Capítulo VI – Teorias
6.1.
Introdução - 6.1.1. A teoria de Vivante do duplo sentido da vontade; 6.1.2.
Teoria da emissão; 6.1.3. Teoria da criação; 6.1.4. Teoria da aparência; 6.1.5.
Teoria adotada no Brasil.
6.1. Introdução
Várias são as
teorias criadas e desenvolvidas ao longo do tempo sobre títulos de crédito, sua
criação, circulação e outras sobre o direito obrigacional, o direito de emitir
e ou receber o crédito incorporado em documento especialmente posto por um
sujeito.
Dessas teorias
buscamos aprender algumas importantes que ainda traduzem o sentido jurídico
envolvendo um documento creditício.
6.1.1. A teoria de Vivante do duplo sentido da vontade
A posição de
Vivante, autor que se afastou das teorias legalistas para desenvolver a sua
teoria, inicialmente, era tentar explicar a posição jurídica do emitente do
título de crédito, do credor e daquele para quem o título foi transferido.
Primeiro,
reconhece a vontade como fonte das obrigações, para ele a fonte das obrigações deve
ter duplo sentido na vontade do emitente do título. Esse duplo sentido seria que
o emitente firmaria uma relação com o contratante e, ainda, com as pessoas que
possivelmente fossem receber o título que emitiu em favor daquele contratante.
Vivante salienta
que,
“para explicar a posição
distinta do devedor, há que penetrar nos motivos de sua vontade, fazer a
análise desta vontade, que é o fundamento da obrigação, e reconhecer que se
ele, para obter o benefício do crédito, quis dar à outra parte, seja vendedor
ou mutuante, um título apto para a circulação, quis também, não obstante, conservar
intatas contra ele as defesas que o direito comum proporciona. Mas a disciplina
do título deve adaptar-se a essa diferente direção da vontade que lhe deu
origem, devendo a condição de devedor regular-se conforme a relação jurídica
total que deu origem ao título, quando se encontra ante aquele com quem o
negociou; e se deve, em troca, ajustar a sua vontade unilateral, tal como se
manifestou no título, quando se encontra frente aos subsequentes portadores de
boa-fé” [1].
A vontade do
devedor, ainda segundo Vivante, se transformaria em natureza contratual com
relação ao seu credor imediato. Com relação ao contrato o título não se
desvincularia dele, mas o integraria, pois estando com ele vinculado, a
obrigação do devedor estaria atrelada em toda vida do título, inclusive ao
negócio jurídico subjacente, fato que levaria a investigação da causa do título
para findar o negócio cambial. A fonte de toda obrigação cambial nascida seria
o contrato inicial entre as partes.
Requião leciona
que “em relação ao seu credor, o devedor do título se obriga por uma relação
contratual, motivo por que contra ele mantém intatas as defesas pessoais que o
direito comum lhe assegura”; No
entanto, prossegue o Professor Requião, “em relação a terceiros, o fundamento
da obrigação está na sua firma (do emissor), que expressa sua vontade
unilateral de obrigar-se e essa manifestação não deve defraudar as esperanças
que desperta em sua circulação”[2]. Ou
seja, a obrigação cambial existirá mesmo na falta de cumprimento da obrigação
principal, quando o possuidor for de boa-fé.
A teoria sofreu
críticas por não ser uma declaração de duplo sentido, ao contrário, a vontade
seria uma só, “isto é,
como o emitente poderia estar obrigado perante os futuros possuidores, e
eventualmente não assumir obrigações perante o tomador imediato? Além disso,
como poderia a vontade unilateral do emitente ser suficiente para obrigá-lo
perante os credores posteriores, mas não seria suficiente para gerar uma
obrigação perante o credor imediato?” [3].
Por fim, a teoria
foi considerada duvidosa e ilógica, devido admitir o duplo sentido da vontade
do emitente, mas ainda perdura a certeza de sua não sobrevivência como teoria
final, pois “a obrigação cambial nasce independentemente do consentimento do
credor, logo, é muito difícil sustentar um negócio jurídico bilateral como
fonte da obrigação cambiária” [4].
6.1.2. Teoria da emissão
Os adeptos dessa
teoria priorizaram a voluntariedade da entrega do título pelo emissor ao
terceiro, ou seja, somente estaria obrigado ao pagamento do título em uma
eventual saída voluntária das mãos do seu emitente, caso contrário o emitente não
estaria obrigado com o título. O título subscrito teria sua circulação restrita
caso fosse emitido, e não posto em circulação pelo próprio emitente, pois ele assim
não estaria comprometido ao cumprimento do título.
O problema maior
estaria no caso do possuidor de boa-fé de posse do título, o subscritor do
mesmo não poderia opor exceção de falta
de emissão.
A teoria adota a
não obrigação do subscritor do título se ele saiu das suas mãos sem ou contra
sua vontade.
6.1.3. Teoria da criação
Para essa teoria
o título de crédito tem valor próprio por ter sua emissão fundada na declaração
unilateral de vontade do seu criador, pois as obrigações representadas nos
títulos de crédito são abstratas por dispensar a essencialidade da causa na
formação do título.
Segundo os
adeptos dessa teoria o título, após estar devidamente formalizado, possui valor
próprio e é fonte de direito de crédito a um futuro possuidor; se antes de
entregue ao credor o emitente é despojado do título, a obrigação já estará
encartada e seguirá junto com ele, independentemente das condições da
portabilidade. Para essa teoria o subscritor do título estaria obrigado a
cumprir o pagamento, mesmo nos casos de roubos ou extravio do documento.
Como o título
seria uma obrigação assumida pelo emitente e não pela sua vontade, o que se
exige é somente que esteja na posse de um terceiro de boa-fé, pois nesse caso,
o que importaria é a declaração firmada e
não a vontade posta pelo emitente.
É uma teoria que
não respeita a boa-fé, pois os seus adeptos aceitam que o emitente do título,
sabendo que o título está nas mãos de pessoas de má-fé, deve cumprir com a
obrigação encartada no título. A concepção da teoria é a de que a obrigação tem
existência pela simples assinatura do emitente.
Para Pontes de
Miranda, cuja citação é de Rubens Requião, o título em mãos do subscritor já
seria um “valor patrimonial e prestes a se tornar fonte de direito de crédito.
A vontade do devedor já não importa para tal efeito obrigacional: o título é
que produz.... É o título que cria a dívida. A única condição que se impõe a
sua eficácia é a posse pelo primeiro portador, qualquer que seja ela”[5].
No entanto, duas
linhas de análise discutem o momento da eficácia jurídica ou o momento do
aperfeiçoamento do vínculo. Em um primeiro
momento uma das linhas de análise estaria sustentando a eficácia do título quando
de sua assinatura, pois assim que houvesse a redação e assinatura do título, já
estaria produzindo os seus efeitos em relação ao devedor. Portanto, para o
exercício do direito de crédito, bastaria o título chegar às mãos de um credor,
fato que removeria o obstáculo para o exercício do crédito[6].
No segundo momento, a eficácia do
título ficaria subordinada a posse de um credor. Assim, “deve-se distinguir a
perfeição do título da sua eficácia e irrevogabilidade. A perfeição ocorreria
com a assinatura, que não precisa ser receptícia, já a vinculação do declarante
só ocorreria com a chegada dos títulos às mãos do credor” [7].
Portanto, ficou evidente
que a teoria assume que o simples preenchimento do título é fonte de obrigação.
6.1.4. Teoria da aparência
Para os adeptos
dessa teoria a obrigação cambiária nasceria da aparência criada no bojo do
título de crédito, ou seja, a aparência criada pelas declarações cambiais
existentes no título é que teriam valor, independentemente da vontade efetiva
do criador. Dá-se ênfase para a falta de conhecimento de possíveis divergências
existentes, pois independente delas o portador não tomaria conhecimento pela só
aparência do título.
Essa teoria está
ligada a literalidade do título, pois visa proteger o terceiro que deve confiar
no teor do documento de crédito. Os possíveis possuidores do título estariam
livres de qualquer convenção extracartular.
A simples
aparência do título não tem o condão de validar as obrigações cartulares e
afeta sim as demais obrigações que possivelmente foram assumidas no título.
6.1.5. Teoria adotada no Brasil
Para vários autores
o Direito Brasileiro não se filiou a nenhuma teoria, mas a doutrina adotou os
rigores da teoria da criação com
algumas luzes da teoria da emissão,
como nas palavras de Rubens Requião: “temperando os rigores da teoria da
criação com nuanças da teoria da emissão” [8].
O Código Civil
atual, em seu artigo 909 e parágrafo único, dispõe que o “proprietário que
perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele, poderá obter
novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos”,
aproximou-se da teoria da emissão, pois há uma proteção sobre que for
injustamente desapossado do título. Mesmo o credor de boa-fé seria prejudicado
se portador de título que o seu emissor foi injustamente desapossado.
Na realidade,
conforme doutrina atual, o Código Civil de 2002 errou ao tentar fazer a junção
entre as teorias da criação e da emissão.
O artigo 896 (O título de crédito não pode ser
reivindicado do portador que o adquiriu de boa-fé e na conformidade das normas
que disciplinam a sua circulação); artigo 901 (Fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao
legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé) e
parágrafo único (Pagando, pode o devedor
exigir do credor, além da entrega do título, quitação regular) e artigo 905
(O possuidor de título ao portador tem
direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao
devedor), estão filiados na teoria
da criação, pois é clara a proteção ao portador de boa-fé, “na medida em
que ele teria seus direitos resguardados” [9].
A título de
conhecimento de outras teorias, mas sem aprofundamento nas mesmas, temos: a) teoria contratualista, que enquadrava o
título de crédito na categoria dos contratos, pois o emitente de um título
celebraria um contrato com o beneficiário. Esse contrato seria cambiário,
portanto um direito novo revestido da autonomia cambiária e que não faria
confusão com o negócio jurídico firmado entre as partes; b) teoria da declaração unilateral de vontade,
para essa teoria a declaração unilateral seria a vontade criadora da
cambial e a letra de câmbio seria o papel-moeda dos comerciantes. Tal fato não
se sustenta atualmente[10];
c) teoria da boa-fé, por essa teoria
não basta a circulação ser de boa-fé, ou, o terceiro legitimado, para exercício
de seu direito deve estar de boa-fé, caso contrário o emitente poderá opor ao
possuidor de má-fé a exceção do dolo e, assim, anular os efeitos do título.
Nessa teoria privilegia-se a boa-fé e a segurança nas relações cambiárias;
surgiu para diminuir os efeitos da teoria da criação; d) teoria da pendência é a teoria proposta por Jhering, desenvolvida
por Bonelli e agora acolhida e modificada por Messineo [11],
que sustentam que o titular do direito é somente o que for o último
proprietário do título de crédito, ou
seja, aquele que possuir por último o título será o titular de direito estando
autorizado a exercer seus direitos cambiários; e) teoria da delegação, por essa teoria “o devedor autoriza o credor a delegar a um novo credor, e assim
sucessivamente”[12],
ou seja, aquele que emite um título de crédito deve delegar ao beneficiário
original poderes de transferência do crédito a um titulo sucessivo e assim, o
seu sucessor, poderá delegar sucessivamente os poderes do crédito alcançados.
Entenda-se,
porém, que das várias teorias adotadas ou sustentadas por doutrinadores
anteriores, o que determina a circulação do título é a emissão legítima e posse
de boa-fé, com seus sucessores e garantidores devidamente identificados.
[1]
apud Rubens Requião, Curso de Direito
Comercial, 2 vol., 23 ed São Paulo: Saraiva, p. 361
[2]
Idem
[3]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 43.
[4]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 43.
[5]
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial, 2 vol., 23 ed São Paulo: Saraiva, p. 363.
[6]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 45/46.
[7]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.
45/46.
[8]
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito
comercial. 2 vol. 23 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 365.
[9]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 50.
[10]
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito
Empresarial: títulos de crédito, vol. 2, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 44.
[11]
ASCARELLI, Túlio. Teoria Geral dos
Títulos de Crédito. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1943, p. 289.
[12]
ASCARELLI, Túlio. Teoria Geral dos
Títulos de Crédito. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1943, p. 293.