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segunda-feira, 8 de abril de 2024

Equilíbrio na saída societária: estratégias e desafios na avaliação de haveres

A determinação dos valores devidos ao sócio que se retira, falece ou é excluído de uma sociedade limitada é um tema que causa controvérsia, principalmente se a regra não está clara no contrato social. Na maioria dos casos, o sócio retirante, excluído, ou seus herdeiros buscam receber o maior valor possível pela sua participação o quanto antes, enquanto, do outro lado, a sociedade e os sócios remanescentes procuram pagar o montante mais baixo e em um prazo mais extenso.

Acessar o artigo Conjur

Patricia Mancini

6 de abril de 2024


domingo, 19 de junho de 2022

DIREITO EMPRESARIAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SÓCIO DE FATO.

DIREITO EMPRESARIAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SÓCIO DE FATO. PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE AFASTADA. JUÍZO DE FORÇA-TAREFA COMPETENTE. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DIREITO.INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. PROVA ESSENCIALMENTE DOCUMENTAL. PRETENSÃO IMPOSSÍVEL DE INGRESSO NA SOCIEDADE. QUADRO SOCIAL E ADMINISTRADOR DEFINIDOS. DOCUMENTOS QUE NÃO SÃO SUFICIENTES PARA DETERMINAR O INGRESSO DO AUTOR NA SOCIEDADE. SENTENÇA MANTIDA.


ver jurisprudência

Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade empresarial de fato com pedido de apuração de haveres.


Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade empresarial de fato com pedido de apuração de haveres. Sentença de procedência do pedido inicial, ficando reconhecida a sociedade em comum e determinada a apuração de haveres.

VER JURISPRUDÊNCIA


domingo, 5 de junho de 2022

Dissolução irregular de sociedade e desconsideração da personalidade jurídica - Jurisprudências

 Quando uma sociedade empresária encerra suas atividades, espera-se que ocorra um procedimento formal de dissolução, que envolve, normalmente, o ato de dissolução propriamente dito (um distrato, por exemplo), a liquidação do seu patrimônio (apuração de ativo e passivo), a partilha do acervo social restante entre os sócios (caso o resultado da liquidação seja positivo) e a extinção da personalidade jurídica (com a respectiva baixa no órgão competente, que no caso de uma sociedade empresária é a Junta Comercial).


Quando, porém, uma sociedade empresária encerra suas atividades sem obedecer a essas formalidades, diz-se que houve uma dissolução irregular.

Pergunta-se: a dissolução irregular de sociedade empresária configura fundamento suficiente para a responsabilização pessoal dos sócios/administradores que deram causa a essa irregularidade, com o consequente redirecionamento de eventual execução da pessoa jurídica contra eles?

Em se tratando de débitos inscritos na dívida ativa, cobrados por meio de execução fiscal, a resposta é sim, nos termos da Súmula 435/STJ, comumente aplicada pelas Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ, responsável por julgar litígios relacionados ao direito tributário: “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Em contrapartida, em se tratando de dívidas negociais a situação é diferente. As Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, responsáveis por julgar litígios relacionados ao direito empresarial, entendem que a mera dissolução irregular de sociedade não é fundamento suficiente para decretação da desconsideração da personalidade jurídica, recusando aplicação da Súmula 435/STJ às lides privadas. Confiram-se, a propósito, alguns precedentes da nossa Corte Superior nesse sentido:

 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. INOVAÇÃO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CC/2002. TEORIA MAIOR. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. INSUFICIÊNCIA E INEXISTÊNCIA DE PROVA. AFERIÇÃO DA PRESENÇA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA TEORIA DA DISREGARD DOCTRINE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

(…)

A mera demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes.
(…)

(AgRg no AREsp 550.419/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 19/05/2015)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCABIMENTO. ART. 50 DO CCB.

A desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária com base no art. 50 do Código Civil exige, na esteira da jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de abuso da personalidade jurídica.
O encerramento irregular da atividade não é suficiente, por si só, para o redirecionamento da execução contra os sócios.
Limitação da Súmula 435/STJ ao âmbito da execução fiscal.
Precedentes específicos do STJ.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1386576/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 25/05/2015)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ENCERRAMENTO DE ATIVIDADES SEM BAIXA NA JUNTA COMERCIAL. REQUISITOS. AUSÊNCIA. VALORAÇÃO DA PROVA. EQUÍVOCO. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.

A mera circunstância de a empresa devedora ter encerrado suas atividades sem baixa na Junta Comercial, se não evidenciado dano decorrente de violação ao contrato social da empresa, fraude, ilegalidade, confusão patrimonial ou desvio de finalidade da sociedade empresarial, não autoriza a desconsideração de sua personalidade para atingir bens pessoais de herdeiro de sócio falecido. Inaplicabilidade da Súmula 435/STJ, que trata de redirecionamento de execução fiscal ao sócio-gerente de empresa irregularmente dissolvida, à luz de preceitos do Código Tributário Nacional.
(…)

(AgRg no AREsp 251.800/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 13/09/2013)

 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ARTIGO 50, DO CC. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES OU DISSOLUÇÃO IRREGULARES DA SOCIEDADE. INSUFICIÊNCIA. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. DOLO. NECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ACOLHIMENTO.

(…)

O encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil.
Embargos de divergência acolhidos.
(EREsp 1306553/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE - NEGOCIATA MILIONÁRIA - Sócio enganado e que vendeu cotas por bagatela será indenizado no RS



Sócio que tira partido da situação de penúria de outro sócio numa negociação, sonegando informações preciosas e faltando com a boa-fé negocial, incorre em dolo acidental. Com esta conduta, pode ser obrigado, judicialmente, a reparar as perdas da parte lesada, como prevê o artigo 146 do Código Civil.
Decisão do TJ-RS condena sócio a indenizar o outro sócio enganado

Com a prevalência deste entendimento, a maioria da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que redimensionou as bases financeiras de um contrato de cessão de cotas em que o cedente saiu claramente prejudicado na negociação. Afinal, além de "comprar" o discurso de que a empresa estaria à beira da falência, ignorava negociações para sua venda para uma multinacional, por valor estratosférico. Assim, acabou vendendo suas cotas por um valor muito abaixo daquele pelo qual elas foram revendidas dias depois.

O relator das apelações, desembargador Niwton Carpes da Silva, disse que a prova acostada aos autos evidencia que o autor da "ação de complemento de preço por dolo ativo" foi lesado e ludibriado. E de forma mais intensa pelo sócio responsável pela negociação, com quem mantinha relações de amizade e alguma proximidade, pois este, ao esconder a venda da empresa, levou o autor a uma "situação ridícula, social e financeiramente", justificando a condenação dos réus em R$ 200 mil por danos morais.

Carpes não descartou, igualmente, a incidência do dolo positivo e/ou negativo na conclusão da negociação prejudicial levada a efeito, "pois o embuste, a enganação, a omissão, a falsa informação e a astúcia dos réus foram suficientes e bastantes para ilaquear [embaraçar] a manifestação de vontade livre do autor que, se soubesse da realidade dos fatos e, principalmente, da negociação em curso da empresa com a Companhia Americana, certamente o acordo seria celebrado em outras bases"’, anotou no acórdão, confirmando os fundamentos da sentença.

Caso concreto
Em julho de 2002, o empresário DZR, sócio dissidente da Indústria Riograndense de Óleos Vegetais Ltda. (EMPRESA REQUERIDA), com sede na Comarca de Pelotas (RS), ajuizou uma ação de dissolução parcial de sociedade limitada na 4ª Vara Cível da comarca para apurar haveres e deixar a empresa. Detentor de 28% das cotas sociais, ele já havia ingressado com pedido de retirada da sociedade em outubro de 2001. Ele contava com mais de 70 anos, padecia de câncer e estava afastado dos negócios, residindo na Argentina.

Em maio de 2006, o juízo local, considerando probabilidade do direito pleiteado, além da idade avançada e o estado de saúde do autor, concedeu a antecipação de tutela. Assim, determinou que a EMPRESA REQUERIDA pagasse R$ 405 mil por mês ao autor, em 12 parcelas mensais, até montante calculado pela auditoria contratada pelas partes. O não pagamento das parcelas levaria à cominação de multa diária no valor de R$ 10 mil em favor do autor.

Inconformada, a EMPRESA REQUERIDA entrou com recursos no Tribunal de Justiça gaúcho para suspender a antecipação de tutela, mas a decisão acabou confirmada em mais de uma oportunidade.

Em agosto de 2007, a Justiça, enfim, determinou o cumprimento da decisão judicial. No mês seguinte, premidos pela situação, um dos advogados e mais três representantes da empresa procuraram o juiz que cuidava do caso à época para alertá-lo sobre os reflexos financeiros de sua decisão. Em síntese, sustentaram que o cumprimento da antecipação de tutela iria quebrar a empresa.

Sensível e com a anuência do autor, o magistrado suspendeu temporariamente a decisão antecipatória, para dar chance a uma composição amigável do litígio. A composição, entretanto, não veio, pois a EMPRESA REQUERIDA queria rediscutir os "valores incontroversos" reconhecidos pela Justiça e devidos ao sócio retirante.

Cenário tétrico
Em dezembro de 2007, o também sócio SÓCIO OTAB viajou a Buenos Aires para negociar diretamente com o SÓCIO DZR. Para se assegurar de que obteria um bom acordo para cessão das cotas, Brito, segundo o acórdão, "pintou um cenário" desesperador para a EMPRESA REQUERIDA; ou seja, passou ao sócio dissidente a ideia de que a empresa se encontrava em estado pré-falimentar.

SÓCIO DZR, beirando os 80 anos, doente terminal e vivendo de aluguel, não teve outra escolha senão aceitar a proposta de R$ 3 milhões para ceder sua participação societária, já que não conseguia receber os valores reconhecidos em juízo. As duas partes assinaram, finalmente, a proposta de dissolução parcial da sociedade — pondo fim à ação judicial — no dia 30 de janeiro de 2008. A homologação judicial da dissolução, com a consequente cessão de cotas, ocorreu no dia 20 de fevereiro.

Exatamente dois dias após a formalização do negócio jurídico, o sócio dissidente soube, pelo jornal Diário Popular, de Pelotas, que a EMPRESA REQUERIDA havia sido vendida para o grupo americano NutraCea pela quantia de US$ 14 milhões. O anúncio do negócio deixou claro que a família Amaral Brito, representada por Osmar, já vinha "costurando" uma negociação com os norte-americanos há algum tempo, informação omitida nas tratativas de cessão de cotas.

Omissão de informações
Sentindo-se lesado, SÓCIO DZR ajuizou ação de complemento de preço por dolo ativo e omissivo na conclusão de negócio jurídico, violação da boa-fé e deveres fiduciários, cumulada com indenização por danos morais — tudo em face da EMPRESA REQUERIDA, de SÓCIO OTAB e dos demais sócios da família Amaral Brito. A data da inicial: 26 de agosto de 2008.

Na peça, o autor alegou que foi vítima dos réus, que omitiram informações sobre o negócio que estava em andamento, fornecendo dados falsos sobre a situação financeira da empresa, o que caracterizaria dolo acidental. Pediu a procedência da ação para o pagamento da diferença entre o preço que recebeu por seus haveres sociais e o preço que deveria ter recebido se sua cota fosse avaliada conforme o preço do negócio entabulado, além da indenização por danos morais.

No curso da ação, em 25 de maio de 2017, o autor veio a falecer. Ele foi substituído no processo pelo filho herdeiro do SÓCIO OZR, M Z S, que detém a procuração pública da viúva e dos demais irmãos.

Sentença procedente
Decorridos dez anos de tramitação processual, precisamente em 16 de agosto de 2018, a 1ª Vara Cível de Pelotas julgou totalmente procedente a demanda. Para o juiz Paulo Ivan Alves de Medeiros, ficou claro o dolo eventual por parte dos réus, o que atrai a aplicação do artigo 146 do Código Civil: "O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo". No caso concreto, não caberia a invalidação do contrato, mas apenas a reparação do prejuízo experimentado pela parte lesada, consistente no pagamento da diferença entre o preço pago pelas cotas e seu real valor.

"Impõe-se, assim, acolher o pedido de indenização por dano material, formulado na inicial. Também procede a pretensão reparatória por dano moral. O autor, pessoa idosa e com sérios problemas de saúde, foi vítima de uma manobra dos réus, que lhe causou um prejuízo milionário, o qual certamente teve reflexos negativos de ordem psicológica’", escreveu na sentença.

O juiz condenou os réus, solidariamente, ao pagamento da diferença entre o valor da cota-parte do autor, calculado com base no preço da venda da EMPRESA REQUERIDA, e aquele ajustado no acordo celebrado nos autos da ação de dissolução parcial de sociedade. E arbitrou a reparação moral em R$ 200 mil.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2020, 7h05


terça-feira, 8 de outubro de 2019

DIREITO CIVIL ATUAL - A dissolução parcial é adequada para as sociedades anônimas?

2 de setembro de 2019, 13h51

Por Alfredo de Assis Gonçalves Neto

Nosso "decimonônico" Código Comercial não continha previsão clara sobre a retirada de sócio nas sociedades comerciais. É verdade que, em seu art. 339, dispunha a respeito da despedida do sócio, porém, apenas para o propósito de mantê-lo vinculado ao cumprimento das obrigações sociais anteriormente assumidas.[1]

De todo modo, àquele que se pretendesse desligar dos vínculos societários era assegurado o direito de pôr fim à própria sociedade, consoante previa o art. 335, n. 5, do mesmo Código, ao arrolar, entre as causas de sua dissolução, a vontade potestativa de qualquer dos sócios. Essa norma e, bem assim, as que previam como causas de dissolução da sociedade acontecimentos vinculados direta e exclusivamente à pessoa de um de seus integrantes, como o falecimento, a incapacidade e a falência de sócio (mesmo artigo, ns. 2 e 4), soam estranhas nos dias atuais, mas estiveram em perfeita sintonia com visão individualista da época e com a concepção do instituto da sociedade como um contrato bilateral celebrado entre pessoas naturais, que assim se uniam em razão de laços de amizade ou de conhecimento pessoais para realizar um empreendimento, econômico ou não, de interesse comum.

Com o desenvolvimento da noção de contrato plurilateral e o esmaecimento dos primados individualistas que, dentre outros resultados, fizeram nascer a preocupação com a preservação da empresa (interesse de uma coletividade), essas disposições, em lenta evolução, passaram a sofrer uma interpretação construtiva: sem agredir o texto legal, a doutrina e, posteriormente, a jurisprudência procuraram dar-lhe um sentido lógico para atender as novas realidades. E, assim, as três causas de dissolução acima mencionadas passaram a ser entendidas como de dissolução da sociedade em relação, exclusivamente, ao sócio (i) que manifestasse a vontade de dissolvê-la, (ii) que viesse a falecer (ii) ou a falir (iii) ou a ser declarado incapaz. Com essa leitura, as antes referidas disposições (ns. 2, 4 e 5 do art. 335 do CCom) permitiram manter viva a sociedade, resguardando hígidos os vínculos societários existentes entre os demais sócios e só os rompendo em relação àquele perante o qual a sociedade dissolvia-se (parcialmente, portanto).

No tocante às companhias ou sociedades anônimas[2], porém, esses problemas não se colocavam, pois outras eram as causas de sua dissolução, que o mesmo Código Comercial para elas estabelecia, visando à proteção do capital social e, assim, distanciando-as das pessoas de seus acionistas, isto é, de quem quer que fosse titular de suas ações: a) a expiração do seu prazo de duração; b) a quebra da sociedade; e c) a inviabilidade de atingir o intuito e fim sociais (CCom, art. 295). Ou seja, desde 1850 – e porque não dizer, desde o primeiro texto legislativo brasileiro que as regulou[3] – as causas de dissolução das sociedades anônimas jamais contemplaram as de cunho individualista estatuídas para a dissolução das demais sociedades.

No plano das sociedades limitadas havia a regra do art. 15 do Decreto 3.708/1919, que facultava a retirada do sócio dissidente de alguma alteração contratual.[4] Em tempos passados, muito se discutiu na doutrina se as causas de dissolução da sociedade limitada, como tipo intermediário entre as sociedades de pessoas e de capital, eram as previstas no Código Comercial ou as enumeradas na Lei do Anonimato. Prevaleceu o entendimento de que, como a lei de regência das limitadas mandava observar as disposições daquele Código para sua constituição, também deveriam ser aplicadas suas normas quando de sua dissolução.[5] Afora essa dúvida, outra havia, relativa ao prazo para exercício do direito de retirada, porque não previsto no Decreto 3.708/1919. Como só a Lei das Sociedades por Ações continha regra a respeito, restou firmada a orientação de que, por aplicação analógica das disposições dessa lei (art. 137, inc. IV), o direito de retirada do sócio da sociedade limitada deveria ser exercido em 30 dias contados da data do arquivamento da alteração contratual no registro próprio.

De toda maneira, a questão de saber se havia ou não prazo para o exercício do direito de retirada dificultou sobremaneira seu exercício até ser superada sob o entendimento, que prevaleceu, de se aplicarem à sociedade limitada as causas de dissolução previstas no Código Comercial. É que, se o direito de retirada estava sujeito ao prazo de 30 dias para ser exercido, passado esse lapso temporal, ainda restava ao sócio descontente a possibilidade de utilizar-se da regra do art. 335, n. 5, daquele Código, que lhe outorgava outra alternativa para romper seu vínculo com a sociedade - o da dissolução parcial. A partir dessa compreensão, tornou-se irrelevante, assim para a doutrina, como para os tribunais pátrios, a distinção entre retirada e dissolução parcial por vontade potestativa de sócio na então denominada sociedade por quotas de responsabilidade limitada.

Mas, como dito, esse não era um tema que afetasse o direito de retirada nas sociedades por ações. Afinal, o regime jurídico do anonimato, tal como concebido inicialmente, era incompatível com um amplo direito de retirada, tanto que só veio a ser introduzido em sua disciplina com o Decreto 21.536/1932; mesmo assim, de modo extremamente restrito, apenas para permitir ao acionista titular de ações preferenciais desligar-se da companhia quando prejudicado por modificação estatutária que alterasse as preferências conferidas às suas ações ou que criasse nova classe de preferenciais mais favorecida (art. 8º).

Leis posteriores ampliaram o rol das causas que facultavam o direito de retirada do acionista – todas destinadas a proteger o acionista minoritário –, hoje previstas, em caráter exaustivo, na Lei 6.404/1976. É o que se vê em seu art. 109, inc. V, que inseriu a retirada como um dos direitos essenciais do acionista, suscetível de ser exercido, apenas, "nos casos previstos nesta Lei".[6]

Isso significa que não há permissão para o intérprete aplicar por analogia quaisquer outras normas que tratem de direito de retirada de sócio em outras leis, como o faz o Código Civil em relação às demais sociedades por ele reguladas (arts. 1.029 e 1.077) e, eventualmente, em outras disposições legislativas que o regrem para qualquer outro tipo societário diverso do das sociedades por ações. Era essa, aliás, a interpretação que àquele enunciado legal davam, em uníssono, a doutrina e a jurisprudência pátrias.[7]

Tal era o panorama com que se deparou o Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento, pela 4ª. Turma, do REsp 111.294-PR. Tratava-se de caso no qual se capitulava uma causa de dissolução total e, para não a acolher, aquele Tribunal contornou-a, vencido o Relator, Min. Barros Monteiro, aplicando a solução que, até então, só era adotada para as sociedades limitadas. Eis a ementa:

DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. GRUPO FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE LUCROS E DE DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS HÁ VÁRIOS ANOS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIOS MINORITÁRIOS. POSSIBILIDADE. Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra da affectio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo, na expressão de Rubens Requião. O princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social afasta a dissolução integral da sociedade anônima, conduzindo à dissolução parcial. Recurso parcialmente conhecido, mas improvido. (O negrito não está no texto.)

Efetivamente, tirante a afeição pessoal, introduzida na ementa como simples reforço argumentativo, porque desnecessário para o julgamento, eram firmes a doutrina e a jurisprudência de nossos tribunais no sentido de conceder a dissolução (total) da sociedade anônima, grande ou pequena, que não produzisse lucros por longos anos, por capitular-se a causa prevista no art. 206, inc. II, letra b, da Lei 6.404/1976: dissolve-se a companhia, por decisão judicial, "quando provado que não pode preencher o seu fim em ação proposta por acionistas que representem cinco por cento do capital social." [8]

E assim já era decidido porque, ao se referir a "fim", essa norma abrange, "tanto a realização do objeto social (escopo-meio) como a busca de lucros (escopo fim)."[9] Ou, no dizer CARVALHOSA e KUYVEN "a lucratividade compatível com a atividade empresarial exercida e a capacidade de compensar proporcionalmente os acionistas nesses resultados constituem requisitos fundamentais para a continuidade da existência da companhia. Se esta não puder produzir lucros, cabe dissolvê-la. O termo 'fim' tem duplo alcance, querendo, de um lado, significar a atividade empresarial estabelecida no estatuto (objeto social), e, no sentido teleológico, a meta de toda companhia, qual seja, a produção de lucros compatíveis e distribuíveis aos acionistas. Tanto na primeira hipótese como na segunda, não alcançando a companhia seu fim, cabe o pedido judicial de sua dissolução."[10]

Percebe-se, então, que o aresto construiu solução que evitou a inexorável dissolução total da companhia, capitulada no art. 206, inc. II, letra b, da Lei 6.404/1976. Com a concessão (decretação) da dissolução da companhia apenas em relação aos autores da ação, possibilitou a preservação da empresa para a companhia poder prosseguir entre os acionistas confiantes num futuro sucesso do empreendimento.

Fica evidente, diante disso, que as referências ao liame pessoal entre os acionistas e à natureza familiar da sociedade, porque totalmente desnecessárias para a dissolução de qualquer companhia, em relação à qual ocorra uma causa dissolutória, apenas têm sentido para acentuar sua proximidade com as sociedades limitadas, em relação às quais já se consagrara a possibilidade de serem dissolvidas parcialmente. Afinal, era a vez primeira que se determinava a dissolução parcial, e não total, de uma sociedade anônima.

Tanto bastou, porém, para que o Superior Tribunal de Justiça, com algumas oscilações iniciais, passasse a admitir, sem limitação, a dissolução parcial de companhia familiar (e, num segundo passo, de companhia fechada em geral) com fundamento, exclusivamente, na perda da affectio societatis.[11] E, ao sufragar esse entendimento, descurou-se do principal fundamento que norteou o leading case cuja ementa foi acima reproduzida, o qual se fundara, como visto, em causa legal específica de dissolução das companhias.

A partir de então, tal orientação passou a ser seguida, com raras exceções, pelos demais tribunais do País. E assim prosseguiu, mesmo diante da alteração do regime jurídico societário que veio com o Código Civil de 2002, no qual inexiste causa de dissolução fundada no simples querer de sócio (arts. 1.033 a 1.035) – ou, mais precisamente, no qual a causa de dissolução por vontade unilateral do sócio foi substituída pela vontade da maioria absoluta (art. 1.033, inc. III).

A inadequação dessa orientação e, também, o relevante tratamento que o Código de Processo Civil de 2015 conferiu ao tema serão objeto da segunda parte desta coluna, a ser publicada na próxima semana.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

[1] O Conselheiro Orlando, nas suas anotações, colheu decisão que cuidava da exclusão com o sentido de despedida e outra na rara hipótese de o contrato social conferir ao sócio a faculdade de retirar-se da sociedade quando lhe aprouvesse, subtendendo um afastamento de caráter amistoso (Sallustiano Orlando de Araújo Costa, Código Comercial do Império do Brasil. 3ª. ed. Rio de Janeiro, Ed. Laemmert, 1878, p. 178, nota 473. Mais tarde, o despedir-se, quando não entendido como rompimento dos laços societários por exclusão, passou a ser compreendido como retirada, desde que se desse após a liquidação do último negócio da sociedade (Antônio Bento de Faria, Código Comercial Brasileiro. 3ª. ed. Rio de Janeiro, Ed. Jacintho Ribeiro Santos, 1920, p. 441, n. 354).

[2] Embora em total desuso, aí se incluam as sociedades em comandita por ações.

[3] De conformidade com o art. 10 do Decreto 575/1849, só por ato governamental, fundado no fato de as companhias não cumprirem as condições a que estavam sujeitas, é que poderiam dissolvidas: "O Governo nomeará, todas as vezes que entenda conveniente, um ou mais Agentes para fiscalizarem as operações das Sociedades, de que trata o Artigo antecedente; e poderá declará-las dissolvidas, quando se verificar que não cumprem as condições, a que se sujeitaram."

[4] "Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado. Ficam, porém, obrigados às prestações correspondentes às quotas respectivas, na parte em que essas prestações forem necessárias para pagamento das obrigações contraídas, até a data do registro definitivo da modificação do estatuto social."

[5] Por todos, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, A sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958, v. II, n. 400, p. 8-9.

[6] O direito de retirada está previsto, com restrições, nos arts. 136-A, 137 e incisos, 221, 223, §4º, 230, 252, §§ 1º e 2º, 256, § 2º, e 296, § 4º, da Lei 6.404/1976.

[7] Tome-se como referência, por exemplo, o AgRg no Ag nº 34.120-SP, Rel. Min. Dias Trindade, STJ, 3ª. Turma, julg. em 26/4/1993, DJU de 14/6/1993.

[8] O paradigma vem desde o julgamento pelo STF do RE n. 20023, Relator o Min. Nelson Hungria, 1ª. Turma, julg. em 28/04/1952, DJU de 19-06-1952. Já na égide da vigente Lei do Anonimato, o STJ pronunciou-se no mesmo sentido ((REsp 164.125/RJ, Rel. Min. Costa Leite, 3ª. Turma, julg. em 26/05/1998, DJU de 03/08/1998).

[9] Do autor, Manual das companhias ou sociedades anônimas. 3ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, n. 152, p. 263.

[10] CARVALHOSA, Modesto; e KUYVEN, Fernando. Tratado de direito empresarial. v. III. 2ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018, p. 1.201.

[11] Em minucioso apanhado sobre o tema, Ana Frazão faz uma minuciosa análise das decisões do Superior Tribunal de Justiça, demonstrando a fase em que relutou em aceitar a tese da dissolução parcial com base na affectio societatis, encaminhando-se, em seguida, para admiti-la como fundamento único, suficiente para ensejar o desligamento do acionista (O STJ e a dissolução parcial de sociedades por ações fechadas. Migalhas, 23.04.2019, disponível em https://www.migalhas.com.br/dPeso/16,MI300846, 91041º+STJ+e+a+dissolucao+parcial+de+Sociedade+por+acoes+fechadas - visto em 18.07.2019).

Alfredo de Assis Gonçalves Neto é advogado e professor titular aposentado de Direito Comercial da Universidade Federal do Paraná.

Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2019, 13h51

DIREITO CIVIL ATUAL - A dissolução parcial é adequada para as sociedades anônimas? Parte II

7 de outubro de 2019, 10h05

Por Alfredo de Assis Gonçalves Neto

Tenho sustentado, já há bastante tempo, que esse posicionamento não encontra fundamento jurídico algum para permitir a dissolução parcial ou a retirada de sócio de qualquer sociedade, principalmente de uma companhia. De fato, a affectio societatis é um nada jurídico, visto que não se encontra na lei nem se insere em algum dos elementos de validade ou de eficácia do negócio jurídico societário.[1]

Ainda que o desaparecimento desse elemento imaginário continue sendo considerado causa de dissolução das sociedades ditas contratuais — e não é meu propósito aqui apontar as razões desse equívoco também em relação a elas —, importa dizer que essa affectio jamais pode ser evidenciada nas sociedades por ações, cuja estrutura é totalmente infensa a qualquer tipo de relacionamento pessoal entre os acionistas, os quais sequer figuram no estatuto social e, mesmo nas companhias fechadas ingressam e saem mediante simples termo de transferência lavrado no livro próprio, sem qualquer ingerência dos demais, nada importando seu porte.[2] O máximo que a lei permite é a criação de limitações à circulação das ações, desde que não obstaculizem sua negociação (LSA, artigo 36).

Como já acentuei ao particularizar esse tipo societário, "a sociedade anônima é um 'mecanismo jurídico' criado para movimentar capitais, não tendo relevância quem sejam seus sócios. Eles possuem ações (daí a designação de acionistas), títulos desprendidos do estatuto ou ajuste social, que lhes conferem o status socii. É pela negociação dessas ações, diretamente ou no mercado de valores mobiliários, que os acionistas ingressam ou se retiram da sociedade, sem que isso afete a estrutura societária e sem que necessitem revelar-se aos demais integrantes do quadro social."[3] Embora destinado, em seu surgimento, à movimentação de grandes capitais, o fato é que, com o passar dos tempos, esse tipo societário passou a ser utilizado, também, para pequenos empreendimentos.

Sem negar que a vigente Lei do Anonimato distinguiu as companhias abertas das fechadas, o fato é que, no ponto referente à proteção do capital investido, deu-lhes o mesmo tratamento, com ínfimas variações, mantendo a mesma diretriz de proteção dos recursos afetados ao empreendimento. Trata-se de uma característica inerente ao tipo. Assim, se um pequeno número de interessados quer constituir uma sociedade dotada de estrutura que proporcione maior segurança e perenidade ao empreendimento comum, criando barreira para evitar ou impedir o esvaziamento de seu patrimônio, tem a opção da sociedade anônima, ao invés de um dos tipos de sociedade ditos contratuais. Sendo assim, não cabe afastar as disposições próprias do regime jurídico societário escolhido pelas partes, para subordiná-las a outras, que àquelas se contrapõem, pertinentes a outros tipos, dando ao caso solução diversa da desejada.

Refiro–me, aqui, nomeadamente, às disposições contidas na Lei das Companhias sobre dissolução e retirada, totalmente distintas das que se encontram no Código Civil para sua regência em relação aos demais tipos societários. Para espancar qualquer dúvida, no tocante ao direito de retirada — vale repetir — aquela lei foi incisiva para só o admitir "nos casos previstos nesta lei" (artigo 109, inciso III).

O que se observa em alguns julgados é verem na dissolução parcial da sociedade anônima um remédio para a preservação da empresa. Trata-se, porém, de entendimento grandemente equivocado, porque, fundado na quebra da affectio societatis, ele jamais atinge tal propósito. Efetivamente, quando se concede a dissolução parcial como meio de evitar a dissolução total, fica claro que se está buscando preservar a empresa entre os que querem mantê-la entre si; quando, porém, a dissolução parcial não se assenta em uma causa dissolutória que levaria a companhia à extinção, dá-se exatamente o contrário, pois a apuração de haveres do sócio, salvo se negativa, implica inexoravelmente uma redução do patrimônio afetado ao fim social e um desequilíbrio econômico-financeiro à companhia assim desfalcada, a ponto de poder, aí, sim, levá-la à ruína.

À altura não custa observar que, sob a impropriamente denominada dissolução parcial da sociedade anônima, o acionista de sociedade anônima fechada, familiar ou não, passou a ter, concretamente, um amplo direito de retirada, suscetível de ser exercido quando bem lhe aprouver, sem respeito à regulação casuística da lei de regência desse tipo societário, com destaque para aquela que outorga à companhia a possibilidade de afastar seu exercício, ainda quando cabível, se verificar que "o pagamento do preço do reembolso das ações aos acionistas dissidentes que exerceram o direito de retirada porá em risco a estabilidade financeira da empresa" (artigo 137, § 3º). Em suma, a orientação prevalecente desfigurou os contornos legais desse tipo societário, distanciando-o, totalmente, do propósito de proteger o capital alocado para o empreendimento.

Penso que essa orientação tende a mudar com a aplicação das disposições do Código de Processo Civil de 2015, pois, no capítulo em que regulou a impropriamente denominada ação de dissolução parcial de sociedade cuidou de inserir a possibilidade de ela ter por objeto "a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim" (artigo 599, § 2º). Ora, esse enunciado nada mais faz do que vincular o pleito de dissolução parcial de sociedade anônima a uma específica causa de dissolução total: a que está prevista na Lei 6.404/1976, que tem, precisamente, essa redação: "dissolve-se a companhia" (artigo 206), "por decisão judicial" (inciso II), "quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social" (letra b). Trata-se, sem dúvida, de norma restritiva que, além de excluir a sociedade anônima aberta da medida judicial, afasta-se de um atávico individualismo para só autorizar a dissolução parcial da fechada na presença de dois pressupostos processuais: (i) não preenchimento do fim social (por não estar a produzir lucros por anos consecutivos, por deixar de exercer a atividade descrita em seu objeto social, por paralisar sua atividade sem condições de voltar a funcionar e assim por diante) e (ii) percentual mínimo de participação do autor ou dos autores da ação no capital social da companhia.

Ao que tudo indica, o legislador atendeu ao clamor de quantos sentiram os efeitos das distorções verificadas sob o manto de uma orientação jurisprudencial alheia à realidade e procurou pôr fim aos efeitos perversos que tem causado, facilmente comprováveis por um bom trabalho de jurimetria. Claro está que as mencionadas condicionantes processuais tentam reerguer a relevância da estrutura própria do tipo societário sob análise, devolvendo às partes a necessária segurança jurídica e restaurando, por essa via, a tese que aflorou no Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do REsp 111.294-PR.

Resta registrar, em resposta à pergunta que serve de título para este artigo, que é possível, sim, a dissolução parcial de sociedade anônima fechada, nunca, porém, pelo simples querer de um ou de alguns acionistas, mas sempre que apareça uma das causas elencadas pela lei para sua dissolução (total), de cunho não imperativo. É o que tenho dito nos meus escritos: "A dissolução parcial terá cabimento diante de qualquer das causas de dissolução (total) que com ela se revelem compatíveis, ou seja, qualquer das causas que, por não conduzirem a sociedade, inexoravelmente, à extinção (como seriam a vontade unânime dos sócios, a cassação da autorização para funcionar e a insolvência) permite o rompimento de vínculos sociais em relação a um sócio ou a um grupo de sócios sem afetar as demais relações jurídicas sociais existentes entre os outros sócios que pretendam prosseguir com a sociedade entre si." [4]

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*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

[1] Sobre o tema, do autor, Lições de direito societário. 2ª. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, n. 125, p. 290-291; e Direito de Empresa – Comentários aos arts. 966 a 1.195 do Código Civil. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019, ns. 232, p. 303, e ns. 401-405, p. 456-463.

[2] Vale recordar que a estrutura da sociedade anônima, por visar à proteção do capital, facultava a emissão de ações ao portador. O fato de terem sido abolidas de nossa legislação não altera essa função protetiva.

[3] Manual das companhias ou sociedades anônimas, cit., n 1, p. 17.

[4] Manual das companhias ou sociedades anônimas, cit., n. 155, p. 265,

Alfredo de Assis Gonçalves Neto é professor titular de Direito Comercial da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e advogado em Curitiba.

Revista Consultor Jurídico, 7 de outubro de 2019, 10h05