Acórdão
APELAÇÃO CÍVEL Nº.
496.369-3, DE ANDIRÁ - VARA CÍVEL, FAMÍLIA E ANEXOS
Apelante : PEDRO
ANTONIO DUARTE
Apelado: ..............................
Relator: Des. LUIZ
CARLOS GABARDO
Revisor: Des. JUCIMAR
NOVOCHADLO
APELAÇÃO
CÍVEL. MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO. PROTESTO POR FALTA DE PAGAMENTO. ALEGAÇÃO DE
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ACEITE. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO.
DUPLICATA. EMISSÃO. IRREGULARIDADE. OCORRÊNCIA. VINCULAÇÃO A MAIS DE UMA NOTA
FISCAL-FATURA. NULIDADE.
1.
As matérias não deduzidas no juízo singular não podem ser invocadas em sede
recursal, sob pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição.
2. A
vinculação do título à fatura, imposta no § 2º do artigo 2º da Lei nº 5.474/68,
visa a evitar que a duplicata possa corresponder a mais de um negócio jurídico.
3. A
nota fiscal emitida com características de fatura é denominada de "nota
fiscal fatura" e está regulamentada no art. 19, § 7º, do Convênio de
criação do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais, s/nº de
15.12.70.
4.
Carece de validade, por falta de requisito essencial, a duplicata extraída em
decorrência de mais de uma nota fiscal fatura.
5.
Apelação parcialmente conhecida e, nesta parte, provida.
I -
RELATÓRIO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível sob nº 496.369-3, da
Comarca de Andirá - Vara Cível, Família e Anexos, em que é apelante PEDRO
ANTONIO DUARTE e apelada EMMA APARECIDA FURLAN POSSAGNOLI.
Trata-se
de recurso interposto contra sentença (ff. 182/193), mediante a qual a MM.
Juíza julgou improcedentes os pedidos iniciais da medida cautelar de sustação
de protesto e da ação declaratória de inexigibilidade do título c/c danos
morais, ajuizadas por Pedro Antônio Duarte em face de Emma Aparecida Furlan
Possagnoli, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), de
acordo com o art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.
O
requerente interpôs apelação (ff. 196/206), na qual alega, em síntese, que: a)
a falta de aceite impede o protesto da duplicata por falta de pagamento; b) a
emissão da duplicata foi simulada, uma vez que "a quantidade estabelecida
pelas notas não são verdadeiras e não podem instruir a duplicata levada a
protesto por falta de pagamento" (sic); e, c) a duplicata é nula, de
acordo com art. 2º, §2º, da Lei nº. 5.474/68, por corresponder a mais de uma
nota fiscal fatura.
A
apelada apresentou contra-razões (ff. 211/214).
É o
relatório.
II -
VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
Presentes
os requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido, exceto em
relação à alegação de que "o protesto teve como fundamento a falta de
pagamento, no entanto a duplicata deveria ter sido protestada por falta de
aceite" (f. 197).
A
alegação implica evidente inovação recursal, prática vedada pelo ordenamento
jurídico, em razão da norma do art. 517 do Código de Processo Civil.
Neste
sentido, observe-se o ensinamento de Amaral SANTOS:
"No
sistema brasileiro se devolve ao Juízo do recurso o conhecimento das mesmas
razões suscitadas e discutidas no juízo 'a quo'. Haverá no Juízo do recurso, um
novo pronunciamento, um novo julgamento com base no mesmo material de que se
serviu o juiz de primeiro grau. Os argumentos poderão variar, mas com
fundamentos nos mesmos fatos deduzidos e nas mesmas provas produzidas no Juízo
inferior. Daí segue-se que as questões de fato não propostas no Juízo inferior
não poderão ser suscitadas na apelação. A não ser assim, as novas questões de
fato seriam apreciadas e decididas com ofensa ao princípio do duplo grau de
jurisdição". (In Primeiras Linhas...., vol. 3, pg. 115.)
Outrossim,
em função do princípio da estabilização objetiva da lide, é vedada a
modificação do pedido ou da causa de pedir após o saneamento do processo,
conforme é a norma do artigo 264, parágrafo único, do Código de Processo Civil:
"Feita a citação, é defesa ao autor modificar o pedido ou a causa de
pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições
permitidas por lei. Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir
em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo".
Portanto,
em razão do atual estágio da relação processual, não se pode admitir a
modificação da causa de pedir para que passe a abranger, também, a eventual
nulidade do protesto, por ter sido feito, em tese, em modalidade inadequada
(falta de pagamento enquanto deveria ser falta de aceite).
- Da nulidade da duplicata como título
de crédito
Aduz o apelante que as notas fiscais
foram emitidas como "nota fiscal/fatura", razão pela qual não podem
corresponder a uma única duplicata.
Assiste-lhe razão.
De acordo com a doutrina, a duplicata é
título causal, que só pode ser extraída em decorrência de fatura que comprove a
compra e venda mercantil ou a prestação de serviços.
No caso dos autos, como o requerido não
apresentou a "fatura que comprove a relação de compra e venda
mercantil" que permite a emissão da duplicata, mas apenas as notas fiscais
e o recibo de entrega de mercadorias, conclui-se que o comerciante adotou o
sistema NF-Fatura.
Esse sistema foi instituído pelo
Convênio de Criação do Sistema Nacional Integrado de Informações
Econômico-Fiscais, s/nº de 15.12.70, que criou a possibilidade de a nota fiscal
servir como fatura, conforme se extrai do seu art. 19, § 7º: "A nota fiscal poderá servir como
fatura, feita a inclusão dos elementos necessários no quadro
"FATURA", caso em que a denominação prevista nas alíneas
"n" do inciso I e "d" do inciso IX, passa a ser Nota
Fiscal-Fatura".
A jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça coaduna com este mesmo entendimento, conforme o voto a seguir
transcrito, proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do REsp
450.628/MG, publicado no DJ de 12.05.2003, p. 306, e utilizado pelo doutrinador
Fabio Ulhoa COELHO para esclarecer a questão: "2. Nos termos da lei, na compra e
venda mercantil com prazo não inferior a 30 dias, o vendedor extrairá fatura
(art. 1º, caput, da Lei 5474, de 18.07.68), que discriminará as mercadorias ou
indicará os números e os valores das notas parciais (§ 1º, art. 1º). Essa
fatura 'é a conta de venda que o vendedor remete ao comprador'; não é título
representativo de mercadorias, nem é título de crédito, mas é documento do contrato
de compra e venda, e serve para a criação da duplicata (Rubens Requião, Curso,
vol. 2, p. 491). A fatura é um documento que se destina a ser apresentado ao
comprador, na entrega ou na expedição das mercadorias, e serve facultativamente
à expedição de duplicata, que é o título de crédito. A nota de venda é exigível
sempre que houver a compra e venda; a fatura, somente nas vendas a prazo a
partir de trinta dias, enquanto a extração da duplicata é sempre facultativa,
mas pressupõe a existência da fatura, pois na duplicata deve constar o número
da fatura (art. 2o, § 1º, II). 3. Quando não há fatura, a rigor não poderia
haver duplicata. No entanto, "Em 1970, por convênio celebrado entre o
Ministério da Fazenda e as Secretarias Estaduais da Fazenda, com vistas ao
intercâmbio de informações fiscais, possibilitou-se aos comerciantes a adoção
de um instrumento único de efeitos comerciais e tributários: a 'nota
fiscal-fatura'. O comerciante que adota este sistema pode emitir uma única
relação de mercadorias vendidas, em cada operação que realizar, produzindo,
para o direito comercial, os efeitos da fatura mercantil e, para o direito
tributário, os da nota fiscal. O comerciante que utiliza NF-fatura não poderá,
no entanto, deixar de emitir o documento em qualquer operação que realize,
mesmo em se tratando de venda não a prazo. A distinção entre hipóteses de
emissão facultativa ou obrigatória da relação de mercadorias vendidas, prevista
pela Lei das Duplicatas, perde, assim, o sentido prático em relação aos comerciantes
que utilizam a NF-fatura, pois a sua emissão é sempre obrigatória. Da fatura -
ou da NF-fatura - o vendedor poderá extrair um título de crédito denominado
duplicata. Se a emissão da fatura é facultativa ou obrigatória de acordo com a
natureza da venda e se a emissão da NF-fatura é sempre obrigatória, a emissão
da duplicata mercantil, por sua vez, é sempre facultativa. O vendedor não está
obrigado a sacar o título em nenhuma situação. Mas não poderá emitir, também,
letra de câmbio, diante de expressa vedação legal (LD, art. 2º). A compra e
venda mercantil poderá ser representada por nota promissória ou por cheque, que
são títulos sacados pelo comprador. Ao vendedor, no entanto, a lei só permite o
saque da duplicata mercantil, nenhum outro título. A duplicata mercantil deve
ser emitida com base na fatura ou na NF-fatura. Logo, sua emissão se dá após a
de uma destas relações de mercadorias vendidas. Mas, embora não fixe a lei um
prazo específico máximo para a emissão do título, deve-se entender que ele não
poderá ser sacado após o vencimento da obrigação ou da primeira prestação"
(Fábio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial, ed. Saraiva, 12ª ed., 2000,
fls. 268/269) Grifou-se.
Ressalte-se
que, apesar de a duplicata não mencionar o número das notas fiscais fatura, a
vinculação entre elas é evidente, uma vez que as notas fiscais totalizam a soma
de R$ 13.764,49 (treze mil, setecentos e sessenta e quatro reais e quarenta e
nove centavos), valor este que corresponde exatamente ao da duplicata
protestada no Cartório de Protestos de Andirá (f. 06).
Ocorre
que, nos termos do art. 2º, §2º, da Lei 5.474/68, a emissão de duplicata deve
se referir a apenas uma fatura ou Nota Fiscal/Fatura, conforme se destaca: "Uma
só duplicata não pode corresponder a mais de uma fatura".
Sobre
o tema, Luiz Emygdio Francisco da ROSA Jr. leciona que1: "A
vinculação do título à fatura visa a evitar que a duplicata possa corresponder
a mais de uma fatura (LD, art. 2º, §2º) porque cada fatura decorre de uma
compra e venda ou de uma prestação de serviços, e a duplicata não pode ser
vinculada a mais de um negócio jurídico".
A
emissão, portanto, de apenas uma duplicata para representar vários negócios
jurídicos infringe dispositivo expresso da lei regulamentadora, o que importa
em ausência de requisito essencial para a sua emissão e, conseqüentemente, gera
a nulidade do título.
Nesse
sentido destaco a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça : "Duplicata:
requisito essencial. Art. 2º, § 2º, da Lei nº 5.474/64. Condição da ação.
Possibilidade de conhecimento de ofício pelo Tribunal. Precedentes da Corte. 1.
A vinculação da duplicata a mais de uma fatura retira-lhe requisito essencial
sendo inerente à condição da respectiva execução, daí que pode ser examinada
diretamente pelo Tribunal, não violando o art. 300 do Código de Processo Civil.
2.
Recurso especial não conhecido". (STJ - REsp 577.785/SC, Rel. Ministro
Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 17.12.2004 p. 527)
Logo,
como restou demonstrado nos autos que a duplicata levada a protesto foi sacada
em decorrência de mais de uma operação mercantil de compra e venda de materiais
de construção (Notas Fiscais/ Faturas nºs 372, 373, 374 e 375), impõe-se o
reconhecimento da nulidade do título de crédito.
Conseqüentemente,
a análise da alegação de que a duplicata foi emitida de forma simulada, pois
"a quantidade estabelecida pelas notas não são verdadeiras e não podem
instruir a duplicata levada a protesto por falta de pagamento" (sic) resta
prejudicada.
-
Dos ônus de sucumbência
De
acordo com o princípio da sucumbência, com o provimento da apelação, a
requerida deve arcar com a integralidade das custas processuais e dos
honorários advocatícios fixados na sentença.
Do
exposto, voto por conhecer parcialmente da apelação interposta por Pedro
Antonio Duarte e, na parte conhecida, por dar-lhe provimento, para: a)
reconhecer a nulidade da duplicata levada a protesto, por emissão irregular do
título; b) afastar os efeitos da cambial, tornando definitiva a ordem de
sustação concedida em liminar na ação cautelar n° 333/2001; e, c) condenar a
requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, de
acordo com valor fixado na sentença.
III
- DISPOSITIVO
ACORDAM
os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer parcialmente
da apelação interposta por Pedro Antonio Duarte e, na parte conhecida, dar-lhe
provimento, para: a) reconhecer a nulidade da duplicata levada a protesto, por
emissão irregular do título; b) afastar os efeitos da cambial, tornando
definitiva a ordem de sustação concedida em liminar na ação cautelar n°
333/2001; e, c) condenar a requerida ao pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios, de acordo com o valor fixado na sentença.
Participaram
da sessão de julgamento os Excelentíssimos Desembargadores HAMILTON MUSSI
CORREA, Presidente, com voto, e JUCIMAR NOVOCHADLO.
Curitiba,
17 de setembro de 2008.
LUIZ
CARLOS GABARDO
Relator
1
ROSA JR, Luiz Emygdio Francisco da. Títulos de Crédito. Editora RENOVAR. 5ªed.
P. 684