nos tribunais pátrios, embora nos últimos anos tenha
nitidamente prevalecido a tese da irresponsabilidade da indústria do fumo pelos
danos causados por seu produto. Essa prevalência é nítida especialmente junto
ao E. STJ. Todavia, não havendo entendimento sumulado a respeito, nem
tampouco julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, resta preservada a
independência da convicção do julgador para apreciar o feito.
Inicialmente, friso que o entendimento
exposto por ocasião do julgamento anterior, provendo-se o agravo retido, era
para permitir que a parte autora produzisse prova no sentido de demonstrar
outros aspectos que seriam relevantes para um julgamento mais próximo à real
situação fática – informações sobre desde quando a vítima fumou, a intensidade
de seu vício, sua marca preferida, já que questionado pela ré. Ainda que
o Colendo STJ tenha determinado o julgamento no estado em que se encontra a
lide, a ausência de tal prova não inviabiliza totalmente o acolhimento da
demanda, apenas impondo a remessa do feito para liquidação de sentença, nos
termos que serão indicados a final.
No caso, examinando detidamente os elementos
constantes nos autos, convenci-me de que a pretensão da autora merece ser
acolhida, na casuística, por restar demonstrado nos autos o nexo de causalidade
entre a insuficiência respiratória que levou à morte seu marido e o uso do
cigarro.
A certidão de óbito do falecido aponta como
causa morte a “Insuficiência ventilatória. Doença pulmonar obstrutiva
crônica. Tabagismo” (fl. 90 - grifei).
Além disso, os atestados médicos particulares
(fls. 91/92) comprovam que o “de cujus” tratava a doença pulmonar desde 1998.
Informam, ainda, que o falecido fazia uso de 20 cigarros por dia, dos 20 aos 54
anos, apresentando com isso perda da capacidade respiratória. Além do mais,
destacam que, desde 2002, se tratava com oxigenioterapia domiciliar, tendo em
vista o severo grau da doença.
A corroborar esses fatos, a perícia médica
judicial, realizada nos autos da ação cautelar de produção de prova antecipada
movida pelo “de cujus” (fls. 93/182), destaca que o periciado era portador de
doença bronco-pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) grave, cujas condições são
decorrentes do tabagismo em 70% a 80% dos casos, conforme literatura médica.
Atesta também que a doença pulmonar obstrutiva crônica do marido da demandante
decorre do tabagismo (resposta ao quesito 1.1.2, fl. 93).
No laudo médico pericial complementar (fl.
182), o expert relata um estudo em que “foi identificado que 15,8% da
população tem DPOC”. Dizendo que “também é verdade que 12,5% DOS INDIVÍDUOS
DIAGNOSTICADOS COM DPOC nunca tinham fumado. Isso significa que, nesse
estudo, 87,5% das pessoas com DPOC, haviam fumado. Nesse sentido,
confirma-se a resposta deste perito ao quesito 1.1.11, quando este afirmou que
mais de 80% dos casos de DPOC são causadas diretamente pelo tabagismo”.
Tenho, assim, que concretamente, nestes
autos, restou demonstrado o nexo de causalidade entre o tabagismo da vítima e o
desenvolvimento de sua doença, com posterior óbito.
Todavia, como essa questão é profundamente
esgrimida na defesa da demandada, além de ser recorrentemente abordada nas
decisões proferidas pelo Colendo STJ, é imperioso que me alongue um pouco mais
sobre o tema, até para demonstrar respeito à orientação atualmente firmada por
aquele Egrégio Tribunal Superior e evidenciar que não se trata pura e
simplesmente de discordância e irresignação pessoal – que seria despropositada
– mas de uma profunda convicção, fruto de muito estudo e reflexão, baseada em
fontes dotadas de elevada autoridade.
Diante da minha meditada e convicta discordância
dos argumentos usualmente invocados para sustentar a improcedência de ações do
gênero, peço vênia para expor meu pensamento a respeito dos temas usualmente
tratados em demandas do gênero.
O pano de fundo.
Assistindo-se a filmes realizados em meados
do século XX, impressiona a quantidade de cenas em que os atores e atrizes,
principais ou secundários, aparecem fumando. Por um lado, “a arte imita a
vida”, pois efetivamente era muito difundido o hábito de fumar. Os filmes,
portanto, simplesmente espelhavam a realidade. Por outro lado, sabendo a
indústria do fumo que “a vida imita a arte”, durante décadas ela pagou para
artistas e diretores introduzirem cenas de personagens fumando nos filmes, como
forma de publicidade subliminar, buscando eficazmente influenciar condutas
humanas. Essa sua estratégia está atualmente bastante documentada1.
De qualquer sorte, fumava-se intensamente.
Era simplesmente uma questão de gosto. Ninguém parecia se incomodar com o
cigarro e sua fumaça. Poucos falavam dos riscos à saúde.
Posteriormente a situação se inverteu: “o
tabaco tornou-se o grande vilão e o inimigo principal da saúde pública2,
além de fator de exclusão de meios sociais, sendo identificado com maus hábitos
de higiene” 3.
A partir do momento em que houve uma maior
conscientização de tais males e, principalmente, a partir do momento em que os
países do primeiro mundo passaram a proibir ou restringir a publicidade do
cigarro4,
a tendência começou a se inverter. Na sequência serão analisadas as diversas
ondas de demandas envolvendo a responsabilidade civil da indústria do fumo, nos
Estados Unidos, desde o êxito inicial das teses defensivas até o momento em que
a maré começou a mudar, a partir de meados da década de noventa do século
passado, com as primeiras ações, coletivas e individuais, sendo acolhidas. A
cidadela da indústria do fumo finalmente mostrou-se vulnerável.
A difusão do tabagismo e a inicial
invulnerabilidade da indústria do fumo.
A partir da década de cinquenta do século
passado, quando a medicina passou a correlacionar o tabagismo com um número
crescente de doenças, especialmente as pulmonares, algumas ações indenizatórias
foram ajuizadas por fumantes, ou seus familiares, contra a indústria do fumo.
A indústria do fumo, desde esta primeira onda
de demandas indenizatórias, adotou uma estratégica básica, da qual jamais se
afastou nas décadas posteriores, ao enfrentar novas ondas de demandas, nos
Estados Unidos e em outros países: além de usar recursos ilimitados para vencer
as demandas, jamais transigiram, jamais negociaram acordos, jamais reconheceram
qualquer parcela de responsabilidade5.
Somente no final da década de noventa é que passaram a fazer alguns acordos –
tendência que se acentuou na primeira década do presente século.
As teses sustentadas na defesa da indústria
do fumo são substancialmente as seguintes:
1. Ausência de provas concludentes e
indiscutíveis de que a doença noticiada nos autos decorresse do hábito de
fumar. Sendo o câncer uma doença multifatorial, não seria possível excluir a
possibilidade de que a causa do tumor da vítima tivesse outra origem que não o
fumo.6
2. Livre-arbítrio: as pessoas teriam
liberdade e autonomia para começar e para parar de fumar.
3. Para as demandas brasileiras, alega-se
também que o cigarro não seria produto ‘defeituoso’, nos termos do CDC (art.
12), pois se trata de periculosidade inerente e conhecida, inexistindo
expectativa de segurança da parte do consumidor. Não haveria defeito de
concepção, de fabricação, ou de informação.
4. Inaplicabilidade do CDC a fatos ocorridos
em décadas anteriores; assim, inexistia dever de informar antes da legislação impositiva
de tal obrigação.
Alega-se, também, que as indústrias do fumo
pagam muitos tributos, desempenhando importante papel na economia. Todavia,
também é certo que o custo econômico causado à previdência social somente em
razão de tratamentos de doenças relacionadas ao fumo supera em muito o valor
desse ingresso. De fato, dados de 2012 apontam que o Brasil gasta cerca de 21
bilhões de reais anuais em tratamento de doenças relacionadas ao cigarro7,
o que representa valor cerca de 3,5 vezes superior à arrecadação de impostos
incidentes sobre produtos do tabaco, segundo denunciou a Associação Médica
Brasileira8.
Portanto, para a sociedade civil como um todo, mesmo examinando-se apenas os
aspectos econômicos envolvidos, a indústria do fumo é um peso (literalmente)
morto, não um benefício. E isso sem falar dos dramas humanos envolvidos – com
mortes lentas e dolorosas para os diretamente envolvidos e dor e sofrimento
para os incontáveis parentes daqueles9.
Como já foi dito, a equação supra está a
revelar que a indústria do fumo privatiza os lucros e socializa os custos10,
suportados, em grande parte, pelo Sistema Único de Saúde (e indiretamente por
toda a sociedade).
Esses custos, por óbvio, são percebidos em
todos os países. Na Itália, por exemplo, há estudos comprovando que o fumante
custa para o sistema de saúde pública: 80% mais do que um não-fumante para as
doenças cardíacas; 1.000% a mais para tumores pulmonares; 25% a mais para o
complexo dos demais tumores; 100% a mais para as doenças respiratórias
crônicas; 10% a mais para as patologias obstétricas e neonatais. Tais cifras
somadas representam um excesso global de custos sanitários relacionados ao fumo
na ordem de 40%11,
o que representaria 5 bilhões de euros. Além desse custo, estima-se uma perda
de outros 10 bilhões de euros anuais, a título de custos sociais (perda de
riqueza por doença e morte prematura)12.
A revelação dos malefícios
tabaco-relacionados e a comprovação da má-fé da indústria do fumo.
Em meados do século XX pesquisadores
começaram a relacionar o fumo a certas doenças – inicialmente, às pulmonares. A
primeira publicação científica aprofundada, divulgada em revista mundialmente
reconhecida, foi o artigo denominado “Smoking and Carcinoma in the Lung –
Preliminary Report”, assinado pelos médicos e pesquisadores Richard Doll e A.
Bradford Hill e publicado no conceituado British Medical Journal, em 30 de
setembro de 1950. A partir de então, no mundo inteiro centros de pesquisas
passaram a aprofundar pesquisas nesse setor, identificando um número cada vez
maior de doenças tabaco-relacionadas. Impactante foi a publicação,
no Reader’s Digest (revista presente em boa parte das casas de classe
média do mundo, à época), de reportagem intitulada “Câncer em Maços”, em 1953,
divulgando as descobertas científicas que apontavam para os malefícios
associados ao fumo. Posteriormente, em 1961, os editores do New England
Journal of Medicine [que é a mais prestigiada publicação mundial no âmbito
da medicina] afirmavam que.... ‘a maior parte das provas é estatística e
demonstra uma forte associação entre o consumo intensivo de cigarro e o câncer
de pulmão’.
Em 1964, outra publicação de impacto foi o
Relatório do Surgeon General dos Estados Unidos, de 1964, intitulado “Smoking
and Health”, onde se afirmou claramente que “Cigarette smoking is causally
related to lung cancer in men; the magnitude of the effect of cigarette
smoking far outweighs all other factors. The risk of developing lung cancer increases with duration of
smoking and the number of cigarettes smoked per day”13.
Todavia, se a
sociedade ficou impactada com a notícia – pela extensão dos reais e potenciais
prejuízos à saúde de milhões de pessoas – mais impactada ainda ficou ao
saber que a indústria do fumo não só já sabia desses malefícios (em razão de
suas próprias pesquisas), como vinha ocultando as informações que tinha a
respeito, chegando ao ponto de dolosamente manipulá-las, continuando a fazer
publicidade de seus produtos, buscando assimilá-los, no inconsciente dos
potenciais usuários, a maior desempenho intelectual, vigor físico, charme e
masculinidade.
De fato, as informações internas detidas pela
indústria do fumo, dando conta de sua perfeita ciência, desde a década de 50,
dos malefícios associados ao hábito de fumar, foram deliberadamente mantidas em
sigilo e somente vieram a público por um ato ilícito praticado por um
funcionário de uma grande firma de advogados que trabalhava para uma das
indústrias fumageiras. Referido funcionário copiou ilegalmente, entre 1988 e
1992, 70.000 páginas de documentos internos dos fabricantes de tabaco.
Tratava-se de milhares de páginas de memorandos, relatórios, cartas, cópias de
atas, correspondente a um período de 30 anos de atividade da British American
Tobacco e de sua subsidiária norte-americana, a Brown and Williamson
Tobacco Corporation. Em 1994, ao ser demitido do emprego, remeteu o material
para o Professor Stanton Glantz, médico especializado em doenças causadas pelo
tabaco, pesquisador e conhecido ativista na luta contra o tabaco, nos EUA14.
Tais documentos comprovavam que os fabricantes de cigarros já sabiam desde a
década de 50 que a nicotina vicia15 e
torna o fumante um dependente dessa droga psicoativa, reduzindo drasticamente
sua força de vontade, já sabiam que o cigarro fazia mal, mas, apesar de tudo
isso, continuavam a negar publicamente tal conhecimento.
Ulteriormente, outro ex-funcionário
da Brown and Williamson Tobacco Corporation, Merry Williams,
igualmente repassou ao Prof. Stanton outra grande quantidade de documentos
relevantes, que igualmente revelavam o quanto a indústria do fumo sabia dos
malefícios causados por seus produtos. Tais documentos (popularizados pelo nome
de The Cigarette Papers, que foi o nome dado ao livro publicado pelo
Prof. Stanton e outros, pela University of Califórnia Press, em 1996) foram
entregues pelo prof. Stanton ao SubComitê de Saúde e Ambiente do Congresso
Norte-americano16.
Referida documentação refletia dois gêneros
de documentos: os científicos e os memorandos do alto escalão da indústria. O
mais antigo dos textos científicos revelados é de fevereiro de 1953, oito meses
antes de a pesquisa com os ratos pintados com nicotina ter sido apresentada
pela primeira vez (trata-se da célebre pesquisa laboratorial que associou a
nicotina ao câncer pela primeira vez). Assinado por Claude Teague, um
pesquisador da fumageira R.J. Reynolds, o texto associa com câncer o uso de
cigarros por períodos longos: “Estudos de dados clínicos tendem a confirmar a
relação entre o uso prolongado de tabaco e a incidência de câncer no pulmão.”
Logo em seguida, o pesquisador descreve quais seriam os agentes cancerígenos do
cigarro: “compostos aromáticos plinucleares ocorrem nos produtos pirológicos
[ou seja, que queimam] do tabaco. Benzopireno e N-benzopireno, ambos
cancerígenos, foram identificados”. 17
À medida que as descobertas científicas
relativas aos efeitos do tabagismo tornaram-se consenso científico e passaram a
ser divulgadas, as pessoas começaram a se conscientizar de que as doenças que
desenvolveram estavam relacionadas ao vício do tabagismo e que lhes fora negada
a informação disponível a respeito. Quando isso aconteceu, ações judiciais
foram ajuizadas desde a década de cinquenta, nos Estados Unidos.
Assim, desde a década de cinquenta a ciência
reiteradamente vem comprovando o caráter extremamente tóxico do cigarro,
constantemente ampliando o leque de doenças tabaco-relacionadas. Afirma que não
há níveis seguros de consumo de cigarro, salientando também o grande problema
do emprego da nicotina, pelo seu poder escravizante do consumidor. Aliás, a
Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco, primeiro tratado
internacional de saúde pública, elaborada sob patrocínio da OMS/ONU em 2003,
objeto de adesão de praticamente todos os países do mundo, ratificada pelo
Brasil em 2005 e incorporada ao direito positivo brasileiro através do Dec. nº
5.658, de 2 de janeiro de 2006, entre seus considerandos inclui os seguintes:
“(....) Reconhecendo que a ciência demonstrou
de maneira inequívoca que o consumo e a exposição à fumaça do tabaco são causas
de mortalidade, morbidade e incapacidade e que as doenças relacionadas ao
tabaco não se revelam imediatamente após o início da exposição à fumaça do
tabaco e ao consumo de qualquer produto derivado do tabaco;
Reconhecendo ademais que os cigarros e outros
produtos contendo tabaco são elaborados de maneira sofisticada de modo a criar
e a manter a dependência, que muitos de seus compostos e a fumaça que produzem
são farmacologicamente ativos, tóxicos, mutagênicos, e cancerígenos, e que a
dependência ao tabaco é classificada separadamente como uma enfermidade pelas
principais classificações internacionais de doenças; (...)”
Exatamente em razão desses achados
científicos, “é nítido o deslocamento do tabaco para o status de um
objeto qualificado pela rejeição social e macroeconômica, o que naturalmente o
macula no campo jurídico”18.
Segundo dados incontroversos de 2011,
informados pela OMS – Organização Mundial da Saúde -, morrem mais de 6 milhões
de pessoas vítimas do tabagismo, sendo mais de 200 mil delas no Brasil. O
século XX viu cem milhões de pessoas morrerem desta causa, mais do que mataram
todas as guerras daquele século somadas”, sendo que “das oito principais causas
de morte no mundo, seis estão ligadas ao uso do tabaco”19.
Lamentavelmente, os efeitos deletérios do
tabagismo tornam-se cada vez mais amplos. Dados atualizados da Organização
Mundial da Saúde, divulgados em 2017, referem que o número de mortes anuais
relacionadas ao tabaco subiu para 7 milhões, estimando-se em 1 bilhão de mortes
por tabagismo no planeta ao longo do século 21. No mesmo relatório, estima-se
em 1,4 trilhões de dólares os gastos governamentais e privados com saúde e
perda de produtividade em razão do tabaco. Atualmente, segundo a mesma fonte,
metade das pessoas fumantes morrerão por causas relacionadas ao tabaco20.21
Vários produtos também são nocivos à saúde,
como é curial. Todavia, além dos gravíssimos – e, em várias hipóteses, mortais
– efeitos relacionados ao uso do tabaco, há outras duas características que o
distinguem dos demais: o tabaco contém elementos desencadeadores de dependência
química e seu uso causa danos imediatos àqueles que estão próximos aos
consumidores de tabaco, ou seja, o dano causado à saúde do fumante passivo22.23 Por
outro lado, ao contrário de alguns outros vícios nefastos à saúde, como o
alcoolismo, pode-se consumir moderada e ocasionalmente o álcool (o chamado
“consumo social”) sem risco de se tornar um alcoolista e sem prejuízos de algum
relevo à saúde. Já o cigarro, graças à nicotina, inevitavelmente vicia o
consumidor, não havendo níveis seguros de consumo. Salvo o caso patológico do
alcoolista, doente que raramente consegue abandonar o vício sem auxílio
externo, quem bebe socialmente pode passar longos períodos sem nada ingerir,
não sentindo qualquer compulsão a fazê-lo. Já o viciado no tabagismo tem
extrema dificuldade de abandonar o vício.
Assim, com todas as informações que foram
trazidas à luz do dia nas últimas décadas, não havia como, do ponto de vista
lógico-jurídico, sustentar-se por muito mais tempo a invulnerabilidade da
indústria do fumo. De fato, censurar um comportamento que configura, do ponto
de vista do consumidor, uma atividade ‘normal’, ‘razoável’, ‘previsível’ e de
acordo com o conhecimento que se extrai da experiência comum sobre a forma e
intensidade de utilização daquele produto (o cigarro), representa uma escolha
que flagrantemente subverte os princípios sobre os quais se apoiam tanto as
regras comuns de responsabilidade como as normas peculiares da responsabilidade
do produtor. Com isso, corre-se o risco de deitar por terra as garantias
previstas pelo ordenamento ao sujeito débil da relação – o consumidor.24
As diversas “ondas” de ações indenizatórias
nos Estados Unidos.
É comum, nos Estados Unidos, fazer-se
referência às diversas ‘ondas’ de demandas que, a partir da década de cinquenta,
passaram a ser ajuizadas, numa tentativa de reuni-las ou pelos resultados
alcançados, ou então pelo tipo de argumentação invocado a sustento das
pretensões.
A referência às ondas de demandas foi feita
pela primeira vez por Gary T. Schwartz25,
um dos maiores juristas especializados em responsabilidade civil nos EUA, em
artigo seminal denominado “Tobacco Liability in the Courts”, publicado em
1993, que indicou uma primeira onda no período de 1954 a 1982, uma segunda de
1983 a 1991 e uma terceira onda a partir de então.
Todavia, na página oficial do Tobacco
Control Legal Consortium26,
embora também se faça referência às ondas de demandas, usa-se outra
periodização: a primeira onda de ações, segundo tal impostação, teria ocorrido
nas décadas de cinquenta e sessenta. Na década de setenta e início dos anos
oitenta, algumas ações foram ajuizadas, mas nenhuma chegou ao final, razão pela
qual se tem como início da segunda onda o ano de 1984, prolongando-se até 1995.
A partir de então teria início a terceira onda.
As duas primeiras não foram bem sucedidas,
mas a terceira onda representou a mudança da maré. Farei referência apenas a
esta última.
Como referi, somente por ocasião da terceira
onda de demandas judiciais, iniciada por volta de 1994, a maré começou a mudar.
A terceira onda envolveu também ações coletivas (class actions) e ações de
ressarcimento de gastos com saúde, movidas pelos Estados-membros. Os
fundamentos foram ampliados, abrangendo alegação de fraude, falsidade,
conspiração, legislação antitrust, violação de normas consumeristas e
enriquecimento indevido. Os acordos bilionários então celebrados incentivaram a
propositura de inúmeras ações, individuais e coletivas.
Decisivo para a deflagração de tais demandas
foi a publicização de documentos internos da indústria do fumo e as audiências
públicas do Congresso Norte-americano, em 1994, durante a Wasman
Committee. Com base em tais elementos, afastaram-se todas as eventuais
dúvidas no sentido de que não só efetivamente o cigarro causa enormes danos à
saúde dos seus consumidores – o que cientificamente já se sabia desde a década
de cinquenta -, como também a indústria do fumo não só tinha pleno conhecimento
disto, mas que havia tentado, durante décadas, ocultar tais fatos. Igualmente
ficou demonstrado que a indústria do fumo tinha conhecimento de todos os males
associados ao tabagismo, mas mesmo assim manipulava e dissimulava informações,
além de usar agressivas técnicas para ampliar o número de seus consumidores,
especialmente junto ao público jovem.
O mais famoso foi o acordo bilionário
celebrado em 199827,
embora tenha havido também várias ações individuais bem sucedidas ajuizadas
nessa última onda28.
Um dos primeiros casos individuais vencedores
foi Milton Horowitz
v Lorillard (por vezes denominado de Micronite case), ajuizado
em 1994 na justiça estadual da Califórnia. Milton Horowitz era um psicólogo
clínico que contraiu um câncer raro e fatal (mesothelioma), causado pela
absorção de asbestos (amianto). Ele havia fumado cigarros Kent de
1952 a 1956. Referido cigarro estava equipado com o famoso “micronite filter”,
que continha ‘blue asbestos’ (ou crocodilite asbestos), a mais
carcinogênica variedade de amianto. Alegou-se – e isso ficou demonstrado – que
a demandada anunciava que o filtro fornecia proteção aos fumantes, mas já sabia
que aquele tipo de filtro liberava partículas de asbestos e que isso era
prejudicial à saúde. Como resultado desta demanda, em 30 de dezembro a ré pagou
à família do falecido Milton Horowitz a quantia de U$1,5 milhões de dólares.
Foi a primeira vez que uma indústria do fumo teve que pagar pelos danos
causados pelo seu produto. 29
O caso seguinte foi Grady
Carter v Brown & Williamson, ajuizado em 1995 junto à corte
estadual da Florida. Carter padecera de câncer de pulmão e enfisema pulmonar.
Em 1996 houve o julgamento, com a condenação da ré ao pagamento de U$750 mil
dólares. Depois de alguns recursos, em 2001 a empresa fumageira pagou um total
de U$ 1,09 milhões de dólares. 30
De enorme importância foi o
caso Minnesota and Blue Cross Blue Shield vs Philip Morris et
al, ajuizado em 1994. Após quatro anos de intensa batalha judicial naquele
que é considerado o maior caso forense do Estado de Minnesota, com centenas de
incidentes processuais, doze apelações e duas idas à Suprema Corte dos Estados
Unidos, em maio de 1998, as fabricantes de cigarro resolveram fazer um acordo
bilionário, de U$6,1 bilhões de dólares, além de 200 milhões de dólares que
seriam pagos anualmente ao Estado de Minnesota, de forma perpétua, para
ressarcimento das despesas na área da saúde. Além dessa enorme cifra,
comprometeram-se a cessar toda a publicidade direcionada a crianças e a tornar
público milhões de páginas de documentos até então secretos, encerrar as
atividades do Council for Tobacco Research (órgão de pesquisa e
propaganda da indústria do fumo), bem como cessar os pagamentos secretos feitos
a diretores e artistas para usar cigarros em cenas de filmes. Comprometeram-se,
também, a destinar 200 milhões de dólares para ajudar os fumantes que
desejassem parar de fumar. Os documentos revelados por conta desse acordo foram
encaminhados ao Minnesota Document Depository, que desde então
alberga mais de 27 milhões de páginas de documentos sigilosos das empresas de
fumo, memorandos, cartas, relatórios científicos e materiais conexos31.
O caso Patricia Henley v Philip
Morris foi ajuizado em 1998, em San Francisco, Califórnia. Em 1999 o júri
concedeu à autora $1,5 milhões de dólares a título de danos compensatórios e
$50 milhões de dólares por punitive damages, que o juiz condutor do
caso reduziu para $25 milhões de dólares. A partir daí houve uma sucessão de
recursos, esgotados os quais foi fixado o valor da condenação em $9 milhões a
título de punitive damages. 32
O caso Mayola Williams for Jesse,
deceased v Philip Morris foi ajuizado em 1999, na justiça estadual de
Oregon, mas acabou chegando duas vezes até a Suprema Corte dos Estados Unidos.
Após uma sucessão de recursos, o valor final da condenação ficou em $79,5
milhões de dólares33.
Outro caso importante foi Richard
Boeken
v Philip Morris, ajuizado em 2001 em Los Angeles. A viúva de Boeken,
que morrera aos 57 anos, em 2002, ganhou a maior indenização concedida a um
fumante, até aquele momento. O júri reconheceu a ela a expressiva quantia de
U$5.539.127 a título de indenização compensatória e 3 bilhões de dólares a
título de punitive damages. O Juiz que presidiu o júri reduziu
os punitive damages para 100 milhões de dólares, ainda em
2001. Em 2003 a Corte de Apelações da Califórnia reduziu a indenização
total para 50 milhões de dólares. Em 20 de março de 2006 a Suprema Corte dos
Estados Unidos manteve a indenização. Em 2011, o filho de Boeken ajuizou uma
ação sua contra a Philip Morris por “loss of his father’s love, affection,
guidance and training”, vindo a receber uma indenização adicional de U$12,8
milhões.34
Em 2001 é ajuizado o caso Bette Bullock
v Philip Morris em Los Angeles, California. A senhora Bullock sempre
fumara Benson & Hedges, da Philip Morris e ajuizou a ação quando
soube que estava com câncer de pulmão, tendo seus médicos dito que a causa era
o cigarro. Em 2002 o júri condenou a ré ao pagamento de $850 mil dólares
e $28 bilhões a título de punitive damages. Esse valor foi tido como
excessivo pela instância recursal, que determinou novo julgamento. Em 2009 realizou-se
o novo julgamento, quando então os punitive damages foram fixados em
$13,8 milhões. Em 2011 a Corte de Apelações manteve o valor. Afirmou-se na
decisão que ““Philip Morris’ conduct was reprehensible and that a
substantial award of punitive damages is necessary to have a deterrent effect
upon the defendant.”35
Uma class action foi ajuizada em
1996 contra diversos fabricantes de cigarro, em proveito dos fumantes do Estado
de Louisiana. Trata-se do
caso Gloria Scott
v American Tobacco, R.J. Reynolds, Brown & Williamson, Philip Morris,
Lorillard, United States Tobacco, and the Tobacco Institute. Quem representava
a classe era Gloria Scott, fumante que for a diagnosticada com câncer de pulmão
e obstrução pulmonar crônica. Através de ação, pretendia-se a condenação da
demandada a custear programas para desintoxicação e cessação do vício. Após uma
série de recursos, bem como depois da superveniência da morte de Gloria, a
Corte de Apelações de Louisiana condenou os réus ao pagamento de
U$241.540.488,00. A Suprema Corte de Louisiana confirmou a condenação. Em 2008
foi ordenado o pagamento.
Importância paradigmática teve o
caso Howard Engle v Philip Morris et al, uma class
action ajuizada também em Dade County, Florida, em 199436.
Referida class action foi movida em proveito de todos os residentes
do Estado da Flórida (ou seus familiares, acaso falecidos) que tivessem sofrido
doenças relacionados ao tabaco. Estimava-se que beneficiasse cerca de 700.000
pessoas. Dr. Howard Engle, um médico pediatra, representava a classe. Ele havia
fumado desde a Faculdade e não tinha conseguido deixar o vício, apesar das
múltiplas tentativas. Mesmo após ter contraído enfisema pulmonar, continuou
fumando, até falecer. Tratou-se do mais longo julgamento pelo júri na história
forense norte-americana (18 meses!), resultando na condenação de 145 bilhões de
dólares contra a indústria do fumo. Todavia, após anos de litígio,
a Supreme Court da Florida, em 2006, decertified a class
action (ou seja, afirmou que o caso não podia seguir na forma de ação
coletiva). Ao mesmo tempo, porém, aquela Suprema Corte permitiu que ações
individuais pudessem ser ajuizadas, com base nos elementos probatórios obtidos
naquela class action, ou seja, dando-se como comprovado o nexo causal
entre o fumo e determinadas doenças, bem como sobre o poder viciante da
nicotina, dentre outras coisas. Tais ações deveriam ser ajuizadas até
2008. Centenas de ações foram então ajuizadas – chamadas de Engle progeny.
Dentre as comprovações fáticas que a justiça
da Florida aceitou como inequívocas, dispensando a prova a respeito nas ações
individuais que seriam posteriormente ajuizadas, enumeram-se as seguintes: a
nicotina é viciante; fumo causa câncer de bexiga, câncer cervical, câncer de
esôfago, câncer de rim, câncer de laringe, câncer de pulmão (especificamente,
adenocarcinoma, carcinoma de células grandes, carcinoma de células pequenas e
carcinoma de células escamosas), câncer de boca / língua, câncer de pâncreas,
câncer de faringe, câncer de estômago, complicações da gravidez, doença
vascular periférica, aneurisma de aorta, doença cerebrovascular, doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doenças coronarianas. Também deu-se como
provado que as demandadas (indústria do fumo) combinaram entre si para omitir
informações relativas aos efeitos do cigarro na saúde das pessoas, ou o poder
viciante do cigarro, com a intenção de fazer com que os fumantes e o público
confiassem em suas informações, em detrimento de sua própria saúde. 37
Relativamente aos chamados Engle Progeny
Cases, ações individuais movidas com base nos achados probatórios
da class action movida por Howard Engle contra
a Philip Morris et al, as demandas começaram a ser julgadas a partir
de 2009. Até 2014, 185 casos haviam sido julgados, a maioria de forma favorável
aos autores. Em 2015 a indústria do fumo (Philip Morris, R.J. Reynolds e
Lorillard) resolveu fazer um acordo envolvendo todos os casos que tramitavam na
justiça federal, no valor total de $100 milhões de dólares. Aproximadamente
3.200 demandas individuais ainda estão em andamento junto à justiça estadual da
Florida38,
de um total de mais de 8.000 ações que foram ajuizadas nas justiças federal e
estadual da Florida, segundo informações colhidas no jornal do equivalente à
OAB da Florida (Florida Bar)39.
Apesar de enfadonha a listagem dos casos
envolvendo condenação da indústria do fumo, nos Estados Unidos, isso se faz
necessário, ante o repetido – mas não mais verdadeiro – discurso de seus
advogados, no sentido de que sempre colecionaram vitórias, passando ao julgador
a sensação de que haveria consenso no sentido de não ter ela qualquer
responsabilidade pelos danos que inequivocamente causa. É realmente
verdadeiro que durante os primeiros quarenta anos de litígio, colecionou ela
vitórias. Todavia, a maré mudou e atualmente vem sendo a indústria do fumo
reiteradamente condenada nas demandas, coletivas e individuais, que vem sendo
propostas.
Ações de resssarcimento movidas pelos
Estados-membros. O Master Settlement Agreement.
Antes de ir adiante, convém referir o
resultado de ações movidas por entes públicos norte-americanos, pela sua
importância fundamental na promoção da mudança do entendimento jurisprudencial
a respeito do tema.
Em maio de 1994 o Estado do Mississipi moveu
uma ação contra a indústria do fumo, visando recobrar-se das despesas públicas
com doenças derivadas do tabaco, além de outros prejuízos relacionados ao fumo.
Alegou-se um amplo leque de acusações de práticas fraudulentas e enganosas por
parte da indústria do fumo, que induziam os cidadãos a fumar, viciava-os e
causavam-lhe inúmeros danos à saúde, sendo que boa parte dos custos econômicos
com o tratamento dos cidadãos de Mississipi eram suportados pelo sistema
estadual de saúde (Medicaid). Eram esses custos cujo ressarcimento estava
sendo pleiteado.
Tal iniciativa foi seguida imediatamente
pelos Estados da Florida, Texas e Minnesota, e pouco depois, por todos os
demais Estados. Em 1997 a indústria do fumo resolveu fazer um acordo com os
quatro primeiros Estados, em valores bilionários. No ano seguinte (1998), o
acordo envolveu todos os 46 Estados restantes40.
Tratava-se do importantíssimo Master Settlement Agreement – MSA41.
Este célebre acordo (MSA) foi celebrado para
encerrar as demandas promovidas por mais de quarenta Estados norte-americanos
contra as quatro maiores indústrias fumageiras norte-americanas - Philip Morris Inc., R. J.
Reynolds, Brown
& Williamson e Lorillard.42 Posteriormente
outras três indústrias também foram acionadas e os restantes Estados igualmente
passaram a fazer parte de um grande acordo global que pôs fim a todas essas
demandas. Quatro Estados fizeram acordos separados (Mississipi, Florida, Texas
e Minnesota), recebendo um total de 35 bilhões de dólares de ressarcimento, ao
passo que os outros 46 Estados norte-americanos fizeram um acordo conjunto com
as sete indústrias do fumo, para obter destas o ressarcimento dos gastos
públicos com doenças relacionadas ao tabaco. Como parte do acordo, as
indústrias concordaram em abandonar algumas práticas de marketing de cigarro,
admitiram dissolver algumas entidades financiadas por elas - a Tobacco Institute,
o Center
for Indoor Air Research, e o Council for Tobacco Research
– bem como a pagar de forma perpétua aos Estados um valor anual
ressarcitório de despesas com doenças relacionadas ao tabaco, sendo que nos
primeiros 25 anos seria paga – como vem sendo - a quantia de 246 bilhões de
dólares a título de indenização, findos os quais seguiriam pagando 10 bilhões
de dólares ao ano. O Congresso norte-americano, ainda em 1998, majorou esse
valor para 516 bilhões de dólares43.44
Os números podem impressionar. Todavia, se
considerarmos os lucros anuais bilionários da indústria de tabaco, percebe-se
que o pagamento de tais indenizações não representou grande fardo para as
empresas45.
A União entra na luta – o caso United
States v. Philip Morris et al.
A divulgação dos documentos por força de
acordo celebrado no aludido Master Settlement Agreement, bem como a
publicização de outros documentos internos das fabricantes de cigarro, pelas
razões antes referidas, demonstrando a prática de uma série de crimes e outros
ilícitos por parte da indústria do fumo, motivou a propositura de uma
importante ação judicial, movida pelos Estados Unidos contra as 11 indústrias
fumageiras em atividade nos Estados Unidos. Tratava-se do caso United
States v. Philip Morris et al.46 A
ação foi proposta em 1999, em Washington, D.C., julgada em primeiro grau em
2006. Em 22 de maio de 2009 a apelação foi julgada pelo District of
Columbia Circuit, que manteve integralmente a sentença. Segundo Eubanks e
Glantz, a corte federal de apelações “inequivocamente colocou as
companhias de tabaco no mesmo barco das demais organizações de crime
organizado”47.
Em 28 de junho de 2010 a Suprema Corte denegou o writ of certiorari,
negando-se a reexaminar a causa, consolidando definitivamente a decisão.
Esta histórica decisão, proferida pela juíza
federal Gladys Kessler, em uma sentença com 1.682 páginas48,
não deixou pedra sobre pedra. Analisando minuciosamente todas as dezenas de
milhares de documentos que instruíram os autos, as centenas de depoimentos
colhidos, bem como discriminando a atuação de cada uma das onze fabricantes de
cigarro, concluiu a magistrada que “a indústria está por trás da epidemia
tabagista e atua em conjunto e coordenadamente para enganar a opinião pública,
governo, comunidade de saúde e consumidores.”
A demanda alegava que a indústria do fumo
havia violado o Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act (RICO) (importante
lei norte-americana, de 1970, que busca combater o crime organizado), ao se
engajar em antiga, contínua e ilegal conspiração para enganar o povo americano
a respeito dos efeitos maléficos associados ao cigarro, além de outras condutas
penalmente reprováveis, ao ludibriar a população sobre os danos do tabaco à
saúde e ao meio ambiente, além da manipulação da fórmula do cigarro para
torná-lo ainda mais viciante.
Até mesmo para divulgar entre nós as
conclusões irrefutáveis dessa magistrada – em decisão transitada em julgado -,
convém sintetizar algumas das mais importantes afirmações contidas na
monumental sentença. O que convém desde logo ressaltar é que não se trata de
uma opinião ou de uma convicção pessoal – trata-se de uma decisão apoiada em
literalmente dezenas de milhares de documentos e centenas de depoimentos
técnicos, recorrentemente citados na referida decisão.
No tópico da sentença destinada a avaliar os
danos derivados do tabagismo, a juíza Kessler explica como as provas demonstram
que os réus sabiam, há mais de cinquenta anos, que o cigarro causa doenças, mas
sempre negaram seus efeitos danosos para a saúde. Descreve ela, ainda, como os
réus durante todo esse tempo empreenderam esforços no sentido de atacar e
desacreditar as provas científicas da ligação entre tabagismo e doenças.
No item 594 da sentença, refere-se que
“documentos internos revelam que o conhecimento dos réus sobre os danos
potenciais causados pelo tabagismo contrastava bastante com suas negativas
públicas sobre o assunto”. “Em 1962, [Alan] Rodgman [cientista da indústria
fumageira R. J. Reynolds] admitiu, em seu parecer interno, que ‘os resultados
de 34 diferentes estudos estatísticos mostram que fumar cigarros aumenta o
risco de desenvolver câncer de pulmão’.” (item 603).
A partir daí a juíza federal demonstra como,
durante a década de 1950, os réus iniciaram uma campanha conjunta para, de má
fé, negar e deturpar a existência de uma relação entre o tabagismo e doenças,
ainda que seus documentos internos reconhecessem essa existência.
No item V.A.5 (fls. 278 e 279 da sentença), a
Juíza Kessler afirma que “a. Após a publicação do Relatório de 1964, a
comunidade científica continuou a documentar a relação entre o fumo e uma
variedade de sérias consequências para a saúde”, e que “b. Documentos internos
e estudos compreendidos pelos réus nas décadas de 1960, 1970 e posteriores
revelam seu reconhecimento consistente de que fumar causa sérios malefícios à
saúde, bem como o medo do impacto de tal conhecimento em litígios judiciais”,
razão pela qual chegou à conclusão de que “c. A despeito de seu conhecimento
interno, os réus continuaram, após 1964, a desonestamente negar e distorcer os
sérios danos à saúde causados pelo tabagismo”.
Outro estratagema usado pela indústria do
fumo consistiu em criar revistas pseudocientíficas, nas quais a indústria do
tabaco patrocinou a publicação de artigos que nunca teriam passado pelo crivo
dos comitês de leitura das revistas científicas sérias, e em organizar
congressos para os quais convidava cientistas simpáticos à sua causa, cujas
opiniões eram em seguida impressas nos ‘anais do congresso’. Todas essas
estratégias serviam à constituição de uma série de referências que, ainda que
desprovidas de valor científico, tinham como finalidade contradizer as
pesquisas sérias49.
O impacto desta decisão, com a revelação,
fundada em provas documentais inequívocas e referendadas por outras fontes
probatórias, da conduta criminosa das fabricantes de cigarro e dos
incontroversos efeitos extraordinariamente lesivos do cigarro, representou mais
um forte elemento para reforçar a mudança da maré, não só nos Estados Unidos
como também fora de lá, como é o caso, exemplificativamente, do Canadá e na
Itália.50
Passa-se, agora, a analisar os argumentos
invocados pela demanda para o rechaço da demanda.
Argumentos comumentes invocados pela
indústria fumageira e normalmente acolhidos pela jurisprudência, especialmente
do STJ, e que nesta demanda igualmente foram invocados.
Como afirmado anteriormente, a indústria do
fumo vem sendo acionada judicialmente desde a década de cinquenta do século
passado. Vencedora absoluta nas primeiras quatro décadas, acumulou notável
know-how, testando e descartando argumentos de defesa, até identificar aqueles
mais eficazes e que são mais comumente acolhidos judicialmente.
Dentre os argumentos mais invocados, dois se
sobressaem: um deles diz respeito à ausência de prova da presença de um nexo
causal inequívoco entre o ato de fumar e a doença contraída pela vítima, já que
quase todas as patologias são multifatoriais e, portanto, poderiam ter se
desenvolvido por outras causas que não o vício do cigarro; o outro argumento
diz respeito ao livre-arbítrio. Esse segundo argumento é simples: as pessoas
são livres e fumam porque querem, mesmo sabendo que o cigarro faz mal.
Portanto, como todo ato de liberdade atrai a conexa responsabilidade, não
haveria como transferir à indústria do fumo os males que alguém tenha contraído
consciente e voluntariamente. passaremos em breve revista ambos os temas,
iniciando pela questão do nexo de causalidade.
Examino esses dois temas principais de forma
separada, a seguir.
A questão do nexo de causalidade
Nas demandas em que é demandada, a indústria
do fumo costuma alegar a inexistência de nexo de causalidade adequada, ou
direta e imediata51,
entre o vício de fumar e a patologia desenvolvida pelo fumante.
O argumento da indústria do fumo é singelo:
sendo multifatoriais quase todas as doenças tabaco-relacionadas, haveria
necessidade de demonstrar, em cada demanda, que a patologia desenvolvida por
aquele particular fumante está relacionada ao fumo e somente a ele, com
exclusão de todos os demais fatores que igualmente poderiam ter levado ao
desenvolvimento daquela doença. Como essa prova praticamente nunca poderá ser
obtida, o sucesso da tese estaria garantido. O acolhimento irrestrito da tese
leva a um absurdo lógico: levando-se a sério as conclusões da ciência médica
que demonstram que determinadas doenças (especialmente as pulmonares) estão
necessariamente vinculadas ao vício do fumo num percentual que por vezes se
situa entre 80 e 90% dos casos, conclui-se coerentemente que de cada cem portadores
de tais doenças e que também sejam fumantes, entre 80 e 90 indivíduos a
contraíram em razão do hábito de fumar. A contrario sensu, os outros
10 a 20 indivíduos desenvolveram a doença em razão de outros fatores, que não o
tabagismo. É quase impossível afirmar-se, categoricamente, quais dessas cem
pessoas se encontram num grupo ou no outro. Isso não abala, porém, a certeza
científica de que abstratamente 80 a 90% deles realmente desenvolveram a doença
em razão do tabagismo. Inequívoco, portanto, o nexo de causalidade científico e
irrefutável entre a conduta (tabagismo) e o efeito (desenvolvimento da doença).
Todavia, se todas essas cem pessoas ajuizassem ações individuais, a invocação
da tese defensiva faria com que todas as cem pretensões fossem desacolhidas,
apesar da certeza científica e irrefutável de que entre 80 a 90% daqueles
autores tinham inteira razão. Para se evitar que a indústria do fumo seja
injustamente condenada num percentual de 10 a 20% das causas, prefere-se,
assim, injustamente desacolher as justas pretensões de 80 a 90% dos autores! A
fragmentação dos litígios, portanto, favorece amplamente a indústria do fumo.
Contra esse absurdo lógico e de intuitiva injustiça não se pode concordar.
Todavia, é possível superar o argumento levantado
pela defesa da indústria de fumo, dentro do maior rigor científico e dogmático,
à luz das novas teorias e concepções sobre o nexo de causalidade que estão
presentes não só no universo acadêmico, mas também no mundo forense de diversos
países.
Da desnecessidade da produção de prova
inequívoca do nexo de causalidade entre o consumo de tabaco e as doenças
tabaco-relacionadas.
Claro que tem razão a indústria fumageira no
sentido da necessidade de se trazer aos autos prova convincente não só do dano
em si – a patologia contraída pelo fumante -, mas também do fato de que tal
dano teria decorrido do prolongado vício de fumar, uma vez que quase todas
essas patologias são efetivamente multifatoriais.
Todavia, nosso sistema probatório não exige
uma prova uníssona e indiscutível, mas sim uma prova que possa convencer o
juiz, dentro do princípio da persuasão racional. Afinal de contas, “na dimensão
atual da ética da responsabilidade (...) não pode o aplicador do direito
enredar-se nas construções retóricas do nexo de causalidade, para que as
consequências dos danos não sejam mais suportadas pela vítima e pela
sociedade” 52.
De fato, ainda que se admita a
impossibilidade de se aferir, com absoluta certeza, que o cigarro foi
o causador ou teve participação preponderante no desenvolvimento da enfermidade
ou na morte de um consumidor, é perfeitamente possível chegar-se, a partir da
análise de todo o conjunto probatório, a um juízo de presunção sobre
a relação do tabagismo com tal enfermidade. Afinal de contas: “nada há de
errado em permitir ao juiz decidir por meio de um critério pautado em
presunções (prova indiciária), sobretudo diante de casos complexos envolvendo
pluralidade de causas e condições, em que a relação desenvolvida é
eminentemente de consumo”53.
Por outro lado, tratando-se de relação de
consumo, é direito básico do consumidor a “facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo
civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º, inc.
VIII, do CDC). Trata-se da chamada inversão ope judicis do ônus da
prova. Para impor tal inversão do ônus probatório, basta ser verossímil a
alegação do autor da demanda. E, no caso, a alegação, em muitos casos, é dotada
de enorme verossimilhança, à luz das estatísticas disponíveis e das certezas
médicas hoje indiscutíveis no setor. Além disso, a inversão ope
judicis convive com a inversão ope legis, ou seja, determinada
aprioristicamente pelo próprio legislador, como está previsto no art. 12, §3º,
do CDC, ao prescrever que
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor
ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no
mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro.
Portanto, pelo próprio texto legal expresso e
vigente, o consumidor tem o direito básico de ver facilitada a prova do seu
direito. Sua pretensão é mais do que verossímil a respeito do nexo de
causalidade. Caberia, assim, ao réu, fornecedor do produto, o ônus da prova em
contrário.
Aliás, já decidiu o E. STJ, em ação coletiva
movida pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante contra a Philip Morris e
outra indústria tabagista, que o CDC poderia ser invocado para se determinar a
inversão do ônus da prova no que diz respeito ao caráter viciante ou não da
nicotina. Trata-se do REsp n. 140.097, da 4ªT, relatado pelo Min. César Asfor
Rocha e julgado, de forma unânime, em 4.5.2000.
Por outro lado, é perfeitamente possível a
invocação de doutrinas e práticas jurisprudenciais que vem sendo adotadas em
outros países, no que diz respeito à prova do nexo de causalidade, pois
compatíveis com o nosso direito.
É do que trataremos na sequência.
Da relativização da lógica da certeza e
abertura de espaço para a lógica da probabilidade.
Examinando-se as atuais ideias sobre relação
de causalidade, tal como transitam em outros ordenamentos jurídicos, nota-se
uma nítida flexibilização da lógica da certeza e abertura de espaço para a
lógica da probabilidade.
Nossos juristas já estão a par de tais
desenvolvimentos e incorporam as novas tendências em suas lições.
Paulo Frota, por exemplo, referiu que “a
discussão disseminada na atualidade em várias áreas do conhecimento, como a
Filosofia, o Direito e a Física, refere-se à substituição da causalidade pela
probabilidade ou à inserção da probabilidade no âmbito da causalidade”. Mais
adiante, volta a referir que “independentemente de se concordar com a
substituição da causalidade pela probabilidade, mostra-se insuficiente, na atualidade,
não inserir o critério da probabilidade nesta discussão” 54.
Bodin de Moraes55,
ao prefaciar a obra de Caitlin Mulholland, referiu que é possível “identificar
a probabilidade de danos típicos associados às atividades de risco
objetivamente imputadas e, portanto, obter-se um juízo probabilístico da
causalidade.” A própria Caitlin Mulholland refere o surgimento da “concepção
através da qual a causalidade, mais do que certeza, é probabilidade. Um dado
acontecimento não desencadeia um determinado efeito, mas aumenta
significativamente a probabilidade de sua ocorrência”.56
Também Gisela Cruz refere a “crescente
preocupação do Direito com a vítima”, o que provoca a admissão, em certas
hipóteses, da “substituição da causalidade real ou efetiva pela causalidade
suposta”57.
A razão de ser desse posicionamento favorável
às vítimas de danos nos é dado por Vasco Della Giustina58:
“De que vale construir pressupostos da
responsabilidade, distinguir entre autoria, antijuridicidade, culpabilidade,
relação de causalidade e outras distinções mais, se na hora de provar calcamos
toda esta pesada atividade na vítima ou nos herdeiros e não distinguimos entre
situações onde é razoável que eles provem, porque lhes é fácil, e situações
onde a prova, por razões, também, de facilidade, deve estar a cargo de quem se
presume ou pode ser o agente danoso”.
De fato, o exame de experiências estrangeiras
– compatíveis com nosso ordenamento jurídico, frise-se desde logo – demonstra
que paulatinamente se vem abandonando o modelo da exigência de certeza absoluta
para se poder acolher uma pretensão autoral, admitindo-se julgar a partir de
uma nova racionalidade, onde se aceita a probabilidade, troca-se a verdade
(inatingível) pela verossimilhança, levam-se a sério os dados estatísticos
fornecidos pela ciência (nítido exemplo de interdisciplinariedade no campo da
prática jurídica).
No próximo item referiremos as novas teorias
e práticas que, quando aplicadas, implicam um julgamento não calcado na
certeza, mas na verossimilhança, na probabilidade ou numa superior
razoabilidade.
Teorias que implicam uma relativização da
lógica da certeza no campo da causalidade.
Como exemplos dessas novas ideias e práticas
jurisprudenciais que estão apontando, há décadas, para uma flexibilização da
prova do nexo de causalidade, citam-se a doutrina da res ipsa
loquitur; a doutrina da market share liability; a doutrina da
perda de uma chance (perte d’une chance); a doutrina da causalidade
alternativa; a doutrina da presunção de causalidade; a doutrina do more
probable than not ; a doutrina da redução do módulo da prova; a doutrina
sueca da verossimilhança; bem como a admissão de probabilidades estatísticas
(essa última especialmente importante para o caso em tela).
Em todas essas teorias/doutrinas/práticas
jurisprudenciais, troca-se a verdade pela verossimilhança, a certeza pela
probabilidade, no intuito de se fazer justiça. Não são simples construções
subjetivas que expressam um desejo íntimo e imperscrutável do julgador, mas sim
construtos que guardam uma lógica e uma racionalidade que resistem ao diálogo
intersubjetivo.
Boa parte dessas construções teóricas e
jurisprudenciais são conhecidas pela nossa doutrina. Muitas dessas figuras
encontram inclusive aplicação jurisprudencial.
Daquelas teorias, destacaremos algumas, que
mais tem a ver com a questão da responsabilização da indústria do fumo pelos
malefícios relacionados ao consumo do tabaco.
A doutrina da res ipsa loquitur.
A doutrina da res ipsa loquitur (‘a
coisa fala por si’) é de aplicação rotineira na jurisprudência anglo-americana.
Trata-se de uma ideia que substancialmente visa a justificar a inversão do ônus
da prova, quando “os fatos falam por si”. É o caso, por exemplo, de alguém, em
perfeitas condições de saúde, submeter-se a uma simples cirurgia eletiva –
fimose, extração de adenóides, vasectomia, etc. Tais procedimentos, pela sua
simplicidade, normalmente têm caráter ambulatorial, dispensando-se internação
do paciente, apresentando prognóstico altamente positivo. Se alguém vem a se
submeter a um desses procedimentos e morre, ou fica com graves
sequelas, res ipsa loquitur – a coisa fala por si! Ou seja, da
simples narrativa dos fatos presume-se ter havido alguma falha no procedimento,
já que estatisticamente tal tipo de evento não causa qualquer sequela ao
paciente. Por óbvio que isso não significa um automático juízo de procedência
da ação, mas acarreta a inversão do ônus da prova, fazendo com que recaia sobre
o cirurgião a prova de não ter havido nenhuma falha sua e que o evento danoso
teria explicação científica passível de ser evidenciada. No fundo, também aqui,
quando se aplica tal teoria, não se utiliza um juízo de certeza, mas sim de
verossimilhança.
No caso de demandas de responsabilização da
indústria do fumo por danos tabaco-relacionados, tal teoria poderia ser
invocada na hipótese de um fumante que tenha desenvolvido uma doença
estatisticamente muito ligada ao consumo do cigarro, como câncer de pulmão. Se
o autor da demanda demonstrasse ser portador de câncer de pulmão, que é/fora
fumante inveterado por longo período de tempo, que não possui histórico
familiar de tal tipo de doença, que não se enquadra em outros grupos de risco
de tal doença, e que há estatísticas apontando que 80% dos casos de câncer de
pulmão estão relacionados ao hábito de fumar, então res ipsa loquitur
– a coisa fala por si. Seria muito mais lógico aceitar-se que a sua
patologia decorreu daquela causa específica do que de outra abstrata
causa.
Teoria da preponderance of the
evidence (ou da more probable than not).
Trata-se de outra doutrina muito aplicada no
direito anglo-americano. Nos Estados Unidos ela é mais conhecida
como preponderance of the evidence, ao passo que na Inglaterra ela é
mais conhecida como teoria da more probable than not (ou more likely
than not), em razão de ter sido assim denominada pelo célebre magistrado
inglês Lord Denning, ao julgar o caso Miller v. Minister of
Pensions, em 1947. Trata-se de uma técnica de balanceamento de
probabilidades. O standard utilizado para julgamento de situações em
que não se tem certeza da real situação em disputa é simbolizado pela
proposição de que uma versão é “more likely to be true than not true” (é mais
provável que seja verdadeira do que não). Para que se tenha como alcançado tal
standard, bastaria que houvesse mais de 50% de chance de que a versão fosse
verdadeira.
A doutrina da redução do módulo
probatório.
A doutrina da redução do módulo probatório,
de origem alemã, é bastante utilizada em nossa jurisprudência, muito
especialmente no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, em que, pelo princípio
da informalidade que lá vigora, associado ao fato da possibilidade do
ajuizamento de demandas sem a participação de advogados, muitas vezes se admite
a verdade dos fatos alegados, mesmo que não haja provas totalmente concludentes
a respeito dos mesmos.
Sobre esta doutrina, o processualista alemão
Gerhard WALTER59 faz
menção a um duplo significado: um referente a decisões tomadas no início ou no
curso do processo; e outra quando, ao final, o magistrado julga com base não em
certezas, mas sim em probabilidades. Na primeira hipótese, é a própria lei
processual que autoriza a convicção de probabilidade (caso da antecipação de
tutela, por exemplo – art. 273 do CPC/73: “O juiz poderá, a requerimento da
parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da
verossimilhança da alegação...”. No novo CPC, v. art. 300:
“A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo.”). Já na segunda hipótese, a redução do módulo da prova é fruto da
impossibilidade de o juiz chegar a um convencimento sobre a verdade de um fato,
diante das particularidades do caso concreto, e de o direito material
recomendar, autorizar ou aceitar uma convicção de probabilidade.
O doutrinador alemão acima citado defende a
inexistência de um princípio unitário regulando uniformemente o ônus da prova
para todos os tipos de processos. Afirma ser claramente diverso o nível de
convicção judicial exigível no processo penal e no processo civil, por exemplo,
variando tal nível também em conformidade com o tipo de processo civil. Refere,
assim, que não há como deixar de levar em conta a matéria em discussão no
processo. Tal redução deve ser aplicada aos casos em que, pela sua natureza,
sejam difíceis de serem esclarecidos pelas vias normais, lembrando que os
tribunais alemães reduzem o módulo da prova nas hipóteses em que a apuração dos
fatos resulta em especiais dificuldades, especialmente quando o direito
material indica que essas dificuldades probatórias não devem ser suportadas
pela vítima.
Ainda na Alemanha, o professor Jurgen Prölls
sustentou, já em 1966, a possibilidade de haver a facilitação da prova em
processos de indenização civil, através da redução do standard probatório geral
de convicção – Reduzierung des allgemeinen Beweismasses der Uberzeugung60.
A redução do módulo probatório é amplamente
aceita, debatida e aplicada entre nós. Sustenta-se, por aqui, que “a redução do
módulo da prova nada mais significa que a prova plena há de ser atenuada,
dependendo de cada situação particular, ou seja, não se pode exigir a mesma
prova em todas as situações”. Referida teoria defende que “em inúmeros casos,
em especial onde há leis protetoras de determinadas categorias, cabe ao
magistrado julgar com base na verossimilhança dos fatos aportados aos autos,
nas presunções e na regra da inversão do ônus da prova”61.
A teoria da presunção de causalidade.
Sobre a teoria da presunção de causalidade é
imprescindível a referência à monografia de Caitlin S. MULHOLLAND62,
baseada no mecanismo do cálculo de probabilidade estatística, especialmente
aplicável aos casos de responsabilidade objetiva e nos chamados danos de massa.
Segundo tal teoria, em casos de atividade impregnada de risco, resultando um
dano tipicamente associado à referida atividade, em sendo impossível ou difícil
a prova do nexo de causalidade, pode e deve o julgador contentar-se com um
juízo de probabilidade estatística quanto à relação causal.
De acordo com a referida autora, poder-se-ia
invocar a responsabilidade por presunção de causalidade quando houver: a)
dificuldade considerável ou impossibilidade da vítima (autor da ação de
indenização) de comprovar, em juízo, a ligação entre o dano que sofreu e a
atividade referida como provável causa do dano; b) casos de responsabilidade
coletiva (causalidade alternativa), em que a conduta ou atividade a qual deve
ser relacionada a causalidade é desconhecida; e c) hipóteses em que existe o
desenvolvimento de atividades perigosas, isto é, atividades que geram danos
qualitativamente graves. (...) Uma vez identificados estes elementos ou
requisitos afigura-se legítimo ao magistrado a análise probabilística da causa
para fins de imputar a responsabilidade63.
Na França, tal teoria vem sendo
consistentemente aplicada pela Corte de Cassação, especialmente para casos
envolvendo responsabilidade civil por danos causados por medicamentos. Referida
Corte suprema reconhece a presença de nexo de causalidade quando houver a
presença de sérias, precisas e concordantes presunções de causalidade64.
Teorias probabilísticas.
Passamos, agora, a abordar as doutrinas que
admitem com grande liberdade a convicção judicial baseada em probabilidades
estatísticas, as quais vêm sendo acolhidas nos mais variados ordenamentos jurídicos.
CANOTILHO65 defende
a possibilidade de se aceitar a causalidade probabilística. Embora refira que
“só existe responsabilidade civil se houver provada a existência de uma relação
causa-efeito entre o fato e o dano”, explica que “esta relação de causalidade
não tem que ser determinística, como uma relação mecânica, mas deve ser uma
causalidade probabilística.”.
Na Itália, INFANTINO66 (2012,
p. 115seg) aborda as teorie probabilistiche, referindo que essas
teorias procuram evitar que uma obscuridade probatória sobre os acontecimentos
resulte sempre em julgamento desfavorável ao autor. De acordo com tais teorias,
um fato pode ser considerado a causa de um resultado negativo se for alta a
probabilidade, à luz de estatísticas científicas, de que este último tenha
ocorrido em razão da presença do primeiro.
Raniero BORDON67 (2006,
p. 50seg) refere-se aos julgamentos que aceitam as evidências estatísticas como
o modello della sussunzione sotto leggi scientifiche (modelo da
subsunção sob leis científicas) ou teoria della causalità
scientifica (teoria da causalidade científica).
Cita este autor importante julgamento das
Seções Criminais Unidas, da Corte de Cassação, órgão supremo da jurisdição
ordinária italiana (Cassazione Penale, Sezioni Unite, 11.9.2002, n. 30328), que
assim se posicionou: “O saber científico sobre o qual o juiz pode embasar
suas decisões é constituído tanto por ‘leis universais’ (muito raras, na
verdade), que identificam no encadeamento de determinados eventos uma
invariável regularidade sem exceções, como por ‘leis estatísticas’, que se
limitam a afirmar que a verificação de um efeito decorre da identificação de
certo evento num certo percentual de casos e com uma relativa frequência”68.
Ainda segundo o mesmo autor, o modelo da
subsunção sob leis científicas também é consensual na doutrina médico legal,
que sustenta a validade de uma reconstrução da relação causal baseada ‘sobre a
essencialidade da documentação científica probatória da recorrência de um
efetivo nexo de causalidade material’.
Guido Alpa igualmente refere que “a tendência
da Corte Suprema [referindo-se à Corte de Cassação] é, portanto, dar relevo à
construção do nexo etiológico aos fatos dos quais o dano teria podido derivar
com uma certa probabilidade”, já que “se reconhece que é suficiente provar, em
matéria civil, a preponderância da evidência, ou da causa mais provável, enquanto
que no processo penal vigora a regra da prova ‘além da dúvida razoável’”.69
Ariel Porat e Alex Stein70 analisam
dois importantes casos britânicos envolvendo a espinhosa questão do nexo de
causalidade. Os casos foram julgados pela Court of Appeal inglesa (a
segunda corte mais importante, na hierarquia do Judiciário inglês). Citam
também um terceiro caso (Fairchild), julgado pela então House of Lords.
Segundo tais professores, os julgamentos nos
casos Holtby, Allen e Fairchild representam decisões
revolucionárias, abordando um aspecto importante do problema da indeterminação
do nexo de causalidade, tema que frequentemente surge em demandas de
responsabilidade civil. Nos casos Holtby71 e Allen72,
a Court of Appeal afastou a tradicional abordagem dicotômica, segundo
a qual ou o autor tem ganho integral em sua causa, obtendo a reparação da
totalidade do seu dano, ou nada recebe, depending on whether his or her
case against the defendant is more probable than not (em tradução literal:
dependendo se seu caso contra o réu é mais provável do que não), ou seja, se a
sua versão é mais verossímil (provável) do que a do réu.
Nos referidos casos, a Corte de Apelação
substituiu esta abordagem binária pelo princípio da indenização proporcional,
em que o réu repara os danos sofridos pelo autor na proporção de sua
participação estatística na produção de tal dano. Nesse aspecto, aliás, tal
enfoque se aproxima (embora não ela não se identifique) da doutrina judicial
da market share liability (responsabilidade por quota de mercado). Os
autores elogiam a aplicação de tal enfoque, louvando tanto seu aspecto de justiça
comutativa quanto seu potencial efeito dissuasório, embora ressalvem que tal
novo enfoque deva ser aplicado apenas aos casos recorrentes (exatamente como é
o caso das demandas envolvendo doenças tabaco-relacionadas). Já no
caso Fairchild73, a House
of Lords igualmente entendeu preferível o critério da proporcionalidade da
indenização, no lugar da tradicional abordagem do “all or nothing” (tudo ou
nada).
Doutrina da market share
liability.
A doutrina da market share
liability, ou responsabilidade por quota de mercado, é uma espécie de
teoria probabilística. Sua peculiaridade é que não procurou resolver dúvidas
sobre a causalidade, mas sim sobre a autoria.
Tal doutrina foi aplicada, pela primeira vez,
no famoso caso Sindelll v. Abbott Laboratories, julgado pela Suprema Corte
da Califórnia, em 1980. Tratava-se de julgar demanda envolvendo os efeitos
danosos derivados da ingestão de medicamento contendo o princípio ativo
denominado Diethylstilbestrol (mais conhecido pela sigla D.E.S.).
Referido princípio ativo era componente importante de medicamento utilizado por
gestantes que tinham propensão a ter abortos espontâneos. O medicamento havia
se revelado muito eficaz para ajudar as gestantes a levarem a gestação a termo
e foi muito utilizado a partir de 1941 até 1971, quando a F.D.A. (Food and Drug
Administration – agência americana que regula o setor) proibiu sua
fabricação.
Em típico caso de development
risk (risco de desenvolvimento), a evolução dos fatos revelou que muitas
mulheres, frutos de tais gestações, tendiam a desenvolver câncer após 10 a 12
anos de incubação da doença74.
Uma dessas moças, chamada Sindelll, moveu, então, uma demanda de responsabilidade
civil (na verdade, uma class action) contra o laboratório Abbott e outros
10 fabricantes de remédios contendo tal princípio ativo. Examinando-se o caso
particular da autora Sindelll, como ela não tinha mais condições de demonstrar
qual medicamento sua mãe havia efetivamente ingerido (ninguém guarda caixas de
remédio, recibos de pagamento ou prescrições médicas durante anos a fio!), e
não se sabendo, portanto, qual laboratório efetivamente tinha fabricado o
medicamento que efetivamente causou os danos à autora, a solução adotada no
referido acórdão foi no sentido de se condenar o laboratório Abbott e os demais
a pagarem os danos na proporção de sua participação no mercado daquele remédio
no Estado da Califórnia, no ano da gestação da autora. Portanto, mesmo sem se
ter certeza sobre qual laboratório produziu o remédio, cujo princípio ativo
comprovadamente teria causado os danos provados pela autora, responsabilizou-se
o laboratório pela sua quota de mercado (market share liability)75.76
Ainda que tal doutrina não tenha sido
aplicada para resolver dúvidas envolvendo nexo de causalidade, mas sim a
autoria, pode ela ser aqui referida como uma experiência bem sucedida de se
fazer justiça, mesmo com dúvidas remanescentes no espírito do julgador. Parece
evidente que a solução dada ao caso foi bem melhor do que a alternativa de se
julgar improcedente a ação, por dúvidas sobre qual réu fora o fabricante do
medicamento que causara danos à autora.
Passemos, agora, ao outro argumento da
indústria do fumo – a questão do livre-arbítrio.
O argumento do livre-arbítrio77 e
sua relativização.
O segundo importante argumento utilizado pela
indústria do fumo em sua defesa nas ações judiciais consiste na invocação do
livre-arbítrio. Essa linha defensiva sustenta que as pessoas têm liberdade e
autonomia para começar e para parar de fumar – fumam apesar de saberem dos
riscos do fumo. Por outro lado, sustentam, a publicidade outrora permitida não
seria impositiva e não compeliria pessoas a fumar. Portanto, como todo ato de
liberdade atrai a conexa responsabilidade, não haveria como transferir à
indústria do fumo os males que alguém tenha contraído consciente e
voluntariamente.
Entendo que esses argumentos não se
sustentam. Em primeiro lugar, há que considerar que quase a totalidade dos fumantes
começa a fumar quando jovens, como foi o caso do marido da autora. Em assim
sendo, o suposto livre arbítrio de uma pessoa considerada (biológica,
psicológica e legalmente) em formação, não pode ser levado realmente a sério,
especialmente quando estão em jogo consequências que, a longo prazo,
acarretarão a muitos deles uma baixa qualidade de vida ou a morte em razão do
tabagismo. Vida e saúde são direitos indisponíveis, subtraídos ao
livre-mercado.
Segundo a psicóloga Mônica Andreis e a médica
cardiologista Jaquelina Scholz Issa (Diretora do Programa de Tratamento ao
Tabagismo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP),
“o termo livre-arbítrio tem sido utilizado
para representar a possibilidade de livre escolha do ser humano. Supõe que o
indivíduo seja dotado de plena capacidade de apreciação das opções de escolha e
tenha preservada a liberdade de agir de acordo com a sua vontade. Nada mais
distante da realidade quando refletimos sobre a iniciação e manutenção do
tabagismo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que 90% das
pessoas começam a fumar ainda na adolescência. No Brasil, pesquisa do CEBRID78 apontou
que a idade média de iniciação é de 13,3 anos. Assim, é preciso explicitar que
quem decide experimentar produtos de tabaco, na esmagadora maioria das vezes,
são crianças e jovens, e não adultos, no Brasil e no mundo todo”79.
De fato, atualmente, “o tabagismo é
considerado uma doença pediátrica, pois quase 90% dos fumantes regulares
começam a fumar antes dos 18 anos80”81.
E isto porque as pesquisas indicam que as pessoas que iniciam o tabagismo na
adolescência têm maior probabilidade de se tornarem fumantes definitivos do que
aquelas que experimentam seu primeiro cigarro quando adultas. Estudos recentes
comprovam que os sintomas de dependência se desenvolvem logo após o primeiro
cigarro, não havendo relação com o número de cigarros fumados, ou com a
frequência e duração do uso82.
Na paradigmática ação judicial, movida pelos
Estados Unidos contra as 11 indústrias fumageiras em atividade nos Estados
Unidos (conhecida como United States v. Philip Morris et al.) 83,
antes referida, a juíza federal Gladys Kessler dedicou 235 páginas (de
fl. 972 a 1209) de sua decisão para demonstrar que a indústria do fumo
realmente tinha os jovens como público preferencial e que dedicou esforços e
ingentes quantias para tentar conquistar crianças e jovens para o vício do
fumo.
A ‘opção preferencial’ pelos jovens, como
destinatários mais desejados para seus produtos, é facilmente explicável. O
jovem é mais influenciável e suscetível a imitar comportamentos – portanto, a
perfeita ‘vítima’ de campanhas publicitárias bem concebidas -, e representa um
consumidor que provavelmente passará o resto de sua vida escravizado ao
consumo, mercê do poder viciante da nicotina. De fato, segundo inúmeros
estudos, “quanto mais cedo se dá a iniciação, maior a chance de tornar-se um
fumante regular e menor a probabilidade de cessação”84.
Além disso, o jovem, pela suas próprias
características psicológicas, não consegue ter uma longa visão do futuro. Seus
interesses e preocupações são imediatos, de curto/curtíssimo prazo. O jovem
vive o presente. Valoriza recompensas imediatas e desconsidera ônus futuros. Um
futuro longínquo é apenas uma miragem. Danos potenciais que ocorrerão apenas
num tempo remoto simplesmente não existem. A própria OMS já constatou que os
riscos do tabagismo são percebidos como muito distantes, facilmente compensados
pelos benefícios psicológicos imediatos. Os jovens tendem ainda a subestimar a
dependência de tabaco e as dificuldades associadas à cessação do vício. Somente
mais tarde eles descobrirão que a dependência da nicotina continua muito tempo
após qualquer benefício psicológico ter se esgotado85.
Sabendo de tudo isso, a indústria do fumo
deliberadamente direcionou suas campanhas de publicidade preferencialmente ao
público dos jovens, buscando aproveitar-se da sua maior vulnerabilidade.
Assim, considerar livre-arbítrio a opção de
fumar ou não para um jovem entre 12 a 18 anos, exposto à intensa publicidade do
cigarro, vale tanto quanto considerar livre e o consumidor que firma um
contrato eivado de cláusulas abusivas porque, afinal de contas, havia a opção
de não contratar86.
Outro argumento que deve ser invocado para
neutralizar a força do princípio jurídico do livre-arbítrio diz respeito aos
efeitos da publicidade sobre o processo de tomada de decisão. É disso que trata
a seção seguinte.
A força da publicidade e a relativização do
livre-arbítrio.
A invocação do livre-arbítrio ignora a força
da publicidade e de como ela influencia condutas. De fato, ainda que atualmente
a esmagadora maioria dos países ocidentais proíba ou limite a publicidade do
tabaco, durante décadas todas as sociedades foram bombardeadas com maciça e
exitosa propaganda direta. Além disso, a população foi e é exposta a uma
propaganda ainda mais perniciosa, pois dissimulada, através do cinema e outras
formas de comunicação social. Aliás, “as proibições parciais só fazem com que
as companhias desviem os grandes recursos de uma tática promocional para outra”87.
Na medida em que evoluíram as ações
pró-saúde, também evoluíram as técnicas e recursos
de marketing (especialmente os subliminares e imperceptíveis)88,
buscando alcançar o jovem em espaços familiares e de diversão (como cinemas,
internet, revistas de moda, concertos de música e eventos desportivos)89.
Em ação civil pública movida pelo Ministério
Público do Distrito Federal houve o reconhecimento da enganosidade de peça
publicitária do tabaco, bem como ficou evidenciada a estratégia da empresa de
se utilizar de imagens subliminares. A sentença condenatória foi mantida pelo
Tribunal de Justiça do DF (Proc. n. 2004011102028-0), em substancioso acórdão
relatado pela Desª Vera Andrighi, que apenas reduziu o valor da condenação, de
R$14 milhões para R$4 milhões90a
título de danos morais coletivos. Tal valor foi ulteriormente reduzido para R$1
milhão através do Recurso Especial n. 1101949/DF, julgado pela Quarta Turma, em
10.05.2016, tendo como relator o Min. Marco Buzzi.
Após mencionar que a maioria dos fumantes
começa a fumar ainda na adolescência, Virgílio Afonso da Silva91 refere
que “imaginar que a propaganda de um produto não tem o poder de influenciar as
suas vendas seria contrária à própria razão de ser da propaganda.” E conclui:
“a propaganda de produtos derivados do tabaco não é algo que realiza o direito
à informação, mas, ao contrário, é algo que pretende convencer o indivíduo a
comprar algo que faz mal a sua saúde, não importa de que forma, com que
freqüência e em que quantidade for consumido.”
Em suma, “o livre arbítrio do fumante não é
razão para excluí-lo do direito à indenização”92.
O item que segue focará sobre as demais
estratégias, além do marketing explícito, que seguem largamente
utilizadas para conquistar consumidores.
A estratégia da indústria do fumo para
continuar conquistando consumidores para seu produto e mantê-los cativos.
O principal objetivo das novas tecnologias
empregadas pela indústria do fumo é facilitar os primeiros contatos de
adolescentes com os produtos até que se estabeleça a dependência química. É
nessa perspectiva que se insere a tecnologia dos aditivos. Segundo dados
disponíveis, atualmente a indústria do tabaco utiliza 599 diferentes aditivos
nos seus cigarros93.
Nos documentos internos da indústria do tabaco
estão registrados dados fundamentais sobre a função da nicotina e sobre modos
de intensificar a velocidade de sua absorção pelos fumantes, com o objetivo de
torná-la mais potente em termos farmacológicos. A adição de amônia aos cigarros
figura como uma das mais importantes técnicas para aumentar o efeito da
nicotina, pois aumenta a quantidade de nicotina ‘livre’ na fumaça e, portanto,
a sua capacidade de atingir o cérebro94.
Ao chegar ao cérebro, a nicotina produz uma resposta cerebral química por meio
da liberação de dopamina e de outros neurotransmissores, que dão ao usuário a
sensação descrita como impacto (kick). Com o tempo, os receptores cerebrais do
fumante se condicionam à dose de nicotina esperada e, quando privados da sua
presença, levam o fumante a experimentar os sintomas da síndrome de abstinência95.
Um dos problemas ligados à adição desses
novos produtos, para tornar o cigarro mais atrativo, mais saboroso e mais
viciante, é que o cigarro tornou-se ainda mais perigoso. Recente relatório do
Surgeon General (maior autoridade em saúde pública norte-americana), de 2014,
revelou que o fumante tem hoje mais risco de ter câncer de pulmão do que tinha
em 1964, mesmo fumando menos cigarros!96
Mas se o argumento do livre-arbítrio é
inconsistente quando se fala de jovens e adolescentes que se iniciam no vício
de fumar, pelas razões que acima referimos, tampouco tem a consistência pretendida
pela indústria do fumo o mesmo argumento quando referidos a adultos, pelas
razões que passo a expor.
O argumento do livre-arbítrio e sua
relativização: o caso dos adultos.
Numa sociedade livre e democrática, em que se
reconhece ao indivíduo o direito de fazer opções, escolhas, mesmo que
prejudiciais a si próprio, o apelo filosófico e ideológico à liberdade sempre é
agregador97.
Todavia, olhando-se mais de perto o
argumento, percebe-se que não é tão sólido como os defensores da indústria do
fumo gostariam.
Baseado em informações provindas da
psicologia comportamental, da biologia, da sociologia, refere André Perin
Schmidt Neto98 que
“o ser humano define quem ele é, imitando características que ele deseja
possuir e aperfeiçoando-as à sua maneira”. Assim, aproveitando-se dessa
característica humana “os publicitários promovem um produto, associando-o a um
personagem famoso", de forma a criar no consumidor a ideia de que se
‘fulano’ consume aquele produto então ele também deve consumi-lo. Cita Guy
Debord (A sociedade do espetáculo) ao referir a infantilidade da
"necessidade de imitação que o consumidor sente". Tal comportamento
"tem uma lógica e um propósito: ser identificado por aqueles que comungam
dos mesmos valores”.
Tais informações, ainda que não propriamente
inéditas, são relevantes, à medida em que hoje se sabe quanto as multinacionais
do fumo investiram na indústria cinematográfica para povoar o imaginário das
pessoas com glamorosas cenas em que os protagonistas apareciam fumando.
Nos Estados Unidos, o famoso relatório de
1964 do Surgeon General tornou público que, do ponto de vista científico,
era absolutamente incontroverso que o tabaco fazia muito mal à saúde99.
Buscando neutralizar o impacto de tal relatório, a indústria tabagista procurou
apoiar-se nesse mecanismo psicológico a que aludimos, procurando explorar os
mecanismos da racionalização e da negação utilizados pelos fumantes, como deixa
claro memorando interno expedido pelo então Vice-Presidente Executivo da Philip
Morris: “No futuro, devemos dar respostas que ofereçam aos fumantes uma muleta
psicológica, uma racionalização para continuar fumando”. Entre as ‘muletas’ e
‘racionalizações’ propostas constavam questões de teor médico, como ‘mais
pesquisas são necessárias’ e ‘existem contradições’ e ‘discrepâncias’.100
Ou seja, a indústria do fumo de forma
deliberada e consciente usou de todos os recursos psicológicos disponíveis para
'vender' seu produto, buscando quebrar as barreiras de uma saudável liberdade
de escolha, neutralizando informações de que tal produto seria maléfico e
fornecendo falsas 'muletas' para neutralizar os alertas cada vez mais
abundantes e inequívocos provindos do meio científico.
Por outro lado, se é difícil ao jovem largar
o hábito de fumar, tal possibilidade não fica nada mais fácil à medida em que
ele envelhece, em razão do mecanismo do vício relacionado aos efeitos da
nicotina. E aqui, novamente, falar-se em livre-arbítrio é olimpicamente
desconhecer a realidade dos fatos.
E os fatos são os seguintes:
“A privação de nicotina, mesmo que por poucas
horas provoca sintomas de abstinência. Os receptores ‘dessensibilizados’ voltam
a ficar responsivos e disto decorrem os sintomas de ansiedade e estresse que em
geral levam o indivíduo ao desejo intenso de fumar – sensação de ‘fissura’.
Exatamente este desconforto provocado pela privação (reforço negativo)
associado à perda do prazer de fumar (reforço positivo), faz com que muitos
fumantes não tenham êxito nas tentativas de parar de fumar, mesmo motivados.
Deste modo, partindo-se do pressuposto que o conceito de livre-arbítrio não
pode ser aplicado quando a condição de dependência está presente, o fumante
adulto dependente de tabaco também não agiria sob esta condição ao continuar
fazendo uso de produtos de tabaco, apesar de conscientes dos riscos à sua
saúde. Este é, aliás, um dos critérios para caracterização da dependência, a
persistência no uso a respeito do conhecimento racional sobre os efeitos
prejudiciais à saúde.”101
Em acórdão da 8ª Câmara de Direito Privado do
TJSP (n. 379.261-4/5-00, julgado em 08.10.2008), em que se manteve decisão
condenatória da indústria do fumo, citou o redator do acórdão, Des. Joaquim
Garcia, artigo do médico Dráuzio Varella, publicado no jornal Folha de São Paulo,
intitulado “Mecanismo Diabólico”, no qual o conhecido médico refere que
“em artigo à revista Scientific
American, Josef DiFranza revê estudos que explicam as raízes bioquímicas
da dependência da nicotina e contradizem o dogma de que ela levaria anos para
escravizar o usuário. (...) Aqueles que conseguiram abster-se por apenas três
meses ou passaram décadas em abstinência, quando recaem voltam com a mesma
rapidez ao número de cigarros diários anteriormente consumidos. A dependência
da nicotina é uma doença crônica, incurável. O cérebro do fumante nunca mais
voltará ao estado original. A farmacologia não conhece droga que cause tamanha
dependência química. A nicotina não vicia por causar sensações inacessíveis aos
mortais que enfrentam o cotidiano de cara limpa. Inundar o cérebro com ela não
faz você experimentar a alegria do álcool, a onipotência da cocaína, o
relaxamento da maconha ou as visões do LSD. Não existe barato nem viagem. Você
fuma apenas para aplacar as crises de abstinência que a própria droga provoca a
cada trinta minutos. O único prazer de quem fuma é sentir a paz de volta ao
corpo suplicante, até que a próxima crise bata à porta para enlouquecê-lo.
Parece invenção de Satanás.”
Entre nós, o Instituto Nacional do Câncer, do
Ministério da Saúde, explica que a nicotina é uma substância psicoativa, isto
é, produz a sensação de prazer, o que pode induzir ao abuso e à dependência.
“Por ter características complexas, a dependência à nicotina é incluída na
Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde – CID
10ª revisão102.”
A dependência resulta do fato de que “com a ingestão continua da nicotina, o
cérebro se adapta e passa a precisar de doses cada vez maiores para manter o
mesmo nível de satisfação que tinha no início”. É o que se chama de tolerância
à droga, que compele o fumante, com o passar do tempo, a ter necessidade de
consumir cada vez mais cigarros103.
É por isso que se afirma que a liberdade
daquele que se inicia no hábito de fumar, bem como a liberdade de quem já é
fumante (para parar de fumar) são manifestações de vulnerabilidade. Esta se
manifesta seja pela idade do fumante (menores), por sua incapacidade, por
dependência (nicotina) ou mesmo em razão da vulnerabilidade informacional, por
ausência de informação (como ocorreu durante o século XX) ou informação
insuficiente, incompleta, imprecisa e sem credibilidade (no final do século XX
e no século XXI).104
A Economia Comportamental – EC - traz bons
insights para esse debate:
“A EC descreve a dificuldade humana com a
tomada de decisões intertemporais, assim definidas aquelas para as quais se faz
um pequeno sacrifício hoje, à espera de um benefício maior no futuro. Descreve,
igualmente, o chamado superotimismo humano, ou a crença dos indivíduos de que
eles são mais propensos ao acontecimento de boas coisas em suas vidas que nas
dos outros. Comprova, empiricamente, a afirmação de que, por vezes, as escolhas
dos seres humanos baseiam-se em compulsões, ódio, paixões, vícios e não
representam, exatamente, uma expressão de escolha livre. Confirmam o caráter
limitado da força de vontade humana. Demonstram que os seres humanos costumam
selecionar, em ter as opções possíveis, os argumentos que confirmam aquilo que
eles previamente desejavam como conclusão.
[...] É de se reconhecer, por outro lado, que
as seguintes afirmações são reconhecidamente corriqueiras entre os próprios
fumantes: ‘conheço alguém que fumou desde os 12 anos, hoje tem 90 e está
bem’ (utilizando um caso excepcional para confirmar a ideia que lhe
convém, em detrimento de inúmeras pesquisas sérias que comprovam ser essa
circunstância rara e que a grande maioria dos fumantes morre mal e prematuramente
em razão do tabaco); ‘fumo porque quero, paro quando
quiser’ (desconsiderando o caráter de vício do tabagismo e o fato de que a
suposta ‘escolha’ que ele faz cotidianamente está longe de representar
exercício de livre-arbítrio); ‘quero parar de fumar, mas, só hoje, estou
estressado, vou acender mais um cigarro’ (comprovando a necessidade humana
de satisfações instantâneas, em detrimento de maiores recompensas futuras);
entre tantos outros exemplos possíveis”105.
Se não há verdadeiro livre-arbítrio para
começar a fumar, será que existiria para parar de fumar? É a pergunta que
tentaremos responder a seguir.
Livre-arbítrio para parar de fumar?
Livre-arbítrio, na noção corrente, tem a ver
com a faculdade humana de determinar-se a si mesmo, sem sofrer coações ou
diretas influências externas. De forma autônoma, o indivíduo escolhe, dentre as
alternativas existentes, aquela que mais lhe convém. Diante de tal noção, será
que abandonar o vício de fumar seria uma simples questão de escolha, de livre
opção, uma simples questão de vontade? Se o cigarro vicia, como é induvidoso,
até que ponto é possível falar em livre-arbítrio do fumante no que diz respeito
à sua decisão de abandonar o vício?
Com a devida vênia daqueles que afastam a
responsabilidade da indústria do fumo, invocando o livre-arbítrio do fumante,
não há como superar o consenso científico a respeito do poder viciante da
nicotina. No relatório publicado em 1988, intitulado Nicotine
Addiction, o Surgeon General, que é maior autoridade de saúde
pública dos Estados Unidos, reconheceu que ‘cigarros e outras formas de tabaco
são viciadores’, que ‘a nicotina é droga que causa vício’ e que
‘características farmacológicas e comportamentais que determinam o vício tabagístico
são semelhantes àqueles que determinam o vício em drogas como heroína e
cocaína’106.
As próprias fabricantes de cigarro
recentemente passaram a admitir que parar de fumar é difícil107.
Pesquisa efetuada junto à Universidade de
Iowa/USA envolveu pacientes acometidos de um tipo específico de lesão cerebral
(no córtex prefrontal ventromedial). Tais pacientes mantinham preservada sua
capacidade cognitiva, mas eram incapazes de se conduzir de acordo com tal
conhecimento abstrato. Um dos pesquisadores, Antoine Bechara, disse
textualmente (em tradução livre) que “é como o vício em drogas. Viciados podem
articular muito bem as consequências do seu comportamento. Mas não conseguem
agir de acordo. Isto se deve a um problema no cérebro. Danos na área
ventromedial causa uma desconexão entre o que você sabe e o que você faz”108.
Portanto, o simples fato do viciado em nicotina ter consciência dos males
associados ao fumo não o impede de continuar fumando. Mas isso não se explica
como sendo um ato de liberdade, de livre-arbítrio, mas sim pela precisa falta
de liberdade de se livrar do vício da nicotina.
Assim, do ponto de vista científico, não há,
pois, como negar que o tabagista é vítima de uma síndrome de dependência que se
caracteriza por um intenso desejo de tomar a droga, pela
impossibilidade/dificuldade de controlar o consumo e pela manutenção do uso,
apesar das suas consequências nefastas109.
Documento oficial da União Europeia a
respeito dos malefícios associados ao fumo e as graves consequências sociais e
econômicas daí derivadas refere que a dependência do tabaco é caracterizada
como uma verdadeira doença crônica, com altas taxas de reincidências de quem
tenta parar de fumar.110
Pesquisa realizada na Nova Zelândia mostrou que, por volta dos 18 anos, 75% dos
adolescentes fumantes se arrependem de terem começado, e metade já tentou parar
de fumar111.
No Brasil, esse número é inclusive superior: 80%112.
Também já está fartamente documentado que a
maioria dos fumantes identifica o risco do tabagismo e expressa o desejo de
deixar o consumo. Todavia, 85% dos que tentam deixar de fumar sozinhos recaem
dentro de uma semana113.
Diante desses dados, fica muito difícil
continuar a falar em livre-arbítrio no sentido de que as pessoas fumam porque
querem, no exercício de sua liberdade e autonomia, podendo parar de fazê-lo
quando assim bem entenderem.
De fato, recente pesquisa científica do International
Tobacco Control (ITC)114,
divulgada em maio de 2013, envolvendo coleta de dados entre os anos de 2009 e
2013, revelou que entre os fumantes, 87% responderam que se arrependem de ter
iniciado o consumo do tabaco. A percepção de insatisfação com o ato de fumar,
revelada depois de constatado o vício, demonstra um elemento que corrói o
núcleo das generalizações que correlacionam fumo/prazer/livre-arbítrio. Assim,
torna-se inconciliável a manutenção do postulado que defende o ato de fumar
apoiado em um gozo livre e prazeroso, se as constatações percebidas do
indivíduo que fuma apresentaram a percepção de arrependimento, associando o
hábito mais a um vício que ao exercício de uma liberdade115.
As indústrias do fumo sabem perfeitamente
disso. Tanto que a juíza Kessler, em sua sentença, identificou claramente
documentos que comprovam que os produtores de cigarro sabem o quanto a nicotina
embota e anula o livre-arbítrio. Disse ela, no item 1269 de sua sentença: “O
memorando interno do Tobacco Institute de 9.09.1980 alerta que, se as
empresas-membro reconhecessem publicamente que a nicotina é viciante, isso
anularia seu argumento de defesa – que a decisão de fumar é de ‘livre-arbítrio’...”.116
Não se pode olvidar, tampouco, que o
exercício do livre-arbítrio supõe consciência. Consciência pressupõe
informações suficientes, claras, adequadas e sem falsificações das opções
existentes e de suas consequências. E isso está longe de ter ocorrido, como se
verá na sequência.
O exercício do livre-arbítrio supõe
informações suficientes e adequadas.
É possível se perguntar se, diante da
espantosa capacidade de prejudicar do cigarro, teria o consumidor real
consciência de todos os males a que está exposto?
Uma coisa é saber que “o cigarro faz mal” e
que “causa câncer” como noção abstrata; outra coisa é saber, concretamente, se
quem começa a fumar sabe de tudo isso, já que o normal é a pessoa imaginar que
os males potenciais e futuros só acontecerão aos outros117.
De fato, aprofundando-se a questão da
informação sobre os riscos associados ao hábito de fumar, pode-se dizer que
existem quatro níveis de informações, segundo Clarissa Homsi118:
no primeiro nível, as informações são elementares: o indivíduo já ouviu falar
que fumar aumenta os riscos à saúde, nas não consegue identificar que riscos
são esses; no segundo nível, o indivíduo é capaz de identificar algumas das
doenças causadas pelo tabagismo, como câncer de pulmão e enfisema pulmonar, mas
não sabe as consequências de ser acometido por essa doença; no terceiro nível
de informação, o sujeito tem conhecimento da severidade da doença, seus
sintomas e consequências, das chances de sobrevida, e do risco relativo de
contrair uma doença em decorrência do tabagismo. Pesquisa realizada na
Austrália revelou que apenas um terço dos fumantes crê que tenha riscos de
morrer em razão do tabagismo. No quarto nível de informação está o indivíduo
que consegue concordar que fumar aumenta os seus próprios riscos de ter uma das
doenças causadas pelo tabagismo.
Isto porque, não obstante as pessoas saibam
que o tabagismo faz mal, consideram os outros como possíveis vítimas, excluindo
a si próprio, inclusive através de crenças que contribuem para manter-se
fumando, como a ideia, assaz difundida, de que tudo causa câncer hoje em
dia.
Segundo Homsi, somente se pode considerar
como adequadamente informados os indivíduos situados nos níveis 3 e 4.
Daí porque, sustenta a autora, a ideia de que todos sabem que fumar faz
mal não pode, portanto, servir de argumento para deixar-se de fornecer ao
consumidor informações essenciais sobre os riscos do produto.
Não se pode olvidar, por outro lado, mesmo
que se reconheça que de algum tempo para cá, em quase todos os países foram os
fabricantes obrigados a informar o fumante sobre as doenças
tabaco-relacionadas, é ainda nítida a assimetria informacional entre as partes
(fabricante-consumidor). As informações não podem ser genéricas, mas sim
adaptadas a cada tipo de consumidor, diferenciando aquelas destinadas aos
adolescentes, aos idosos, aos analfabetos, às gestantes, às pessoas de baixa
renda e outros, sempre levando em conta a situação existencial de cada um,
conforme os grupos a que pertence. Não nos esqueçamos, também, que há pouco
espaço para ilusão nessa temática: os fabricantes de cigarro somente passaram a
advertir acerca dos danos causados à saúde, nos maços de cigarro, em razão de
determinação legal, jamais de forma espontânea e leal para com seus
consumidores. Além disso, tais advertências são ineficientes quando comparadas
com as vultosas estratégias de marketing, como acontece, por exemplo, com
o patrocínio de eventos televisionados para todo o globo. Além disso, ao
adicionarem substâncias aditivas nos cigarros, aniquilam o livre-arbítrio do indivíduo,
o que neutraliza as instruções, aconselhamentos ou advertências119.
Sobre essa assimetria informacional, outros
autores referem que se o conhecimento dos consumidores sobre os males do
cigarro é amplo e inespecífico, o mesmo não se pode dizer, em absoluto, dos
fabricantes, que conhecem como ninguém, concreta e cientificamente, os
potenciais danos devastadores para a saúde humana do produto que continuam a
disponibilizar120.
Além disso, a afirmação de que os fumantes
estão plena e adequadamente informados sobre os riscos que correm é falsa. E
isto pelo simples fato de que ainda hoje novas doenças são relacionadas ao
tabagismo, desmistificando a ideia de haver um conhecimento sedimentado sobre
os riscos que acarreta à saúde121.
De fato, temos como evidente que
livre-arbítrio supõe conhecimento integral das circunstâncias inerentes a
determinado produto122,
o que, pelo que hoje se sabe, inexiste, pois a cada nova pesquisa se revela
novos malefícios atrelados ao tabagismo.
Outros argumentos esgrimidos pela
demandada.
Nestes autos, como em outros em que o mesmo
tema é tratado, outros argumentos menores são trazidos à baila pela defesa,
como o fato de se tratar de atividade lícita, que gera empregos e paga
tributos, estimulando, ainda a fumicultura. Esse tipo de argumento
obviamente não se sustenta e não merece análise detida. Isso porque os tribunais
estão abarrotados de demandas envolvendo danos decorrentes de atividades
regulares e lícitas. Mas se delas resultarem danos, pretensões reparatórias são
logicamente cabíveis. É verdade, também, que as indústrias do fumo pagam muitos
tributos, mas também é certo que o custo econômico causado à previdência social
somente em razão de tratamentos de doenças relacionadas ao fumo supera em muito
o valor desse ingresso.
De fato, no ano de 2008 o custo para o SUS
das doenças tabaco-relacionadas foi da ordem de 20,6 bilhões de reais – o que
representou 30% do orçamento do Ministério da Saúde para aquele ano123.
Tal valor foi 3,5 vezes superior à arrecadação de impostos incidentes sobre
produtos do tabaco, segundo denunciou a Associação Médica Brasileira124.
Dados mais recentes apontam para o
crescimento desse déficit, pois o gasto compreensivo do SUS com os custos
do tratamento das patologias tabaco relacionadas “custam R$39 bilhões ao país”,
além de outros R$17 bilhões que a Previdência Social deve suportar para “cobrir
as perdas de produtividade com incapacidades e pensões pagas aos familiares por
mortes prematuras decorrentes do tabagismo”. “Todo este custo leva a perdas
anuais de R$56,9 bilhões aos cofres públicos, o equivalente a ‘% do PIB do
Brasil”.125
Portanto, para a sociedade civil como um
todo, mesmo examinando-se apenas os aspectos econômicos envolvidos, a indústria
do fumo é um peso (literalmente) morto, não um benefício. E isso sem falar dos
dramas humanos envolvidos – com mortes lentas e dolorosas para os diretamente
envolvidos e dor e sofrimento para os incontáveis parentes daqueles126.
Vê-se, portanto, que a equação supra está a
revelar que a indústria do fumo privatiza os lucros e socializa os custos127,
suportados, em grande parte, pelo Sistema Único de Saúde (e indiretamente por
toda a sociedade).
Sobre o argumento da licitude da atividade,
refere corretamente Clarissa Homsi que “evidentemente que essa é uma não
questão, já que todas as atividades que ensejam uma relação de consumo
normatizada pelo Código de Defesa do Consumidor são atividades lícitas. A
prevalecer esse raciocínio, nenhuma empresa lícita seria obrigada a indenizar
consumidores lesados”128.
Na mesma toada posiciona-se Lúcio Delfino, ao
referir que o pressuposto da ilicitude, para fins de responsabilidade civil,
não deve ser focado na atividade exercida pelo fornecedor, mas sim
no exercício ou resultado dessa atividade. “A valer,
o ilícito, que dá margem a indenizações pelo fato do produto ou
serviço, no âmbito das relações de consumo, não se vincula a uma suposta
ilicitude da atividade exercida pelo fornecedor, mas, sim, a imperfeições
ligadas ao próprio produto ou serviço lançado ou praticado no mercado”. Daí,
prossegue o autor mais adiante, “pouco importar a licitude da atividade de
cultivo, industrialização e comercialização do fumo, na imputação da
responsabilidade civil às empresas do tabaco, nos casos atinentes à
problemática objeto de exame. Se é possível, por exemplo, responsabilizar-se
uma montadora de veículos por danos advindos de uma imperfeição de peça
instalada num automóvel por ela fabricado, ou, ainda, condenar-se uma
fornecedora de alimentos por danos sofridos por um consumidor em decorrência do
consumo de maionese deteriorada por ela produzida, da mesma forma apresenta-se
legítimo responsabilizar-se as empresas de fumo pelos danos acarretados pelo
consumo de produtos fumígenos dotados de imperfeições jurídicas. A
ilicitude, portanto, reside na imperfeição do produto (extrínseca ou
intrínseca), e não na atividade necessária à sua produção e/ou
comercialização”.129
Também Rui Stoco, embora desfavorável à responsabilização
da indústria fumageira por outras razões, sustenta que “o só fato de uma
atividade ser lícita não se apresenta como fator de irresponsabilidade”130.
Veja-se que esse entendimento está em
conformidade inclusive com a recente reforma do Código Civil Francês, efetuada
pela Ordonnance n. 2016-131, de 10 février 2016, que deu ao art.
1245-9 a seguinte redação:
“Le producteur peut être responsable du défaut
alors même que le produit a été fabriqué dans le respect des règles de l'art ou
de normes existantes ou qu'il a fait l'objet d'une autorisation
administrative.” (em tradução livre: O produtor pode ser responsabilizado pelo
defeito mesmo quando o produto foi fabricado com observância das regras da arte
ou das normas existentes ou através de uma autorização administrativa)
Relativamente ao caso em tela, é
incontroverso que o marido da autora faleceu em razão de DPOC – Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica, tendo o atestado de óbito, bem como a perícia realizada,
vinculado tal doença ao fato de que fumara ele por mais de 30 anos.
Essas informações concretas estão
perfeitamente em sintonia com o saber científico hoje disponível.
Realmente a publicação intitulada “Evidências
Científicas sobre Tabagismo para Subsídio ao Poder Judiciário”, publicado
conjuntamente pela Associação Médica Brasileira, pelo Ministério da Saúde, pelo
Instituto Nacional de Câncer e pela Aliança de Controle do Tabagismo traz dados
impressionantes sobre os malefícios relacionados ao tabagismo. A
publicação desse trabalho ocorreu em março de 2013 e está baseada em 283
trabalhos científicos internacionais, devidamente citados, representativos de
consensos consolidados no mundo científico. Dados também foram extraídos
da “Convenção-Quadro para o controle do Tabaco”, documento internacional
patrocinado pela Organização Mundial da Saúde – OMS, e que está em vigor no
Brasil desde 2006.
Desse documento extraem-se as seguintes
informações, também aplicáveis ao caso concreto (especialmente nos trechos
negritados):
- A OMS – Organização Mundial de Saúde –
classifica o tabagismo como uma doença (CID-10): “transtorno mental e
comportamental decorrente do uso de substância psicoativa”;
- “O tabagismo é uma doença multifatorial, em
que o principal componente é a dependência da nicotina”;
- A OMS classifica a NICOTINA como substância
psicoativa (estimulante), que causa dependência química;
- A dependência “é caracterizada pelo uso e a
necessidade, tanto física como psicológica, de uma substância psicoativa,
apesar do conhecimento de seus efeitos prejudiciais à saúde”;
- “A partir da instalação da
dependência, a capacidade de decidir de forma livre e autônoma está
comprometida”;
- “O fumante é uma pessoa que contraiu uma
doença crônica, uma dependência química à nicotina, que o obriga a se expor a
mais de 4.700 substâncias tóxicas”;
- “A nicotina chega ao cérebro entre 7 a 19
segundos” e acarreta a liberação de dopamina, que leva a uma sensação de prazer
e euforia. “O fumante não fuma porque quer, e sim porque precisa repor
nicotina”;
- “O fumante, como dependente químico que é,
não tem domínio e nem racionalidade quanto à sua dependência. O indivíduo
fumante continua fumando porque tem muita dificuldade de livrar-se da
dependência à nicotina e, em muitas circunstâncias, não tem como vencer a
verdadeira pressão interna que os receptores nicotínicos cerebrais exercem
sobre o seu comportamento e a sua vontade”;
- “O relatório ‘Consequências do Tabagismo
para a Saúde’, publicado em 2004, pelo ‘Surgeon General’ (Deptº de Saúde dos
EUA), concluiu que há evidência suficiente para inferir uma relação de nexo
causal entre tabagismo e os cânceres de pulmão, laringe, cavidade oral,
faringe, esôfago, pâncreas, bexiga, rins, colo uterino e estômago, e leucemia
mieloide aguda”;
- “O tabaco é o principal fator para a DPOC,
gerando tanto a inflamação crônica das vias aéreas (bronquite tabágica) como a
doença degenerativa dos alvéolos (enfisema pulmonar)”;
- “Fumar é a principal causa de doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)”;
- “Em 1984, o relatório do “Surgeon General”
do Departamento de Saúde dos EUA, concluiu que 80% a 90% da morbidade da DPOC
são atribuíveis ao consumo de cigarros”;
- “O risco da DPOC em fumantes é
dose-relacionada”;
- “Em torno de 15% dos indivíduos que fumam
um maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC,
85% dos diagnósticos da DPOC tem origem tabágica”;
- “O risco de o fumante desenvolver DPOC está
diretamente relacionado com a carga tabágica durante a vida”;
- “Toda exposição ao fumo do tabaco, até
mesmo o consumo de um cigarro ocasional ou exposição passiva à fumaça, é
prejudicial à saúde”;
- “Há mais de 60 substâncias cancerígenas
identificadas na fumaça do tabaco, que causam, iniciam ou promovem o câncer de
vários órgãos”;
- Identificam-se “55 doenças relacionadas ao
tabagismo, atingindo os aparelhos respiratório, cardiovascular, digestivo e
gênito-urinário”;
Em artigo científico mais recente131,
relativamente ao DPOC – a doença que acarretou a morte do marido da autora –
reforçam-se as informações supra:
“Força de Evidência [A, B]: a evidência é suficiente
para inferir que o tabagismo é a causa dominante de doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC) em homens e mulheres. Há evidências de dose resposta, com
aumento do risco de desenvolvimento da DPOC em razão direta com a quantidade de
cigarros, a idade de início, e o estado atual do tabagismo.
Fatos documentados cientificamente:
- Em torno de 15% dos indivíduos que fumam um
maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC. O
risco atribuível ao tabaco na gênese da DPOC situa-se entre 80-90%.
- O risco de morte por DPOC aumenta em função
do número de cigarros fumados por dia e do número de anos fumados.”
Poder-se-ia resumir tudo isso reproduzindo
trecho em que se afirma que “segundo a OMS, os produtos de tabaco são os únicos
produtos legais que não trazem nenhum benefício para seus consumidores e matam
cerca de 50% deles quando consumidos conforme orientações dos fabricantes”.
Tenho ser impossível não levar a sério tais
dados e estatísticas, que representam consensos científicos avalizados e
convalidados universalmente e legitimados por órgãos públicos de inúmeros
países, bem como pela própria Organização Mundial da Saúde – OMS.
Tão preocupante é a situação que a própria
Organização Mundial da Saúde – OMS – escolheu o controle do tabaco para ser
objeto da primeira Convenção Internacional liderada por ela, exatamente pela
sua relevância para a saúde humana. De fato, “há duas preocupações trazidas
pelo uso do tabaco que o afastam dos demais produtos causadores de danos à saúde
e que o tornam extremamente único e prejudicial. Tais preocupações são: (i) o
fato de o tabaco conter elementos desencadeadores de dependência química e (ii)
de seu uso causar danos imediatos àqueles que estão próximos aos consumidores
de tabaco, ou seja, o dano causado à saúde do fumante passivo. Não há,
ressalte-se, em nenhum outro produto essa combinação representada pela soma da
dependência com os danos diretos a terceiros”132.
Da referida Convenção resultou o Tratado
Internacional sobre o controle do tabaco, batizado de Convenção-Quadro sobre
controle do uso do Tabaco, assinado pelo Brasil, ratificado pelo Senado Federal
pelo Decreto Legislativo em 27.10.05 e promulgado pelo Decreto Presidencial n.
5.658, de 02.01.2006. Referida Convenção foi assinada por 168 países, o que a
torna um dos tratados mais amplamente adotados na história das Nações Unidas.
Pois essa mesma Convenção-Quadro, fruto de
tão amplo consenso, destaca, em seu preâmbulo, as razões que levaram a OMS a
capitanear tão importante iniciativa:
“Reconhecendo que a propagação da epidemia do
tabagismo é um problema global com sérias consequências para a saúde pública,
que demanda a mais ampla cooperação internacional possível e a participação de
todos os países em uma resposta internacional eficaz, apropriada e integral;
Tendo em conta a preocupação da comunidade
internacional com as devastadoras consequências sanitárias, sociais, econômicas
e ambientais geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco, em todo
o mundo;
...
Reconhecendo que a ciência demonstrou de
maneira inequívoca que o consumo e a exposição à fumaça do tabaco são causas de
mortalidade, morbidade e incapacidade e que as doenças relacionadas ao tabaco
não se revelam imediatamente após o início da exposição à fumaça do tabaco e ao
consumo de qualquer produto derivado do tabaco;
Reconhecendo ademais que os cigarros e outros
produtos contendo tabaco são elaborados de maneira sofisticada de modo a criar
e a manter a dependência, que muitos de seus compostos e a fumaça que produzem
são farmacologicamente ativos, tóxicos, mutagênicos, e cancerígenos, e que a
dependência ao tabaco é classificada separadamente como uma enfermidade pelas
principais classificações internacionais de doenças;
Admitindo também que há evidências
científicas claras de que a exposição pré-natal à fumaça do tabaco causa
condições adversas à saúde e ao desenvolvimento das crianças; (...)”133
Reproduzo, aqui, o que referi no voto
anterior, sobre outro argumento defensivo, qual seja, a de que o
cigarro não seria produto ‘defeituoso’, nos termos do CDC (art. 12), pois se
trata de periculosidade inerente. Não haveria defeito de concepção, de
fabricação, nem de informação.
Uma das linhas defensivas comumente invocadas
pela indústria fumageira consiste em que o cigarro conteria
uma periculosidade inerente e, portanto, seria considerado normal e
previsível, enquadrando-se na segunda parte do art. 8º do CDC, verbis:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado
de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos
consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência
de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese,
a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Segundo a doutrina consumerista, nos casos de
risco inerente, a qualidade do produto reside justamente em sua inafastável
periculosidade. Sejam exemplos: quanto mais corta uma faca, mais eficiente ela
é, e também mais perigosa; um veneno para insetos é tanto mais eficiente quanto
mais perigoso for (para os insetos). Outro exemplo seria um remédio potente
contra uma grave patologia – pense-se na quimioterapia, contra o câncer - : os
efeitos benéficos (controle ou cura do tumor) quase sempre são acompanhados de
importantes efeitos colaterais (náusea, queda de cabelo, baixa do sistema
imunológico, emaciamento da pele, etc).
Todavia, como bem pontua Lúcio Delfino, “não
é o cigarro, entretanto, um produto de risco inerente. Não se pode considerar
os riscos de seu consumo como normais, em decorrência de
sua natureza e fruição.(...) Só haveria alguma lógica em
tal argumento se a sociedade brasileira estivesse adequadamente informada a
respeito dos malefícios do tabaco, e efetivamente tivesse consciência dos males
que os produtos dele derivados acarretariam à saúde daqueles que o consumissem”134.
Quanto ao item fruição, ainda mais
evidente a ausência de periculosidade inerente ao cigarro. Como
referiu o autor, em uma das primeiras monografias nacionais sobre o tema,
“Fruir quer significar gozar, desfrutar. quem fuma não tem como
pretensão desfrutar, no futuro, um câncer no pulmão ou uma diminuição
do desejo sexual. Não pretende, logicamente, perder grande parte da
sensibilidade de seu paladar ou, ainda, gozar um envelhecimento precoce. Não
existe no fumante o desejo de, ao adquirir um maço de cigarros, depreciar sua
saúde ou de buscar sua morte prematura (...). Embora a maior característica do
cigarro seja matar ou debilitar seus consumidores, essa não é a expectativa de
quem o está adquirindo ou utilizando”. 135
Além disso, facas, bisturis, venenos,
explosivos, inflamáveis, remédios e outros produtos usualmente lembrados como
contendo uma periculosidade inerente, são todos produtos socialmente úteis,
quando usados corretamente para o fim a que se destinam, o mesmo não se podendo
dizer do cigarro.
De qualquer sorte, “não deixa de ser curiosa
a postura ambígua da indústria do fumo: defendeu, aqui e lá fora, durante
décadas, que o produto não era tão perigoso como diziam, que não causava
dependência ou, se fazia mesmo mal, isso não era do conhecimento deles. Mudaram
agora a estratégia argumentativa: assumem – como não mais poderiam deixar de
fazer – que se trata de produto perigoso. Mas dizem que é exatamente por isso
que não devem indenizar, porque todos sabem dos perigos que correm. (...) Outro
ponto que não costuma ser observado é o seguinte: uma coisa é aceitar que um
produto possa não ofertar segurança absoluta – isso é periculosidade
inerente. Outra, bem diversa, é introduzir no mercado de consumo, de modo
contínuo e consciente, um produto cuja segurança inexiste e cujos
malefícios são absolutamente certos”136.
Assim, é
possível se sustentar a incidência do CDC, em razão da:
(1) omissão de informação adequada e clara
sobre as características, composição e riscos (vício de informação);
(2) publicidade insidiosa e hipócrita,
adotada por décadas, vinculando o cigarro a situações como sucesso
profissional, beleza, prazer, requinte, etc. Tal publicidade oculta,
subliminar, continua.
(3) introdução no cigarro de substância
aditiva (nicotina), que compele o usuário a usar mais e mais o produto, não por
uma escolha consciente, mas sim em razão de necessidade química.
Quanto ao fato de que atualmente o próprio
maço de cigarro contém advertência sobre os malefícios associados ao hábito de
fumar, é de se lembrar que “quem cumpre, no caso, os deveres de informar o consumidor
não é propriamente o fabricante, mas o Estado, através de normas que determinam
a inserção desses ou daqueles dizeres ou fotos. Tanto isso é verdade que esses
dizeres ou fotos só passaram a ser incluídos nos maços por determinação legal,
com forte lobby contrário feito pela indústria do fumo. Podemos
considerar cumprida, nessa hipótese, os deveres anexos, dentre os quais se
colocam os deveres de esclarecimento? Há, na hipótese, violação aos princípios
da informação, transparência, segurança, boa-fé objetiva e, de modo mais
específico, venire contra factum proprium. (....) Além disso, as
campanhas pedagógicas e esclarecedoras sobre o tema, aliás, partem do Estado,
não dos fabricantes. Não há, portanto, em absoluto, como considerar que a indústria
do fumo cumpre o dever de informar de modo suficiente e adequado.”137
O CDC prevê ser direito básico do consumidor
(art. 6º, I e VI) a “proteção da vida e saúde contra os riscos provocados pelo
fornecimento de produtos considerados nocivos” e a “efetiva prevenção e
reparação de danos patrimoniais e morais”.
Além disso, mesmo que fosse descartada a
aplicação do estatuto consumerista e se aplicasse apenas a legislação civil,
não se pode olvidar que há obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único)
e que o art. 931 do Código Civil prevê que “os empresários individuais e as
empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos
produtos postos em circulação.”
Aqui, neste último dispositivo, não se alude
a defeito do produto, como o faz a legislação consumerista. Ainda que
não se possa interpretá-lo literalmente, fato é que, a rigor, há base legal
expressa para a responsabilização das indústrias fumageiras. Diante do
claríssimo enquadramento da situação delas na moldura do art. 931 do CC, elas é
que teriam o ônus de afastar a incidência da norma, demonstrando que seu
produto não causou o dano em questão ou demonstrar alguma outra causa de
exclusão da responsabilidade.
Igualmente reproduzo a refutação a outro
argumento da defesa, no sentido da alegada inaplicabilidade do CDC a fatos
ocorridos em décadas anteriores; assim, inexistia dever de informar antes da
legislação impositiva de tal obrigação.
Realmente, certo ou errado, consolidou-se o
entendimento de que o CDC não poderia se aplicar a fatos ocorridos
anteriormente à sua vigência – e não só para questões relativas ao tabagismo.
Mas isso em relação aos contratos celebrados
anteriormente à edição do CDC.
Relativamente às relações duradouras
iniciadas anteriormente, mas que persistem durante a vigência do CDC, este é
aplicável. Portanto, nada impede que o estatuto consumerista venha a ser
aplicado para reger os relacionamentos iniciados antes de 1990 mas que se
prolongaram após a vigência do CDC.
É o que sustenta, por exemplo, Lúcio Delfino,
ao esclarecer que “o fumante, hoje acometido por enfermidades associadas ao
tabaco (ou falecido em virtude do consumo de cigarros), provavelmente praticou
o tabagismo décadas antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor; no
entanto, os efeitos maléficos à sua saúde surgiram após a publicação do
referido estatuto legal. Naquelas situações que nasceram sob o império de lei
antiga, mas continuam a produzir seus efeitos sob o da lei nova (efeitos
futuros das situações jurídicas), verifica-se que a lei novel aplica-se
imediatamente, mesmo aos efeitos futuros das situações nascidas sob o império
da lei anterior”138.
Em obra mais recente, Lúcio Delfino conclui
que “a) no desato de demandas que questionam a responsabilidade civil da
indústria do fumo, é pertinente a aplicação imediata do CDC nas
situações em que consumidores adquiriram doenças associadas ao tabaco (ou
vieram a falecer) após a sua publicação (março de 1991), mesmo que tenham
principiado o consumo de cigarros antes disso; e b) publicidades disseminadas
antes de março de 1991 ainda assim poderão ser consideradas ilegais, seja com
assento no CDC, quando as consequências negativas de sua apresentação tenham
surgido após a sua entrada em vigor, seja com fundamento na boa-fé
objetiva, mesmo se os danos ocorreram antes da mencionada data (exercício
irregular de um direito).”139
Realmente, o princípio da boa-fé objetiva –
um dos mais importantes princípios do direito obrigacional, consumerista ou não
-, exatamente pela sua natureza principiológica, não exige expressa positivação
legal, podendo ser inferido de uma leitura sistemática do ordenamento jurídico.
E uma das funções mais importantes da boa-fé,
como se sabe, consiste não só no dever de informar e esclarecer os potenciais
contratantes, como também zelar pela incolumidade física e patrimonial do
outro.
Clóvis do Couto e Silva, o pioneiro
divulgador, entre nós, do conteúdo e efeitos da boa-fé, já defendia a presença
da boa-fé entre nós mesmo na vigência do CC/16140.
Em obra anterior, clássica141,
o grande mestre da Faculdade de Direito da UFRGS, já advertira: “A
inexistência, no Código Civil, de artigo como o § 242 do BGB, que consagra o
princípio da boa-fé objetiva no direito alemão, não obsta a sua vigência em
nosso direito das obrigações, pois se trata de proposição jurídica com
significado de regra de conduta e sua aplicação pode ser o resultado de
necessidades éticas essenciais ainda quando faltem disposição legislativa
expressa.” E, reafirmando tal posicionamento, arremata dizendo “que a boa-fé,
como proposição fundamental de direito, tem vigência e aplicação,
independentemente de haver sido recebida como artigo expresso em lei”. E, um
pouco mais adiante, mais uma alusão: “Ao contrário do que sucede com o
princípio da boa-fé, os usos do tráfico, para incidirem como norma, necessitam
de recepção legislativa”.
Uma de suas mais destacadas discípulas, a
jurista com luz própria, Cláudia Lima Marques142,
também refere que “no Brasil, a conduta das partes sempre deve ser conforme a
boa-fé, mesmo antes do CDC e do CC/2002.”143 Um
dos efeitos mais importantes do princípio da boa-fé, como se sabe, é justamente
o dever de informar. Ora, prossegue, a preclara jurista, “se o fabricante sabe
que seu produto causa dano em 50% de seus fumantes, tem e tinha o dever
pré-contratual e de lealdade e informar, a fim de possibilitar a livre escolha
de contratar ou não, ainda mais se – como o tabaco – o produto causa
dependência ou possui um risco intrínseco. Ou, como afirmavam os romanos, para
se proteger de um perigo, somente sabendo deste: ‘adversus periculum naturalis
ratio permitit se defendre’ (Gai. D. 9,2, 4 pr).”
Por último, mesmo que se descartasse a
aplicação do CDC às hipóteses em que a pessoa teria começado a fumar antes de
sua vigência, isso não significa minimamente a ausência de instrumentos
jurídicos para a responsabilização da indústria fumageira, como já se sinalizou
acima.
Dentro da dogmática tradicional, pode-se
lembrar o magistério do saudoso jurista português, Cunha Gonçalves144,
ao tratar do tema da responsabilidade por omissão, identificando três
hipóteses: a) abstenção pura e simples; b) omissão de deveres funcionais ou nos
serviços públicos; e c) omissão na ação.
Quanto a esta última, referiu que a abstenção
de um dever jurídico não é somente a omissão de um dever expressamente
preceituado na lei, pois há deveres jurídicos não previstos concretamente na
lei, mas consubstanciados nos dois velhos princípios gerais de
direito: neminem laedere, suum cuique tribuere.
Portanto, de tal passagem se pode extrair que
a indústria fumageira é responsável por ter sido omissa ao não advertir de forma
clara e completa seus potenciais consumidores, pois o princípio imemorial de
que não se deve lesar a ninguém impunha que agisse.
A tardia admissão de uma
responsabilidade.
Após ter se tornado cientificamente
incontroversa a relação entre o tabagismo e a contração de inúmeras doenças, e
após ter sido publicizado o fato de que por décadas a indústria do fumo, já
sabedora de tal relação, continuava a negar a mesma, sonegando e falsificando
dados, a indústria do fumo não teve alternativa senão reconhecer (até por força
das condenações judiciais e acordos celebrados com órgãos governamentais),
embora tardiamente, os malefícios ligados ao produto por ela lançado no
mercado. De fato, a própria British American Tobacco, a maior
empresa global de produção de cigarros e dona da Souza Cruz, a líder
brasileira, no seu site oficial, reconhece expressamente os males associados ao
consumo do cigarro e afirma que “a única forma de evitar os riscos do cigarro é
não fumar”, ou seja, não há níveis seguros de consumo do fumo. O texto que se
encontra no site da B.A.T. sob a aba “Our Products” e, dentro dela, a aba “The
health risks of our products”, encontra-se igualmente no site da Souza Cruz, a
subsidiária brasileira da B.A.T., sob a aba “Nossos produtos”, e, dentro dela,
na aba “Saúde”145,
mas em versão mais amena. Eis parte de seus termos:
“Saúde
A Souza Cruz reconhece os riscos à saúde
associados ao consumo de produtos derivados do tabaco. (...)
Riscos reais
O cigarro é a forma mais comum de consumo do
tabaco. No entanto, também é a que tem mais riscos associados. A queima de
qualquer planta – e não do tabaco exclusivamente – produz milhares de novos
componentes químicos, sendo parte deles tóxicos.
As conclusões a respeito dos riscos de fumar
foram obtidas por meio de estudos epidemiológicos, que utilizam estatísticas
para analisar efeitos em grandes grupos, ao invés de indivíduos isolados. No
curso dos anos, foi possível identificar de forma consistente uma incidência maior
de determinadas doenças entre fumantes em comparação com os não-fumantes.
Esses estudos também relataram que os riscos se reduzem após abandonar o
consumo de cigarros.
(...)
A única maneira de evitar o risco à saúde
associado ao ato de fumar é não fumar e a melhor forma de diminuir esses riscos
é parar de fumar.
Parar de fumar
A Souza Cruz entende que todas as pessoas são
capazes de parar de fumar, desde que estejam realmente determinadas e motivadas
para tanto. Estatísticas de autoridades mundiais de saúde pública demonstram
que milhões de fumantes em todo o mundo já deixaram o cigarro sem qualquer
ajuda profissional, mesmo antes da existência de quaisquer medicamentos para
auxiliá-los.”
“As well as
being the most common way of consuming tobacco, cigarettes are also the most
harmful. Burning any plant material like tobacco turns thousands of plant-based
compounds into thousands of new compounds, some of which are toxic. Inhaling
the smoke that contains these toxicants causes the overwhelming majority of
smoking-related diseases.
Along
with the pleasures of smoking, there are real risks of serious diseases such as lung cancer, respiratory disease and
heart disease, and for many people, smoking is difficult to quit.
What
people should consider about the risks of smoking:
Smoking is a
cause of various serious and fatal diseases.
The health
risks in groups vary by the amount smoked, being highest in those that smoke for
more years and smoke more cigarettes per day.
The risks
reduce in groups of people who quit smoking, and the reductions increase from
quitting earlier.
Experts
advise no smoking during pregnancy – and we agree.
The only way
to be certain of avoiding the risks of smoking is not to smoke.”
Acessando-se o hiperlink disponibilizado no
texto (real
risks of serious diseases), abre-se uma página contendo menção às mais
comuns doenças associadas ao fumo. Nas
informações relativas a câncer do pulmão, candidamente se reconhece que “It has
been estimated (though estimates vary considerably) that around 10-15 per cent
of lifelong smokers get lung cancer and, that of all the people who get lung
cancer, around 90 per cent are smokers.”
Relativamente à
doença referida nestes autos – doença pumonar obstrutiva crônica –
DPOC (em inglês: Chronic obstructive pulmonary disease –COPD) – no referido
site consta a seguinte observação:
“COPD
includes chronic bronchitis and emphysema. The statistical studies consistently
report strong relationships between smoking and COPD that are of similar
magnitude to the risks identified between smoking and lung cancer. As with lung
cancer, the incidence is highest in groups that smoke for longer and smoke more
cigarettes per day. Quitting is thought to slow the progression of the disease.
Risks in groups of ex-smokers tend to remain higher than for non-smokers, but
lower than for those who continue to smoke.” (em tradução livre: o COPD [= DPOC]
inclui bronquite crônica e enfisema. Estudos estatísticos relatam, de forma
consistente, a existência de uma forte ligação entre fumar e DPOC, numa
magnitude similar aos riscos identificados ao vínculo entre fumar e câncer de
fumar. Como ocorre no câncer de pulmão, a incidência é maior em grupos que
fumam há mais tempo e fumam mais cigarros por dia. Imagina-se que parar de
fumar diminua a progressão da doença. Riscos em grupos de ex-fumantes tende a
permanecer mais elevados do que em grupos de não-fumantes, mas menores do que
naqueles que continuam a fumar”)
Assim, a partir dos fatos admitidos pela
própria B.A.T., considerando-se que existam cerca de 1,3 bilhões de fumantes no
mundo (https://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/o-tabagismo-no-mundo-e-no-brasil/,
dados de 2017), isso significa, aplicando-se o percentual conservador de 10%
reconhecido como mínimo pela própria indústria do fumo, que 130 milhões de
pessoas contrairão câncer de pulmão e outro tanto contrairão DPOC. Dos que
contraírem a doença, os mais felizardos terão uma sobrevida de até cinco anos
(esses ficam entre uma faixa de 13 a 21% nos países desenvolvidos e entre 7 a
10% nos países em desenvolvimento146).
De tudo isso resulta, a nosso ver, que estão
comprovados cientificamente os malefícios atrelados ao tabagismo. A própria
indústria fumageira viu-se forçada a reconhecê-los. Apesar do conhecimento
científico sobre tais malefícios tornar-se cada vez mais evidente já a partir
dos anos cinquenta, ela continuou a vender seus produtos, persistindo, por
muito tempo, a usar maciçamente mecanismos publicitários, lícitos e ilícitos,
para angariar mercados, especialmente junto aos jovens.
A nicotina, presente no cigarro, vicia e
torna o fumante um dependente dessa droga psicoativa, reduzindo drasticamente
sua força de vontade.
Do ponto de vista jurídico, o direito deve
proteger especialmente os vulneráveis, aqueles que são presas fáceis da
publicidade e que não encontram dentro de si a força de vontade suficiente para
sequer começar a fumar ou para interromper o vício.
Portanto, tenho que há base legal expressa na
legislação pátria, tanto no Código de Defesa do Consumidor quanto no Código
Civil, para abrigar a pretensão autoral. Os argumentos teóricos sustentados
pela indústria do fumo não são convincentes e há base legal e jurídica para o
acolhimento da pretensão reparatória, ao menos em parte.
Vindo ao caso concreto, reitere-se que o
atestado de óbito, bem como o laudo pericial apresentado por ocasião da
produção antecipada de provas, afirmaram que o marido da autora faleceu em
decorrência de DPOC e que este óbito estava vinculado ao fato de ter sido ele
tabagista. A médica pneumologista que o tratou desde 1998 referiu que ele
fumava uma média de 20 cigarros ao dia, dos 20 aos 54 anos (fl. 91). O laudo
pericial referiu que o marido da autora era “portador de DPOC grave, que é uma
associação de Enfisema Pulmonar e Bronquite Crônica, condições essas
decorrentes do tabagismo em 70% a 80% dos casos” (fl. 93).
Assim, apesar de não ter sido produzida a
prova testemunhal para os fins indicados no acórdão anterior, cassado pelo E.
STJ, tenho que a prova existente nos autos é suficiente para a comprovação dos
fatos básicos: o marido da autora faleceu em razão de DPOC, fumou dos 20 aos 54
anos, e sua doença estava relacionada ao seu tabagismo, segundo afirmado pela
médica que o acompanhou ao longo dos últimos 12 anos de sua vida.
A parte autora pretendia realizar prova
testemunhal e nesse sentido foi o julgamento anterior. Todavia, a demandada
insistiu para o julgamento antecipado e recorreu ao STJ para que tal prova não
fosse produzida. Como se trata de relação de consumo, em que é possível a
inversão do ônus da prova, diante da patente vulnerabilidade do consumidor, a
não produção de ulterior prova se deu em razão da conduta processual da parte
demandada. Isso, por óbvio, não pode redundar em prejuízo da parte autora.
Como as alegações da parte autora são
absolutamente verossímeis, estão afinadas com todos os achados científicos
existentes a respeito das doenças tabaco relacionadas e estão de acordo com a
prova documental produzida – atestado de óbito, atestado da médica que tratava
do marido da autora, bem como laudo pericial realizado de forma antecipada –
tenho que é de se ter como provados os fatos constitutivos do direito da autora.
E, chegando
a essa conclusão, impõe-se o parcial provimento da apelação para que se julgue
parcialmente procedente a ação.
Digo parcial procedência
pois não é caso de se acolher in totum o pleito inicial.
De fato, impõe-se uma
tríplice redução do valor da indenização. Duas reduções são genericamente
aplicáveis em casos da espécie, a meu sentir. A terceira decorre do fato do
fato de não se poder realizar a instrução do feito, em razão da determinação do
STJ no sentido de o feito ser julgado no estado em que se encontra.
A primeira redução decorre
do fato da presença de uma culpa concorrente do marido da autora, na forma como
eu vejo a questão. De fato, apesar de toda a argumentação supra, no sentido da
atuação dolosa da indústria do fumo, investindo maciçamente em publicidade
direta, indireta e subliminar durante praticamente todo o período em que o
marido da autora fumou (segundo a médica que o tratou, ele teria fumado dos 20
aos 54 anos. De acordo com a certidão de fl. 89, ele nasceu em 1944. Portanto,
fumou de 1964 a 1998), fumar não era um destino inevitável. Houve uma parcela,
embora pequena, de adesão a esse letal estilo de vida. Neste caso concreto,
portanto, considerando-se a época em que ele começou a fumar, tenho que é de
se reduzir em 25% o valor da indenização, devido à contribuição causal
concorrente do sr. Davenir.
Uma ulterior redução se impõe em razão de
inexistir uma prova absolutamente categórica e indiscutível sobre a origem do
DPOC que acometeu o sr. Davenir. Isso não constitui óbice ao acolhimento da
demanda, nos termos longamente expostos na fundamentação deste acórdão, mas
impõe, a meu sentir, uma diminuição do valor da condenação, para que esse valor
reflita o grau de probabilidade da contribuição causal do tabagismo.
Fontes científicas invocadas neste acórdão
apontam para uma correção entre 80% e 90% entre o tabagismo e o DPOC.
Reproduzo algumas passagens já antes expostas:
- “Em 1984, o relatório do “Surgeon General”
do Departamento de Saúde dos EUA, concluiu que 80% a 90% da morbidade da DPOC
são atribuíveis ao consumo de cigarros”;
- “Em torno de 15% dos indivíduos que fumam
um maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC,
85% dos diagnósticos da DPOC tem origem tabágica”;
- Em torno de 15% dos indivíduos que fumam um
maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem a DPOC. O
risco atribuível ao tabaco na gênese da DPOC situa-se entre 80-90%.
Assim, tenho que é possível se atribuir um
percentual de 85% de probabilidade de que o DPOC que acometeu o sr. Davenir
tivesse origem no fato de que fumou durante 34 anos de sua vida. Portanto, isso
impõe uma redução de 15% sobre o hipotético valor da condenação.
Por outro lado, a impossibilidade de se
instruir o feito impediu que fosse identificada precisamente a ou as marcas de
cigarro que o sr. Davenir fumou ao longo de sua vida. Tal circunstância, porém,
não necessariamente inviabiliza o acolhimento da demanda. Tenho que a saída
para esse impasse exige a aplicação da lógica adotada na chamada doutrina
da market share liability (responsabilidade por cota de
mercado), adotada pioneiramente no famoso caso Sindell v. Abbott
Laboratories, julgado pela Suprema Corte da California, em 1980. Ou seja,
a demandada foi a maior, mas não a única fabricante de cigarros ao alcance do
sr. Davenir ao longo de sua vida. Assim, inexistindo outros elementos
esclarecedores sobre a marca por ele consumida, há possibilidade de se calcular
a probabilidade de que o sr. Davenir tenha fumado cigarros fabricados pela
demandada, a partir da média de participação da demandada no mercado de
cigarros comuns no Rio Grande do Sul ao longo do período em que Davenir fumou
(de 1964 a 1998). Caso não se tenham dados disponíveis relativos a todos os
anos desse período, serão usados aqueles eventualmente disponíveis para se
extrair uma média. Caso venha a ser evidenciado, hipoteticamente, que a
demandada detinha 70% do mercado de cigarros no Rio Grande do Sul, ao longo do
período supra referido, então será ela responsável pelo pagamento de 70% do
valor da condenação. Referida apuração será efetuada em liquidação de sentença,
na forma prevista no art. 509, II, do CPC, após eventual trânsito em julgado
da decisão condenatória.
Do valor da indenização.
Pelo que se percebe do que consta dos autos,
o sr. Davenir fumou dos 20 aos 54 anos. O laudo médico de fl. 91, onde tal
informação é revelada, refere que a pneumologista Drª Alexandra Madalosso
Machado começou a tratar Davenir em 1998. Como esse foi o ano em que Davenir
completou os 54 anos, conclui-se que Davenir parou de fumar ao receber o
diagnóstico de que estava com DPOC, relacionado ao tabagismo. Referido laudo,
emitido em abril de 2005, mencionou que Danevir apresentava “perda importante
da capacidade pulmonar, que o incapacita total e permanentemente para o
trabalho”, sendo que “desde 2002 faz uso contíuo de oxigenioterapia domiciliar,
o que caracteriza doença severa”. Por sua vez, o laudo pericial de fl. 93, de
2006, referiu que o sr. Davenir necessitava de “oxigenioterapia domiciliar
contínua”, apresentando “dispneia intensa aos mínimos esforços, tosse e
expectoração”, afirmando que seu DPOC “decorre do tabagismo (resposta ao
quesito 1.1.2).
Ora, Davenir faleceu em 2010 (certidão de
óbito de fl. 90). Disso se conclui que durante os oito últimos anos de sua vida
– 2002 a 2010 – praticamente não saiu ele de caso, em razão de necessitar
continuamente de oxigenioterapia, padecendo de todos os males, incômodos e
dores que reconhecidamente andam ligados a esta maldita doença. Não há dúvidas,
tampouco, que todo esse longo sofrimento se estendeu para toda a sua família,
que acompanhou sua inexorável agonia, sofrendo com ele sem nada poder fazer
para deter a sentida aproximação da morte ou para lhe dar uma maior qualidade
de vida. O dano sofrido pela autora, portanto, foi imenso, pois não só perdeu
seu companheiro de uma vida, como também acompanhou diuturnamente o sofrimento
deste durante cerca de doze anos, a partir de quando a doença se manifestou.
Como
foi visto por toda a argumentação supra, a indústria do fumo, desde a década de
cinquenta, no mínimo, tinha perfeita ciência de quanto seu produto era maléfico
para a saúde. Apesar disso, não só ocultou dos seus consumidores, das
autoridades de saúde e do público em geral, tais malefícios, como inclusive,
com escancarada má-fé, dolosamente, mentiu e procurou retardar, dificultar e
obstaculizar que tais descobertas fossem divulgadas. Tinha, também, e desde sempre,
não só perfeita consciência de que a nicotina vicia, como também manipulava sua
dosagem de forma a manter cativo seus consumidores.
Essa sua atitude de consciente descaso para
com o bem-estar dos consumidores de seu produto não pode deixar de ser levado
em consideração no momento da fixação do dano.
Assim, como
primeira fase da indenização, fixo o valor dos danos morais em R$1.000.000,00
(um milhão de reais), que tenho por compatível tanto com a entidade dos danos
sofridos pela autora – o longo calvário que ela conviveu com seu marido, desde
o diagnóstico de que padecia de DPOC, doze anos antes de sua morte, até o
momento em que seu modo de existir foi drasticamente reduzido em razão da
oxigenioterapia de que necessitou durante os último oito anos antes de falecer,
com tudo o que isso representou – bem como com a conduta reprovável da
demandada, exaustivamente apontada ao longo da fundamentação deste acórdão, bem
como ao porte econômico da ré. Em razão da ausência de absoluta certeza quanto
ao nexo de causalidade, na forma antes referida, deduzo 15% do valor da
indenização, que então é reduzido para R$850.000,00. Considerando, agora, a
contribuição causal (culpa concorrente) de Davenir, pelas razões expostas na
fundamentação, fixada em 25%, pagará a demandada 75% de tal valor, o que
corresponde a R$637.500,00.
A última etapa das deduções, correspondente à
chamada responsabilidade por cota de mercado (Market Share Liability), deverá
ser objeto de liquidação de sentença, na forma do art. 509, II, do CPC, e
observados os critérios acima referidos, uma vez que não se encontram nos autos
os elementos necessários para tal fixação.
Referido valor será atualizado
monetariamente, pelo IGPM, a contar desta decisão, e acrescido de juros
moratórios, à taxa de 1% ao mês, a contar da data do óbito do sr. Davenir
(23.04.2010), na forma do art. 398 do CC.
Apesar do parcial decaimento da pretensão da
autora, deixo de impor-lhe ônus sucumbenciais parciais, uma vez que sua
pretensão está sendo substancialmente acolhida, embora a fixação do montante
dos danos não tenha alcançado o valor inicialmente pretendido.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO
APELO para julgar PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO e condenar a ré SOUZA CRUZ S/A
ao pagamento do valor a ser apurado em liquidação de sentença, na forma do art.
509, II, do CPC, observados os parâmetros acima fixados.
Em consequência, inverto os ônus
sucumbenciais e condeno a ré ao pagamento dos ônus sucumbenciais de 12% sobre o
valor atualizado da condenação, já considerados, nesse percentual, o decaimento
parcial da parte autora.
Des. Carlos Eduardo Richinitti - De acordo com
o(a) Relator(a).
Des. Eduardo Kraemer - De acordo com o(a)
Relator(a).
DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO - Presidente -
Apelação Cível nº 70059502898, Comarca de Caxias do Sul: "DERAM PARCIAL
PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME"
Julgador(a) de 1º Grau: CLAUDIA ROSA BRUGGER
1 Dentre tantas situações comprovadas,
“Sylvester Stallone recebeu US$500 mil para fumar cigarros em cinco de seus
filmes, a fim de associar o ato de fumar com a força e a boa saúde” - RICARD,
Matthieu. A revolução do altruísmo. São Paulo: Palas Athena, 2015, p.
441.
2 “O consumo do tabaco e de seus derivados é
um dos mais graves males que afetam o direito à saúde (...). Por essa razão, e
tendo em conta que da disseminação do consumo de tabaco e do estímulo ao
aumento do número de consumidores decorrem graves efeitos sociais, inclusive
sobre pessoas que não são consumidoras diretas mas que sofrem os efeitos do
tabagismo, impõe-se o controle do tabaco” - DALLARI, Dalmo de Abreu. “Controle
do uso do tabaco: constitucionalidade do controle da distribuição e da
publicidade”. In: PASQUALOTTO, Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco –
Frente e Verso da Liberdade de Expressão Comercial. São Paulo: Atlas,
2015, p. 38.
3 MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A
responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ
Editora, 2010, p. 244.
4 No Brasil, a Lei 9.294/96, posteriormente
alterada pela Lei 10.167/2000, restringiu a propaganda de cigarros à parte
interna dos pontos de venda (com uso de pôsteres, cartazes, painéis). Desde
2001, a propaganda de cigarros foi excluída dos meios de comunicação de massa.
Os autores são concordes ao afirmar a influência da
publicidade sobre o vício do tabagismo. Isabella Henriques refere que “de forma
geral as pesquisas demonstraram que a publicidade de cigarros – mesmo sob
outras formas de comunicação mercadológica, como a exposição de cigarros nos
pontos de venda – tem uma enorme influência no encorajamento ao início da
atividade de fumar entre adolescentes” - HENRIQUES, Isabella. “Controle do
Tabaco X Controle do Álcool: Convergências e Diferenciações Necessárias.
In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o
Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 254.
5 “Tobacco
companies have refused to offer settlements in any of the cases brought against
them” - SCHWARTZ, Gary T. “Tobacco Liability in the Courts”, in: RABIN
& SUGARMAN (eds.), Smoking Policy: Law, Politics, and Culture. New York: Oxford
University Press, 1.993, p. 131.
6 Atualmente, para contornar esse óbice, cada
vez mais se lança mão de dados estatísticos, para se elaborar modelos de
cálculos de probabilidade. Assim, por exemplo, “os estudos epidemiológicos,
convertidos em modelos estatístico-matemáticos, confirmam amplamente, com
índices percentuais de probabilidade superiores a 80%, no plano genérico, a
correlação causal existente entre o surgimento de patologias específicas ou
agravamento de outras, e o consumo de cigarros”. Isso permite a que se chegue
“ao resultado útil de transferir o custo do dano da vítima a aquele ou aqueles
que o provocaram, segundo um significativo grau de probabilidade”. Caso assim
não se proceda, e “não existindo opções ‘neutras’ no mundo jurídico, insistir
sobre a necessidade de se provar que o fumo provocou câncer num sujeito
específico e atribuir tal ônus ao lesado/consumidor, equivale a afirmar, em
qualquer caso, a indemonstrabilidade prática do nexo, com óbvias consequências
sobre o plano de alocação do custo do dano”– nesse sentido,
BALDINI, Gianni. Il danno da fumo – Il problema della responsabilità
nel danno da sostanze tossiche. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane,
2008, p. 171, 172 e 173. Ainda segundo Baldini, o recurso ao critério de
causalidade científico-probabilistica permitirá ter como juridicamente fundada
a correlação causal exclusiva ou concorrente entre o fumo e a patologia
discutida, sobre a base de resultados científicos baseados em leis estatísticas
idôneas a confirmar a relação causal – op. cit., p. 191.
7 Segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz,
publicado no Jornal O Estado de São Paulo, edição de 31.05.2012.
8 EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS SOBRE TABAGISMO PARA
SUBSÍDIO AO PODER JUDICIÁRIO. Projeto Diretrizes, da AMB. Documento elaborado
pela Associação Médica Brasileira; Ministério da Saúde/Instituto Nacional de
Câncer; Aliança de Controle do Tabagismo. 2013, p. 40.
9 Situação assemelhada é vivida em outros
países: dados do Canadá revelam que, em 2002, o Ministério da Saúde estimou os
custos atribuídos ao tabagismo em 15,8 bilhões de dólares, ao passo que naquele
mesmo ano o governo do Canadá arrecadou apenas 7,4 bilhões de dólares em
tributos no setor fumo. – QUÉBEC
COALITION FOR TOBACCO CONTROL. Update on smoking costs to society. Montréal, 2004.
Disponível em http://www.cqct.qc.ca/Documents_docs/ETUD_04_01_15_GroupeDAnalyseCourTabacENG.PDF
. A situação é substancialmente a mesma em todos os países.
10 Nesses termos, FARIAS, Cristiano Chaves de;
BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade
Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 827.
11 GARATTINI, Silvio; LA VECCHIA,
Carlo. Il fumo in Italia: prevenzione, patologie & costi. Milano:
Kurtis, 2005, p. 2s.
12 BALDINI, Gianni. Il danno da fumo – Il
problema della responsabilità nel danno da sostanze tossiche. Napoli:
Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p. 35.
13 Todavia, já muito antes da publicação deste
famoso relatório, já havia consenso entre a comunidade científica e médica
sobre os malefícios associados ao tabaco – nesse sentido a informação do
professor de história da Medicina, de Harvard, BRANDT, Allan M. The
Cigarette Century – The Rise, Fall, and Deadly Persistence of the Product that
Defined America. New York: Basic Books, 2007, p. 493.
14 MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio a
HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento
Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. XXII.
15 Eis a forma como uma ex-fumante (Pamela
DeNardo) narrou o poder do vício, em nome da American Lung
Association, perante a Comissão do Senado norte-americano que investigou a
indústria do fumo, na sessão de 05.09.2001: “I was a smoker. I started to smoke at the age of 17. I started
smoking because it was cool. And for many years, I truly believed that I could
quit any time I wanted to, that is, until I really tried. That is when I
understood the word ‘addiction’. And now I am sick. I have been diagnosed with
chronic obstructive pulmonary disease. Even after being diagnosed, quitting was
extremely difficult. It was literally the hardest thing I have ever done. I
actually know people who will smoke a cigarette, suck on an inhaler, and smoke
another cigarette. That is addiction”. In: UNITED STATES CONGRESS SENATE
COMMITTEE ON JUDICIARY. DEPARTMENT OF JUSTICE OVERSIGHT: MANAGEMENT OF THE
TOBACCO LITIGATION. Washington: U.S. Government Printing Office, 2002, p.18.
16 Diligências ulteriores reuniram o
impressionante volume de 14 milhões de documentos internos, estendendo-se por
dezenas de milhões de páginas, disponíveis para consulta no site http://www.library.ucsf.edu/tobacco(excelente
site universitário que, no item Tobacco Control Archives, disponibiliza
três gigantesca coleções: a Truth Tobacco Industry Documentos –
TTID, que reúne os aludidos 14 milhões de documentos produzidos pela
indústria fumageira; a Paper and Midia Collection que reúne artigos e
outras publicações sobre o tema do controle de tabaco; e o Tobacco
Litigation Documents, que disponibiliza as petições iniciais das 46 ações
movidas pelos Estados Norte-americanos, pelo Governo Federal e outras ações
movidas contra a indústria fumageira).
17 CARVALHO, Mário Cesar. O
cigarro. São Paulo: Publifolha, 2001, p. 16/17.
18 MOURA, Walter. “O Fumo e a Sociedade
de Consumo: o Novo Sentido da Saúde”. In: HOMSI, Clarissa Menezes
(coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 45.
19 WHO –
REPORT ON THE GLOBAL TOBACCO EPIDEMIC, 2008: The MPOWER package. World Health
Organization, http://whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789241563918_eng_full.pdf,
acesso 13/8.2010 – apud HOMSI, Clarissa Menezes. “As Ações Judiciais
Envolvendo o Tabagismo e seu Controle”. In: HOMSI, Clarissa Menezes
(coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio
de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2011, p. 50, e O.M.S.
– Relatório sobre epidemia mundial de tabaco: advertências sobre os
peritos do tabaco, 2011, p. 8, apud CABRERA, Oscar; GUILLEN, Paula
Ávila; CARBALLO, Juan. “Viabilidade Jurídica de uma Proibição Total da
Publicidade de Tabaco. O Caso perante a Corte Constitucional da Colômbia”. In:
PASQUALOTTO, Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco – Frente e Verso da
Liberdade de Expressão Comercial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 254.
20 Segundo reportagem intitulada “Consumo de
tabaco mata 7 milhões ao ano”, publicada no jornal Zero Hora (editado em Porto
Alegre), no dia 31.05.2017, p. 29.
“Carga do tabagismo
A carga do tabagismo em 2011, em termos de
mortalidade, morbidade e custos da assistência médica das principais doenças
relacionadas ao consumo de produtos de tabaco no Brasil aponta que naquele ano,
o tabagismo foi responsável por pelo menos:
147.072 óbitos; 2,69 milhões anos de vida perdidos;
157.126 infartos agudos do miocárdio; 75.663 acidentes vasculares cerebrais, e
63.753 diagnósticos de câncer.
Estes dados contemplam apenas as doenças e agravos
considerados neste estudo. São mais de 400 óbitos por dia,
que correspondem a 14,7% do total de mortes ocorridas no país (1.000.490
mortes).
"As mortes por câncer de pulmão e por DPOC
corresponderam a 81% e a 78%, respectivamente, enquanto que 21% das mortes por
doenças cardíacas e 18% por AVC também estiveram associadas a esse fator de
risco. O conjunto das neoplasias revelou que 31% das mortes foram devidas ao
consumo de derivados do tabaco. O tabagismo passivo e as causas perinatais
totalizaram 16.920 mortes. (...)”
22 VEDOVATO, Luís Renato. “A Convenção-Quadro
sobre Controle do uso do Tabaco – Consequências para o ordenamento jurídico
brasileiro”. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco
e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora,
2011, p. 5.
23 DELFINO refere que um estudo
do Worldwatch Institute demonstrou que trabalhadores tais como
músicos ou garçons, ou quem tem cônjuge tabagista, acabam inalando uma dose
diária equivalente a quatorze cigarros. Muitos desses não fumantes acabam
morrendo de câncer pulmonar ou outras doenças provocadas pelo tabaco, sem nunca
terem fumado voluntariamente um único cigarro, já que a fumaça do cigarro
contém todos os componentes tóxicos que o fumante inala, porém em concentrações
maiores – DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e tabagismo no Código de
Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 28 e 29,
24 BALDINI, Gianni. Il danno da fumo
– Il problema della responsabilità nel danno da sostanze tossiche. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p.
181.
25 Artigo
inserido na obra coordenada por RABIN & SUGARMAN, Smoking Policy: Law,
Politics, and Culture. New York: Oxford University Press, 1.993, p.
131/160.
27 Também a União Europeia e o Japão já se
insurgiram contra empresas de cigarro, pelos males causados aos usuários, ao
sistema público de saúde e ao meio ambiente, o que resultou na celebração de
acordos semelhantes, envolvendo pagamento de indenizações bilionárias e a
adoção de medidas aptas a minimizar os danos futuros e os consumados, segundo
informam os Procuradores da República Alexandre Caminho de Assis e Luna
Veronese e Veronese, no artigo “Os males da indústria tabagista e o direito
brasileiro”, publicado na Revista Jurídica Consulex, ano XVIII, n.
429, 1º.12.2014, número especial: “TABAGISMO – Polêmica Reacesa”, p. 40
28 Referências a estas demandas, com os
respectivos valores indenizatórios, são feitas também no recente Relatório
do Surgeon General (http://www.surgeongeneral.gov/library/reports/50-years-of-progress/sgr50-chap-14-app14-3.pdf,
acessado em 17.11.2015), a mais alta autoridade da saúde norte-americana, equivalente, grosso
modo, ao nosso Ministro da Saúde (com a diferença de que lá,
diferentemente daqui, o cargo é ocupado por especialistas respeitados
academicamente, escolhidos por critério técnico, e não por acordos políticos ou
barganhas partidárias, como tristemente por aqui ocorre. Daí por que seus
relatórios sobre saúde pública, lá, tem enorme impacto na sociedade, em razão
da credibilidade científica que os rodeia).
33 Uma boa análise do desenrolar desse caso,
desde sua origem até o julgamento da Suprema Corte, encontra-se em VIDMAR,
Neil; HANS, Valerie P. American Juries – The Verdict. Amherst/New
York: Prometheus Books, 2007, p. 316/319.
36 Os
fundamentos para a demanda, na terminologia norte-americana, eram os seguintes:
strict liability, fraud and misrepresentation, conspiracy to commit fraud and
misrepresentation, breach of implied warranty of merchantability and fitness,
negligence, breach of express warranty, intentional infliction of mental
distress.
40 O advogado líder que representava os
interesses da Philip Morris, Steve Susman, vaticinou que referido acordo
inspiraria uma maré de novos litígios. Ele estava certo. Por todo o país, advogados
sentiram que a indústria estava vulnerável e ajuizaram ações indenizatórias.
Uma excelente crônica dos bastidores daqueles anos febris em que se decidia o
futuro da indústria do fumo e sua responsabilização pelos danos causados aos
fumantes nos é dada por OREY, Michael. Assuming the Risk: The Mavericks, The Lawyers,And the Whistle-Blowers
Who Beat Big Tobacco. Boston: Little, Brown and Company,
1999. A informação supra encontra-se à fl. 366.
41 Na rede mundial de computadores
encontram-se abundantes notícias sobre esse acordo. Parte das informações aqui
reproduzidas foram extraídas de tais fontes, dentre as quais o site https://oag.ca.gov/tobacco/msa, que é
o site oficial do equivalente ao Ministério Público do Estado da Califórnia (na
verdade, o Attorney General é um cargo singular, que cumula funções que, no
Brasil, são exercidas separadamente pelo Secretário da Justiça,
Procurador-Geral da Justiça e Procurador-Geral do Estado, ou seu equivalente
federal).
42 A indústria Liggett & Myers celebrou,
em 1997, acordos separados, pelos quais também se comprometeu a disponibilizar
inúmeros documentos confidenciais, o que foi feito.
43 Essa última informação é trazida por
KOENIG, Thomas H. & RUSTAD, Michael L. In Defense of Tort
Law. New York: New York University Press, 2003, p. 209.
44 GIFFORD criticou, porém, o fato de que
pouco dessa indenização bilionária reverteu em favor da prevenção do fumo e
tratamento das doenças tabaco-relacionadas – GIFFORD, Donald G. Suing the
Tobacco and Lead Pigment Industries – Government Litigation as Public Health
Prescription. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2010, p. 216.
45 Apesar do controle do tabaco ter passado a
ser uma questão de política pública na maioria dos países, após a entrada em
vigor da Convenção-Quadro, os lucros da indústria do fumo continua a crescer.
Basta refletir que em 1998 a receita das três então maiores empresas de tabaco
do mundo (Philip Morris, BAT e Japan Tobacco) foi acima de 88 bilhões de
dólares, valor que excedeu o PIB da Albânia, Armênia, Bahrain, Bolívia,
Botswana, Bulgária, Cambodja, Camarões, Estônia, Guiania, Honduras, Jamaica,
Jordânia, Laos, Latvia, Madagascar, Moldova, Mongólia, Nepal, Nicarágua e
Togo somados! – dados divulgados na 11ª Conferência Mundial: tabaco ou saúde,
no ano 2000 – Tobacco Fact Sheet: Tobacco Facts, referidos na
publicação organizada por MUST, Emma; EFROYMSON, Debra; TANUDYAYA,
Flora. Controle do Tabaco e Desenvolvimento – Manual para Organizações Não
Governamentais. Guia PATH Canadá. Rio de Janeiro: Rede de Desenvolvimento
Humano, 2004, p. 23, 24. Por outro lado, a Revista Exame (na edição de n.
1050, ano 47, n. 18, de 02.10.2013, p. 77) informou que de janeiro de 2008 a
2013 o preço das ações da empresa Souza Cruz quadruplicou. Mesmo com as vendas
em queda (substancialmente em razão das crescentes restrições à publicidade do
tabaco), o aumento do preço do cigarro fez o lucro da empresa crescer 40%, o
que permitiu a distribuição de 7 bilhões de reais de dividendos aos acionistas.
46 A
denominação completa, oficial, do caso é United States
v Philip Morris, R.J. Reynolds, Brown & Williamson, Lorillard, Liggett,
American Tobacco Co., British American Tobacco, the Council for Tobacco
Research, and the Tobacco Institute.
47 No
original: “unequivocally place the tobacco companies in the same boat as other
organized crime organization” – in: EUBANKS, Sharon Y.; GLANTZ, Stanton
A. Bad Acts – The racketeering case against the tobacco industry.
Washington: American Public Health Association, 2012, p. 282.
49 RICARD, Matthieu. A revolução do
altruísmo. São Paulo: Palas Athena, 2015, p. 441.
50 Para informações a respeito, remetemos a a
artigo de nossa lavra, denominado “Acionando a indústria do fumo por danos
causados à saúde – cronologia de uma mudança da maré. In: PASQUALOTTO,
Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA, Fernanda Nunes
(org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo Horizonte: Ed.
Letramento, 2018, p. 133-196.
51 Como se sabe, a teoria da causalidade
adequada e a teoria do dano direto e imediato (especialmente na vertente da
necessariedade) disputam entre nós as preferências dos autores para explicar o
nexo de causalidade. Historicamente prevaleceu a teoria da causalidade
adequada. Mais recentemente, especialmente após a vigência do novo Código
Civil, passou a difundir-se mais intensamente a segunda teoria. Segundo Moreira
Alves, “a diferença entre ambas as teorias – a da causa adequada e a do dano
direto e imediato na vertente da subteoria da necessariedade -, estaria, em
última análise, na medida do grau de probabilidade, que na subteoria da
necessariedade exigiria pelo menos a conseqüência extremamente provável, a
traduzir a quase certeza, ao passo que a teoria da causa adequada ficaria
apenas em probabilidade menos intensa” – MOREIRA ALVES, José Carlos, “A
causalidade nas ações indenizatórias por danos atribuídos ao consumo de
cigarros”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e
Pareceres sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente –
O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 250.
52 LÔBO, Paulo N. Prefácio à obra de FROTA,
Pablo Malheiros da Cunha. Responsabilidade por danos – Imputação e Nexo de
Causalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 14.
53 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil
da Indústria do Tabaco. In HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle
do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 91 e 92.
54 FROTA, Pablo Malheiros da
Cunha. Responsabilidade por danos – Imputação e Nexo de
Causalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 47 e 283.
55 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Prefácio à
MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de
causalidade. Rio de Janeiro: G/Z Editora, 2010, p. XII. Deve ser dito,
porém, que a Profª Maria Celina não defende a responsabilidade da indústria do
fumo, diante do obstáculo do livre-arbítrio do fumante.
56 MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A
responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: G/Z
Editora, 2010, p. 95. Em apoio do que afirma, Caitlin invoca autor
italiano que sustenta que “falar de causa significa falar de probabilidade e de
aumento do risco da produção de um evento” (Marco Capecchi. Il nesso di
causalità: da elemento della fattispecie fatto illecito a critério di
limitazione del risarcimento del danno. Padova: CEDAM, 2002, p. 213.).
57 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do
Nexo Causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.
307. À p. 297 de sua obra, fruto de dissertação de mestrado orientada por
Gustavo Tepedino, refere opinião de Clóvis do Couto e Silva, prelecionando
sobre causalidade alternativa, segundo o qual “não se trata de ‘questão de
presunção’, mas de transformar a própria noção de causalidade real pela
admissão de uma ‘causalidade suposta’ – COUTO E SILVA, Clóvis. Príncipes
fondamentaux de la responsabilité civile em droit brésilien et comparé. Cours
fait à la Faculté de Droit et Sciences Pllitiques de St. Maur, p. 77.
58 DELLA GIUSTINA,
Vasco. Responsabilidade civil dos grupos: inclusive no Código do
Consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 14.
59 Apud MARINONI, Luiz G.; ARENHART,
Sérgio C.; MITIDIERO, Daniel (2015). NOVO CURSO DE PROCESSO CIVIL. Vol. 2
– Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 421/422.
60 Apud MIRANDA NETTO, Fernando Gama;
LEAL, Stela Tannure; SERRANO, Thiago (2014). Responsabilidade civil em virtude
de doenças associadas ao tabagismo: presunção de causalidade e redução do
estândar da prova. Revista Científica Virtual da Escola Superior da
Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e
Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p. 134.
61 HIGINO NETO, Vicente (2005). A Teoria da
redução do módulo da prova como instrumento de concretização dos princípios do
devido processo legal e da igualdade substancial. Revista Jurídica
Consulex, Ano IX, n° 195, 28/02/2005, p. 54/55.
62 MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A
responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ
Editora, 2010.
63 MULHOLLAND, op. cit., p. 278/279.
64 GOLDBERG, Richard (2011). Using Scientific Evidence to Resolve Causation
Problens in Product Liability: UK, US and French Experiences. In: GOLDBERG,
Richard (ed.). Perspectives on Causation. Oxford: Hart Publishing,
2011, p. 178.
65 GOMES CANOTILHO, José Joaquim
(1998). Introdução ao Direito do Ambiente. Lisboa: Universidade
Aberta, 1998, p. 142.
66 INFANTINO, Marta (2012). La causalità
nella responsabilità extracontrattuale. Studio di diritto comparato.
Napoli: ESI, 2012, p. 115s.
67 BORDON, Raniero (2006). Il nesso di
causalità. Torino: UTET, 2006, p. 50s.
68 No original: “Il sapere scientifico su cui
il giudice può basare le proprie decisioni è costituito sia da leggi
‘universali’ (invero assai rare), che asseriscono nella successione di
determinati eventi invariabili regolarità senza eccezioni, sia da leggi
‘statistiche’ che si limitano ad afermare che il verificarsi di un evento è
accompagnato dal verificarsi di un altro evento in una certa percentuale di
casi e con una frequenza relativa”.
69 ALPA, Guido. Hacia dónde se dirige la responsabilidad
civil?. (Título original: Dove va la responsabilità
civile?, publicado originalmente em La nuova giurisprudenza civile
commentata, 2010, n. 3, p. 175/184). In: MORENO MORE, César E.
(coord.). Estudios sobre la responsabilidad civil. Lima: Legales Ediciones, 2015, p. 768 e 769.
70 PORAT,
Ariel & STEIN, Alex (2003). Indeterminate Causation and Apportionment
of Damages: An Essay on Holtby, Allen, and Fairchild. In: Oxford
Journal of Legal Studies, vol. 23, n. 4 (Winter), 2003, p. 667-702.
71 Caso Holtby
v. Brigham & Cowan (Hull) Ltd., julgado em 2000 (3 ALL ER 423).
72 Caso Allen
v. British Rail Engeneering Ltd., julgado em 2001 (EWCA Civ 242).
73 O caso Fairchild v Glenhaven Funeral
Services Ltd foi julgado em 2002 (UKHL 22). Ele envolvia o caso de uma
viúva de um trabalhador que havia falecido em razão de um mesothelioma pleural
maligno, contraído em razão da aspiração de fibras
de asbestos (cimento amianto), um resistente material de baixo custo
e muito usado, durante muito tempo, na construção civil. A aspiração de tais
fibras, ao longo de anos, após um lento desenvolvimento da doença por cerca de
25 a 50 anos, pode causar a morte, como ocorreu no caso em tela. O problema
residia em que o falecido Sr. Fairchild havia trabalhado para vários empregadores
em cujos estabelecimentos fora utilizado o cimento amianto. O risco de contrair
doença relacionada ao asbestos depende da quantidade e intensidade da
exposição aos mesmos. Saber em que momento a tolerância aos asbestos foi
ultrapassada e detonado o processo da doença é algo que não se pode
identificar. Era impossível, no caso, atribuir-se a um particular empregador a
responsabilidade pelo evento. No caso, “while it was possible to say ‘it was
one of them’ it was impossible to say which” (ainda que fosse possível
afirmar-se que fora um deles, era impossível dizer qual). Sob o entendimento
então dominante a respeito da causalidade, tal incerteza levaria à
improcedência da ação. Todavia, a então House of Lords desenvolvendo
o entendimento já anteriormente firmado no caso McGhee v. National Coal
Board, afirmou que o test apropriado para situações similares,
era saber se o réu havia “materialmente aumentado o risco de causar dano”
(materially increased the risk of harm) ao autor. Sendo a resposta positiva, dever-se-ia
condenar solidariamente o(s) réu(s) ao pagamento da totalidade do dano invocado
pelo autor, ainda que pudessem os devedores solidários, posteriormente,
distribuírem regressivamente entre si a responsabilidade. Tal decisão
teve um impacto enorme. Estimou-se que a repercussão econômica da aplicação de
tal decisão foi de 6,8 bilhões de libras esterlinas, considerando que
diariamente morrem 13 britânicos de doenças relacionadas ao cimento amianto,
sendo que essa estatística é crescente.
74 O acórdão refere estudo que estima entre
1,5 e 3 milhões de mulheres que consumiram o medicamento, sendo que várias
centenas ou milhares de jovens desenvolveram câncer relacionado ao uso de tal
medicamento. O acórdão está acessível no endereço: http://online.ceb.com/calcases/C3/26C3d588.htm.,
acesso em 20.11.15.
75 Pouco mais de uma década mais tarde, em
1992, a Suprema Corte da Holanda [Hoge Raad], apreciando caso semelhante, foi
ainda mais ousada e acolheu a tese da solidariedade – todos os fabricantes
seriam solidariamente responsáveis perante as vítimas, podendo posteriormente
agirem posteriormente, uns contra os outros, no exercício de regresso parcial.
Sobre esse caso, v. Cees VAN DAM (2007, p. 289).
76 No campo do direito ambiental, importou-se
a ideia básica da market share liability e se desenvolveu
a pollution-share liability. Segundo essa adaptação, sendo impossível
demonstrar qual a instalação industrial concretamente causou o dano, pode-se responsabilizar
todas as plantas industriais que se apresentam em condições de ter causado a
poluição, na proporção, não já das quotas de mercado, mas das respectivas
emissões, sem necessidade de se demonstrar qual a emissão que concretamente
conduziu ao dano – nesses termos, OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Causalidade
e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental. Coimbra: Almedina, 2007,
p. 31.
77 Parte substancial desse item foi extraído
de artigo publicado pelo co-autor Eugênio Facchini Neto, denominado “A
relatividade do livre-arbítrio e a responsabilização da indústria do fumo - a
desconstrução de um mito”, publicada na Revista de Derecho Privado (BOGOTA), v.
31, p. 189-225, 2016.
78 O CEBRID é o Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas, que funciona no Departamento de
Medicina Preventiva da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo).
79 ANDREIS, Mônica; ISSA, Jaqueline
Scholz. Livre-arbítrio e o consumo de cigarros e outros produtos de
tabaco. Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia da
OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo:
OAB/SP, 2014, p. 45.
81 Informações colhidas no texto “ADITIVOS EM
CIGARROS – Notas Técnicas para Controle do Tabagismo”, publicado pelo
Ministério da Saúde, através do Instituto Nacional de Câncer – INCA, pela
Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do
Tabaco e seus Protocolos – CONICQ. Rio de Janeiro: INCA, 2014.
82 “ADITIVOS EM CIGARROS – Notas Técnicas para
Controle do Tabagismo”, cit., fl. 27.
84 Nesses termos, BARBOSA, Fernanda Nunes;
ANDREIS, Mônica. “O argumento da culpa da vítima como excludente da
responsabilidade civil da indústria do cigarro: proposta de reflexão”.
In: Revista de Direito do Consumidor. Ano 21, vol. 82, abr.-jun./2012,
p. 70, citando vários estudos científicos estrangeiros: KHUDER S. A. et AL. Age at smoking onset and its effect on smoking
cessation. Addictive Behavior 24(5):673-7; CHEN, J; MILLAR, W. J. Age
of Smoking Initiation: Implications for Quitting. Health Reports 9(4):39-46;
BRESLAU, N.; PETERSON, El. Smoking cessation in young adults: Age at initiation
of cigarette smoking and other suspected influences. American Journal of
Public Health 86(2):214-20.
85 World
Health Organization. Tobacco and the rights of the child. Geneva: WHO, 2001,
p. 25 – apud BARBOSA, Fernanda Nunes; ANDREIS, Mônica. “O argumento
da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do
cigarro: proposta de reflexão”. In: Revista de Direito do
Consumidor. Ano 21, vol. 82, abr.-jun./2012, p. 68.
86 BARBOSA, Fernanda Nunes; ANDREIS, Mônica.
“O argumento da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da
indústria do cigarro: proposta de reflexão”. In: Revista de Direito do
Consumidor. Ano 21, vol. 82, abr.-jun./2012, p. 76.
87 CABRERA, Oscar; GUILLEN, Paula Ávila;
CARBALLO, Juan. “Viabilidade Jurídica de uma Proibição Total da Publicidade de
Tabaco. O Caso perante a Corte Constitucional da Colômbia”. In: PASQUALOTTO,
Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco – Frente e Verso da Liberdade de
Expressão Comercial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 262.
88 MOURA, Walter. O Fumo e a Sociedade de
Consumo: o Novo Sentido da Saúde. In HOMSI, Clarissa Menezes
(coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 39/40.
89 Segundo a Organização Mundial da
Saúde. Relatório sobre epidemia mundial de tabaco: advertências sobre os
peritos do tabaco, 2011, p. 62 – apud CABRERA, Oscar; GUILLEN,
Paula Ávila; CARBALLO, Juan. “Viabilidade Jurídica de uma Proibição Total da
Publicidade de Tabaco. O Caso perante a Corte Constitucional da Colômbia”. In:
PASQUALOTTO, Adalberto (org.). Publicidade de Tabaco – Frente e Verso da
Liberdade de Expressão Comercial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 263
90 Constou do voto do eminente Revisor, Des.
George L. Leite, que “a reparação por danos extrapatrimoniais decorre do poder
persuasivo – e até mesmo condicionante – do comportamento dos consumidores
atribuível à propaganda, especialmente aquela de cunho sub-reptício,
disfarçada, insidiosa, que não permite às pessoas comuns perceberem o canto de
sereia embutido na mensagem veiculada. Se o incremento de consumo promovido
pela publicidade é coletivo e amplo, o dano por práticas abusivas também o é”.
A íntegra do acórdão está disponível no site http://actbr.org.br/uploads/conteudo/185_DF270851publicidade.pdf,
acessado em 06.12.2015.
92 PASQUALOTTO, Adalberto. “O direito dos
fumantes à indenização”. Revista Jurídica Luso-Brasileira (R.J.L.B.), ano 2
(2016), n. 1, p. 567.
93 “ADITIVOS EM CIGARROS – Notas Técnicas para
Controle do Tabagismo”, cit., fl. 18.
95 “ADITIVOS EM CIGARROS – Notas Técnicas para
Controle do Tabagismo”, cit., fls. 18 e 20.
96 U.S.
Department of Health and Human Services. The Health Consequences of
Smoking – 50 Years of Progress: A Report of the Surgeon
General. Atlanta/Georgia: U.S. Department of Health and Human Services,
Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease
Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health,
2014, apud ANDREIS, Mônica; ISSA, Jaqueline Scholz. Livre-arbítrio e o
consumo de cigarros e outros produtos de tabaco. Revista Científica Virtual
da Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição
especial: Direito e Tabaco. São Paulo: OAB/SP, 2014, p.46.
97 Não teríamos a menor dificuldade de
subscrever a bela defesa que a sempre brilhante Maria Celina Bodin de Moraes
faz do princípio de liberdade e suas repercussões no mundo jurídico: “O
princípio de liberdade foi positivado no direito, a partir de sua construção
kantiana, como a ausência de coerções externas, a possibilidade de fazer
escolhas, um espaço para autodeterminar-se. Consagrada como princípio
constitucional, a liberdade não se resume às relações de direito público, sendo
norma determinante também nas relações privadas. Nesse âmbito, ela se reflete
no conceito de autonomia privada” (...) e também se projeta sobre as relações
de consumo”– BODIN DE MORAES, Maria Celina. “Liberdade individual, acrasia e
proteção da saúde”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e
Pareceres sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente –
O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 371 e 372. Todavia, pelas razões que expusemos no texto,
discordamos dela quando transpõe tais noções abstratas e consensuais para o
caso dos fumantes e afirma que “o consumo de cigarros é objeto de decisão de
sujeitos racionais que dão prioridade aos prazeres decorrentes desse hábito
apesar dos riscos potencialmente envolvidos”. Entendemos ter demonstrado que
tais escolhas não são tão livres e racionais como se sustenta, especialmente se
levarmos em consideração a força da publicidade, mormente na época em que a
maioria dos fumantes de hoje começou a fumar, sendo esse o caso dos autos.
98 Tese de doutoramento denominada “A
superação da ótica voluntarista e o novo paradigma da confiança nos contratos”,
posteriormente publicada sob a forma de livro: Contratos na Sociedade de
Consumo – Vontade e Confiança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
99 Referido relatório teve um grande impacto
na opinião pública norte-americana. Uma pesquisa de opinião realizada em 1958
demonstrou que apenas 44% dos norte-americanos acreditavam que fumar causava
câncer, ao passo que tal percentual subiu para 78% em outra pesquisa realizada
em 1968, sobre o mesmo tema, segundo informação colhida no artigo “The Reports
of the Surgeon General - The 1964 Report on Smoking and Health”, publicado no
site da National Library of Medicine, https://profiles.nlm.nih.gov/ps/retrieve/Narrative/NN/p-nid/60,
acessado em 31.07.2016.
100 Informação contida no item 636 da citada
sentença norte-americana proferida pela juíza Gladys Kessler.
101 ANDREIS, Mônica; ISSA, Jaqueline
Scholz. Livre-arbítrio e o consumo de cigarros e outros produtos de
tabaco. In: Revista Científica Virtual da Escola Superior da
Advocacia da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco.
São Paulo: OAB/SP, 2014, p. 47.
102 “Transtornos mentais e comportamentais
devidos ao uso de fumo – síndrome de dependência”, CID 10 (F17)
104 Nesses termos, SOARES, Renata Domingues
Balbino Munhoz. “O novo paradigma do tabaco: do ‘senso comum
teórico’ ao contexto científico”. In: Revista Científica Virtual, da
OAB/SP – ESA, número especial sobre Direito e Tabaco. Ano V, n.
17. São Paulo, outono de 2014, p. 117.
105 OLIVEIRA, Amanda Flávio de; MOURA, Walter
José Faiad de. É preciso proteger o fumante de si
mesmo? In: Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia
da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo:
OAB/SP, 2014, p. 162/163. Dentro da mesma linha, refere Isabella Henriques que
o mote da sociedade de consumo é o pensar no momento atual, no prazer imediato,
pois é uma sociedade que prima pelo imediatismo, sem lembrar o passado ou
preocupar-se com o futuro. E prossegue: “A ideia é curta agora tudo o que é
possível, pois você é merecedor desse prazer. Essa ideia é muito eficaz
porquanto o ser humano reconhece a sua condição de mortalidade. Por isso
mensagens que induzem a esse prazer imediato são facilmente absorvidas, ainda
que no caso de promoção de produtos notoriamente conhecidos por seus potenciais
danos à saúde, inclusive com risco de morte, como são o tabaco e o álcool. A
ideia aqui é: se eu vou morrer mesmo, que ao menos seja desfrutando algo que
acredito me dê prazer e me faça feliz” - HENRIQUES, Isabella. “Controle do
Tabaco X Controle do Álcool: Convergências e Diferenciações Necessárias.
In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o
Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora,
2011, p. 249.
108 GLADWELL,
Malcolm. BLINK – The Power of Thinking Without Thinking. New York: Back
Bay Books (Little, Brown and Company), 2005, p. 59/60.
109 Portanto, por maior que seja o respeito
que devotamos ao grande jurista Nelson Nery Junior, dele discordamos quando
sustenta que “o cigarro é um produto supérfluo, que pode ser dispensado, ainda
por aqueles que contraíram um hábito.” Tal colocação se choca não só com as
conclusões científicas que melhor explicam o mecanismo do vício, a dificuldade
de se subtrair aos efeitos escravizadores da nicotina, mas também com a
realidade fática: para cada dois conhecidos bem sucedidos na decisão de parar
de fumar, todos conhecemos outros oito que não lograram êxito. Todavia, mais
uma vez aqui reconhecemos que se trata de opinião manifestada em parecer
encomendado pela rica indústria do fumo, cuja força de convencimento
naturalmente deve ser relativizada e contextualizada. NERY JUNIOR, Nelson.
“Ações de indenização fundadas no uso de tabaco. Responsabilidade civil pelo
fato do produto: julgamento antecipado da lide. Ônus da prova e cerceamento de
defesa. Responsabilidade civil e seus critérios de imputação. Autonomia privada
e dever de informar. Autonomia privada e risco social. Situações de agravamento
voluntário do risco”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e
Pareceres sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente –
O paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 396/397.
110 Tabagismo & saúde nos países em
desenvolvimento. Documento organizado pela Comissão Europeia em
colaboração com a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial para a mesa
Redonda de Alto nível sobre Controle do Tabagismo e Políticas de
Desenvolvimento. Tradução: Instituto Nacional de Câncer/Ministério da Saúde do
Brasil. Disponível em http://www.inca.gov.br.
Acesso em 06.12.15.
112 É o que se vê da reportagem publicada pela
Revista Superinteressante, em junho de 2003: “Se os malefícios do cigarro são
tão conhecidos, por que ainda há tantos fumantes? Bem, a primeira baforada deve-se
ao marketing do cigarro. Outras a sucedem porque a nicotina vicia mais que a
cocaína. Segundo o médico Daniel Deheinzelin, do Hospital do Câncer de São
Paulo, com apenas 7 a 14 dias de uso contínuo o fumante está dependente. Já
largar o cigarro é difícil. Só 3% das pessoas que tentam abandonar o cigarro
conseguem fazê-lo, geralmente após tentar cinco vezes. E olha que não é pouca
coisa tentar ficar longe da fumaça: 80% dos fumantes brasileiros dizem querer
parar”.
113 U.S.
DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES. National Institutes of Health.
National Institute on Drug Abuse. Tobacco addiction. [Bethesda]:
National Institutes of Health, 2009. Disponível em: http://www.drugabuse.gov/ResearchRepports/Nicotine/Nicotine.html. Efetivamente, “o vício certamente
anuvia as decisões do fumante, impedindo-o, muitas vezes, de adotar posição
mais condizente com a sua saúde. Não basta querer subtrair-se ao vício.
Pesquisas demonstram que a grande maioria dos fumantes que tentaram abandonar o
cigarro quedaram-se desgostosos pelo fracasso” - DELFINO,
Lúcio. Responsabilidade Civil da Indústria do Tabaco. In HOMSI,
Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico
Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 101. Segundo Ronaldo
Laranjeira e Analise Gigliotti, ‘embora 70% dos fumantes desejem parar de
fumar, apenas 5% destes conseguem fazê-lo por si mesmos” – in Tratamento
da dependência da nicotina. Disponível em http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu1_02.htm.
115 OLIVEIRA, Amanda Flávio de; MOURA, Walter
José Faiad de. É preciso proteger o fumante de si
mesmo? In: Revista Científica Virtual da Escola Superior da Advocacia
da OAB-SP, n. 17 (inverno 2014). Edição especial: Direito e Tabaco. São Paulo:
OAB/SP, 2014, p. 161.
116 Como refere Baldini, se o consumidor é
responsável porque sabia que o cigarro faz mal à saúde, com muito maior razão é
responsável o fabricante que antes e melhor do que aquele conhecia as
características do seu produto e, apesar disso, omitia informações, distorcia
as comunicações e se abstinha de reduzir ou eliminar a nocividade do produto
quando isso era tecnicamente possível – BALDINI, Gianni. Il danno da fumo
– Il problema della responsabilità nel danno da sostanze tossiche. Napoli:
Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p. 261.
117 Por essa razão não podemos concordar com a
notável jurista gaúcha, Judith Martins-Costa, quando refere, em parecer encomendado
pela indústria do cigarro, que “creio que o autor da ação não pode,
razoavelmente, sustentar que ‘não sabia’ que o cigarro fazia mal à saúde. É uma
afirmação que não seria crível segundo os padrões de razoabilidade. Estar-se-ia
afrontando a razoabilidade supor que o autor nunca leu, em nenhum jornal, a
notícia dos danos à saúde provocados pelo fumo; que nunca tenha ouvido, de
parentes, amigos ou médicos, conselhos sobre o assunto (...)” – MARTINS-COSTA,
Judith. “Ação indenizatória. Dever de informar do fabricante sobre os riscos do
tabagismo”. In: LOPEZ, Teresa Ancona (coord.). Estudos e Pareceres
sobre Livre-arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – O
paradigma do tabaco. Aspectos civis e processuais. Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 297.
118 HOMSI, Clarissa Menezes. As Ações
Judiciais Envolvendo o Tabagismo e seu Controle. In HOMSI, Clarissa
Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico
Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 56.
119 FRANZOLIN, Cláudio José. Assimetria
Informacional na Relação entre o Consumidor e o Fabricante de Produtos de
Tabaco. In: HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o
Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 155
e 173.
120 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO,
Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade
Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 838.
121 HOMSI, Clarissa Menezes. As Ações
Judiciais Envolvendo o Tabagismo e seu Controle. In: HOMSI, Clarissa
Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico
Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 69. No mesmo sentido
posicionam-se BARBOSA, Fernanda Nunes; ANDREIS, Mônica: “[a] advertência,
presente nas carteiras de cigarro e levada a efeito pelo Ministério da Saúde (e
não pelo fornecedor), não pode ser considerada como informação suficiente,
bastando informalmente perguntar-se a uma fumante (habitual ou potencial) se
ela sabe exatamente quais os riscos do fumo em combinação com o uso de
contraceptivos, ou a relação entre o tabagismo e o câncer de colo uterino.
Ainda que muitas mulheres saibam, genericamente considerando, que ‘fumar é
prejudicial à saúde’, a informação específica é de difícil acesso, mesmo porque
o conhecimento pleno da engenharia do produto, que possibilitaria análise mais
aprofundada de seus efeitos na saúde, apenas a indústria possui” - “O argumento
da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do
cigarro: proposta de reflexão”. In: Revista de Direito do Consumidor. Ano
21, vol. 82, abr.-jun./2012, p. 78.
122 PIOVESAN, Flávia e SUDBRACK, Umberto
Guaspari. Direito à Saúde e Dever de Informar: Direito à Prova e a
Responsabilidade Civil das Empresas de Tabaco. In: HOMSI, Clarissa Menezes
(coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 127/128.
123 Outro estudo, este da Fundação Oswaldo
Cruz, divulgado em 2012, revela números aproximados, dizendo que o Brasil gasta
cerca de 21 bilhões de reais anuais em tratamento de doenças relacionadas ao
cigarro – Jornal O Estado de São Paulo, edição de 31.05.2012.
124 EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS SOBRE TABAGISMO
PARA SUBSÍDIO AO PODER JUDICIÁRIO. Projeto Diretrizes, da AMB. Documento
elaborado pela Associação Médica Brasileira; Ministério da Saúde/Instituto
Nacional de Câncer; Aliança de Controle do Tabagismo. 2013, p. 40.
125 MARTINS, Stella Regina; GONÇALVES DE
SOUZA, Márcio; ARAÚJO, Alberto José de. “Tabagismo – evidências científicas e
marcos jurídicos atuais da dependência à nicotina às doenças que incapacitam e
matam”. In: PASQUALOTTO, Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA,
Fernanda Nunes (org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo
Horizonte: Ed. Letramento, 2018, p. 91/92.
126 Dados do Canadá revelam que, em 2002, o
Ministério da Saúde estimou os custos atribuídos ao tabagismo em 15,8 bilhões
de dólares, ao passo que naquele mesmo ano o governo do Canadá arrecadou apenas
7,4 bilhões de dólares em tributos no setor fumo. – QUÉBEC COALITION FOR TOBACCO CONTROL. Update
on smoking costs to society. Montréal, 2004. Disponível em http://www.cqct.qc.ca/Documents_docs/ETUD_04_01_15_GroupeDAnalyseCourTabacENG.PDF
. A situação é substancialmente a mesma em todos os países.
127 Nesses termos, FARIAS, Cristiano Chaves
de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de
Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 827.
128 HOMSI, Clarissa Menezes. As Ações
Judiciais Envolvendo o Tabagismo e seu Controle. In HOMSI, Clarissa
Menezes (coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico
Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 68.
129 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade
Civil da Indústria do Tabaco. In HOMSI, Clarissa Menezes
(coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 81 e 83.
131 MARTINS, Stella Regina; GONÇALVES DE
SOUZA, Márcio; ARAÚJO, Alberto José de. “Tabagismo – evidências científicas e
marcos jurídicos atuais da dependência à nicotina às doenças que incapacitam e
matam”. In: PASQUALOTTO, Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA,
Fernanda Nunes (org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo
Horizonte: Ed. Letramento, 2018, p. 61/62.
132 VEDOVATO, Luis Renato. A
Convenção-Quadro sobre Controle do uso do Tabaco. Consequências para o
ordenamento jurídico brasileiro. In: HOMSI, Clarissa Menezes
(coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 5.
133 Texto oficial da Convenção-Quadro
para o controle do Tabaco, versão em português, divulgado pelo Ministério
da Saúde e publicado pelo Instituto Nacional de Câncer – INCA, Rio de Janeiro,
2012, p. 27.
134 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade
Civil da Indústria do Tabaco. In HOMSI, Clarissa Menezes
(coord.). Controle do Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 95/96.
135 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade
civil e Tabagismo. Curitiba: Juruá, 2008, p. 98.
136 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO,
Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade
Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 840.
137 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO,
Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade
Civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 840/841.
138 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade
civil e Tabagismo. Curitiba: Juruá, 2008, p. 90
139 DELFINO, Lúcio. “A aplicabilidade do
código de defesa do consumidor a litígios atinentes à responsabilidade civil da
indústria do fumo envolvendo fumantes que principaram no tabagismo antes da sua
vigência”. In: PASQUALOTTO, Adalberto Souza; FACCHINI NETO, Eugenio; BARBOSA,
Fernanda Nunes (org.). Direito e Saúde – o caso do tabaco. Belo
Horizonte: Ed. Letramento, 2018, p. 338.
140 In: Estudos de Direito Civil Brasileiro e
Português, Ed. Rev. dos Tribunais, 1980, p. 6/12.
141 COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação
como processo. São Paulo: José Bushastsky Editor, 1976, p. 30, 34 e 35.
142 MARQUES, Cláudia
Lima. Prefácio a HOMSI, Clarissa Menezes (coord.). Controle do
Tabaco e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011, p. XIX e XX.
143 Em parecer publicado na Revista dos
Tribunais, vol. 835 (2005), páginas 75-133 (“Violação do dever de boa-fé de
informar, corretamente, atos negociais omissivos afetando o direito/liberdade
de escolha. Nexo causal entre a falha/defeito de informação e defeito de
qualidade nos produtos de tabaco e o dano final morte. Responsabilidade do
fabricante do produto, direito a ressarcimento dos danos materiais e morais,
sejam preventivos, reparatórios ou satisfatórios”), a preclara jurista gaúcha
salientara que o princípio da boa-fé se encontra inserido no ordenamento
brasileiro desde 1850, notadamente naquilo que se refere ao dever informativo
do profissional/fabricantes ao consumidor/leigo. O princípio da boa-fé, já
nesta época, influenciava todo o direito das obrigações no Brasil.
144 Tratado de Direito Civil, Volume XII,
Tomo II. Max Limonad: 1957, p. 520 e seg.
146 Segundo informações obtidas no estudo
denominado “Tendência das taxas de mortalidade de câncer de pulmão corrigidas
no Brasil e regiões”, publicado por Deborah Carvalho Malta, Daisy Maria
Xavier de Abreu, Lenildo de Moura, Gustavo C Lana, Gulnar Azevedo, Elisabeth
França, na Revista de Saúde Pública, 2016, vol. 50, p. 33 - http://www.rsp.fsp.usp.br/, acessado
através do site http://www.scielo.br/pdf/rsp/v50/pt_0034-8910-rsp-S1518-