quinta-feira, 16 de julho de 2015

Também a circunstância de ser a recorrente detentora de 99% das quotas sociais, pertencendo o outro 1% ao seu filho, menor impúbere, está a apontar para a manipulação do instituto.



AGRAVO DE INSTRUMENTO.  DEsconsideração da personalidade JURÍDICA. PRECLUSÃO. uso abusivo.

Possível ao julgador o reexame da aplicabilidade da desconsideração, pois a matéria é tratada no Código de Defesa do Consumidor como um poder-dever do magistrado, sujeito à análise valorativa de pressupostos, alterável ao longo da causa. Importa em uso abusivo da personalidade jurídica e autoriza o direcionamento da execução aos bens da agravante o fato de inexistir a necessária distinção entre seu patrimônio e o da empresa que administrava, bem como a insuficiência do capital social da sociedade para cobrir os riscos inerentes ao seu objeto. Também a circunstância de ser a recorrente detentora de 99% das quotas sociais, pertencendo o outro 1% ao seu filho, menor impúbere, está a apontar para a manipulação do instituto.
Agravo IMPROVIDO.

Agravo de Instrumento

Décima Câmara Cível
Nº 70006350797

Comarca de Caxias do Sul
PINOQUIO BERCARIO E PRE ESCOLA LTDA

AGRAVANTE
EDI MARIA MAZZOTTI

AGRAVANTE
LUIS ANTONIO MARCHETT

AGRAVADO
CAROLINA LUISA MARCHETT

AGRAVADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam, os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luiz Lúcio Merg e Des. Paulo Antônio Kretzmann.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2003.

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA,
Relator.

VOTOS
Des. Luiz Ary Vessini de Lima (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento de decisão que desconsiderou a personalidade jurídica de sociedade executada, devido à dissolução irregular, a fim de responsabilizar pessoalmente sua sócia majoritária, ora agravante. Sustenta-se preclusão da matéria, porquanto já examinada por outro magistrado no processo, e a reforma do julgado, haja vista ter a paralisação das atividades decorrido da alienação judicial dos bens que guarneciam a empresa.
Em contra-razões, requer-se, a título de antecipação de tutela, seja efetuada a penhora dos direitos sucessórios da agravante no rosto dos autos de processo de inventário. Propugna-se pela manutenção da decisão agravada em face do estado de insolvabilidade da devedora e de sua dissolução sem regularização na Junta Comercial e pagamento de tributos.
O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso.

Colegas! Merece ser mantida a decisão de primeira instância, malgrado sob diverso fundamento.
Inicialmente, afasto a preliminar de preclusão, porquanto possível ao julgador o reexame da aplicabilidade da desconsideração, pois a matéria é tratada no Código de Defesa do Consumidor como um poder-dever do magistrado, sujeito à existência de pressupostos, cuja verificação depende de análise valorativa, alterável ao longo da causa.
Ademais, o instituto vem consagrado em norma de ordem pública, por expressa disposição legal (art. 1º da Lei 8.078/90), podendo o juiz dele conhecer até mesmo sem provocação das partes. Sobre o assunto, aliás, já decidiu esta Corte:

“REVELIA. 1) PRECLUSÃO. No direito pátrio, não tem por objeto a própria atividade do juiz, somente recaindo sobre as faculdades dos litigantes ou sobre as questões dependentes, para serem conhecidas pelo juiz, da iniciativa das partes (CPC, arts. 128 e 471). 2) Falta de comparecimento da ré e do seu advogado. Pregão defeituoso. Identificação positiva pelo magistrado da presença do advogado. Revogação inadmissível. Agravo improvido.” TJRS, AI nº 191013200, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Araken de Assis, J. 17/04/1991.

Outrossim, necessário mencionar que o fato de o acórdão proferido em sede de processo de conhecimento (p. 20 a 27) ter afastado a responsabilidade da agravante por ilegitimidade passiva, afirmando ser da empresa o dever de guarda descumprido, não impede a aplicação da disregard doctrine, mediante a configuração das hipóteses do art. 28 do diploma legal referido.
Por outro lado, o encerramento da pessoa jurídica, decorrente - à primeira vista - do próprio processo executivo, não está a autorizar o afastamento de sua personalidade, sendo necessário, para tanto, a prova de má-gestão, não se podendo depreendê-la da simples inadimplência fiscal.[1]
Contudo, autoriza o direcionamento da execução aos bens da agravante o fato de inexistir a necessária distinção patrimonial entre sua pessoa e aquela que administrava, bem como a insuficiência do capital social para cobrir os riscos inerentes à atividade desenvolvida, configurando-se a abusividade na utilização da personalidade jurídica.
Veja-se, inicialmente, que a empresa estabeleceu-se em local de propriedade dos pais da sócia majoritária, não havendo notícia da existência de contrato oneroso a justificar o uso.
Com o falecimento dos genitores - após a condenação da sociedade ao pagamento de indenização à ora exeqüente -, firmou-se contrato de locação com o espólio (p. 171 e 172), no qual se previu a venda futura do imóvel, contrariando-se a expectativa de que ele permaneceria com a recorrente que, afinal, há muito dele se utilizava para exploração comercial.
Ou seja, parece ter havido uma tentativa de desvincular o estabelecimento empresarial do complexo de bens da agravante, pois tal situação é fortemente indicativa da ausência de autonomia financeira da pessoa jurídica.
Deve-se referir, de outra parte, que a sociedade extinguiu inúmeros contratos de trabalho (p. 54 a 61), procedimento sabidamente oneroso, sem que dispusesse sequer de conta corrente em nome próprio, a ser indicada anteriormente para penhora, presumindo-se que os valores correspondentes tenham provindo de sócios.
Tal situação se subsume no que a doutrina vem entendendo por confusão patrimonial:

“Se, a partir da escrituração ou da movimentação de contas de depósito bancário percebe-se que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso, então não há suficiente distinção, no plano patrimonial entre as pessoas. Outro indicativo eloqüente de confusão, a ensejar desconsideração da personalidade jurídica da sociedade é a existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade, e vice-versa”.[2]

De outra parte, não se há admitir que uma pessoa jurídica, cujo objeto social constitui-se na guarda de crianças - importando obviamente em riscos, a serem cobertos pela fornecedora -, possua capital social de R$ 2.000,00, incapaz de atender a mais ínfima pretensão indenizatória.
Seria estabelecer-se a ausência de responsabilidade da empresa, que também não necessita de sofisticada estrutura com a qual pudesse responder, situação que não mais se aceita sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.
Destarte, nessas hipóteses, em que o capital é obviamente insuficiente para cobrir os riscos inerentes à atividade, verificando-se, ainda, a confusão patrimonial entre sociedade e sócios, é imperativo o reconhecimento do uso abusivo do da personalidade jurídica, coibindo-se a burla à lei e aos direitos de credores.
Note-se, ainda, que, no caso em tela, a recorrente detém 99% das quotas sociais, enquanto seu filho, menor impúbere, possui o outro 1% (p. 241), circunstância que demonstra se tratar a agravante de verdadeira comerciante individual, para quem, aliás, a responsabilidade pessoal pelos débitos é ilimitada, apontando-se, novamente, para a manipulação do instituto.
Finalmente, quanto ao pedido de penhora dos direitos sucessórios da agravante no rosto dos autos do processo de inventário, deve ser formulado ante o primeiro grau de jurisdição, a fim de evitar-se supressão de instância.
Pelo exposto, estou em IMPROVER o agravo.
É como voto.

Des. Luiz Lúcio Merg (REVISOR) - De acordo.
Des. Paulo Antônio Kretzmann - De acordo.


Julgador(a) de 1º Grau: ANTONIO CLARET FLORES CECCATTO


[1]  Respeitáveis doutrinadores defendem, inclusive, não ser hipótese de aplicação da disregard doctrine, mas de responsabilização direta dos dirigentes: “Se ocorrer a falência da sociedade empresária, a insolvência da associação ou fundação ou mesmo o encerramento ou a inatividade de qualquer uma delas em decorrência de má administração, então será possível imputar ao administrador a responsabilidade dos danos sofridos pelos consumidores. Novamente, a existência e a autonomia da pessoa jurídica não obstam essa responsabilização, descabendo, por isso, a referência à sua desconsideração. “ COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, v. 2, 2002, p. 51.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, v. 2, 2002, p. 43 e 44.

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