AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DEsconsideração da personalidade JURÍDICA. PRECLUSÃO. uso abusivo.
Possível ao julgador o reexame da aplicabilidade da
desconsideração, pois a matéria é tratada no Código de Defesa do Consumidor
como um poder-dever do magistrado, sujeito à análise valorativa de
pressupostos, alterável ao longo da causa. Importa em uso abusivo da
personalidade jurídica e autoriza o direcionamento da execução aos bens da
agravante o fato de inexistir a necessária distinção entre seu patrimônio e o da
empresa que administrava, bem como a insuficiência do capital social da
sociedade para cobrir os riscos inerentes ao seu objeto. Também a circunstância
de ser a recorrente detentora de 99% das quotas sociais, pertencendo o outro 1%
ao seu filho, menor impúbere, está a apontar para a manipulação do instituto.
Agravo IMPROVIDO.
Agravo de Instrumento
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Décima Câmara Cível
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Nº 70006350797
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Comarca de Caxias do Sul
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PINOQUIO BERCARIO E PRE ESCOLA LTDA
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AGRAVANTE
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EDI MARIA MAZZOTTI
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AGRAVANTE
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LUIS ANTONIO MARCHETT
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AGRAVADO
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CAROLINA LUISA MARCHETT
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AGRAVADO
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam, os Desembargadores integrantes da Décima
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar
provimento ao agravo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os
eminentes Senhores Des. Luiz Lúcio Merg e Des. Paulo Antônio Kretzmann.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2003.
DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA,
Relator.
VOTOS
Des. Luiz Ary Vessini de Lima (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento de decisão que
desconsiderou a personalidade jurídica de sociedade executada, devido à
dissolução irregular, a fim de responsabilizar pessoalmente sua sócia
majoritária, ora agravante. Sustenta-se preclusão da matéria, porquanto já
examinada por outro magistrado no processo, e a reforma do julgado, haja vista
ter a paralisação das atividades decorrido da alienação judicial dos bens que
guarneciam a empresa.
Em contra-razões, requer-se, a título de antecipação de
tutela, seja efetuada a penhora dos direitos sucessórios da agravante no rosto
dos autos de processo de inventário. Propugna-se pela manutenção da decisão
agravada em face do estado de insolvabilidade da devedora e de sua dissolução
sem regularização na Junta Comercial e pagamento de tributos.
O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso.
Colegas! Merece ser mantida a decisão de primeira
instância, malgrado sob diverso fundamento.
Inicialmente, afasto a preliminar de preclusão,
porquanto possível ao julgador o reexame da aplicabilidade da desconsideração,
pois a matéria é tratada no Código de Defesa do Consumidor como um poder-dever
do magistrado, sujeito à existência de pressupostos, cuja verificação depende
de análise valorativa, alterável ao longo da causa.
Ademais, o
instituto vem consagrado em norma de ordem pública, por expressa disposição
legal (art. 1º da Lei 8.078/90), podendo o juiz dele conhecer até mesmo sem
provocação das partes. Sobre o assunto, aliás, já decidiu esta Corte:
“REVELIA. 1) PRECLUSÃO. No direito pátrio, não
tem por objeto a própria atividade do juiz, somente recaindo sobre as
faculdades dos litigantes ou sobre as questões dependentes, para serem
conhecidas pelo juiz, da iniciativa das partes (CPC, arts. 128 e 471). 2)
Falta de comparecimento da ré e do seu advogado. Pregão defeituoso.
Identificação positiva pelo magistrado da presença do advogado. Revogação
inadmissível. Agravo improvido.” TJRS, AI nº 191013200, 3ª Câmara Cível, Rel.
Des. Araken de Assis, J. 17/04/1991.
Outrossim, necessário mencionar que o fato de o acórdão
proferido em sede de processo de conhecimento (p. 20 a 27) ter afastado a
responsabilidade da agravante por ilegitimidade passiva, afirmando ser da
empresa o dever de guarda descumprido, não impede a aplicação da disregard
doctrine, mediante a configuração das hipóteses do art. 28 do diploma legal
referido.
Por outro lado, o encerramento da pessoa jurídica,
decorrente - à primeira vista - do próprio processo executivo, não está a
autorizar o afastamento de sua personalidade, sendo necessário, para tanto, a
prova de má-gestão, não se podendo depreendê-la da simples inadimplência
fiscal.[1]
Contudo, autoriza o direcionamento da execução aos bens
da agravante o fato de inexistir a necessária distinção patrimonial entre sua
pessoa e aquela que administrava, bem como a insuficiência do capital social
para cobrir os riscos inerentes à atividade desenvolvida, configurando-se a
abusividade na utilização da personalidade jurídica.
Veja-se, inicialmente, que a empresa estabeleceu-se em
local de propriedade dos pais da sócia majoritária, não havendo notícia da
existência de contrato oneroso a justificar o uso.
Com o falecimento dos genitores - após a condenação da
sociedade ao pagamento de indenização à ora exeqüente -, firmou-se contrato de
locação com o espólio (p. 171 e 172), no qual se previu a venda futura do
imóvel, contrariando-se a expectativa de que ele permaneceria com a recorrente
que, afinal, há muito dele se utilizava para exploração comercial.
Ou seja, parece ter havido uma tentativa de desvincular
o estabelecimento empresarial do complexo de bens da agravante, pois tal
situação é fortemente indicativa da ausência de autonomia financeira da pessoa
jurídica.
Deve-se referir, de outra parte, que a sociedade extinguiu
inúmeros contratos de trabalho (p. 54 a 61), procedimento sabidamente oneroso,
sem que dispusesse sequer de conta corrente em nome próprio, a ser indicada
anteriormente para penhora, presumindo-se que os valores correspondentes tenham
provindo de sócios.
Tal situação se subsume no que a doutrina vem
entendendo por confusão patrimonial:
“Se,
a partir da escrituração ou da movimentação de contas de depósito bancário
percebe-se que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela,
ou o inverso, então não há suficiente distinção, no plano patrimonial entre as
pessoas. Outro indicativo eloqüente de confusão, a ensejar desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade é a existência de bens de sócio registrados
em nome da sociedade, e vice-versa”.[2]
De outra parte, não se há admitir que uma pessoa
jurídica, cujo objeto social constitui-se na guarda de crianças - importando
obviamente em riscos, a serem cobertos pela fornecedora -, possua capital
social de R$ 2.000,00, incapaz de atender a mais ínfima pretensão
indenizatória.
Seria estabelecer-se a ausência de responsabilidade da
empresa, que também não necessita de sofisticada estrutura com a qual pudesse
responder, situação que não mais se aceita sob a égide do Código de Defesa do
Consumidor.
Destarte, nessas hipóteses, em que o capital é
obviamente insuficiente para cobrir os riscos inerentes à atividade,
verificando-se, ainda, a confusão patrimonial entre sociedade e sócios, é
imperativo o reconhecimento do uso abusivo do da personalidade jurídica,
coibindo-se a burla à lei e aos direitos de credores.
Note-se, ainda, que, no caso em tela, a recorrente
detém 99% das quotas sociais, enquanto seu filho, menor impúbere, possui o
outro 1% (p. 241), circunstância que demonstra se tratar a agravante de
verdadeira comerciante individual, para quem, aliás, a responsabilidade pessoal
pelos débitos é ilimitada, apontando-se, novamente, para a manipulação do
instituto.
Finalmente, quanto ao pedido de penhora dos direitos
sucessórios da agravante no rosto dos autos do processo de inventário, deve ser
formulado ante o primeiro grau de jurisdição, a fim de evitar-se supressão de
instância.
Pelo exposto, estou em IMPROVER o agravo.
É como voto.
Des. Luiz Lúcio Merg (REVISOR) - De
acordo.
Des. Paulo Antônio Kretzmann - De acordo.
Julgador(a) de 1º Grau: ANTONIO CLARET FLORES CECCATTO
[1] Respeitáveis doutrinadores defendem,
inclusive, não ser hipótese de aplicação da disregard doctrine, mas de
responsabilização direta dos dirigentes: “Se ocorrer a falência da sociedade
empresária, a insolvência da associação ou fundação ou mesmo o encerramento ou
a inatividade de qualquer uma delas em decorrência de má administração, então
será possível imputar ao administrador a responsabilidade dos danos sofridos
pelos consumidores. Novamente, a existência e a autonomia da pessoa jurídica
não obstam essa responsabilização, descabendo, por isso, a referência à sua
desconsideração. “ COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª ed., São
Paulo: Saraiva, v. 2, 2002, p. 51.
[2] COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, v. 2,
2002, p. 43 e 44.