5 de novembro de 2014, 9h00
Por Alberto Esteves Ferreira Filho e Andreia de Andrade
Gomes
Segundo dados da Associação Brasileira de Indústrias Têxtil
(Abit) sobre o ano de 2013, o faturamento da cadeia têxtil e de confecção
excedeu USD 58 bilhões, sendo ainda o maior gerador de primeiro emprego e o
segundo maior empregador da indústria de transformação, perdendo apenas para
alimentos e bebidas juntos.
É no meio de vultos bilionários deste mercado que se
consolida o Fashion Law. Não se trata de um direito específico, como o direito
penal ou o civil, mas não por isso ele deixa de ter relevância.
No escopo do que se denomina Fashion Law, há uma integração
de diversos aspectos das mais variadas áreas, em especial propriedade
intelectual, garantias constitucionais e civis referentes a direitos
personalíssimos como nome e imagem e o direito penal para a repressão de práticas
criminosas. Junto à análise do conjunto de leis, agregam-se doutrinas nacionais
e internacionais e decisões judiciais relacionadas ao setor.
A propriedade intelectual e a moda
Diversos aspectos da legislação de propriedade intelectual
brasileira são utilizados para a proteção da moda, conforme brevemente
detalhado abaixo.
Marcas: Uma marca é um símbolo visual que distingue
determinado produto ou serviço de outros disponíveis no mercado. Muitas vezes,
a marca é a razão da compra, seja por se saber a origem ou qualidade do item,
seja quando o objeto do consumo é o próprio desejo de se ter um objeto com
determinada origem, como no mercado de luxo.
O direito se constitui após a publicação de concessão pelo
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), possui validade nacional e
protege, regra geral, produtos e/ou serviços específicos.
Uma marca que tenha sido depositada para identificar
vestuário não protegerá também móveis, exceto se outra marca for requerida e
registrada para tal finalidade, ou se a marca for de alto renome, sujeita a
procedimento específico perante o INPI. Adicionalmente, uma marca depositada no
Brasil não protege, por exemplo, o uso de uma mesma expressão na Argentina,
exceto se um registro de marca também for obtido no outro país. O inverso, por
regra geral, é igualmente verdadeiro.
Uma vez concedido, o registro brasileiro é válido por 10
anos, com possibilidade de renovações sucessivas e ilimitadas. Enquanto o
registro não é concedido, o titular já goza de certa expectativa que lhe
permite evitar que terceiros venham a utilizar sinais similares aos depositados
anteriormente por ele.
Qualquer símbolo visual não expressamente proibido por lei
pode ser registrado como marca, seja ele composto exclusivamente por elementos
alfanuméricos, visuais, ou por ambos de forma associada.
Quanto às proibições, são as mais diversas, sendo a mais
relevante a impossibilidade de se registrar marca que constitua um reprodução
ou imitação, ainda que parcial e com adição de outros elementos, de marca
anterior de terceiro que possa levar o consumidor a uma confusão, uma
associação indevida.
Outras proibições também merecem destaque, em especial para
a moda, como a impossibilidade de se registrar com exclusividade uma palavra de
uso comum para o objeto ou serviço que se busca identificar, ou cores,
inclusive sua denominação, sem qualquer distintividade.
Desenhos Industriais: Podemos registrar como desenho
industrial as formas plásticas ornamentais de um objeto ou o conjunto
ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto,
proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e
que possa servir de tipo de fabricação industrial, desde que não se encaixe em
proibições da lei.
Dentre as principais proibições para registro de desenhos
industriais destacam-se: a forma não original, sem novidade, e a forma
necessária comum, inclusive aquela determinada essencialmente por considerações
técnicas ou funcionais do que se protege.
Como exemplos aplicáveis à indústria da moda, podemos citar
a padronagem de uma estampa ou de um papel de parede para decoração; o design
de joias ou de móveis; uma embalagem visualmente diferente das comuns, ou até
mesmo uma forma distinta de uma peça de vestuário.
O registro é concedido pelo INPI que, após verificação de
aspectos formais dos documentos, emite o certificado. Sua validade é de 10 anos
contados da data de depósito, podendo ser renovado por três períodos sucessivos
de cinco anos.
Não é feita, exceto se solicitado pelo depositante, análise
de mérito, ou seja, o registro é declaratório, sem garantir que o desenho
industrial não fere direitos de terceiros. Por essa razão, tendo em vista que o
registro é concedido sem exame de mérito, um processo de nulidade
administrativa pode ser instaurado pelo próprio INPI de ofício ou por qualquer
terceiro interessado, no prazo de cinco anos contados da concessão.
Patentes: As patentes se subdividem em invenção e modelo de
utilidade. A primeira protege as invenções que atendam aos requisitos de
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Já a de modelo de
utilidade protege o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de
aplicação industrial, que apresente um novo formato decorrente de atividade
inventiva que resulte em uma melhoria funcional de uso ou fabricação.
Há determinados itens que não podem ser protegidos como
patentes, dentre os quais: uma concepção puramente abstrata; teorias
científicas; métodos matemáticos e de negócio; e a mera apresentação de
informações.
Para patentes, o INPI procede com análise de aspectos
formais e de mérito. A validade da patente de invenção é de 20 anos, enquanto a
de modelo de utilidade é de 15, ambos contados da data de depósito.
Assim como acontece com marcas, enquanto a patente não está
concedida, o depositante já possui expectativa direito que lhe permite, de
forma precária, proibir a utilização não autorizada por terceiros. Caso o uso
não autorizado ocorra, ao titular é assegurado o direito de obter indenização
pela exploração indevida, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a
data da publicação do pedido e a da concessão. Ou seja, caso haja uso não
autorizado de um pedido de patente que depois se torne uma concessão, a
indenização não estará restrita ao uso apenas após a concessão.
Na prática, as patentes também são direitos significativos e
aplicáveis para o universo da moda, em especial considerando o desenvolvimento
de tecnologias, como: novas fibras sintéticas; processo industriais; máquinas
para obtenção de fibras; formatos de ferramentas conferindo melhorias
funcionais para as mais diversas aplicações na indústria têxtil, de lapidação
de gemas, de moldagem de metais, dentre muitas outras.
Direito Autoral: O direito autoral protege as criações do
espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, físico ou
não, conhecido ou que se invente no futuro. Como criações do espírito,
entendemos as criações da mente humana, com aplicação artística.
O direito autoral existe por si e não depende de registro,
embora tal prática seja uma possibilidade, cuja autoridade competente varia de
acordo com a natureza da obra. Trata-se de direito originariamente mundial, com
bases gerais harmonizadas, e não nacional como os mencionados anteriormente. Os
prazos de proteção, em diferentes países, poderão variar.
No Brasil o direito autoral permanece válido durante toda
vida do autor e mais 70 anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de
sua morte. Em obras com mais de um autor, quando não se podem determinar as
parcelas de autoria, o prazo se conta a partir da morte do último. Para obras
audiovisuais e fotográficas, anônimas ou pseudônimas, o prazo de 70 anos é
contado a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da divulgação.
A lei brasileira dispõe sobre possíveis criações que são
protegidas por direito autoral. Mencionada lista, contudo, não é exaustiva.
Desta forma, outros tipos de criações que eventualmente não estejam
expressamente listados, se não forem objeto de vedações legais, poderão ser
protegidas por direitos autorais.
Dentre as vedações legais, as que merecem maior destaque
são: as ideias abstratas ou a ideia contida dentro de uma obra, regras de jogos
ou planos de negócio, assim como informações de uso comum.
No caso das criações relacionadas à moda, embora a lista
exemplificativa da lei não inclua expressamente uma referência ao termo “moda”,
as criações como ilustrações, desenhos, gravuras, ou qualquer outra forma de
arte plástica aplicada à moda gozarão de proteção, independentemente da
possibilidade de proteção por outra forma, como um desenho industrial, por
exemplo.
Importante destacar que os direitos autorais, no Brasil, se
subdividem em dois: morais e patrimoniais. O primeiro se refere ao direito
personalíssimo do autor, que sempre será uma pessoa física, e que não pode ser
transmitido a terceiros, tampouco ser renunciado. A pessoa não tem a
voluntariedade de abdicar da autoria. Está relacionado à natureza de criação e
conexão de sua identidade à obra.
O direito patrimonial, por sua vez, está relacionado à
capacidade de realizar exploração comercial. Pode ser negociado entre o autor
(sempre pessoa física) e terceiros (pessoas físicas ou jurídicas), que poderão
se tornar licenciados ou mesmo titulares dos direitos de exploração patrimonial
de uma obra durante sua validade.
Direito dos Titulares: Os titulares de marcas, desenhos
industriais, patentes ou direitos autorais patrimoniais detém o direito de
restringir o uso não autorizado por terceiros, assim como o direito de
estabelecer a forma como pretendem autorizar possível uso por terceiros, os
limites deste uso, os aspectos financeiros relacionados à exploração, ou mesmo
proceder com a cessão dos direitos em favor de terceiros a título gratuito ou
oneroso.
Especificamente quanto aos titulares de direitos autorais
morais, aspectos singulares são observados, por exemplo, o direito do autor de:
reivindicar a autoria da obra a qualquer tempo, inclusive estabelecendo a
indicação de seu nome para uso da obra e se opor a modificações ou atos que
possam prejudicar sua reputação ou honra.
Trade Dress e a Concorrência Desleal
O Trade Dress é um conceito que surgiu nos Estados Unidos e
ainda não possui definição legal no Brasil. A doutrina nacional e o judiciário
costumam traduzi-lo como conjunto-imagem para a identificação do coletivo de
elementos que caracterizam a identidade visual de uma marca, produto ou
serviço.
Há uma violação de trade dress quando um concorrente imita
uma série de características de determinado produto, ou até mesmo a forma de
operação e apresentação de um estabelecimento. A infração ocorre, por exemplo,
quando um consumidor entra em uma loja pensando estar em outra, por haver uma
iluminação e coloração de paredes similares, mobiliário e disposição de layout
parecido, por vezes até mesmo um determinado aroma peculiar característico, o
uniforme dos funcionários, as embalagens, dentre outros possíveis elementos
coincidentes.
Com relação a um produto, haverá infração de trade dress
quando aspectos que vão além da marca são copiados, como, por exemplo: mesma
coloração; mesma disposição de apresentação geral e elementos de composição;
formatos de rótulos, dentre muito outros aspectos que intencionalmente são
replicados para que haja um aproveitamento parasitário de produto já
desenvolvido anteriormente.
Embora, diferentemente do que acontece em caso de violação
de marcas, patentes, desenhos industriais e direito autoral, não haja um tipo
penal de “violação de conjunto-imagem”, uma vez que o próprio conceito não foi
expressamente internalizado em lei, nossas normas coíbem tais práticas através
da penalização por atos de concorrência desleal.
Diversos atos são expressamente identificados no tipo penal
de concorrência desleal, dentre os quais, o mais utilizado para a defesa e que
merece destaque, é o emprego de meio fraudulento para desvio de clientela de
outrem, em proveito próprio ou alheio.
A coibição aos atos de concorrência desleal, por englobarem
amplamente o uso de meios fraudulentos, empodera aqueles detentores de direitos
não formalmente constituídos, mas que cuja reprodução não autorizada claramente
se nota como infração, como acontece no caso do trade dress.
Uso de Nome e Imagem
O nome e a imagem constituem direitos personalíssimos e que
não podem ser cedidos. De toda forma, para sua exploração, é possível conceder
autorizações específicas e restritas. O documento que preveja a autorização
deverá indicar de maneira clara e expressa a forma de uso permitida, os
veículos, suporte, prazo, território e exclusividade.
Por se tratarem de direitos personalíssimos, não podem ser
cedidos e as autorizações de uso podem ser revogadas a qualquer tempo por seus
titulares. Contratualmente, não há impedimento para que se preveja a aplicação
de multa em caso de revogação, em especial porque o uso comercial de
determinado nome e/ou imagem quase sempre está associado a grandes
investimentos de marketing, produção e transmissão.
Determinadas marcas podem ser a reprodução de nomes, sendo o
registro condicionado ao fato do titular a ter requerido ou ter autorizado
outra pessoa a registra-la. A marca contendo um nome poderá ser objeto de
exploração comercial por seu titular, seja por licença ou por cessão.
Quando titular da marca que replique um nome não for a
própria pessoa tal fato não impedirá que o indivíduo use seu nome para todos os
atos civis, exceto para identificação dos produtos e/ou serviço protegidos
pelas especificações da marca.
Referências, Inspirações e Violação de Direitos
É inegável que referência e inspirações sempre existirão. É
extremamente comum que elementos já utilizados no passado, como apresentações marcantes
de uma determinada década, de um estilo, sejam revisitados — o que é plenamente
legal.
De toda forma, ao se verificar uma criação que supostamente
viole outra anterior, alguns aspectos deverão ser observados para que se possa
afirmar ter havido violação. Uma das principais discussões se refere ao que
deverá ser considerado original.
A aplicação da originalidade na moda não é absoluta e pode
não estar no ponto zero da criação, mas sim o que foi recriado com estilo
próprio, com apresentação razoavelmente distinta. De forma geral, quando ocorre
uma suspeita de violação, verificam-se: semelhanças; diferenças; efetiva
originalidade do suposto primeiro criador; ausência de caracterização de uso
comum; a capacidade de associação e, inclusive, a boa-fé do suposto violador.
Medidas Preventivas
Os criadores e gestores de propriedade intelectual
resultante das criações devem celebrar e manter contratos precisos com seus
parceiros de negócio, com clara indicação de objeto e titularidade.
Aconselha-se, também, a busca de especialistas que avaliem as medidas possíveis
e mais adequadas, ainda que cumulativas, para proteção dos seus direitos,
inclusive os procedimentos de registro.
Oportunamente, é recomendável guardar toda comunicação
trocada envolvendo criação e desenvolvimento de algum produto. Toda etapa de
criação de um trabalho intelectual deve ser arquivada, em especial para
subsidiar medidas judiciais e extrajudiciais que porventura sejam necessárias
para comprovar a titularidade e anterioridade de alguma criação copiada.
No Brasil, por mais que ainda não tenhamos legislação que
especificamente proteja uma criação da moda, o ordenamento nacional atual já
possui robusta base legal para dar suporte à titularidade de criações e
reprimir violações de direitos, sejam eles tipificados ou não.
Alberto Esteves Ferreira Filho é advogado no TozziniFreire
Advogados.
Andreia de Andrade Gomes é sócia responsável pela área de
Propriedade Intelectual e Entretenimento e do Grupo Setorial de Fashion Law de
TozziniFreire Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 5 de novembro de 2014, 9h00